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Nacionalismo, musealização e (de)colonialidade em Barbados: algumas considerações preliminares sobre a diversidade sexual e de gênero entre legados indigestos e falsos paradoxos

RESUMO

Desde 2019, o Museu Nacional de Barbados vem apresentando algumas exposições temporárias que abordam a importância dos movimentos sociais para a promoção do respeito à diversidade sexual e de gênero. Trata-se de esboçar uma reflexão sobre as relações entre a formação dos Estados nacionais, os efeitos do colonialismo, a instituição da heteronormatividade e, enfim, a recente visibilização da diversidade sexual e de gênero, a partir de Barbados e seu Museu Nacional.

PALAVRAS-CHAVE
Sexualidade; Museus; Colonialismo; Nacionalismo; Barbados

ABSTRACT

Since 2019, the National Museum of Barbados has been presenting some temporary exhibitions that address the importance of social movements in promoting respect for sexual and gender diversity. This article aims to outline a reflection on the relations between the formation of national states, the effects of colonialism, the institution of heteronormativity and, finally, the recent visibility of sexual and gender diversity, based on the case of Barbados and its National Museum.

KEYWORDS
Sexuality; Museums; Colonialism; Nationalism; Barbados

Apresentação 1 1 Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico a Bolsa de Produtividade em Pesquisa.

Em 2022, três países do Caribe – Antígua e Barbuda, São Cristóvão e Nevis e Barbados, todos ex-colônias britânicas – revogaram as leis do período colonial que vinham sendo usadas para discriminar e incentivar a violência contra as pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexuais, queers e outras possibilidades de experiências da diversidade sexual e de expressões de gênero (LGBTQI+).

Em Barbados, foram revogadas as Seções 9 e 12 das Leis de Crimes Sexuais ( Sexual Offences Acts ), datadas do início da década de 1990 em sua versão atual e que perpetuavam um legado da velha legislação colonial britânica 2 2 A Seção 9 do documento legal barbadiano diz: “Qualquer pessoa que cometa atos de sodomia é culpada de crime e passível a pena de prisão perpétua, em caso de condenação por acusação”. Cf. https://www2.ohchr.org/english/bodies/hrc/docs/ngos/lgbti2.pdf . Minha tradução livre do inglês – para não sobrecarregar o artigo, opto por não incluir os excertos em língua original, somente as traduções livres da língua inglesa feitas por mim. . Condenavam-se, respectivamente, as práticas de buggery (sodomia) e serious indecency (indecência grave ou atentado ao pudor) 3 3 Em 1533, um ato do Rei Henrique VIII da Inglaterra condenou à pena de morte a prática do “vício abominável” do sexo anal com mulher, homem ou animal (buggery), conforme o que já vinha sendo pregado por algumas leis cristãs (Weeks, 1989 ). Em 1885, a Lei de Alteração do Direito Penal (Criminal Law Amendment Act) instituiu o crime de gross indecency para responder a uma demanda das camadas médias britânicas em defesa da família e contra a prostituição, mas com efeitos diretos sobre as práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo/gênero e a definição da “perversão” (Waites, 2005 ). Ambas seriam transmitidas para todas as colônias britânicas e, na maioria dos casos, continuariam em vigor nos sistemas jurídicos locais após a independência. , e, por esse meio, valorizavam unicamente a sexualidade reprodutiva e instituíam a heterossexualidade compulsória e as identidades de gênero binárias, em detrimento da diversidade de desejos sexuais e de formas identitárias de gênero. A decisão foi comemorada por organizações não governamentais de advocacy LGBTQI+, de luta contra a pandemia de HIV/Aids e de planejamento familiar, além de instituições de governança global em geral, agências supranacionais de desenvolvimento, parte da imprensa ocidental e alguns governos, todos envolvidos com a promoção dos direitos de pessoas LGBTQI+ enquanto direitos humanos (e, diga-se de passagem, também envolvidos com a condenação dos mais de sessenta países 4 4 Ver: https://www.humandignitytrust.org/lgbt-the-law/map-of-criminalisation/ que mantêm leis anti-LGBTQI+ e/ou praticam oficialmente a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero diversas) 5 5 A heterossexualidade compulsória denuncia o caráter culturalmente arbitrário e, portanto, não natural da heterossexualidade (Rich, 1980 ). Experiências da diversidade sexual e de gênero se referem às práticas e identidades sexuais e/ou de gênero e suas múltiplas dinâmicas sociais e culturais (às vezes será usado “expressões” para dar ênfase ao caráter eloquente das práticas e identidades). Sexualidade não normativa designa as experiências da diversidade sexual e de gênero consideradas como não correspondendo às expectativas sociais, morais e, às vezes, jurídicas estabelecidas e, portanto, passíveis de alguma forma de regulação. Enfim, sexualidade alternativa, quando as experiências são “outras” em relação às normativas, mas não necessariamente passíveis de enquadramento. Homossexualidade (assim como lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneros, intersexuais etc.) é o termo ocidental mais usado pelas instâncias internacionais, também amplamente utilizado por governantes caribenhos/as e por ativistas, dentre outros. A heteronormatividade designa o sistema normativo e seus mecanismos, tecnologias e dispositivos que sustentam as instituições dos Estados modernos, naturalizando a heterossexualidade, o binarismo de gênero e o dimorfismo sexual (Warner, 1993 ). .

