resumo
Neste artigo reunimos reflexões e experiências de interlocutoras/es do povo Guarani Mbya com o objetivo de abordar a tópica da vulnerabilidade no contexto da pandemia e para além dela. Particularmente, a Covid e outros adoecimentos são tematizados a partir de reflexões sobre espaços e a relacionalidade que eles produzem (envolvendo pessoas, espíritos e outros agentes ou materialidades) por meio dos fluxos dos ventos. Nossos interlocutores trouxeram à cena questões que os atravessam desde tempos primordiais, mas tornaram-se mais incisivas com as adversidades políticas, sanitárias e ambientais mutuamente implicadas no período pandêmico. Como parte de uma investigação coletiva envolvendo indígenas e não-indígenas, também elaboramos nosso argumento a partir de questionamentos guarani sobre o distanciamento individualizado ou indiscriminado. Em vez de ficarem “cada um em sua casa”, a vida coletiva foi fortalecida nas aldeias, concomitantemente ao afastamento das cidades, suscitando reflexões sobre o manejo da vulnerabilidade nesses espaços.
palavras-chave Guarani Mbya; Pandemia; Vulnerabilidade; Distanciamento social; Covid-19
abstract
In this paper, reflections and experiences of Guarani Mbya’s interlocutors are reunited to address the topic of vulnerability in the pandemic context and beyond it. Particularly, Covid-19 and other illnesses are thematized based on reflections on spaces and the relationality they enact (involving people, spirits and other agents or materialities) through the flows of the winds. Our interlocutors brought up issues that have crossed them since primordial times. However, during the pandemic period, these questions became more poignant within its political, sanitary, and environmental adversities. As part of a collective investigation engaging indigenous and non-indigenous, we also elaborate our argument from guarani questioning about individualized and indiscriminate distancing. Instead of “staying in your own home”, the village’s collective life was strengthened in parallel to distancing from the urban centers, rising reflections about vulnerability management in these spaces.
keywords Guarani Mbya; Pandemic; Vulnerability; Social Distancing; Covid-19
A tribo dos mascarados (Introdução)1
Quando vocês, não-indígenas, têm um primeiro contato geralmente falam “tribo” em vez de dizer “aldeia” ou “povo indígena” (...). Daí [na pandemia] eu falo “nós somos a tribo dos mascarados agora”, todo mundo usando a mesma coisa, que é a máscara, e fazendo o mesmo ritual, que é passar álcool em gel na mão… Mas, além do álcool em gel e da máscara, nós temos nossa proteção, temos a erva de chimarrão e o petỹgua [cachimbo com tabaco], que para os Guarani é muito importante. Antes de dormir, a gente tem que fazer a fumaça com o petỹgua para que o mau espírito não esteja perto quando a gente estiver dormindo.
Saulo Kuaray Xunun,2 professor e liderança do povo Guarani Mbya na região paulista do Vale do Ribeira, ironiza nesta fala o olhar externo e soberbo de não-indígenas quando entram em contato com povos cujos rituais e conhecimentos eles não compreendem e, por isso, não raro são enquadrados como “tribos”, termo com conotação comumente exotizante e estigmatizante. Mas Saulo chama a atenção para como a pandemia fez com que quase todos passassem a integrar a “tribo dos mascarados”, recorrendo a artefatos como máscaras e o ritual de esfregar as mãos com álcool buscando proteção. O distanciamento social foi largamente adotado como parte dos resguardos dessa “tribo dos mascarados” e a vulnerabilidade da condição de vivente se fez visível de modo contundente.
Neste artigo reunimos reflexões e ações de interlocutoras/es do povo Guarani Mbya3 que vivem em aldeias nos estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul com o objetivo de abordar a tópica da vulnerabilidade no contexto da pandemia e para além dela. Particularmente, como a Covid-19 e outros adoecimentos são reconhecidos pelos Guarani como interpelações – ou movimentos afins, como retaliações, provocações, provações – de agentes que circulam pelo ar e ganham força a depender de configurações materiais e relacionais de cidades, aldeias, florestas, campos devastados, moradas celestes e outros espaços. Assim, ao discorrerem sobre o fluxo dos ventos que trazem adoecimentos ou os afastam, nossos interlocutores trazem à cena reflexões sobre aproximações e distanciamentos, aberturas e fechamentos de relações e suas implicações na vulnerabilidade dos viventes nesta terra.
Os pensamentos e experiências aqui compartilhados constituem materiais inéditos de uma pesquisa colaborativa desenvolvida ao longo de 13 meses, entre 2020 e 2021, sobre respostas indígenas à Covid-19. Sob coordenação geral de Maria Paula Prates, constituiu-se uma rede de aproximadamente cem pesquisadoras/es indígenas e não-indígenas que interagiram por dispositivos digitais de comunicação e se organizaram em módulos regionais, produzindo notas de pesquisa e filmes de curta-metragem disponibilizados mensalmente em uma Plataforma de Antropologia e Respostas Indígenas à Covid - Pari-c (www.pari-c.org). As autoras e autores deste texto estão entre os pesquisadores do módulo Brasil-Meridional, que foi coordenado por Prates e Macedo.4
Particularmente neste artigo nos valemos de materiais que não estão disponíveis na mencionada plataforma e resultam de quinze conversas com lideranças políticas e/ou atuantes no campo da saúde, professoras/es e líderes espirituais do povo Guarani Mbya em comunidades no Vale do Ribeira, litoral e capital paulista, sendo boa parte realizada por plataforma de vídeo e predominantemente na língua portuguesa. Destacamos a colaboração de Amanda Signori, pesquisadora na equipe, na viabilização e participação nessas conversas, bem como de Camila Padilha em sua transcrição. Também contamos com o trabalho de campo de Kuaray Poty [Ariel Ortega] em Koenju, aldeia em que reside, localizada no oeste do Rio Grande do Sul, e em outras comunidades na região fronteiriça com a Argentina.
As condições do trabalho em período pandêmico e a coautoria indígena e não-indígena incidem em algumas singularidades deste artigo. As limitações de incursões etnográficas tiveram como contrapartida uma grande densidade reflexiva e afetiva das conversas, em que buscávamos colocar em perspectiva a pandemia ao mesmo tempo que estávamos atravessados e distanciados por ela (Prates et al., 2022). Ao articular essas experiências e conhecimentos de nossos interlocutores, esperamos contribuir em debates no campo antropológico sem, contudo, nos estender em diálogos ou elaborações que não sejam dos Mbya.
A despeito de centrarmos foco em experiências em São Paulo e Rio Grande do Sul, tais estados integram uma rede de mais de aproximadamente uma centena de aldeias guarani distribuídas em um amplo território na porção meridional do Brasil e países vizinhos, como Paraguai, Argentina e Bolívia, somando mais de 280 mil pessoas5. Ao longo da colonização, esse território foi entrecortado por cidades, estradas, fazendas, parques e outros espaços devastados pelos jurua (como os Mbya costumam se referir aos não-indígenas).
Como essa ocupação não-indígena do território veio ocorrendo desde o início da chegada dos europeus, os Mbya desenvolveram modos específicos de distanciamento dos jurua, mesmo em situações de grande proximidade geográfica, tendo a língua e a vida espiritual como importantes vetores diferenciantes (Pesquisadores Guarani, 2015; Huyer, 2017; Macedo, 2017a; Benites, 2018; Pierri, 2018; Ladeira, 2022; Verá Tupã Popygua e Ekman, 2022, entre outros). A esse respeito, Timóteo Verá Tupã Popygua6 comenta como a questão do distanciamento na vida guarani é muito mais ampla e anterior à pandemia:
Desde 1.500 já tinha esse distanciamento do jurua. Apesar de todo o contato com o não-indígena há mais de 500 anos, o Guarani tem essa capacidade de se distanciar. Mas quando veio essa doença chamada coronavírus, toda a sociedade passou a viver também esse dilema de distanciamento.
