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Entre a mitologia e a etnografia: transformações nas Américas indígenas

APRESENTAÇÃO

O conjunto de trabalhos aqui reunidos é dedicado à relação entre mitologia e etnografia, partindo do estudo dos mitos e suas transformações em diversos povos indígenas de distintas regiões nas Américas indígenas. As pesquisas contempladas no dossiê percorrem um arco desenhado entre o Brasil Central, os afluentes do Rio Guaporé e o interflúvio Juruá-Purus no Sudoeste amazônico/Amazônia Ocidental, o Alto Rio Negro no Noroeste Amazônico, Mesoamérica e Noroeste Mexicano. Todos os artigos tomam como inspiração as lições das Mitológicas, de Claude Lévi-Strauss, uma das obras mais monumentais já produzidas no âmbito da antropologia e das ciências humanas. O impacto deste trabalho é, desde sua publicação inaugural em 1964, muito significativo para toda a pesquisa etnográfica realizada na etnologia indígena. Mas a despeito desta trivial avaliação, por sua complexidade, as Mitológicas estão longe de ter sido esgotadas. Este dossiê pretende adensar o estudo dos mitos entre povos indígenas, contribuindo para o entendimento de sua atualidade.

Curiosamente, dentre os diferentes esforços de pesquisa etnológica pós-Mitológicas, o estudo estrutural dos mitos indígenas foi o que permaneceu mais “envergonhado” diante do extraordinário empreendimento de Lévi-Strauss. É o diagnóstico de Oscar Calavia Sáez, quando afirma que “caberia se perguntar se Mitológicas abriu uma nova era dos estudos sobre o mito ou se simplesmente os cancelou, fazendo do mito um objeto ao mesmo tempo magnífico e inane” (2004CALAVIA SÁEZ, Oscar. 2004. “Resenha de O cru e o cozido (Mitológicas v.1) e Do mel às cinzas (Mitológicas v.2)”. Ilha, vol. 6, n. 1, 2: 241-247. DOI: 10.5007/%25x
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: 242). Entendemos aqui que as Mitológicas nos levaram mais provavelmente à primeira alternativa. Nossa tentativa de comunicação com algumas de suas repercussões e desenvolvimentos é demonstrar como a etnografia pode ser beneficiada pela análise mítica. Pretendemos chamar a atenção para a atual vivacidade do estudo dos mitos, colocando-o em relação com sua “localização” etnográfica. A primeira e célebre frase da “Abertura” das Mitológicas já nos oferece alguns apoios para apresentação de nossa proposta. Vale lembrar o objetivo do empreendimento, anunciado por Lévi-Strauss como o de:

[...] mostrar como categorias empíricas, como as de cru e cozido, de fresco e de podre, de molhado e queimado etc., definíveis com precisão pela mera observação etnográfica, e sempre a partir do ponto de vista de uma cultura em particular, podem servir como ferramentas conceituais para isolar noções abstratas e encadeá-las em proposições (2004a:19)

Sabemos que, de lá para cá, a precisão e o adjetivo “mera”, quando relacionados à “observação etnográfica”, se complicaram. Estamos todos avisados quanto às dificuldades deste empreendimento, o que é também uma lição retirada da série de estudos de Lévi-Strauss (a tetralogia e as obras menores que a seguiram). Isso porque a etnografia é aquilo sem a qual “o estudo dos mitos se torna impotente” (ibidem: 21), mas também porque Mitológicas nos ensinaram sobre a fragilidade de pontos de vistas sobre “uma cultura particular”, já que os mitos são sempre de uma língua estrangeira, ou um ponto de vista sobre uma outra cultura, cuja unidade, assim como a do mito, seria apenas “tendencial e projetiva” (Ibidem: 24).

Sobre essas duas últimas características, em O Homem Nu, nos deparamos com a seguinte afirmação:

Se um etnólogo fica acantonado durante um ou dois anos numa pequena unidade social, bando ou aldeia, e se esforça por apreendê-la como totalidade, isso não é razão para crer que em níveis diferentes daqueles em que a necessidade ou a oportunidade o colocaram, tal unidade não se dissolva em graus diversos em conjuntos de que ele em geral nem desconfia. (Lévi-Strauss, 2011LÉVI-STRAUSS, Claude. 2011. O homem nu (Mitológicas v.4). São Paulo: Cosac Naify.: 587)

Dessa lição os artigos aqui reunidos não abrem mão. As análises etnográficas de conjuntos de povos, ou da relação de um povo em particular com seus mitos e os brancos, por exemplo, elucidados por meio da transformação dos mitos, destacam a tal fragilidade de um ponto de vista sobre uma cultura particular ou o esforço por aprendê-la como totalidade. Contudo, se tal fragilidade é elucidada pelas Mitológicas e pelos trabalhos aqui reunidos, um ponto de vista localizado é também aquilo do qual, parece-nos, nunca vamos poder tentar parar de escapar. Como etnólogos e etnógrafos estamos situados sempre nessa encruzilhada, que recusa a totalidade, mas não a localização. Isto é, que não se vê resolvida pela supressão da localização de um ponto de vista particular, mas pela assunção de que um ponto de vista supõe sempre outras perspectivas, ou um campo perceptivo-perspectivo a partir do qual conjuntos são anunciados. Mesmo a partir de pesquisas etnográficas localizadas, como na maior parte dos trabalhos aqui reunidos, o mito quando visto de “dentro” de uma sociedade impele inevitavelmente a análise mítica para fora dela.

É provável que os etnólogos acantonados, isto é, em campo, sempre tenham notado a importância dos mitos para os seus interlocutores e anfitriões indígenas. Mas se isso é verdade para muitos casos, por outro lado sabemos que tal reconhecimento não nos impediu muitas vezes de reservar aos mitos o lugar dos anexos, como apêndices dos trabalhos monográficos. Possivelmente isso se deva menos à subestima do etnógrafo em relação ao mito que pelo seu desconcerto frente a sua exuberância ou, dito de outro modo, seu “escândalo lógico” (Durkheim, 1925: 142 apudLévi-Strauss, 2004LÉVI-STRAUSS, Claude. 2004. O cru e o cozido (Mitológicas v. 1). São Paulo: Cosac Naify.a: 23). Mas se recorrentemente nos encontrávamos desprovidos de ferramentas conceituais para lidar com a complexidade notável daqueles registros, é possível sugerir, considerando atenção aos efeitos das Mitológicas, que os mitos deixaram de ser tão escandalosos, ou melhor, já não o eram menos para a antropologia do que um termo de parentesco, uma estrutura social ou um ritual. Ganhamos com a obra de Lévi-Strauss modos para a apreensão intelectual da comunicação entre mitos de continentes distintos, da proliferação de variações míticas locais e supralocais, bem como passamos a reconhecer a eleição de categorias sensíveis como modo de tematizar um problema colocado à razão. Mais que isso, passamos a ser capazes de depreender de nossas etnografias uma filosofia ameríndia.