Essas leis herdadas do período colonial raramente foram aplicadas efetivamente nas ex-colônias (agora países independentes) e nos atuais territórios britânicos ultramarinos do Caribe, mas serviram para definir e reforçar, juntamente com as moralidades religiosas cristãs e as discursividades médico-científicas modernas, tanto as corporalidades hegemônicas e o caráter teleológico da sexualidade reprodutiva, como a heterossexualidade compulsória e a heteronormatividade, enquanto eficientes regimes de poder. Ao longo do período colonial e após a independência, apesar das leis, as experiências dissidentes da diversidade sexual e as expressões múltiplas de gênero se fizeram presentes, seja representadas na literatura e nas artes, seja mais recentemente relatadas nas pesquisas acadêmicas sobre o assunto, visibilizadas na propagação de organizações de defesa dos direitos e na proliferação dos eventos, festas e Paradas do Orgulho LGBTQI+, ou fixadas em exposições museológicas e inúmeras ações didáticas.

Dentre as colônias britânicas do Caribe, Barbados sempre se destacou, por inúmeras razões que serão relatadas mais adiante. A ilha de pouco mais de 430 km 2 , a mais oriental do arco das Antilhas, tornou-se independente do Reino Unido em 1966 e permaneceu associada à antiga metrópole como membro da Comunidade Britânica ( The Commonwealth ), tendo como chefe de Estado a monarca inglesa Elizabeth II. Em novembro de 2021, o país optou pela proclamação da República e a eleição de uma presidenta como chefe de Estado, mais uma vez se diferenciando de outras ex-colônias.

No âmbito das atividades realizadas para celebrar o novo sistema político, foi realizada uma exposição temporária no Museu de Barbados entre 2022 e 2023, intitulada Road to Republic: Exploring 400 Years of a Political Experiment [Estrada para a República: explorando 400 anos de um experimento político]. Ao revisar a história do país desde a invasão britânica, sob a óptica decolonial, a exposição chamou atenção por citar, em um de seus painéis, os movimentos sociais de resistência contra a colonização e seus efeitos persistentes no período pós-independência, dentre os quais o movimento de pessoas LGBTQI+. Uma outra exposição temporária ocorrida no mesmo Museu em 2019, intitulada Insurgents: Redefining Rebellion in Barbados [Insurgentes: redefinindo rebelião em Barbados], havia tratado da importância desses movimentos para a história das formas de insurgência na ilha desde o período colonial, ao contra-argumentar sobre a tenacidade de uma representação colonialista de que Barbados sempre teria sido uma terra de pessoas “pacíficas”, o que teria feito desta a colônia preferida da Inglaterra no Caribe.

Ora, como era possível, em um país em que ainda estavam em vigor leis contra as pessoas LGBTQI+, que ali tivessem sido publicados textos acadêmicos sobre a diversidade sexual e de gênero decorrentes de pesquisas realizadas no país e alhures na região, que ocorressem algumas Paradas do Orgulho, que acontecessem festas voltadas para o público diverso e fosse até mesmo realizada uma mostra de cinema LGBTQI+? E que o Museu Nacional daquele país manifestasse a importância da existência da diversidade sexual e de gênero? O que está historicamente por trás das Seções 9 e 12 das Leis de Crimes Sexuais e da revogação recente dessas Seções? Um painel da exposição Road to Republic , realizada em um museu que tem por objetivo, em parte, contribuir com a fabricação e a manutenção do próprio projeto de nação, serviu de pretexto para a busca de respostas para essas perguntas.