Com a chegada do coronavírus, as respostas a esse dilema compartilhado diferiram. A maior parte das pessoas se viram intensamente submetidas a tecnologias sociais e medidas de biossegurança que preconizavam o distanciamento de corpos, devendo cada indivíduo ficar em sua casa e usar máscaras quando em público. Mas a adoção dessas medidas não se deu de modo indiscriminado entre os Mbya, de modo que a orientação predominante das lideranças foi a de ficarem na aldeia, evitando as cidades, mas intensificando a participação em atividades coletivas. Como apontou Kuaray Xunun, o povo Guarani conta com suas próprias formas de proteção, a exemplo da erva-mate e o tabaco.
A questão do distanciamento tampouco se restringe às relações com os não-indígenas. Há muito, antropólogos vêm compartilhando seus aprendizados com povos originários sobre o manejo das distâncias envolvendo uma multiplicidade de seres como algo central na composição de corpos e de coletividades, lidando com sua instabilidade constitutiva (cf. Gallois, 1988; Gow, 1991; Taylor 1996; Albert, 1999; Vilaça, 2005; Viveiros De Castro, 2022, por exemplo).
Particularmente, Lévi-Strauss (2006) atentou para a tópica da boa distância expressa em diferentes códigos em narrativas de tempo-espaços primordiais. O autor se volta especificamente para povos na região das Guianas que versam sobre uma viagem de canoa de Sol e de Lua, em que ambos precisam estar a uma boa distância para que a embarcação não vire. No código astronômico, a distância conveniente entre Sol e Lua pode evitar a conjunção ou a disjunção absoluta entre o Sol e a Terra, que poderia fazê-la queimar num dia sem fim ou apodrecer numa noite infinita. Já no código sociológico, entre outros analisados pelo autor, os enredos protagonizados por esses astros trazem à cena os perigos da endogamia e da exogamia extremas, que também remetem à conjunção ou disjunção absolutas, as quais inviabilizariam trocas e, sem elas, a própria vida social. Lévi-Strauss também discorre sobre a correlação entre essas elaborações e as condições infraestruturais e ambientais de existência dos povos. Nesse sentido, como enfatizou Verá Tupã Popygua em relação aos Guarani, a devastação nos territórios e nos corpos trazida pela experiência da colonização fez dos não-indígenas personagens inescapáveis na tópica da boa distância.
Entre os Mbya, aproximações e distanciamentos em relação a múltiplos seres se vinculam à condição tekoaxy dos viventes na plataforma terrestre. Teko diz respeito à vida, ou modo de viver, e axy remete a sofrimento (e estados afins, como adoecimento, dor, raiva etc.). Daniel Pierri (2018) discorreu sobre tekoaxy como a condição perecível dos seres na plataforma terrestre (yvyrupa), em contraste com as moradas celestes. Em seus estudos clássicos, Hélène Clastres (1978) e Pierre Clastres (2003, p. [1974]) também abordaram a existência falível, sofrível e vulnerável desta terra que os Guarani contrastam aos patamares cósmicos onde vivem as divindades e aqueles que alcançaram o aguyje, estado de maturação em que se despoja da perecibilidade e se acessa um espaço-tempo em que nada definha ou termina.
Assim, a vulnerabilidade se impõe como condição existencial dos viventes de yvy rekoaxy7, terra onde se está suscetível aos efeitos de múltiplos outros (Huyer, 2017; Macedo, 2017a; Prates et al., 2021). Nas palavras de Neusa Pará Poty8, “estamos nesta terra, yvy rekoaxy, onde a gente passa a doença, tudo o que é para passar a gente passa”. Na plataforma terrestre tudo nos passa, nos atravessa, de modo a estarmos sujeitos ao adoecimento e ao definhamento, mas daí advém o imperativo de composição com outros de modo a nos fortalecer. A vulnerabilidade é de tal modo constitutiva da condição humana que a palavra tekoaxy pode ser traduzida como “ser humano” em muitos enunciados guarani, como comentou Sérgio Karai Tataendy9.
Nessa direção, podemos aproximar a condição tekoaxy da proposição de Haraway (1991, 2000) sobre o adoecimento como condição em que a vulnerabilidade faz visível nossa existência necessariamente compósita. Mas, entre os não-indígenas, a doença costuma ser concebida como processo de não reconhecimento ou transgressão das fronteiras de um conjunto chamado indivíduo. Haraway (1991) parte de descrições biomédicas-biotécnicas em que o corpo é atacado por agentes estranhos que precisam ser combatidos. Entretanto, o sistema imunológico justamente interpela a noção de indivíduo, sendo difícil definir o self e os outros nas relações que o compõem, trazendo à cena limitações e possibilidades de engajamento por meio da diferença. A despeito da imunidade ser comumente formulada em discursos médicos e paramédicos por metáforas militares, Haraway propõe que seja concebida também em termos de especificidades compartilhadas e selfs semi-permeáveis capazes de se engajar com outros (humanos e não humanos, internos e externos aos corpos).
De diferentes maneiras, “vulnerabilidade” e “risco” constituem marcadores fundamentais de abordagens e intervenções no campo da saúde (Segata, 2020; Lakoff, 2017; Keck, 2010). Durante a pandemia, autoridades políticas e sanitárias posicionaram os povos indígenas entre as populações mais vulneráveis, tomando como critério respostas imunes de corpos indígenas e suas condições de existência. É certo que epidemias e mortes decorrentes do contato com não-indígenas compõem a história da maioria dos povos originários. Mas, como destacou Bruce Albert, “de repente nós Brancos estamos tão desamparados perante a covid-19 quanto os Yanomami perante as epidemias letais e enigmáticas (xawara a wai) que nosso mundo lhes inflige há décadas” (2020: 3). Ou, retomando Kuaray Xunun, a Covid-19 fez de todos “a tribo dos mascarados”.
Nossos interlocutores guarani, contudo, reconhecem os jurua como principais sujeitos a quem a Covid provoca e convoca. Exegeses guarani sobre a Covid a reconhecem, segundo alguns, como retaliação de donos-espíritos à devastação de seus domínios pelos jurua. Já para outros, trata-se de uma provação das divindades, especialmente Tupã, para fortalecer os vínculos dos viventes desta terra com as moradas celestes, além de provocar os jurua para que percebam sua fragilidade, “pensem melhor” e não tratem os demais seres como mercadorias ou parte de uma natureza inerte. Seja como for, os jurua são apontados como os mais vulneráveis à Covid.
Desdobrando essa trama, o texto está configurado em cinco seções, além desta introdução: 1) “O sopro intenso” aborda exegeses sobre a Covid-19 e o adoecimento como interpelação; 2) “Do vento vem tudo” tematiza a vulnerabilidade a partir de reflexões sobre espaços e a relacionalidade que eles produzem (envolvendo pessoas, espíritos e outros agentes ou materialidades) por meio dos fluxos dos ventos; 3) “Aproximando as divindades” se volta para experiências com a Covid nas aldeias e as respostas a ela, como o distanciamento das cidades e a intensificação da vida cerimonial e coletiva, buscando provocar o cuidado dos Nhanderu e Nhandexy kuery (respectivamente “Nosso pai” e “Nossa Mãe”, como os Mbya se referem às divindades, sendo kuery um termo coletivizador); 4) “Proximidades vegetais” discorre sobre a intensificação de plantios e da relação com a terra; 5) “O fim como princípio em movimento”, ao concluir o texto, retoma o mote da vulnerabilidade para enfatizar as artes guarani de viver em um mundo pandêmico (efetiva ou virtualmente), inserindo diferença e complexidade nos modos de “habitar o problema” (Haraway, 2016) da crise sanitária, ambiental e política que não iniciou tampouco terminará com a Covid.
O sopro intenso (exegeses sobre a covid e o adoecimento como interpelação)
Em 1987, o grande pajé Jejokó, que morava na aldeia Silveira, falou: “a partir dos anos 2000 chegará uma gripe chamada Pytu Vai [sopro intenso/maligno]. Esse é um castigo para jurua, mas nós temos contato direto com os jurua e algumas pessoas vão morrer dessa doença”.