Mitológicas definitivamente conferiram outro valor analítico para os mitos nas etnografias com povos indígenas e, após esse acontecimento, as nossas pesquisas já não podiam ser mais as mesmas, mesmo quando não nos dedicamos a aplicar a análise estrutural aos mitos. Notem-se as analogias entre os gradientes contínuo e descontínuo com a passagem da natureza à cultura, tema da primeira obra; a mitologia regressiva que marca a segunda obra, e que afasta a cultura para o alto e para longe; as imagens de periodicidade e entropia que marcam a terceira e quarta obras; a abertura ao Outro e a dualidade em desequilíbrio perpétuo de História de Lince; bem como os idiomas do continente/conteúdo, número e ritmo, um e múltiplo, identidade e alteridade. Tais idiomas tratam de temas filosóficos abordados em Mitológicas por meio dos quais os mitos foram “traduzidos” (Viveiros de Castro, 2016VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2016. “Metaphysics as mythophysics, or, why I have always been an anthropologist”. In: CHARBONNIER, Pierre; SALMON, Gildas; SKAFISH, Peter (Eds.) Comparative Metaphysics: Ontology after Anthropology. London: Rowman & Littlefield International, pp: 249-273.: 121). Mas é interessante notar como esses temas figuram hoje como importantes categorias analíticas da etnologia indígena praticada nas Terras Baixas da América do Sul. Mesmo quando os mitos não são objeto primeiro da análise, a gramática mitológica (do “mito da mitologia”, como Lévi-Strauss definiu sua análise) se faz presente.

Nas Mitológicas, o socorro ao contexto etnográfico imediato é o primeiro ato da análise, que só amplia seu escopo, chegando a sociedades mais afastadas, descobrindo as passagens e/ou as sequências de um grupo de transformação, “com a condição de que ligações reais de ordem histórica e geográfica possam ser verificadas ou justamente postuladas entre elas [as sociedades]” (Lévi-Strauss 2004LÉVI-STRAUSS, Claude. 2004. Do mel às cinzas (Mitológicas v. 2). São Paulo: Cosac Naify.a: 20). O mito joga com a história, a geografia, o ritual, a língua e a cultura “dos outros”, sejam estes (mais ou menos que-) humanos, espíritos, plantas, animais, rochas, corpos celestes, terrestres ou subterrâneos. A existência de uma lógica das qualidades sensíveis como uma contribuição do pensamento ameríndio - sua “respectiva originalidade” (id:27) - elucidada por meio de seus mitos, facilmente pode ser subentendida, quando não subestimada, no trabalho etnográfico, se não nos atentarmos para este jogo. E isso nos mostram os estudos de parentesco, xamanismo, ritual, ou mesmo os estudos etnohistóricos, cujos recortes analíticos não são nunca, e nem deveriam ser, capazes de atribuir ao seu “objeto” a característica de totalidade, nem mesmo ostentar sua restrição ao “humano”.

Mas o que a análise mítica de Lévi-Strauss emprestou como imagem para a reflexão etnográfica? Os mitos são “in-termináveis” (Lévi-Strauss 2004aLÉVI-STRAUSS, Claude. 2004. O cru e o cozido (Mitológicas v. 1). São Paulo: Cosac Naify.: 24), tanto porque são indiferentes às noções de início e final, quanto porque “não efetua[m] percursos completos: sempre lhe[s] resta algo a perfazer” (Idem). Esse caráter interminável assume a forma de uma nebulosa, corpo multidimensional que surge da análise dos mitos, “sem jamais reunir de modo durável ou sistemático a soma total dos elementos de onde tira cegamente a sua substância” (Ibidem: 20). Um corpo cuja expansão organiza progressivamente seu núcleo central, mas somente na medida em que sua periferia se dissipa em confusão ou incerteza. Ou ainda aquela imagem dos “organismos primitivos” que distendem a si mesmos, emitindo pseudódopes para capturar corpos estranhos (Lévi-Strauss 2004aLÉVI-STRAUSS, Claude. 2004. O cru e o cozido (Mitológicas v. 1). São Paulo: Cosac Naify.: 22-3), aplicada aos mitos por Lévi-Strauss. Certamente tais ideias são inspiradoras para pensarmos as meta-teorias etnográficas mais recentes: como um circuito ciborgue composto por corpos que não possuem a mesma origem e que, portanto, podem estender suas posições um por meio do outro (Strathern, 1991), ou da ética epistemológica da disciplina: “always leave a way out for the people you are describing.” (Viveiros de Castro 2016VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2016. “Metaphysics as mythophysics, or, why I have always been an anthropologist”. In: CHARBONNIER, Pierre; SALMON, Gildas; SKAFISH, Peter (Eds.) Comparative Metaphysics: Ontology after Anthropology. London: Rowman & Littlefield International, pp: 249-273.: 122). As Mitológicas são o exemplo paradigmático de continuidade epistêmica entre uma empresa analítica e as formas ameríndias de pensamento, por sua “relação recursiva com o corpus dos mitos ameríndios, conectados um ao outro da mesma maneira como os mitos estão conectados entre si: por uma dinâmica comum de variação e transformação” (Viveiros de Castro 2016VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2016. “Metaphysics as mythophysics, or, why I have always been an anthropologist”. In: CHARBONNIER, Pierre; SALMON, Gildas; SKAFISH, Peter (Eds.) Comparative Metaphysics: Ontology after Anthropology. London: Rowman & Littlefield International, pp: 249-273.: 117).

É possível afirmar que, mesmo sendo essa interminável caixa de ferramentas e “modos de fazer e pensar”, as Mitológicas renderam entendimentos que nem sempre foram formulados de modo óbvio e explícito em nossas pesquisas. Em certo sentido, a monumentalidade das Mitológicas - segundo seu autor, um esboço da sintaxe da mitologia sul-americana (2004a: 26) - a condenaram a ser objeto de contemplação e, por consequência, no que toca o estudo dos mitos ao menos, a um rareamento da referência à potencialidade analítica. Isso não nos impediu de incorporarmos suas lições, ainda que de modo indireto. A sagacidade de Peter Gow, citada por Viveiros de Castro em A Inconstância da Alma Selvagem, não nos deixa esquecer: “a etnologia amazônica (ele estava falando da boa) pouco mais é, a rigor, que uma série de notas de pé-de-página às Mitológicas” (2002: 18).

É diante desse “embaraço” que reconhecemos neste dossiê a importância da análise estrutural dos mitos nas Mitológicas - a tetralogia, O Cru e o Cozido (1964), Do Mel às Cinzas (1967), A Origem dos Modos à Mesa (1968), O Homem Nu (1971), e a trilogia que é conhecida por “pequenas Mitológicas”, A via das máscaras (1979), A oleira ciumenta (1985), História de Lince (1991) - para desdobrar questões que estão além (ou aquém) do próprio mito, e que de todo modo, nos empurram para fora dele. O leitor e a leitora terão acesso a análises transformacionais dos mitos que colocam questões ao estudo do xamanismo, gênero, parentesco, história, escatologia, desde a perspectiva de um povo e/ou de um sistema supralocal que articula diferentes coletivos em uma dada região.