Trata-se de esboçar uma reflexão sobre as relações entre a formação dos Estados nacionais modernos, os efeitos do colonialismo e da colonialidade, a instituição e a imposição universal da heteronormatividade e, enfim, a recente visibilização da diversidade sexual e de gênero, a partir do caso de Barbados – por meio de um painel da exposição Road to Republic . Primeiramente, serão apresentadas algumas considerações sobre o nacionalismo e a importância dos museus para a consolidação das “matrizes únicas de meta-significados” (Shulga, 2015SHULGA, Olexander. 2015. “Consequences of the Maidan: War of symbols, real war and nation building”. In: STEPANENKO, V. & PYLYNSKI, Y. (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: Challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 231-240. ) que conformam as ideologias nacionais 6 6 A “matriz única de meta-significados” é proposta por Shulga ( 2015 ) como um agenciamento simbólico elaborado para servir de modelo (oficial, mas não somente) para a construção da nação, quase sempre reformulando ou ultrapassando os significados reais para produzir meta-significados. . Em seguida, será delineada a história de Barbados para mostrar a tensão entre a presença da diversidade sexual e de gênero e seus silenciamento e enquadramento em nome de um projeto nacional heteronormativo (inicialmente britânico e, em seguida, barbadiano). Será possível, enfim, tratar do Museu de Barbados e suas exposições temporárias recentes como um indício de que a “(homo)sexualidade espectral” (Murray, 2009MURRAY, David A. B. 2009. “Homo hautings: Spectral sexuality and the good citizen in Barbadian media”. In: MURRAY, D. (org.). Homophobias: Lust and loathing across time and space. Durham / Londres, Duke University Press, pp. 146-161. ) – aquela que é tratada discursivamente como uma ameaça aos bons costumes e à moralidade hegemônica, ainda que vivida às escondidas pelas pessoas sobre as quais tanto se fala – parece não mais caracterizar plenamente as experiências da diversidade sexual e de gênero em Barbados, uma vez que, sobretudo com o advento da República, uma nova matriz de meta-significados estaria sendo construída para caracterizar o projeto nacional em complementação ao anterior 7 7 As reflexões contidas aqui resultam de observações feitas ao longo de janeiro de 2023 no Museu de Barbados. Foram realizadas três visitas ao Museu, diversas conversas com usuários/as dentro e fora do Museu e, em seguida, entrevista junto a funcionários/as do Museu. Agradeço às/aos funcionárias/os do Museu a acolhida, em particular à curadora de história social responsável pelas exposições que serão abordadas, Natalie McGuire. Trata-se, portanto, da elaboração de uma reflexão preliminar sobre a diversidade sexual e de gênero em Barbados a partir de alguns painéis de uma exposição apresentada pelo Museu, e não de um estudo etnográfico especificamente sobre as experiências da diversidade sexual e de gênero em si naquele país. .

De nações a museus

Abner Cohen propôs que se prestasse atenção às formas simbólicas como elementos que marcam a identidade e a exclusividade de um determinado grupo político: “[…] emblemas, marcas faciais, mitos de origem, costumes de endogamia ou de exogamia, crenças e práticas associadas aos ancestrais, genealogias, cerimônias específicas, estilos de vida especiais, altares, noções de pureza e poluição e assim sucessivamente” ( 1969 COHEN, Abner. 1969. “Political Anthropology: The analysis of the symbolism of power relations”. Man, 4(2): 215-235. https://doi.org/10.2307/2799569 .
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: 219). A principal função dessas formas seria a de objetivar as relações sociais – e as relações de poder subjacentes. Para o autor, um regime político pode conseguir se impor e manter no poder através da força, mas é somente através dos agenciamentos simbólicos que a sua estabilidade é garantida. Nada mais significativo desses agenciamentos simbólicos do que as coleções expostas nos museus nacionais, por exemplo.