Timóteo Verá Tupã Popygua aqui destaca a antevisão da chegada da Covid por Jejoko, falecido líder espiritual que foi muito importante da rede de aldeias no estado de São Paulo. Na mesma direção, Neusa Pará Poty comenta que a pandemia já vinha sendo anunciada pelos xeramõi10, e que “essas doenças não eram para o povo indígena... mas estamos nesta terra, yvy rekoaxy... onde a gente está passando com os jurua”. Para além da Covid, a antevisão de adversidades é recorrente na vida guarani e remete à consciência da vulnerabilidade como uma força que abre caminhos para se compor com outros e enfrentá-la.
Por sua vez, a arrogância, negligência e ignorância dos jurua em relação a outros seres e mundos faz com que sejam os mais vulneráveis aos efeitos da Covid. Mais do que isso, nossos interlocutores reconhecem a Covid como uma resposta (ou um castigo, na expressão de Jejoko traduzida por Timóteo) à devastação desenfreada e outras ações dos jurua.
Já entre os Guarani, a antevisão das adversidades não é uma capacidade restrita aos líderes espirituais, podendo acontecer com qualquer um em sonhos, rezas, fumando petyngua ou outras situações que ensejem conexões com as divindades. Alguns sonhos anteriores à pandemia foram interpretados como avisos apenas posteriormente compreendidos. Ariel Kuaray Poty assim conta:
Sonhei que eu estava caminhando porque estava tendo a evacuação de uma aldeia. Tinha uma parte ao fundo com mata, mas havia só soja dos dois lados do caminho. A paisagem era bem parecida com a do Rio Grande do Sul. A estrada ia longe até sumir no horizonte e um incêndio tomava conta de tudo. Várias pessoas corriam de um lado a outro. No sonho, eu estava com uma mochilinha e carregava um macaquinho, uma capivara e um quati – todos filhotes. Estava muito quente. Comecei a caminhar em direção àquela bordinha de mato, único lugar verde da paisagem, onde a gente se sentou para descansar à sombra.
Segundo Ariel, os filhotes de animais no sonho indicavam que alguém de sua família iria engravidar. Já sonhar com algum incêndio prenuncia a chegada de uma grave doença11. Algumas semanas depois, sua esposa descobriu-se grávida enquanto a pandemia de Covid se espalhava pelo Brasil.12 A força da vulnerabilidade aqui se expressa pela conexão com as divindades por meio do sonho. Já o incêndio na aldeia e as plantações de soja predominando na paisagem, com a mata ao fundo, trazem à cena nosso tempo de catástrofes ambientais, políticas e sanitárias (Stengers, 2015). Mas Ariel destaca como a chegada de crianças guarani em meio à pandemia é um sinal de que os Nhanderu seguem enviando nhe’ẽ porã – filhos/ extensões das divindades que são enviados de regiões cósmicas para habitar o corpo de cada Guarani Mbya na condição de sua alma13 – para a terra, adiando seu fim.
Por sua vez, o líder espiritual Sérgio Karai Tataendy também nos relatou que havia sonhado com uma grande catástrofe pouco antes da pandemia, mas, em vez de incêndio, o mundo se desfazia em meio a uma tempestade:
Antes dessa doença acontecer, eu tive um sonho muito relacionado a isso, mas não sabia. Eu sonhei que a gente estava numa reunião lá no cacique e, quando eu vinha embora para casa, cheguei na metade do caminho e veio uma escuridão, uma tempestade, relâmpago, uma imensa escuridão. Eu não sabia para onde correr, aí tinha uma casa perto da estrada e me escondi atrás dela. No sonho, essa escuridão veio fechando tudo e eu não conseguia respirar... Depois de uns quinze minutos, eu saí na estrada e a escuridão sumiu, tudo sumiu, ficou aquele clarão, só ficou a luz do sol, aí que eu consegui respirar de novo. Numa casinha que tem ali, olhei assim e as crianças, as mulheres, tudo no chão, tudo morto, tudo em cima um do outro, não sobrou nenhum daquela casa. Esse sonho eu tive antes da pandemia. E era morte, mas não era assim um, dois, três não... era uma montoeira de morte... Aí depois veio essa doença que a gente ouviu que morreu muita gente.
Esse sonho também antecipa a pandemia por meio de um evento climático, em que ele não consegue respirar em meio ao escuro e à tempestade, que são sucedidas pelo sol e a visão de “uma montoeira de morte”. A tempestade, com sua escuridão e seus relâmpagos, é comumente associada a Nhanderu Tupã, cuja morada celeste é na região do poente. Sobre essa divindade, Neusa Pará Poty comentou que, quando os seres rekoaxy foram soprados/criados nesta terra por Nhanderu Nhamandu, divindade do sol nascente, este transferiu a responsabilidade por cuidar dela a Tupã, que é mais impetuoso nos cuidados e nas retaliações.
Segundo Ariel Kuaray Poty, em muitas ocasiões Tupã protege os Guarani de retaliações de donos-espíritos (ija kuery), perturbando seus domínios com tempestades e enchentes, atingindo árvores e rios com seus ventos e trovões. Ele enfatiza que Tupã protege os humanos mais do que os outros deuses e é ele quem mais envia seus filhos [nhe’ẽ porã] à terra. Ainda, é ele quem convence as outras divindades sobre a necessidade de seguirem mantendo a terra firme para que seus filhos retornem, adiando assim o teko nhemondyi – o cataclisma que irá acabar com a vida nesta plataforma terrestre.
Tupã, contudo, também reage à destruição dos domínios dessa terra pelos jurua, e o alastramento da Covid é atribuído por muitos de nossos interlocutores a essa divindade, a exemplo de Luísa Pará Xapy14:
A terra foi criada pelo Nhanderu para a gente viver, para ter as matas, os rios, e infelizmente o jurua acabou tirando tantas coisas da terra, como o ouro, o petróleo, tudo foi tirado da terra, mas era um sustento da terra. A mata faz com que possa ter um vento bom, e o desmatamento traz um vento ruim. Com isso, o próprio Nhanderu colocou essa doença para a gente pensar melhor, e com o vento essa doença veio. O xeramõi fala que a doença apenas vive no vento, aquele vento que não é bom. Mas quando nos concentramos, pedimos para Nhanderu que leve essa doença. E temos o Nhanderu Tupã, que é o deus Trovão, o deus do vento, da chuva, o vento dos trovões, e pedimos a ele para que tire esse vento ruim e traga o vento bom para minimizar essa doença.
Luísa associa o alastramento da doença ao vento que decorre do desmata-mento e da extração de materiais que sustentam a terra, como o ouro e o petróleo. Tal apontamento vai ao encontro das ponderações de Kopenawa e Albert (2015) sobre a gana dos brancos pelos minérios, e as consequências de seu extrativismo predatório (poluindo os rios, arrancando o que está sob a terra e destruindo a floresta sobre ela) para a sustentação da distância entre a terra e o céu.
Ainda segundo Luísa, foi Tupã que “colocou a doença para a gente pensar melhor”, a reconhecendo, portanto, como uma interpelação dessa divindade para aqueles que vivem nesta terra estarem atentos aos usos abusivos dos domínios que a conformam. Mas há muitos Guarani que reconhecem a pandemia não como uma ação dos Nhanderu, e sim como uma retaliação direta dos donos-espírito desses domínios na terra.
Do mesmo modo como os Guarani são cuidados por divindades que vivem em outros patamares cósmicos (Cadogan, 1959; Pissolato, 2007; Pierri, 2018), há donos-espírito, ija kuery, que zelam pelos seres que compõem seus domínios na plataforma terrestre. Para tudo que vemos, há um ija correspondente.15 Existem os xivija, dono das onças, os yvyraja, das árvores, os itaja, dono das pedras, e inúmeros outros por vezes convergidos na expressão yvyja kuery, os donos da/na terra. Assim que as primeiras notícias sobre a doença começaram a ser veiculadas, apontando que o vírus teria surgido do consumo indiscriminado de carne silvestre de pangolins e morcegos nos mercados de Wuhan, muitos Guarani Mbya reconheceram a ação dos donos-espírito por trás do surgimento da Covid.