A despeito dessa apresentação não hesitar em render homenagens às Mitológicas, o dossiê não é exatamente sobre essa fundamental obra de Lévi-Strauss. Por este motivo, não nos propomos aqui a realizar um recenseamento rigoroso dos seus efeitos. Nosso propósito é, antes, tratar sobre os mitos ameríndios a partir de pesquisas etnográficas atuais. No esforço em reunir trabalhos que considerem os mitos como tendo um valor analítico privilegiado como modo de atenção aos fatos e fazer etnográficos, parece-nos descabido desconsiderar as proposições levistraussianas. Dito isso, os trabalhos aqui não se definem pela aplicação exclusiva do método estruturalista de análise mítica de Lévi-Strauss, tampouco por ilustrações ou demonstrações exaustivas de aspectos teóricos endereçados pelas Mitológicas. Esta obra é seguramente refratária a exercícios dessa natureza, pois, sem qualquer paralelo, ela é inesgotável e dificilmente emulável. Mesmo cientes desses imperativos, as Mitológicas não deixam de provocar a sensação de que não conseguimos aproveitar tudo que ali se oferece.

Os artigos do dossiê evocam aquilo que Perrone-Moisés (2021)PERRONE-MOISÉS, Beatriz. 2021. “Prefácio”. In: LÉVI-STRAUSS, Claude. O Cru e o Cozido. São Paulo: Zahar Editora, pp. 7-21. no prefácio da mais recente edição de O Cru e o Cozido recomendou aos leitores:

Dessa obra mestra pode-se dizer muita coisa - e sempre haverá mais. O fato é que só pode ser apreciada e fazer sentido na execução - como música. É preciso que cada leitora e leitor execute com Lévi-Strauss cada passagem do texto, tendo como instrumento sua mente, feita ‘lugar vazio onde algo acontece”, como diria ele no majestoso ‘Finale’ do quarto volume das grandes mitológicas. (Perrone-Moisés, 2021PERRONE-MOISÉS, Beatriz. 2021. “Prefácio”. In: LÉVI-STRAUSS, Claude. O Cru e o Cozido. São Paulo: Zahar Editora, pp. 7-21.: 8-9)

Explorou-se diferentes possibilidades de realização das análises míticas nas pesquisas etnográficas entre povos ameríndios, e os autores aqui reunidos executam as Mitológicas em suas análises, de modo mais estrito ou indireto, à sua maneira, como música. Execução que não é devida, como dissemos, ao fato de seus artigos aplicarem o método estruturalista, mas porque entende-se que toda a pesquisa etnológica e, em especial, as análises míticas em etnografia entre povos indígenas, foram crucialmente impactadas pela obra. Deste modo, podemos obter da leitura desses textos alguns vislumbres de como os mitos, após mais de 50 anos da publicação do primeiro volume das Mitológicas, têm sido estudados nas pesquisas etnológicas atuais, quais os modos de articulá-los à etnografia e quais as perspectivas teóricas deles advindas.

OS ARTIGOS REUNIDOS

A História de Carolina: Um estudo de caso sobre a difusão de um mito no Sudoeste Amazônico, de Peter Gow, coloca questões a respeito do tratamento metodológico dos conjuntos (ensembles), objetos sociais extraordinários revelados pelos mitos. Tais conjuntos foram formulados por Lévi-Strauss com o intuito de demonstrar que as sociedades “tribais”, objetos históricos da antropologia, não são sociedades de pequena escala e ou sociedades “simples”, mas grandes e complexas. Toda a questão, diz Gow, é que seu tamanho e complexidade não se deixariam agarrar pelos modos habituais de se compreender escalas, seja em tamanho ou complexidade. Gow focaliza seu estudo nos mitos e suas transformações relacionados ao Lua, na Amazônia Ocidental, demonstrando como um único mito contado por Carolina, uma mulher Koniba “descida” para Manaus depois da quase extinção de seu povo, pode ser a chave de apreensão da história de relações de um conjunto de povos indígenas (Kuniba, Kanamari, Kaxinauá). Ao tomar como seu fio condutor fatos históricos no interflúvio Juruá-Purus, Gow demonstra o modo como a relação com a terra, num sistema de posições geograficamente orientado, é capaz de absorver e inscrever, via códigos materiais-semióticos, as transformações advindas do contato (entre povos indígenas e com não-indígenas).

A imagem de periodicidade apresentada pela Lua, com efeito, replica em um nível celestial um modelo espacial baseado nos rios da região, que embasa as relações Eu/Outro neste conjunto de povos (2022: e192829). É o fluxo do rio Juruá, oeste/ leste, que orienta as sequências de ideias contidas nos mitos de cada povo sobre a Lua, enquanto são coordenadas pelo movimento leste/oeste, e oeste/leste, do corpo celestial (2022: e192829). Contudo, ao contrário do que poderíamos supor, a orientação geográfica-social modulada pelos mitos, ou melhor, “as resoluções dialéticas espaciais [que] saturam um dado campo social” (Ibidem), não obedece a um gradiente proximidade-identidade/ distância-alteridade. Gow demonstra como a mitologia entre/dos povos se assemelha quanto mais distantes eles se encontram num dado momento de sua história de relações. Ademais, a imposição ou empréstimo de temas míticos não dependem da exuberância demográfica do povo do locutor. “Sobreviventes”, homens e mulheres sós, tornam-se valiosos emissores de versões míticas capazes de induzir uma série de transformações no conjunto narrativo de povos que os acolhem ou que com eles passam a conviver, funcionando como chaves-mediadoras de todo um universo social. Gow descreve como um grupo de transformação mítica se reorganiza a partir da ausência de um povo, atraindo para as versões míticas motivos, distinções, sequências e níveis semânticos (como a relação com povos inimigos ou até mesmo o incesto entre irmãos) antes ausentes. Essas transformações são “recolhimentos” das sínteses encarnadas por um mito/povo particular, então ausente, no interior dos mitos/povos vizinhos que permanecem: quando a diferença é banida por eventos históricos particulares, o mito recolhe e amplifica essa diferença.