Contrariamente ao que se pode supor, as formas simbólicas não são o apanágio de sistemas religiosos ou de tradições codificadas de um passado pré-moderno. Cohen sustenta que, tanto nas sociedades capitalistas, como nas sociedades socialistas da época em que escreve, “[…] emblemas, slogans, insígnias, desfiles de massa, títulos, hinos e músicas patrióticas […]” ( 1969 COHEN, Abner. 1969. “Political Anthropology: The analysis of the symbolism of power relations”. Man, 4(2): 215-235. https://doi.org/10.2307/2799569 .
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: 219), assim como toda sorte de outros símbolos, são acionados para a manutenção da ordem política, o que demonstra a força das formas simbólicas no mundo secularizado. Precisamente, são essas formas simbólicas que se alinhavam e materializam nas coleções dos museus adjetivados como nacionais , fortalecendo a criação de uma comunidade imaginada capaz de produzir uma unidade nacional (Anderson, 2007ANDERSON, Benedict. 2007. Under three flags. Londres/Nova York, Verso. , 2008ANDERSON, Benedict. 2008. Comunidades imaginadas. São Paulo, Companhia das Letras. ).

Na Inglaterra ou na França, na Espanha ou em Portugal, agenciamentos simbólicos marcadores de identidade foram também objetivados em relações sociais e materializados particularmente em coleções museológicas. Como sugere Donald Preziosi ( 2011PREZIOSI, Donald. 2011. “Myths of nationality”. In: KNELL, S. et al. (orgs.). National museums. Londres, Routledge, pp. 55-66.: 58-9), “[t]odo regime político [...] sempre se dedicou fundamentalmente à gestão e ao controle da memória coletiva [o que] envolve a fabricação e a projeção retroativas de ‘memórias culturais’ focadas […]” em formas simbólicas que têm sua origem em ancestrais ou em entidades imaginárias comuns a um determinado coletivo. Considerando o nacionalismo como “[…] a crença e a prática que visam criar comunidades unificadas, mas únicas (nações), dentro de um espaço soberano (estados)” (Puri, 2006: 341), estima-se facilmente a relevância do simbolismo para os novos projetos nacionais em construção: é preciso que haja o compartilhamento mínimo de um mesmo conteúdo de materiais imaginados para que uma forma comunitária seja produzida com características nacionais. Os museus seriam instituições de reelaboração contínua do encaixe perfeito desses conteúdos em formas específicas, por meio dos agenciamentos simbólicos oriundos da memória cultural materializada (Gonçalves, 2007GONÇALVES, José Reginaldo. 2007. Antropologia dos objetos. Rio de Janeiro, MinC/Iphan. ; Vawda, 2019 VAWDA, Shahid. 2019. “Museums and the epistemology of injustice: from colonialism to decoloniality”. Museum International, 71(1-2): 72-79. https://doi.org/10.1080/13500775.2019.1638031 .
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).

De acordo com Flora Kaplan ( 2006KAPLAN, Flora E. S. 2006. “Making and remaking national identities”. In: MACDONALD, S. (org.). A companion to museum studies. Malden, Blackwell Publishing, pp. 152-169. ), as nações e os museus, imbuídos de agenciamentos simbólicos marcadores de identidade, teriam germinado na mistura do capitalismo mercantil com a expansão global europeia a partir do século XV. Os museus nacionais no Ocidente fincariam suas raízes no humanismo do Renascimento italiano e teriam florescido a partir do cientificismo e do racionalismo iluministas do século XVIII. O colonialismo, que adquiriu características universais com o capitalismo industrial do século XIX, segundo a autora, gerou novas riquezas e expressões de orgulho nas potências imperiais, em particular na Inglaterra e na França, que se materializaram em Feiras e Exposições Universais e nas coleções dos grandes museus (como o British Museum e o Louvre). Ou seja, os museus, como os conhecemos na atualidade, teriam surgido na era moderna na Europa, no mesmo momento em que (ou como corolário de) o colonialismo e o imperialismo europeus, a ascensão da burguesia ao poder político e o domínio burguês da economia, o naturalismo e as grandes expedições, a modernidade e o liberalismo, o cientificismo (em particular, as discursividades médico-científicas e jurídico-morais e o movimento estético-científico do naturalismo) e suas teorias legitimadoras de hierarquias de opressão (sobretudo, com base racial e sexual), a disciplina antropológica e o paradigma evolucionista (e na segunda metade do século XIX, o darwinismo social), a ideia romântica de nação, os nacionalismos e os Estado nacionais etc. (Haraway, 1984 HARAWAY, Donna. 1984-1985. “Teddy bear patriarchy”. Social Text, 11: 20-64. https://doi.org/10.2307/466593 .
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-85; Vawda, 2019 VAWDA, Shahid. 2019. “Museums and the epistemology of injustice: from colonialism to decoloniality”. Museum International, 71(1-2): 72-79. https://doi.org/10.1080/13500775.2019.1638031 .
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).