Assim comenta Tiago Karai Tataendy16 sobre o que ouviu dos mais velhos: “yvyja kuery não estavam felizes com a ação do humano na terra, estava destruindo muito e poderia ter reação, e eu lembrei muito disso quando entrou essa pandemia”. Como os ija agem por meio de retaliações de distúrbios sofridos em seus seres e domínios, na forma de doenças e adversidades, muitos Mbya viram o novo vírus como resposta ao modo destrutivo e predatório produzido pelos não-indígenas. A maior suscetibilidade e o amplo desconhecimento dos jurua sobre essa doença, mesmo entre os maiores cientistas, reforçam para muitos Guarani que ela veio para que os não-indígenas se percebessem vulneráveis e então pudessem amenizar seu ímpeto destrutivo.
A arrogância dos brancos é assim comentada por Ariel Kuaray Poty frente à questão existencial implicada na alimentação, em que para viver é preciso matar:
Nos relacionamos com os animais, mas entendemos os tipos de animais que podemos comer, a quantidade e o momento certo (...). Cada animal tem seu processo especial, não é qualquer um. Por exemplo, o quati, se você matar tem que queimar o ânus dele com brasa, para não gerar diarreia. Jurua kuery não sabe disso, para os brancos não existe dono-espírito (ija), é só um corpo, você pode matar, criar, comer qualquer coisa quando quiser, não sabem o que está atrás das coisas (...). Quando criam porcos, frango ou gado, é em uma quantidade enorme. Para nós, cada alimento tem seu ritual, até nas primeiras frutas [da colheita] colocamos fumaça para não nos fazer mal. Mas os jurua não têm esse respeito e obviamente isso vai ter uma consequência.
A Covid é assim reconhecida como consequência de relações abusivas de não-indígenas com animais e plantas, considerados apenas corpos desvinculados de subjetividades a serem reproduzidos em escala industrial para consumo. Por sua vez, outros povos indígenas também reconheceram a emergência da Covid como vingança de donos-espíritos de animais, a exemplo dos Huni Kuin (Lagrou, 2020). Na mesma direção, Kopenawa (2022) definiu “mudança climática” como “vingança da terra”.
Em várias frentes, pensadores de diferentes povos têm inserido diferença e complexidade aos debates acerca do Antropoceno.17 Como destacou Stengers (2015), a aliança entre diferentes saberes constitui uma arte pragmática de encarar as consequências das crises climáticas, ambientais e sanitárias que assolam o planeta e experimentar formas de resistência ao extrativismo e produtivismo predatório do capitalismo. No que diz respeito à pandemia, Albert pondera que o destino trágico que impusemos aos povos indígenas “terá sido apenas uma prefiguração do que hoje estamos nos infligindo a nós mesmos, desta vez, em escala planetária (Albert, 2020: 3). A esse respeito, os Guarani chamam a atenção para as respostas às ações humanas, seja dos ija, seja dos Nhanderu, que fazem visível a multiplicidade de mundos em que o planeta participa.
Do vento vem tudo (vulnerabilidade em reflexões sobre espaços e relações)
“O coronavírus nasceu ali no sol nascente. Esse espírito negativo começou porque caiu uma gotinha na Terra e se espalhou rapidamente”. Essas são palavras de Timóteo Verá Tupã Popygua que apontam a Covid como um espírito maligno que nasceu na China e se espalhou como um sopro intenso (pytu vai, no enunciado de Jejoko citado na seção anterior). O vento, yvytu, é um agente muito mencionado na circulação de espíritos, e na seção anterior Luísa faz referência à fala de um xeramõi de que a doença apenas vive no vento. Ainda com Luísa, há o vento que traz adoecimento e por isso é designado ruim, mas há o vento reconhecido como bom porque pode levar o vento ruim para longe, fortalecendo corpos e coletividades.18 Lurdes Pará Yry19 destaca que os Guarani estão sempre atentos aos ventos, e aqueles que são quentes (aku) despertam maior preocupação, por trazerem consigo espíritos adoecedores.
Partindo de diferentes premissas, cientistas jurua também reconhecem o vento como um jogo de perseguição entre o ar quente e o ar frio, mexendo com tudo que é vivo e sendo por isso um ator fundamental nas mudanças climáticas. Assim sintetiza o escritor colombinano Santiago Wills:
O vento nasce de um balé conduzido por uma estrela [o sol]. As rajadas que sentimos acariciar nossa pele são consequência de um eterno jogo de perseguição entre o ar quente e o ar frio. (…) O vento nos governa. Sua presença determina o clima de cada dia, a maneira como nos vestimos e a vida de bilhões de seres, inclusive os humanos. Ele afeta as chuvas – as chuvas não passam, elas são carregadas pelo vento –, a localização de nossas cidades e assentamentos, as formas de nossas casas, pontes e edifícios; a reprodução de dezenas de milhares de espécies de fungos, samambaias, musgos e algas; a sobrevivência de praticamente todos os pássaros, flores, plantas com sementes, aranhas, insetos, répteis, moluscos e mamíferos que aprenderam a planar, voar em correntes de ar ou voar (uma vez me perguntaram como os pássaros voam: em poucas palavras, as asas aceleram massas de ar para baixo e criam força suficiente para contrabalançar o peso do animal e levantá-lo); o rendimento das safras, nossa sensação térmica e o fluxo de bactérias e vírus em todo o mundo; as marés, a poluição do ar e a migração de pássaros, libélulas, borboletas e centenas de espécies de plantas e animais; o formato das dunas, os nutrientes no solo e a extensão dos desastres naturais e humanos (Wills, 2023, s/p).
A despeito de seus diferentes princípos, ciências jurua e guarani estão de acordo que a intensidade e os caminhos dos ventos sofrem interferência de materiali-dades construídas ou destruídas pelos humanos na terra. Nossos interlocutores guarani comentam como as matas atuam na desaceleração e na limpeza do vento ruim, refrescando-o. Por isso, quem se encontra na cidade está mais vulnerável ao descontrole no movimento dos ventos quentes e seus efeitos negativos nos corpos. As superfícies impermeáveis das cidades, como concreto e vidro, fazem o vento ruim deslizar sem freio (como ocorreu no alastramento da Covid) ou interrompem seu fluxo, de forma que o vento não consegue sair e atinge aqueles que lá estão também confinados. Neusa Pará Poty pondera sobre esse descontrole:
Vêm muitos tipos de doenças pelo ar, e a terra suga as coisas ruins. Por isso a gente fala que na cidade é mais perigoso do que na aldeia, porque na cidade quase já não tem mais terra, o cimento e os prédios não deixam o ar sair. E todas essas coisas ruins, as doenças, ficam ali cada vez mais e não conseguem mais sair, porque não tem mais para onde ir, por isso a gente diz que a terra protege a gente. E temos que cuidar da terra porque ela cuida de nós.
Neusa destaca a necessidade de cuidado mútuo entre a terra, que suga as doenças, e as pessoas, que não devem derrubar a mata para que o vento bom de Tupã sopre as doenças para longe, de acordo com sua fala anterior. Tais movimentos podem ser aproximados a cuidados na sessão de cura corporal, em que o opita’i’va’e, “aquele que pita” a fumaça de tabaco, sopra, suga e expulsa o objeto patogênico. Como comenta Sérgio Karai Tataendy, a fumaça soprada do cachimbo é chamada tataxina rekoaxy porque traz consigo a energia espiritual daquele que fuma. A divindade Jakaira é também associada à essa fumaça (Cadogan, 1959), de modo que, assim como os ventos, ela age como um sopro vital em corpos e espaços. Podemos assim reconhecer uma relação de continuidade entre vento e sopro, na medida em que os ventos constituem o sopro de seres espirituais, como divindades, donos-espíritos e espíritos dos mortos.