Máquina de produção dessas sínteses, o mito é a passagem necessária para a reestabilização do sistema translocal, que se utiliza da variabilidade intrínseca aos mitos “como uma forma de diferenciação num nível cosmológico” (Gow, 2022GOW, Peter. 2022. “A História de Carolina. Um estudo de caso sobre a difusão de um mito no Sudoeste Amazônico”. Revista de Antropologia, vol. 65, n.1: e192829. DOI: 10.11606/1678-9857.ra.2022.192829
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). A constituição da interioridade social não se faz senão pela diferença externa; a “separação” não se dá segundo um modelo genético, em que a diferença aumenta à medida em que se afasta temporalmente de uma origem comum (Gow, 2022GOW, Peter. 2022. “A História de Carolina. Um estudo de caso sobre a difusão de um mito no Sudoeste Amazônico”. Revista de Antropologia, vol. 65, n.1: e192829. DOI: 10.11606/1678-9857.ra.2022.192829
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). Os mitos nunca são um comentário ou uma autodescrição da forma social comunitária no bojo da qual é enunciado, ainda que sejam “primeira e principalmente fenômenos de parentesco” (Ibidem). Para Gow, mitos são os ancestrais, não em termos de distanciamento temporal genético, mas em termos de distanciamento espacial, contados desde uma posição que é, segundo o autor, epistemologicamente inescrutável.

O artigo de Marcos Matos, Entre sucuris e queixadas: transformações nos mitos pano de origem da ayahuasca, examina uma série de mitos “pano do sudeste” (Yaminawa, Huni Kuin, Shawandawa, Yawanawa, Sharanawa) e aruak (Piro-yine), conectando mitos de origem da ayahuasca a outros que são transformações deles (mesmo sem qualquer menção à ayahuasca), abrangendo a área do interflúvio Juruá-Purus, principalmente. O autor descortina uma paisagem mitológica no Sudoeste Amazônico que relaciona coordenadas cosmológicas - o mundo subterrâneo, o mundo submerso e o céu - às transformações históricas da região, numa demonstração, ao modo das Mitológicas, da lição de Gow em An Amazonian Myth and its History, a de que o mito “conta (ou tem) uma história para além do enredo que ele simplesmente narra” (Matos, 2022MATOS, Marcos. 2022. “Entre sucuris e queixadas: transformações nos mitos pano de origem da ayahuasca”. Revista de Antropologia, vol. 65, n. 1: e192783. DOI: 10.11606/1678-9857.ra.2022.192783.
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: e192783). Assim, o artigo demonstra, por meio de uma abrangente e minuciosa análise das diversas transformações que os mitos estabelecem entre si, “não apenas que os mitos que tomamos como objeto são transformações uns dos outros (e de outros, fora do texto), como também que as análises mitológicas podem ser compreendidas como transformação dos mitos em análise, assim como transformação de outras análises dos mitos” (Ibidem)

Advertindo-nos primeiramente da existência de duas estruturas narrativas básicas comumente associadas à ayahuasca: “o mito que conta sobre como um homem namora com uma mulher-sucuri, indo viver com ela no mundo submerso; e o mito que conta como o povo de uma aldeia resolve subir aos céus através do uso intensivo de uma espécie de cipó”, o autor observa, por meio de rica análise estrutural, um “paralelismo entre, de um lado, os mitos de transformação coletiva em queixada e os mitos que contam sobre o povo que subiu aos céus [...] e de outro entre os mitos de transformação individual em queixada e os mitos que narram sobre o casamento de um homem com a sucuri” (2022: 25). Contudo, mesmo as versões “casamento com a sucuri”, estabelecido no fundo d’água, quanto a “ida para os céus”, são relativas a mitos que “preservam em seu pano de fundo ou em seu horizonte a transformação em queixada”. Esse “detalhe” que só pode ser percebido no estabelecimento de um grupo de transformação, revela um jogo do mito entre os polos coletivo-individual, estabelecendo uma certa transitividade entre eles, não menos que com o tema da mortalidade e da afinidade potencial.

A centralidade da mitologia de povos que se estabelecem no rio Envira, sua antiga morada, vai aparecer como um dos pontos de apoio da extensão da hipótese de Gow (1994; 2001GOW, Peter. 2001. An Amazonian Myth and its History. Oxford/New York. Oxford University Press.), direcionada aos sistemas sociais do leste das terras baixas do Peru ao Equador, a de que “componentes ou dimensões verticais da paisagem cosmológica vão cedendo lugar às formas populares da escatologia cristã, que são mais compatíveis com o xamanismo ayahuasqueiro” (Matos, 2022MATOS, Marcos. 2022. “Entre sucuris e queixadas: transformações nos mitos pano de origem da ayahuasca”. Revista de Antropologia, vol. 65, n. 1: e192783. DOI: 10.11606/1678-9857.ra.2022.192783.
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). Trata-se, com efeito, da interceptação e transformação pelo xamanismo ayahuasqueiro de dois pontos centrais, desenvolvidos nos mitos e sublinhados por Matos, quais sejam: “a relação que mantinham os xamãs com seres extra-humanos da floresta e dos rios para ter acesso à caça e à pesca; e os aspectos verticais da escatologia presentes nessas cosmologias” (Ibidem), donde a ida aos céus vai cedendo lugar às viagens subterrâneas. Os mitos de origem da ayahuasca jogam com as relações perspectivas, complexificando o gradiente entre ver (colírio) e ser visto (pele). Seu mito mais conhecido e contado por povos indígenas (inclusive em centros ayahuasqueiros) narra o casamento de um homem com uma mulher-sucuri, sendo uma planta-colírio administrada por seu sogro-sucuri o que o permitirá ver o mundo subaquático como ele via o seu próprio mundo. Mas esse efeito será depois revertido pela ayahuasca, o que o permite se dar conta de onde e com quem estava, ao acessar o “outro lado do outro lado” (Viveiros de Castro, 2015: 284 apudMatos, 2022MATOS, Marcos. 2022. “Entre sucuris e queixadas: transformações nos mitos pano de origem da ayahuasca”. Revista de Antropologia, vol. 65, n. 1: e192783. DOI: 10.11606/1678-9857.ra.2022.192783.
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). Quanto aos queixadas, trata-se de vê-los como pessoas: “ser capaz de ouvi-los, ou ainda ser capaz de ver como eles (se) veem (com a ajuda do dei-sa yaminawa) ou de ser visto como eles são vistos (vestindo as suas peles, como na história piro-yine)”.

A hipótese a que chega Matos, a de que o xamanismo ayahuasqueiro foi se consolidando como uma resposta muito pertinente à história colonial, tanto é confirmada por meio das transformações míticas, quanto demonstra como estas codificam de maneira exuberante a história de relações com os brancos. História que é tristemente permeada por episódios de perseguição organizada aos diferentes grupos indígenas, “uma época em que os humanos morriam ou eram perseguidos como bandos de queixada”. Contudo, segundo o autor, a ayahuasca introduz uma transitividade ligada à mortalidade, pois as figuras centrais de seus mitos são sempre aquelas que restaram de um evento de morte coletiva ou que da morte (normalmente por envenenamento) retornaram. Não à toa.

