Resumo
Com base na descrição do processo administrativo instaurado a partir do sumiço de uma cafeteira em um órgão público federal, proponho que a transposição ponderada e criativa da distância entre o esquematismo das fórmulas burocráticas e a complexidade das situações às quais elas se dirigem é tão constitutiva da burocracia quanto suas expressões mais insensatas, que frequentemente resultam em violência e injustiça. De um lado, as prescrições normativas conferem ao processo um impulso próprio, que prenuncia sanções aos servidores formalmente responsáveis pelo bem. De outro, e ao mesmo tempo, sua tramitação desencadeia um investimento cuidadoso para conter um movimento cego em direção a resultados indesejáveis. Essas condições interpelam a consideração usual da discricionariedade no serviço público que chamarei de discernimento, conforme certo uso nativo - como expressão de arbítrio individual. Em vez disso, realçam o caráter intrinsecamente coletivo do discernimento burocrático, indispensável para a efetivação consequente das normas.
Palavras-chave:
Antropologia da burocracia; Processos administrativos; Servidores públicos; Discricionariedade; Discernimento