Em diversas conversas, as reflexões sobre os ventos remeteram à relacionalidade ensejada por diferentes configurações e materialidades dos espaços. Assim como os ventos adoecedores ora ficam confinados, ora deslizam desenfreadamente nas superfícies lisas das construções urbanas, as pessoas nas cidades tendem a ficar confinadas em espaços circunscritos, ou a passar aceleradas pelas ruas, sem qualquer vínculo com os demais. Particularmente no que diz respeito às moradias nas metrópoles, é comum se viver em meio a muitos, mas sem conexão com os que estão próximos, e o próprio nome apartamento enuncia esse modo de viver apartado. Assim comenta Neusa:
Na aldeia, todo mundo junto, de porta aberta, cuida do filho um do outro, e os alimentos são compartilhados. Na cidade, em apartamentos, todo mundo mora pertinho, mas apartado, nem se conhecem. Não deixam o filho solto porque têm medo dele se machucar ou desaparecer. Eu acho engraçado que os jurua nunca estão de portas abertas. Mas os xeramõi falam que, quando amanhece, tem que deixar a porta aberta para Nhanderu entrar na sua casa e te proteger. Quanto mais o sol está brilhando, mais aberto tem que estar, isso protege. E, assim que está escurecendo, tem que fechar para proteger, para não entrar os espíritos, como acontece no opy [casa de reza]. Como o jurua fica com a porta sempre fechada, o espírito não consegue sair e a pessoa sempre está agitada ou se incomodando com alguma coisa.
Ela destaca como o fechamento dos não-indígenas os deixa mais vulneráveis, pois limita a entrada do Sol (Nhamandu), que poderia protegê-los, ao mesmo tempo que barra a saída dos espíritos que os adoecem. Daí a inquietação constante dos brancos, por vezes expressa em coceiras, angústias e agitação. Já nas aldeias, as portas se abrem ou se fecham para administrar os fluxos que podem fortalecer ou definhar os corpos. Assim, em vez de indivíduos autocontidos em espaços privados ou públicos, os Guarani parecem se aproximar da proposição de Haraway (2000) de pensar a relacionalidade intra e inter corpos a partir de aberturas e fechamentos, aproximação e afastamentos, considerando possibilidades e impossibilidades situadas de individuação, composição e perigos.
Nas aldeias, os Mbya compartilham com outros povos originários uma relacionalidade em que o aparentamento é construído por cuidados mútuos de convivência e proximidade. Entretanto, casar-se com pessoas de outras comunidades e rearranjos familiares são frequentes, de modo que é comum ter parentes espalhados em diversas aldeias. Tal configuração multilocal do parentesco mbya (Pissolato, 2007) engendra uma rede dispersa, mas intensamente conectada por meio de visitas, ou mudanças de moradia, assim como por visões do que se passa ou passará com aqueles que moram distantes. Tais visões podem ocorrer no sonho, ao fumar petyngua20, ao soprar sua fumaça no amba’i (na casa de reza), ao beber ka’a (infusão de erva-mate)21, durante o canto-reza, entre outras situações que aproximem os nhe’ẽ das pessoas. Assim comenta Ariel Kuaray Poty, a partir de conversas com seus parentes:
Seu nhe’ẽ sabe que seu irmão está precisando de você. Eles podem se encontrar durante o sonho. (...). Por exemplo, sua mãe está doente em outra aldeia, ela liga e diz que você não precisa ir lá porque ela está bem. Mas, talvez, o nhe’ẽ dela chame seu nhe’ẽ durante o sonho.
O fato do território guarani mbya ser intensamente ocupado e entrecortado pelas cercas dos jurua desafiou esse povo a encontrar modos de cultivar boas afecções e cuidados entre parentes mesmo estando à distância. Com intensidade crescente, as tecnologias digitais têm sido também um modo de estabelecer aproximações à distância. Durante a pandemia, redes de apoio e trocas se formaram entre aldeias e entre povos. Na região do Vale do Ribeira/SP, por exemplo, Luisa Pará Xapy comenta que, quando as notícias sobre a Covid começaram a se espalhar, as pessoas nas aldeias passaram a trocar áudios no WhatsApp para compartilhar impressões sobre a doença e remédios da mata que poderiam ajudar, inclusive enviando fotos. Ademais, lideranças se articularam para realizar campanhas virtuais de arrecadação de alimentos e outros itens, buscando apoio também junto aos jurua. Tais campanhas foram feitas por comunidades, famílias ou individualmente, por vezes contando com parceria de ONGs. Concomitantemente a essas mobilizações, o grande empenho dos Guarani foi na aproximação das divindades.
Aproximando as divindades (distanciamento das cidades e intensificação da vida coletiva)
Ariel Kuaray Poty aponta que na comunidade de Koenju a Covid é reconhecida como retaliação dos donos-espírito (ija kuery) em resposta à destruição causada pelos jurua, mas as divindades resolveram não intervir nem mesmo em favor dos Guarani, já que muitos vinham negligenciando as relações com elas. Em suas palavras: “Nhanderu kuery não têm motivo para impedir o que está acontecendo, já que os brancos destroem tudo. Por que eles vão querer proteger os humanos? Não meditamos (ijapyxaka) mais”. Por sua vez, Lurdes Pará Yry enfatiza a Covid como uma interpelação aos humanos, de modo a reaproximá-los das divindades: “A doença veio para a gente acreditar mais em Nhanderu. No conhecimento dos Guarani, se vem doença, se vem no ar... então vem para fortalecer, para nós é uma provação, tekoa’ã.”
Muitos de nossos interlocutores reforçam essa hipótese da emergência da Covid como tekoa’ã, que traduzem como “provação”, cuja adversidade é “para nos fazer lembrar”, “para nos fazer acreditar”, para ativar a relação com os Nhanderu. Mesmo que não haja consenso entre os Guarani se os Nhanderu resolveram não intervir diante da retaliação dos donos-espírito, ou se a pandemia foi uma ação direta do próprio Tupã, Ariel destaca que houve uma reação convergente na maioria das aldeias: “foi feito um trabalho diplomático com os deuses, tentando reconvencê-los de que nós merecemos proteção”.
Conforme nos relataram, em boa parte das comunidades houve um fortalecimento da vida cerimonial na opy, em que os cantos-reza atuaram como barreiras sanitárias22 ao alastramento do sopro intenso da Covid, assim como buscaram aproximar as divindades. Nesse sentido, Timóteo atenta para a importância do canto na evitação do fim: “Nhanderu não deixou acontecer cem por cento, porque existe o canto Guarani, que abraça o mundo”.
Assim, enquanto a Covid se alastra como um vento devastador, os cantos-reza constituem um sopro que circula entre as pessoas que estão juntas na opy, protegendo-as e conectando-as a outras aldeias nesta terra e nas moradas celestes. Ao mesmo tempo que aproximam parentes e divindades, os cantos distanciam espíritos que podem fazer definhar, a exemplo da Covid. Assim falou Jaciara Pará Mirim23:
Por causa dessas mortes terríveis, com muitas pessoas e muitas famílias sofrendo, o mundo fica mais pesado. A gente não teve óbito aqui na comunidade por Covid, mas temos buscado nos fortalecer porque a gente sente uma tristeza que não sabe de onde vem. O xeramõi fala muito dessa questão espiritual, da gente ser afetado pelo que está ao redor. Isso afeta a comunidade e a gente tem buscado fortalecer o nhandereko [nosso modo de viver], indo para casa de reza e fortalecendo o espírito. Mesmo passando por tantas dificuldades, essa pandemia fez com que a comunidade se aproximasse mais para enfrentar momentos em que doenças espirituais estão vindo.