Mulheres-Onça: mitologia, gênero e antropofagia no Complexo do Marico, de Nicole Soares-Pinto (2022: e192785)SOARES-PINTO, Nicole. 2022. “MulheresOnça: gênero e antropofagia no Complexo do Marico (sudoeste amazônico)”. Revista de Antropologia, vol. 65, n.1: e192785. http://dx.doi.org/10.11606/1678-9857.ra.2022.192785
http://dx.doi.org/10.11606/1678-9857.ra....
, tem como problema central a antropofagia realizada pelas mulheres, colocado por uma série de narrativas mitológicas dos povos Tupari, Makurap, Wajuru, Djeoromitxi, Arikapo e Aruá, habitantes imemoriais dos afluentes da margem direita do médio rio Guaporé. A partir da articulação com a etnografia cotidiana, em particular referente à produção e consumo de bebida fermentada, a autora pretende investigar, com a ajuda das categorias míticas, ou das “histórias do tempo em que tudo que se pensava, acontecia”, as condições virtuais colocadas para e pela antropofagia feminina. A divisão de uma sociedade primordial composta por pessoas de ambos os sexos em duas sociedades compostas por pessoas de mesmo sexo, uma exclusivamente feminina, a outra masculina, e a posterior restituição, nos mitos, de uma “sociedade de sexo oposto” é o tema central da primeira série de mitos analisado, enquanto a gente-Onça aparece na segunda série enfocada.

Por meio das transformações míticas e de suas conexões com as ações cotidianas, chega-se a uma espécie de continuidade a partir de descontinuidades, a saber, a articulação das relações de gênero (mesmo sexo e sexo oposto) com a diferença humano/animal/espírito. O artigo sugere que a identificação (virtual) das mulheres com as onças é a condição para a diferença (atual) que separa os homens dos não-humanos e os homens entre si. A característica perspectiva das relações de sexo oposto encontradas entre os povos do Marico indicou, segundo a autora, a necessidade de pensarmos as relações de gênero elicitadas pelos mitos em termos da teoria do parentesco amazônico. Isso porque, inversamente, as relações de parentesco e não-parentesco tematizadas pelos mitos, em suas conexões com certos tipos de substância e seres extra-humanos, são atualizadas em termos da dinâmica alteridade/identidade nas festas de chicha e nos resguardos e efeitos associados a corpos específicos.

A manducação mítica dos maridos pelas esposas foi analisada por meio da predileção da manducação das mulheres pelas onças, de resguardos incidentes sobre a menstruação feminina (que visam impedir o panema nos homens), da afinidade entre cunhadas, e da afinidade de sexo oposto. O artigo sugere que “mulheres onças” posicionam a afinidade no “centro” da socialidade cotidiana e nos obrigam a repensar o “exterior” de uma maneira anisotrópica: não há nenhum “domínio” ou corpo que esteja a salvo desta potência, repensando a característica da “concentrização” do campo do parentesco ameríndio (Viveiros de Castro, 2002VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002. A Inconstância da Alma Selvagem. São Paulo: Cosac Naify.). Por fim, a autora nota não ser o caso de afirmar que tal potencial não esteja também com os homens (alguns são pajés, todos são idealmente caçadores), mas o ponto é que as Mulheres-Onça nos obrigam a dessemelhar a diferença entre exterior/interior da diferença entre homens e mulheres, como também conceituar as relações de sexo oposto - e não de mesmo sexo - enquanto uma maneira mais pertinente de descrever a “abertura ao exterior” dessas socialidades. A partir dos mitos e de sua etnografia, afirma-se que o axioma canibal, característico das mito-cosmologias indígenas, propõe, exige mesmo, uma cápsula de sexo oposto.

Deixando a paisagem do sudoeste amazônico, A Humanidade e seu(s) gênero(s): mito, parentesco e diferença no Noroeste Amazônico, o artigo de Geraldo Andrello e João Vianna (2022: e192786) possui como fio condutor dois dos mitos mais importantes e conhecidos na literatura etnológica da região enfocada: o surgimento da humanidade a partir da viagem de uma cobra-canoa, registrado principalmente entre os povos de língua tukano na bacia do rio Uaupés, e as ações de Jurupari, um ser extraordinário que assume formas múltiplas, entre elas, os aerofones rituais, cuja visão é interdita às mulheres, registrados em toda a região. A coautoria do artigo não dissimula os termos de sua colaboração e, de saída, cada um dos autores se posiciona em uma das duas perspectivas etnográficas na qual a análise se assenta. Assim, a dualidade mítica inicial, cobra-canoa e Jurupari, pode de algum modo se justapor à dualidade do campo etnográfico: povos de língua tukano na bacia do Uaupés e povo Baniwa, de língua arawak, na bacia do rio Içana. Mas na medida em que a análise mítica avança, a coincidência das dualidades mobilizadas - às quais se juntam outras, como parentesco uterino e agnático, relações coletivas e particulares, classificações egocentradas e sociocentradas - se apresenta como sendo provisória e incerta. Os povos de língua tukano e de língua arawak, junto aos de língua nadehup, conformam o amplo nexo relacional que se designou na literatura etnológica de sistema regional do Alto Rio Negro. É nos termos do mito e suas transformações que o trabalho assume a complexidade deste sistema enquanto descrição de uma sociocosmologia compartilhada por diferentes coletivos.

Ao acompanhar a cobra-canoa, nas narrativas tukano e desana, nota-se o seu movimento ascendente desde um lago de leite, no qual os tripulantes foram “maturando” sua condição de humanos, percorrendo o rio Negro e Uaupés às margens dos quais estão descritas as principais “casas subáquaticas” em que realizavam paradas, até alcançar finalmente a cachoeira de Ipanoré, quando “nascem” falando línguas distintas e utilizando termos de parentesco afins para que parentes de coletivos distintos se tratem mutuamente de modo apropriado. O mito do Jurupari (ou Kowai), tal como narrado pelos Baniwa, fornece uma outra imagem da conformação da humanidade. Por meio dele se acompanha uma epopeia que se inicia com a concepção deste demiurgo, cujas condições prévias explicitam os termos de parentesco cruzado utilizados atualmente, percorrendo a gestação até o seu parto. A partir de então, o mito faz suceder as transformações de um bebê, que é “roubado” de sua mãe pelos homens, em um adulto celestial, detentor de conhecimentos xamânicos que especifica o cosmos, quando então é assassinado, tornando-se um conjunto de aerofones rituais que é novamente “roubado”, desta vez dos homens pelas mulheres

A análise desses mitos descortina transformações notadas em variações locais, cujas nuances se revelam importantes, e nos modos como um mito efetua a passagem, de um problema diante do qual se encontra, a outro mito. Desta maneira, já não se percorre mais somente os dois mitos mencionados, mas um conjunto mais amplo, que trata do surgimento do caapi (ayahuasca) e de um adultério primordial de uma mulher com uma cobra. Por meio de inversões, adições, subtrações e transformações, o problema que passa de um mito ao outro não é mais exatamente o mesmo, multiplicando as possibilidades de se pensá-lo.