Os museus nacionais seriam instituições didáticas privilegiadas, não somente de reprodução de formas simbólicas e conhecimentos sobre tudo e todos/as, mas também, por conseguinte, de difusão de esquemas mentais universais sobre tudo e todos/as e sobre como tudo e todos/as evoluíram, legitimando a expansão europeia sobre o planeta e a perspectiva epistemológica atrelada ao colonialismo e ao imperialismo movidos pela Europa. Os museus britânicos – inclusive, os das colônias – entre os séculos XIX e XX, por exemplo, em particular as seções etnográficas compostas por uma materialidade coletada ou saqueada nas colônias e organizadas com base no paradigma evolucionista que classificava os povos colonizados como não civilizados, serviam como ferramentas úteis para a administração colonial e para a educação popular – e mais adiante, para legitimar os propósitos da eugenia (Coombes, 1988 COOMBES, Annie E. 1988. “Museums and the formation of national and cultural identities”. Oxford Art Journal, 11(2): 57-68. https://www.jstor.org/stable/1360462 .
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; Cummins, 2004 CUMMINS, Alissandra. 2004. “Caribbean museums and national identity”. History Workshop Journal, 58: 224-245. https://www.jstor.org/stable/25472762 .
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; Kaplan, 1994KAPLAN, Flora E. S. (org.). 1994. Museums and the making of “ourselves”. Londres/Nova York, Leicester University Press. ; Macdonald, 2006MACDONALD, Sharon (org.). 2006. A companion to museum studies. Malden, Blackwell Publishing. ; Knell, 2011KNELL, Simon. 2011. “National museums and the national imagination”. In: KNELL, S. et al. (orgs.). National museums: New studies from around the world. Londres, Routledge, pp. 3-28. ; Vawda, 2019 VAWDA, Shahid. 2019. “Museums and the epistemology of injustice: from colonialism to decoloniality”. Museum International, 71(1-2): 72-79. https://doi.org/10.1080/13500775.2019.1638031 .
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).

Mas, o que faz de um museu um museu nacional ? O que é essa entidade chamada nação , que pode se servir, dentre outros agenciamentos simbólicos materializados, de museus para se instituir? Como essa entidade é capaz de produzir uma matriz única de meta-significados reconhecida pela maioria do coletivo social e com a qual os indivíduos possam compreender e interpretar o mundo a sua volta, dando-lhes o conforto psicológico necessário para promover a estabilidade do todo social?

Muito se escreveu sobre a formação dos Estados nacionais, os processos de construção de nação, a persistência dos nacionalismos e a expansão dos modelos europeus e estadunidense globalmente para todo o planeta (Elias, 1994ELIAS, Norbert. 1994. O processo civilizador – Volume 1. Rio de Janeiro, Zahar. ; Wallerstein, 1974WALLERSTEIN, Immanuel. 1974. The modern world system. Nova York, Academic Press. ). Notam-se, por um lado, as/os pesquisadoras/es que associam a origem dos Estados nacionais à modernidade, ao industrialismo, ao individualismo, à globalização e ao aparecimento da cidadania democrática na Europa (Anderson, 2008ANDERSON, Benedict. 2008. Comunidades imaginadas. São Paulo, Companhia das Letras. ; Elias, 1994ELIAS, Norbert. 1994. O processo civilizador – Volume 1. Rio de Janeiro, Zahar. ; Gellner, 1983GELLNER, Ernest. 1983. Nations and nationalism. Ithaca, Cornell University Press. ; Hobsbawn, 1990HOBSBAWN, Eric. 1990. Nações e nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro, Paz e Terra. ; Tilly, 1975TILLY, Charles (org.). 1975. The formation of national states in Western Europe. Princeton, Princeton University Press. ). Por outro, as/os pesquisadoras/es que distinguem as nações baseadas em princípios étnicos, que podem ter origens pré-modernas, daquelas modernas baseadas em características cívicas (Smith, 1991SMITH, Anthony D. 1991. National identity. Londres, Penguin Books. ). Há as/os que relacionam as nações à maneira como as pessoas se imaginam em comunidade, principalmente após o surgimento da imprensa moderna (Anderson, 2008ANDERSON, Benedict. 2008. Comunidades imaginadas. São Paulo, Companhia das Letras. ), ou como essa comunidade imaginada se projeta contra o poder do Estado (Trouillot, 2010TROUILLOT, Marc-Rolph. 2010. Transformaciones globales. Popayán, Universidad del Cauca. ).