Jaciara vive na TI Jaraguá, na capital paulista, onde ela conta que mais da metade de seus cerca de 700 moradoras/es se contaminou com Covid. Mesmo que apenas uns poucos fossem à cidade para fazer compras, se alguém contraísse o vírus ele facilmente se espalhava em razão da “rotina de jogar bola, ir para a casa de reza, ir ao outro núcleo familiar tomar chimarrão, fumar cachimbo...”. O maior desafio ocorreu no período anterior à vacinação e ambas as terras indígenas na região metropolitana de São Paulo se organizaram para reivindicar serviços públicos e apoio da sociedade. Por pressão das lideranças indígenas, tanto na TI Jaraguá como na TI Tenonde Porã os espaços do Centro de Educação e Cultura Indígena (CECI), instituição municipal voltada para a educação infantil nas aldeias paulistanas, foram convertidos em uma espécie de hospital de campanha. Assim conta Tiago Karai Djekupé24:
Antes do pessoal começar a falar sobre hospital de campanha para as pessoas se internarem, a gente já estava aqui na aldeia falando sobre isso. E a gente exigiu que a Prefeitura usasse o espaço do CECI para colocar equipamento, contratar equipe, porque se alguém ficasse doente a gente não teria que ficar em casa. Porque a orientação era deixar as janelas abertas, evitar mexer na maçaneta da porta, sempre que chegar em casa lavar as mãos, tomar banho... Mas um olhava para a cara do outro e falava assim: “mas minha casa não tem porta, minha casa não tem janela, minha casa não tem banheiro, não tem água, então como vamos seguir orientação?” Então usamos tudo isso para que o Ministério Público e a Prefeitura entendessem que se alguém ficasse doente iria infectar todo mundo, e conseguimos conquistar esse espaço de isolamento. Foi importante porque teve muita gente pegando covid, mas como a gente já estava cobrando teste, o espaço para isolamento e a equipe para cuidar, então quando identificava os casos já ia para essa área de isolamento e monitorava, então não foi se agravando muito.
Em razão dessa mobilização da comunidade, Jaciara comenta que houve apenas uma internação e nenhum óbito. Na Tenonde Porã, a outra TI na região metropolitana de São Paulo, 90% dos moradores foram contaminados, segundo Tiago Karai Tataendy. O primeiro óbito ocorreu com uma criança de três anos, e nos primeiros meses da pandemia três idosos também faleceram. Assim ele comenta sobre os protocolos adotados:
Dávamos a orientação para não fazer mais encontros, reuniões, mas... e dentro da comunidade, dentro da aldeia, como é que a gente vive? A gente não vai mais visitar o parente, ir ao xeramõi contar os sonhos? Tento frequentar ao máximo a casa de reza, toda a tarde eu tento ir para me fortalecer espiritualmente. Mas a situação no opy é que todo mundo compartilha o cachimbo, o ka’a [erva-mate], e como a gente faz isso? Os cantos todos juntos, de mãos dadas... então foi um desafio muito grande, indo contra a nossa concepção de vida, nosso jeito de ser. Então para mim foi um desespero total, a gente tentando seguir, mas tentando também pensar um jeito que não afetasse diretamente o modo como a gente é. Então para nós não funcionou o isolamento social.
Ele e outros destacam a dificuldade de compor com as medidas sanitárias promovidas pelas instituições de saúde e manter os rituais coletivos imprescindíveis para o enfrentamento da Covid. A seu turno, no Vale do Ribeira as comunidades indígenas em geral são mais afastadas dos centros urbanos e estes são pequenos. Entretanto, há muita visitação entre as comunidades para atividades como jogos de futebol, festas e rituais. As lideranças buscaram suspender essas atividades e conseguiram por alguns meses. Mas quando alguém se contaminava, outros corresidentes também acabavam contraindo o coronavírus. Esse foi o caso da TI Takuari, onde, segundo o cacique Timóteo Verá Popygua, até setembro de 2021 houve 40 casos confirmados entre seus cerca de 500 moradores, incluindo três internações, mas nenhum óbito. Ainda de acordo com o cacique, os mais afetados foram ele e seu genro Ataíde Vherá Mirim (2021) e, de modo geral, as lideranças acabaram ficando muito vulneráveis por circularem por diferentes cidades e comunidades na luta pelos direitos indígenas, duramente atacados durante a pandemia.
Também na região do Vale do Ribeira, o professor Celso Verá Mirim25 disse que na TI Peguaoty também buscaram suspender festas e jogos entre aldeias. Mas houve quem acabasse indo e um deles contraiu a doença jogando futebol em outra comunidade. De todo modo, de seus 60 moradores, apenas dois contraíram o coronavírus. O outro foi contaminado na Argentina e já chegou com Covid. “Por isso aqui a gente sempre tentou falar da importância do distanciamento, enquanto a pandemia não para, estamos tentando não sair para visitar o parente em outro estado”.
As comunidades buscaram diminuir as contaminações pela restrição dos deslocamentos para centros urbanos ao estritamente necessário, bem como a interdição de entrada de estranhos nas terras indígenas. Essa medida trouxe impactos na venda de artesanato, que é uma importante fonte de renda para muitas comunidades. Particularmente naquelas em que a exiguidade da terra dificulta atividades de plantio, caça ou pesca, a pandemia trouxe uma maior insegurança alimentar. Na TI Ribeirão Silveira, no litoral paulista, as vendas ocorriam principalmente dentro da comunidade e à margem da rodovia Rio-Santos. Por não ser muito próxima de grandes adensamentos urbanos, ali houve poucos casos de Covid (menos de dez, segundo um agente indígena de saúde da TI) e apenas uma internação, sem óbitos. Mas o impacto econômico da pandemia foi intenso pela suspensão das atividades turísticas e comerciais, de modo que as lideranças buscaram apoio de dois municípios incidentes na TI para obtenção de cestas básicas mensais.
No noroeste do Rio Grande do Sul, onde encontra-se Koenju, de acordo com relato do médico e enfermeiro da aldeia, não houve nenhum caso de Covid detectado pela equipe de saúde. Desde o início, a comunidade adotou o uso de máscaras para sair da TI e, posteriormente, houve forte adesão à vacinação. As idas à cidade também foram evitadas, gerando um ambiente bastante rigoroso de distanciamento dos brancos.
Em todas as comunidades que acompanhamos, sejam próximas ou distantes de centros urbanos, as contaminações foram fortemente associadas pelos Mbya a idas a cidades para compras, atividades de lazer, trabalho, ou mesmo assistência hospitalar. O distanciamento de centros urbanos, contudo, foi concomitante à intensificação da vida comunitária e dos rituais coletivos na maioria das aldeias. Como disse Luísa Pará Xapy, “o distanciamento pode evitar a doença, mas pode trazer outras”, aumentando a vulnerabilidade das pessoas a espíritos adoecedores. Assim relata Saulo Kuaray Xunun:
A gente só saía pela necessidade extrema, senão ficava aqui na aldeia, fazia vaquinha, fazia uma listinha, só ia uma pessoa lá na cidade, ia no supermercado, fazia compras e voltava. Quando ela chegava aqui, fazia todo aquele ritual do álcool em gel. Daí a equipe de saúde não queria que a gente fosse pra casa de reza para não ter aglomeração. Mas como a gente ia ficar sem esse ritual que tem praticamente toda tarde? Se a gente não praticar isso, vai enfraquecer; se praticar, a gente pode contaminar todas as aldeias. Daí a gente entrou num consenso que é melhor praticar esse ritual e pedir pra Nhanderu que nos proteja de tudo e de todos e que, mesmo que nos alcance essa doença maligna, que não seja tão forte para nós.
Proximidades vegetais (retomadas, plantios e remédios da mata)
As rezas e os remédios da mata constituíram princípios de cuidado fundamentais e imprescindíveis entre nossos interlocutores durante a pandemia. Como relata Tiago Karai Djekupé, o poder curativo das plantas não se deve a características intrínsecas a elas, como uma medicina física, mas algo que pode ser ativado na relação com elas. Por isso, o que acontece no corpo dos Guarani pode não ser o mesmo do que acontece no corpo jurua:
Nós rezamos mais e utilizamos muitas ervas medicinais, mas não divulgamos isso para não incentivar não-indígenas a fazerem tratamento precoce. Essa é a nossa realidade espiritual, para nós não tem só a medicina física que vai trabalhar no nosso corpo, por isso, se o jurua usasse a mesma planta, talvez não fizesse o mesmo efeito que faz para nós... A gente não queria fazer igual ao Bolsonaro, indicar tratamento precoce para ninguém.