Deste exercício de seguir os mitos, Andrello e Vianna (2022: e192786)ANDRELLO, Geraldo; VIANNA, João Jackson Bezerra. 2022. “A humanidade e seu(s) gênero(s): mito, parentesco e diferença no noroeste amazônico”. Revista de Antropologia, vol. 65, n.1: e192786. DOI: 10.11606/1678-9857.ra.2022.192786
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extraem consequências para a compreensão de aspectos da socialidade no Noroeste Amazônico, colocando à prova algumas das descrições e dos modelos etnológicos consolidados para a região. Os mitos, como destacam os autores, impõem a consideração das relações sociais como não sendo depreendidas exclusivamente dos humanos entre eles e, assim, a transespecificidade assume centralidade nas análises. Para tanto, recorre-se ainda ao problema do gênero, isto é, às relações de sexo cruzado e mesmo sexo, para a descrição da passagem de uma ordem intensiva (o plano do mito) para um sistema extensivo (o plano do parentesco e da organização social), enfocando a atualização da humanidade, mote do artigo.

No artigo Transmigrar entre planos de existencia. Desanidando las Mitológicas desde el noroeste de México, de Alejandro Fujigaki (2022: e192789)FUJIGAKI, Alejandro. 2022. “Transmigrar entre planos de existencia. Desanidando las Mitológicas desde el noroeste de México”. Revista de Antropologia, vol. 65, n.1: e192789. DOI 10.11606/1678-9857.ra.2022.192789
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, estamos diante da seguinte questão: como considerar a “boa distância”, categoria que nos empresta Lévi-Strauss, em uma ontologia multinaturalista? Mais que isso, como os povos indígenas administram relações multiespecíficas tendo em seu horizonte existencial a possibilidade sempre premente de um equívoco? Elucida-se de partida que o equívoco é considerado no texto como uma espécie de mal-entendido produtivo (por conseguinte, potencialmente deletério para os que assim o tomam) que sinaliza distâncias mal temperadas entre os planos cósmicos e/ou entre os entes e parentes. O autor descreve “vínculos indevidos”, enfatizando o que designou de “incestos existenciais”, quando os termos da relação se encavalam, como no caso do defunto que não se desapega do mundo dos vivos, ou então, quando por falta de diligência de seus parentes vivos que não prestaram adequadamente os rituais necessários, o morto não foi capaz de encontrar o caminho para o seu destino post mortem. O autor enfrenta essa questão descortinando transformações que recortam os rituais mortuários no noroeste do México, o que por si só coloca questões instigantes, mas vai além e, seguindo as pistas das Mitológicas, alcança o material etnográfico mobilizado por Lévi-Strauss na América do Sul, apontando comunicações entre diferentes regiões no continente americano.

Essas transformações são especialmente interessantes porque emparelham dois contextos. No lado do noroeste mexicano, acompanhamos rituais de diferentes povos, em práticas nas quais os vivos forjam para os mortos um caminho para a sua partida, impelindo-os a “caminhar” e a “voar” para o céu. Para tanto, os vivos utilizam tecnologias fúnebres que “tecem” caminhos para os mortos, mas também, em sentido inverso, ajudam os mortos a “apagarem” os seus rastros neste mundo, ou então, a “cortarem” os laços, literalmente encordoados, que conectam as pessoas com as topografias cósmicas. Em um segundo contexto, encontramos mitos de povos na América do Sul analisados por Lévi-Strauss nas Mitológicas. A dobradiça que permite vislumbrarmos na análise proposta as relações entre esses rituais mexicanos com os mitos sul-americanos é a última parte da cerimônia fúnebre dos Yaquis, quando os homens fincam um poste que serve como eixo para as suas danças. No topo deste alto mastro coloca-se um ninho e uma pomba branca. Os dançarinos então procedem em seus últimos atos cerimoniais no intuito de desaninharem o pássaro, que é a alma do morto, permitindo assim a sua transmigração para junto a deus no paraíso celeste. Encontra-se deste modo o motivo do herói transgressor bororo que estabelece relações muito próximas com sua mãe no mito “desaninhador de pássaros”, o M1 das Mitológicas. Diante dessa conexão, é que Fujigaki propõe em seu artigo que a criação de laços de descontinuidade e o afastamento de familiares falecidos, que baliza os rituais mortuários entre povos ameríndios no noroeste do México, seria uma transformação dos acontecimentos que ocorrem no mito bororo.

O autor nos lembra, a partir dessas transformações entre noroeste mexicano e América do Sul, que Lévi-Strauss deliberadamente evitou utilizar nas Mitológicas os mitos das “altas civilizações da América central e do México”, em virtude de terem sido apresentadas por narradores “letrados”. Fujigaki aponta que essa exclusão teve repercussões importantes na antropologia mexicana, que não dedicou especial atenção ao material etnográfico mobilizado por Lévi-Strauss em sua obra magna, e no eclipsamento na literatura antropológica em geral da existência de povos ameríndios “heterárquicos” no México, na medida em que que esta paisagem etnográfica é frequentemente associada aos grupos hierárquicos do altiplano. No artigo de Oscar Calavia Saez, que se segue no dossiê, o autor propõe a retomada das mitologias eruditas da Mesoamérica, preteridas por Lévi-Strauss. Fujigaki, diferentemente, chama atenção para os povos ameríndios que vivem no México a partir de suas importantes conexões com aqueles povos que estão situados na América do Sul.

O artigo de Oscar Calavia Sáez, Mitologías “populares”, elaboraciones eruditas, retoma a mitologia erudita, cuja análise foi deixada de lado por Lévi-Strauss nas Mitológicas, porque segundo este último, para que fosse realizada, seria necessário o socorro à filologia ou à arqueologia. Calavia Saéz dirige seu enfoque também ao Noroeste Amazônico (à mitologia tukano sobre a Cobra-Canoa), mas conecta sua mitologia àquela referente à tradição mexica na Mesoamérica (textos que seriam como uma autoinvestigação sobre sua própria tradição, a partir dos saberes dos antigos Tlamatinime). Ambas privilegiam o tema da migração e da origem da diversidade étnica (a tensão referente a uma origem comum e as diferenças entre povos) e estão relacionadas à hierarquia - valor que apresenta uma relação icônica com o território sobre o qual versam. No primeiro caso, a migração desde o Lago de Leite original até a região do Alto Rio Negro, com paradas em diversas casas de transformação, hoje povoados e cidades. Neste mito acompanhamos a origem e a montagem/especiação/ transformação da humanidade atual pelas ações dos demiurgos, o que não ocorre sem fracassos e regressões, idas e vindas. Ao final, nas cachoeiras de Ipanoré, os distintos grupos indígenas da região, incluindo os brancos, saem das rochas e sua ordem de saída inscreve a hierarquia entre os coletivos. No segundo caso, os antepassados dos astecas, um dos povos mexicas, partem do distante lago de Aztlán e chegam, enfrentando o monstro Huitzilopochtli, às sete cavernas de Chicomoztoc ou Colhuacantepec. Destas últimas surgiram as diferentes cidades federadas com Tenochtitlan, e é de onde os migrantes seguem seu caminho divididos em sete grupos, cuja identidade varia enormemente de uma fonte a outra (Calavia Saez, 2022CALAVIA SÁEZ, Oscar. 2022. “Mitologias populares, elaboraciones eruditas”. Revista de Antropologia, vol. 65, n.1: e192933. DOI: 10.11606/1678-9857.ra.2022.192933
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: e192933).