Assim como o efeito dos remédios da mata dependem de relações que compõem os corpos, Tiago discorda de “tratamentos precoces” prescritos de forma indiscriminada por médicos. Os cuidados mobilizados pelos Guarani durante a pandemia consideram e adotam com intensidade variada protocolos sanitários não-indígenas, mas não compartilham suas premissas biomédicas. Tampouco se aproximam de posturas não-indígenas contrárias às medidas de distanciamento e antivacina. Enquanto estas se pautam no elogio das liberdades individuais, de corpos supostamente impermeáveis e invulneráveis a qualquer doença, os Guarani atentam justamente para a vulnerabilidade da condição dos viventes e a necessária composição com outros. De modo que não é “cada um por si”, pois cada “si” é composto e atravessado por muitos, demandando relações específicas a serem buscadas ou evitadas. Assim comenta Celso Verá Mirim:
Durante esse pandemia, nós tivemos mais união, a gente trabalhou muito aqui na aldeia fazendo vários tipos de trabalhos coletivos, como limpar o solo para plantar, ou para construir uma casa que alguém precisava para moradia. Espiritualmente posso até dizer que ajudou, ficamos mais ainda unidos. A gente que vive mais afastado [das cidades], a gente sabe que não pode destruir, pois a reação da natureza pode ser pior ainda... Tudo que está na natureza tem espírito.
Nas aldeias incidentes em cidades, tais atividades coletivas envolvendo a terra são mais restritas pela exiguidade do espaço e a urbanização do entorno. Entretanto, mesmo antes da pandemia, nas terras indígenas na região metropolitana de São Paulo vinha havendo um movimento de dispersão de famílias para a retomada de aldeias em que pudessem fortalecer o nhandereko, ou seja, a vida guarani em sua plenitude de relações, principalmente por meio de plantios. Após a decretação oficial do fim do período pandêmico, esse movimento segue com novas retomadas.
Também no Vale do Ribeira os plantios se intensificaram e suscitaram redes de apoio entre as aldeias e parceiros jurua durante a pandemia, como descreve Saulo Kuaray Xunun:
Eu e as demais lideranças daqui da região falamos assim: “vamos fazer um projeto, um trabalho comunitário pedindo apoio de nossos parceiros pra gente ter alimentos, cestas básicas, ferramentas para fazer roça…”. Assim surgiu o tanque de peixe e a criação de aves. Tendo esse trabalho dentro da aldeia, a gente saiu do estresse e conseguimos ajudar outras comunidades também através do plantio e da alimentação. Agora aldeias têm mandioca, batata doce, aqui na nossa aldeia já estão plantando de novo. Então essa foi uma das principais ações que a gente desenvolveu para não circular pela cidade, porque a gente tinha que fazer cesto para venda na cidade, tinha que cortar palmito para vender na cidade, catar orquídea para vender na cidade, algumas crianças pediam um dinheirinho lá na cidade. Agora quase ninguém trabalha mais no artesanato, está mais na agricultura.
Na maioria das aldeias em que vivem nossos interlocutores, houve uma intensificação da relação com a terra, por meio de cultivos e de remédios da mata. Celso Verá Mirim, por exemplo, comenta que um líder espiritual em sua aldeia fez uma panelada de remédio para banho e para beber como forma de prevenção e para aqueles que estavam com sintomas. Em outra aldeia do Vale do Ribeira, Saulo Kuaray Xunun comenta que usam uma planta que funciona como álcool em gel, já que se pode passar no corpo para evitar ser infectado. Cleonice Varyju Poty26 também destaca a centralidade do tabaco e da erva-mate:
A gente usa mais o cachimbo, o petyngua, e quando tem algum sintoma de fraqueza a gente pega erva bem amarga e vai tomando durante sete dias. No primeiro momento [da pandemia] a gente ficava com medo de fumar o petyngua juntos, tomar chimarrão juntos, mas depois a gente nem ligou muito, por mais que os não-indígenas falassem que a gente não podia fazer isso. É compartilhado da mesma forma, os Guarani não conseguem não fazer assim.
Sérgio Karai Tataendy comentou que em 2020 ele fez o ritual dedicado à erva-mate (Macedo, 2017b) apenas com a família, sem convidar outras aldeias, por causa da pandemia. Mas em setembro de 2021 ele resolveu fazer com convidados porque se fortaleceriam ao estarem juntos, e depois cada um seguiria fortalecido mesmo à distância:
Por que é que tem o batismo da erva-mate? Vai fortalecer o espírito de todo mundo, que vai ter aquela proteção o ano inteiro. Está todo mundo junto ali, e depois que acaba cada um vai para sua aldeia, mas os espíritos estão aqui, daqui eles protegem cada aldeia que está representada ali.
Assim, enquanto os Mbya estiverem cercados de parentes, com seus filhos nascendo e a conexão com os Nhanderu, o inevitável e há muito previsto fim desta terra vai sendo adiado.
O fim como princípio em movimento (Conclusão)
Como vimos ao longo deste texto, os Guarani com quem conversamos não praticaram um distanciamento indiscriminado, optando por um afastamento das cidades concomitante à aproximação com parentes, divindades, donos-espíritos e viventes com os quais podem se compor de modo a fortalecer a vida.
Com a chegada da pandemia, muitos não-indígenas tiveram certa dificuldade em aceitar sua fragilidade biológica trazida à cena pela Organização Mundial de Saúde e autoridades sanitárias.27 Por sua vez, o entendimento de que os coletivos indígenas seriam ainda mais vulneráveis à nova doença foi facilmente aceito e disseminado, em continuidade com um imaginário ocidental em que os povosoriginários são posicionados de forma recorrente no lugar da carência. Algumas alegações pareciam sugerir que a própria forma de viver dos povos originários, em que a vida comunitária aproxima os corpos e substâncias, é o que colocaria suas vidas em risco. Sua vulnerabilidade estaria assim duplamente atrelada aos seus “costumes culturais” ou aos seus (maus) “costumes ocidentais”. Sob esse olhar, produziu-se o reforço da posição epidemio-biomédica como parâmetro exclusivo de verdade, ao mesmo tempo que emergia um sujeito individual enclausurado em si mesmo como aquele mais preparado para lidar com os riscos proporcionados pela nova enfermidade. Foi a partir dessas modulações biomédicas e modernas que se estabeleceu uma verdadeira “guerra ao vírus” (Vama, 2020), buscando esquadrinhar comportamentos para os corpos na tentativa de barrar seus atravessamentos por outros, obstruindo e higienizando seres e relações.
É certo que a multiplicidade de relações e conhecimentos engendrada pela pandemia não pode ser restrita à «guerra ao vírus» (Vama, 2020) ou às “metáforas militares” (Haraway, 1991) na formulação e no enfrentamento do problema epidemiológico. As experimentações pandêmicas incluíram engajamentos afetivos, políticos e intelectuais que ampliaram horizontes de possibilidade para sobrevivermos a esse “tempo das catástrofes”, retomando a expressão de Stengers (2015) sobre a crise planetária vivida de modos desiguais e que demanda alianças na diferença. As experiências e reflexões dos Guarani reunidas neste texto nos parecem contribuir na ampliação desses horizontes.
Antes de recusar o local de vulnerabilidade a eles destinado, os Guarani parecem reconhecê-lo como princípio fundante comum a todos os viventes, o qual antecede o surgimento da pandemia e não cessará com ela. A partir desse princípio, práticas de cuidado entre os Guarani foram orientadas muito mais pelo manejo das relações do que pela contenção de certos entes em si. Entre aberturas e fechamentos, aproximações e distanciamentos mencionadas por nossos interlocutores, figuram a abertura aos raios solares de Nhamandu e ao vento de Tupã, a proximidade entre os parentes, a incorporação e cultivo de plantas, o fechamento aos ventos quentes e espíritos da noite, o afastamento das cidades, entre muitos outros movimentos que remetem às mencionadas artes de viver num mundo pandêmico.
Entre os Mbya, acontecimentos históricos como a Covid não deixam de ser confrontados e abarcados pelas narrativas primordiais, em que o fim da Terra é um horizonte que produz movimento, ensejando a busca por sua duração. Contrariamente, entre os jurua a história está cronologicamente conectada a acontecimentos que vão sendo incorporados como eventos inéditos, resultando na inércia ou negação como posturas recorrentes diante da iminência do fim.