Nos relatos tukano abordados pelo autor sublinha-se uma dialética de tubos e orifícios - já representados pela alternância entre a forma serpente e a forma canoa, que fazem da migração um empreendimento oculto/secreto -, na qual nunca se lança mão de modos hoje atuais de engendramento da humanidade. A humanidade é construída por meio da combinação de elementos litúrgicos e fisiológicos, onde os primeiros estão dados e os segundos têm de ser improvisados, em “um desenho futurista [no qual] os atos dos criadores primordiais se reformulam em uma engenharia xamânica”.

Nos relatos mexicas, as cerimônias transformam encantadores e feiticeiros, enviados pelos Imperador Montezuma, em feras e pássaros, para que possam chegar a Aztlán, donde sabem, por Coatlicue, mãe enlutada de Huitzilopochtli, que sete homens saíram dali dirigindo seus povos. Em Aztlán, é possível rejuvenescer ou envelhecer à vontade, subindo ou baixando do céu. Em alguns relatos, esse lugar mágico - como as “casas de transformação tukano - equivale a Chicomoztoc e suas sete cavernas, que dão origem aos povos mexicas (Astecas, Tepanecas, Xochimilcas, Chalcas, Acolhuas, Tlahuicas e Tlaxcaltecas), às sete tribos nahuatlacas da região central do México, mas também aos bairros, nações, gêneros de humanos e parcialidades. Noutros, esse segundo lugar - uma montanha que detém diversas analogias com o corpo humano, a principal delas correspondendo a um ventre telúrico - é parte de uma rota, que se revela muitas vezes circular. Seja como for, entre uma concepção unitária e outra confederalista, a tradição mexica investigada pelo autor sublinha ordens de saídas que correspondem às hierarquias, às separações de povos (entre toltecas e chichimecas, por exemplo) e à ascensão à hegemonia política de um grupo depreciado e marginal, os Astecas. Por meio desses relatos, esses últimos são instituídos “como gestores del sacrificio universal”. Em ambas as tradições, as criações da humanidade, antes manufatura que gestação, se ordenam em um gradiente de perfeição, ou de transformações progressivas, e de destruição, ou transformações regressivas. Esse ordenamento em duas vias é realizado por meio de uma série de topônimos articulados aos nomes de segmentos (e suas insígnias) que se organizam de forma hierárquica, constantemente subvertida. Sáez vai embasar a identificação de uma mitologia erudita nesta multiplicidade, em um mesmo texto, de uma série de relatos e vetores, bem como à enumeração/serialização/reiteração que dele brota: “fazer listas se encontra entre os serviços básicos que uma intelectualidade orgânica rende ao poder político”.

Contudo, ao recorrer a mitos de outras regiões das Terras Baixas da América do Sul (Kadiwéu, Guajiro/Wayuu, Yaminawa), o autor constata uma continuidade entre os materiais dos mitos eruditos e as mitologias populares, tanto pelo tema do nascimento dos povos desde a terra, comum nessas mito-cosmologias - lembremos a recorrência da “emergência” em tempos em que céu e terra eram indiscerníveis -, quanto pela proliferação etnonímica. Assim, ainda que frequentemente recorra aos especialistas e/ou à tinta e ao papel para fixar-se (em ambos os casos a uma certa linguagem esotérica-poética), a mitologia erudita não estaria naquela ponta em que o mito morre e passa a ser novela: ela durará o tempo em que duram os dispositivos de autoridade em torno dela erigidos, e não se livra de sua dependência dos contrastes característico do “pensamento selvagem”, como as antinomias entre contínuo e discreto, manipulação e digestão, etc. Isso, sugere o autor, nos levaria ao fato de que o contraste entre pensamento selvagem e domesticado, longe de ser um divisor entre culturas, se encontraria no interior de cada uma delas: “el chamán es un domesticador de ese pensamiento salvaje como lo es el filósofo, por mucho que puedan diferir sus instrumentos”. Para Sáez, a renúncia de Lévi-Strauss se mostrou finalmente enganosa.

Por fim, em A cultura dos mitos: do regime de historicidade karajá e sua potência “fria”, Eduardo Nunes (2022: e192801)NUNES, Eduardo Soares. 2022. “A cultura dos mitos: do regime de historicidade karajá e sua potência ‘fria’”. Revista de Antropologia, vol. 65, n.1: e192801. DOI: 10.11606/1678-9857.ra.2022.192801
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parte da complexidade do conceito de “história fria” em Lévi-Strauss para abordar a relação entre a cultura Inỹ (karajá) e os mitos de emergência de uma “humanidade verdadeira” do Fundo do Rio, para habitar as margens do rio Araguaia. A diferença entre “tempos” compreendida pelas histórias antigas, ou da história desde o ponto de vista Inỹ, não é cronológica, mas encarnam, cada um desses “tempos”, um mundo de características particulares. Daí a interessante proposição do autor por chamá-los de “tempos-mundos”. Trata-se, de um lado, do tempo primevo, “o tempo dos antigos”, os ancestrais dos Inỹ atuais e, de outro lado, do “tempo do pessoal de hoje”, tanto disjunto quanto conjunto em relação ao “tempo dos antigos”. É a essa relação diferencial que Nunes vai se dirigir para discutir a relação entre mitologia e etnografia, que em seu artigo toma a forma da discussão do conceito de cultura e sua relação com os mitos - da Cultura dos Mitos, como evidenciado já no título do artigo -, assinalando o valor contextual para o estabelecimento das disjunções ou das conjunções com o tempo dos antigos no cotidiano Inỹ.