No Brasil, os desafios durante a pandemia foram tanto maiores porque as dificuldades sanitárias e econômicas estiveram justapostas à intensificação de ameaças ambientais e aos direitos indígenas, particularmente o direito à terra, durante o governo Bolsonaro (2019-2022). Nesse sentido, Saulo Karai Xunun pondera que a entrada de um espírito maligno, Anhã, no poder político do mundo jurua poderia ser também uma provação das divindades:
Essa parte de pandemia é uma questão que os nossos deuses colocaram essa barreira, e colocaram esse Anhã no poder para estar medindo a força dos Guarani, de todos os povos e de vocês que são jurua, mas têm essa essência de proteger povos nativos.
Para enfrentar os desmandos desse Anhã à frente do estado brasileiro, os jurua e outros povos também foram convocados. Postagens em redes sociais e eventos online protagonizados pelos Guarani e outros povos se multiplicaram nos anos pandêmicos do governo bolsonaro, constituindo ocasiões para veicular conhecimentos, artes e lutas em diferentes terras, dando maior visibilidade e atraindo apoiadores para as pautas indígenas.
Ameaças aos direitos originários dos povos indígenas às suas terras se intensificaram nesse período. Em 2021, entrou na pauta do Congresso Nacional um Projeto de Lei que altera e fragiliza o processo de reconhecimento das TIs. Concomitantemente, o Supremo Tribunal Federal iniciou a votação sobre a validade da chamada tese do “Marco Temporal”, em que as comunidades indígenas só teriam direito aos territórios que efetivamente estivessem ocupando em 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Muitas comunidades fora da Amazônia Legal, contudo, não se encontravam em suas terras tradicionais porque haviam sido expulsas ou ameaçadas em disputas fundiárias (Rufino, 2022).
Em resposta a essas e outras privações e ameaças, centenas de Guarani somaram-se a milhares de indígenas de todo o Brasil para protestar nas ruas de Brasília durante as edições do Acampamento Terra Livre, que chegaram a reunir mais de 7 mil pessoas (Signori et al., 2021; Prates et al., 2022; Rufino, 2022). Nessas ocasiões, os cantos guarani (co)moveram os presentes nas ruas de Brasília e nas telas dos celulares por sua força de enunciação de outros mundos e de outras possibilidades de alianças entre mundos.
Assim como o alastramento da Covid, Bolsonaro pode ter alcançado o poder como uma provação aos viventes desta terra. Mas podemos pensá-lo também em continuidade com a chamada feitiçaria capitalista. Esta foi descrita por Stengers e Pignarre (2007) como produção de um conformismo pela ilusão de que não existe escapatória ao império do consumo e do individualismo. Daí o enfeitiçamento pelas mercadorias destacado por Kopenawa (Kopenawa e Albert, 2015), tornando os brancos incapazes de sonhar e perceber outros mundos que não o próprio.
O líder espiritual Carlos Papá certa vez disse à Valéria Macedo que Anhã possui esse nome por ser uma espécie de deus da velocidade. Esse espírito maligno - que é irmão e antagonista do demiurgo Nhanderu - corre, onha, atravessando e devastando pessoas e lugares. E talvez possamos experimentar uma aproximação da aceleração desenfreada de Anhã com a feitiçaria do capitalismo, definhando existências ao tornar as pessoas incapazes de perceber outras possibilidades de participar no mundo e reconhecer outros mundos.
De diferentes formas, Bolsonaro e a Covid são produtos desse sistema feiticeiro do capitalismo, mas podem ser pensados como provações (tekoa›ã) para que os viventes desta terra experimentem as radicais consequências da devastação da vida no planeta e “parem para pensar”, como nos disseram vários Guarani. Contra-efetuando a feitiçaria capitalista, o vento de Tupã traz à cena múltiplos mundos, abrindo caminhos para experimentações e novas composições.
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Financiamento: Não se aplica.
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Contribuição de autoria: Não se aplica.
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A construção deste artigo também contou com a generosa colaboração de Amanda Signori.
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Kuaray Xunun (Saulo Ramires), 41 anos, é professor na Terra Indígena (TI) Ambá Porã (Miracatu/SP).
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As comunidades guarani falantes compõem um conjunto de povos aparentados (Gallois e Macedo, 2022) e, neste texto, centraremos o foco nos Guarani Mbya. Em algumas passagens, contudo, faremos referência aos Guarani de modo mais abrangente.
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A equipe do módulo Brasil-Meridional contou com 24 pesquisadoras/es, sendo 16 não-indígenas e oito indígenas de povos aparentados, tais como Guarani Mbya, Ava-Guarani, Nhandewa e Kaiowa, assim como os Kaingang e Xokleng. Este texto resulta de um recorte de um estudo temático sobre respostas indígenas ao distanciamento social durante a pandemia.
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Para informações geográficas e demográficas sobre os Guarani, ver o Mapa Guarani Continental: http://campanhaguarani.org/guaranicontinental/.
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Verá Tupã Popygua (Timóteo da Silva), 51 anos, é cacique na TI Takuari (Eldorado/SP) e coordenador tenonde na Comissão Guarani Yvyrupa. Seu nome Verá está acentuado na última sílaba para que não seja pronunciado como paroxítona, como o nome “Vera” em português (e o mesmo ocorrerá com o nome Pará). Mas a maioria das palavras na língua guarani são oxítonas e não acentuadas.
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Tekoaxy é o modo impessoal da expressão, enquanto rekoaxy está flexionado como atributo de algo. Já yvy significa “terra”.
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Pará Poty (Neusa de Quadro), 32 anos, é moradora na aldeia Itakupé/TI Jaraguá (São Paulo/SP).
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Karai Tataendy (Sérgio Macena), 58 anos, é líder espiritual na TI Ribeirão Silveira (São Sebastião e Bertioga/SP).
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“Meu avô”, como os Guarani também se referem aos líderes espirituais.
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Ariel Kuaray Poty e Bruno Huyer fizeram um filme sobre essa experiência de gestar a vida em meio ao contexto de luto da pandemia que está disponível na Plataforma Pari-c: http://www.pari-c.org/artigo/52.
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Pará Xapy (Luiza da Silva), 31 anos, é professora na TI Takuari (Eldorado/SP).
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Karai Tataendy (Tiago Santos), 29 anos, liderança na aldeia Kalipety/TI Tenonde Porã (São Paulo/SP).
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Como abordado por Macedo (2017a), as noções de bom e mal entre os Guarani podem ser aproximadas ao pensamento espinosiano, já que não se trata de características substantivas, mas de efeitos definhadores ou fortalecedores de bons ou maus encontros nos corpos.
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Pará Yry (Lurdes Benites), 40 anos, kunhã karai da TI Ribeirão Silveira (Bertioga e São Sebastião/SP).
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Sobre o tabaco entre os Mbya, ver por ex. Pereira (2019).
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Algo também enunciado pelos Guarani Kaiowá (2021).
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Pará Mirim (Jaciara Augusto Martim), 43 anos, assistente social na UBS e moradora da aldeia Pyau/TI Jaraguá (São Paulo/SP).
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Karai Djekupé (Tiago Henrique), 27 anos, liderança na aldeia Yvyporã/TI Jaraguá (São Paulo/SP).
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Verá Mirim (Celso Aquiles), 42 anos, é professor na TI Gwaviraty (Iguape/SP).
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Varyju Poty (Cleodinei Martins Cáceres), 39 anos, é moradora da TI Ka’aguy Hovy (Iguape/SP).
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Podemos lembrar da dificuldade de certos presidentes, em especial Donald Trump e Jair Bolsonaro, em assumir a gravidade da pandemia em seus respectivos países (https://oglobo.globo.com/celina/nas-eleicoes-nos-eua-por-quedonald-trump-vence-entre-oshomens-brancos-24716450; https://www.cartacapital.com.br/politica/eleitor-tipicode-bolsonaro-e-homembranco-de-classe-mediae-superior-completo/.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
15 Nov 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
3 Out 2022 -
Aceito
15 Jun 2023