O tempo dos antigos é presente, pois a ação humana moralmente apropriada é aquela capaz de evidenciar formas-inỹ que são, por definição, do tempo dos antigos. Isso faz a narração do passado (do mito) ser contingente aos nexos relacionais estabelecidos pelos vivos. Quer dizer, “embora as formas (sejam elas convencionais ou não convencionais) se transformem ao longo do tempo, sua imagem atual aparecerá sempre como já estando dada, desde o princípio”. A origem das ações das pessoas está inscrita no passado mítico - não sem a tortuosidade que lhe é característica, a de eliminar algo para em seguida narrar sua origem. O que as pessoas fazem é replicar essas formas dadas ou inventar: essa diferença se apoia naquilo que o mito diz, a cada momento, mas o ponto é que a ação propriamente humana é a elicitação de formas já dadas (no mito). Apoiado na noção stratheriana de estética (fazer uma forma específica aparecer ou evidenciar que uma relação foi ativada de uma maneira determinada), bem como na dialética invenção/ convenção wagneriana, a análise de Nunes demonstra, ainda, como a absorção de inovações pelo mito ou as incorporações culturais aparecem como sendo uma e mesma coisa. Isso porque tais invenções são “contraefetuadas como parte do fundo virtual contra o qual a ação humana opera”. Assim, se o mito é fundo contra o qual as ações atuais têm lugar, ao etnografar as contraefetuações da cultura inỹ, o autor nos mostra como esse fundo virtual é refratário ao senso histórico quente (não aparece como um movimento cronologicamente orientado), mas certamente está em relação com o tempo.

A questão com a qual o autor finaliza sua contribuição é justamente em que é transformado esse tempo quando as ações humanas, como por exemplo a transmissão de nomes entre gerações alternadas, e o mito, inscrevendo a origem dessas ações, operam sobre ele uma compressão intensiva. A anterioridade relativa dos acontecimentos é certamente valorizada, mas ela é sempre mito-lógica: trata-se da produção constante de um passado intemporal, antes que de uma continuidade histórica. Com efeito, é essa compressão o que, segundo o artigo, nos autoriza a falar de uma historicidade indígena, de seu regime “frio” ou seu “arcaísmo em reverso”, ao levarmos em conta essa dinâmica de atualização e contraefetuação das formas. As rupturas ou invenções não embasam, portanto, um devir histórico - o problema, diz o autor, é a formulação do devir como histórico -; antes tais invenções manifestam a maneira “como esses regimes fazem a imagem de uma continuidade aparecer”. Na medida em que “não tomam o tempo como conatural à história”, seria preciso, para avaliarmos corretamente a questão desde o ponto de vista indígena, separar o problema da história do problema do tempo. Salientando o caráter contrahistórico dos regimes de historicidade indígenas, Nunes nos provoca a pensar em que medida a questão das sociedades frias ou quentes está bem colocada. Pois, para além da obviedade da consciência indígena da passagem do tempo, o autor chega à conclusão de que “para eles, no que concerne à história, a passagem do tempo carece de importância”.

No espírito das discussões empreendidas nos artigos, resta-nos uma última digressão a considerar com o leitor desse dossiê. Por que privilegiamos o tempo e a história quando falamos dos mitos e das Mitológicas, não obstante a definição de LéviStrauss, talvez a mais conhecida, é a do mito como máquina de suprimir o tempo? Ao destacar o caráter transformativo do mito, Lévi-Strauss descortina uma temporalidade nada óbvia ao nosso olhar. A esse respeito, cabe retomar brevemente as formulações de Peter Gow:

The myths are not, in Lévi-Strauss’s view, intrinsically stable until they are disturbed by history. Quite the opposite, they exist because of history, they exist to dampen down the effects of disturbances in order to maintain the coherence of meaningfulness. The myths generate the appearance of stability, an illusion of timelessness that cannot be affected by changes in the world, but they do so by means of their ceaseless transformations, which marks their very historicity as objects from the analyst’s point of view (2001: 11; grifo nosso).

O autor destaca os mitos como sendo objetos históricos, afastando uma pretensa ideia de a-historicidade dos mitos como ancoragem para o ponto de vista do analista. A leitura de Gow parece afirmar que o mito é uma máquina temporal de abolir o tempo. Deve-se estabilizar as mudanças constantemente, exatamente porque elas são o que não para de irromper: mas ao final, as mudanças nunca são de fato anuladas. Esse entendimento endereça-se criticamente à transcendência do pensamento em relação ao mundo, aquilo que justamente os mitos indígenas não parecem supor. Pois o mito nas Américas indígenas elege o mundo, o corpo e a vida como o lócus do pensamento, na lógica das categorias empíricas, dada aos sentidos: formulada por Lévi-Strauss um pouco antes de O cru e o cozido (2004a [1964]), em Pensamento selvagem (1962), como uma “ciência do concreto”.

O xamã yanomami Davi Kopenawa, em uma declaração endereçada aos não indígenas que não poderia ser mais direta, afirmou que “O que os brancos chamam de futuro, para nós, é um céu protegido das fumaças de epidemia xawara e amarrado com firmeza acima de nós!” (Kopenawa e Albert, 2015KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. 2015. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Companhia das Letras.: 494). Para o leitor de A queda do céu, essa declaração possui relações evidentes com o diagnóstico xamânico de que as ações humanas (não indígenas) no capitalismo estão demolindo condições de vida (humana e não humana) na Terra. É contra essas ações e agências que os xamãs lutam para sustentar o “futuro” no alto, à boa distância. Assim, é como se Kopenawa nos dissesse que aquilo que nós vemos como tempo eles veem como espaço, aquilo que nós vemos como história, eles veem como terra. Parece-nos que é nesse ponto que os mitos se revelam como objetos históricos e também geológicos (e geográficos), em outras palavras, eles codificam a mudança não exclusivamente em termos temporais, mas também, destacamos, em termos espaciais.

A máquina de suprimir o tempo funcionaria assim por meio do mundo-terra. Mais que isso, poderíamos sugerir que o mito se revela como uma máquina-terra, operando, diferentemente do que realiza no registro temporal, não pela supressão do espaço, mas pela produção de territórios e das condições materiais-imateriais da vida. Isso permite conceituar o mito por aquilo que produz e não somente por aquilo que desfaz. Mas note-se que essas não são ações contraditórias, pois talvez não haveria como produzir terra sem justamente suprimir/condensar o tempo. Por outro lado, é a desterritorialização das categorias empíricas, dadas aos sentidos, seu menosprezo a elas, em benefício das abstrações desterritorilizadas, o que parece caracterizar a razão transcendente ocidental. A modernidade que habita o tempo cronológico, no sentido da história quente, com seus ideais de progresso, “sufoca” a terra, na expectativa de superá-la, imaginando não ter nada mais interessante que o tempo, sonhando com o futuro (ou com o passado). Por sua vez, o pensamento indígena não parece ser capaz de ser indiferente aos códigos sensíveis da vida, às existências de todos os seres que a compõem, e a notar o cosmos como demasiadamente vivo. Mito, máquina-terra.

Como nos diz Gow em seu artigo, aqui publicado postumamente, os mitos são os ancestrais, ou, é Lua quem conta a sua história. Gostaríamos de dedicar esse dossiê à sua memória.

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Fechas de Publicación

  • Publicación en esta colección
    06 Jul 2022
  • Fecha del número
    2022
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