Outras/os pesquisadoras/es propõem reflexões sobre a caracterização das nações em primordialistas – baseadas na fluida definição de pertencimento de sangue e ao solo e na etnia ou nos processos de etnicidade (Barth, 2000BARTH, Fredrik. 2000. “Os grupos étnicos e suas fronteiras”. In: BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro, Contra Capa, pp. 25-68. ) – e em instrumentalistas – baseadas na elaboração política do Estado (Armstrong, 1982ARMSTRONG, John. 1982. Nations before nationalism. Chapel Hill, University of North Carolina Press. ). Outras/os ainda tratam da construção de nação em situações coloniais e/ou pós-coloniais, levando-se em consideração os processos históricos de crioulização (Anderson, 2007ANDERSON, Benedict. 2007. Under three flags. Londres/Nova York, Verso. ), de colonialismos internos (González-Casanova, 2006GONZÁLEZ CASANOVA, Pablo. 2006. “Colonialismo interno (uma redefinição)”. In: A. BORON, Atilio; AMADEO, J. & GONZÁLEZ, S. (orgs.). La Teoría Marxista Hoy. Buenos Aires, Clacso, pp. 409-434. ) ou de formas de nacionalismos espirituais (Chaterjee, 1993CHATERJEE, Partha. 1993. The nation and its fragments. Princeton, Princeton University Press. ). Enfim, há as/os que balizam as marcas da formação política do Estado em comparação com a construção da nação, do habitus nacional ou da ideologia nacional (Elias, 1994ELIAS, Norbert. 1994. O processo civilizador – Volume 1. Rio de Janeiro, Zahar. ). Antropólogas/os vêm mostrando a complexidade do apego renovado às novas formas culturais que desafiam ou complementam a ideia de nação (Sahlins, 1997 SAHLINS, Marshall. 1997. “O ‘pessimismo sentimental’ e a experiência etnográfica”. Mana, 3(1): 41-73. https://doi.org/10.1590/S0104-93131997000100002 .
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) ou das nações sem etnia/etnicidade (Eriksen, 1991 ERIKSEN, Thomas H. 1991. “Ethnicity versus nationalism”. Journal of Peace Research, 28(3): 263-278. https://doi.org/10.1177/096701069202300214 .
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, 2004 ERIKSEN, Thomas H. 2004. “Place, kinship and the case for non-ethnic nations”. Nations and Nationalism, 10(1/2): 49-62. https://doi.org/10.1111/j.1354-5078.2004.00154.x .
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). Apesar do burburinho contrário ao nacionalismo, os museus, qualificados como nacionais , são instituições universais modernas de manutenção e de constante reelaboração de projetos nacionais (também modernos), sejam primordialistas ou instrumentalistas.

De modo geral, as/os pesquisadoras/es participariam da ideia segundo a qual a ideologia nacional teria a ver com uma entidade cultural (ou seja, um grupo de pessoas que compartilham uma ou mais línguas, formas religiosas, historicidade e práticas tradicionais), uma entidade política (um grupo de pessoas que se considera uma comunidade com desejo de manter uma organização administrativa) e uma entidade psicológica (com pessoas unidas por lealdades compartilhadas). O caráter contestado da ideia de nação – cultural, política e psicologicamente – está no âmago dos objetivos deste artigo e é materializado nos museus nacionais de países que se tornaram independentes na segunda metade do século XX, como o demonstram essas duas exposições temporárias realizadas no Museu de Barbados desde 2019.

Partindo-se do caráter contestado da ideia de nação e do fato de que os museus nacionais são produzidos por, ao mesmo tempo em que contribuem para produzir, uma narrativa nacional também sempre contestável, há de se considerar, juntamente com Preziosi ( 2011PREZIOSI, Donald. 2011. “Myths of nationality”. In: KNELL, S. et al. (orgs.). National museums. Londres, Routledge, pp. 55-66.: 59), que “[…] coleção ou colecionar sempre coexiste, e é co-definido e co-determinado por, re-coleção e des-coleção, e que é com uma apreciação clara dessa matriz de atitudes em relação à natureza representacional e ao significado dos objetos que se pode tornar possível investigar criticamente o fenômeno da ‘narrativa do museu nacional’” 8 8 A constituição de coleções museológicas (nacionais) estaria em constante reformulação, segundo Preziosi ( 2011 ), de acordo com as “questões do momento” ou l’air du temps (questões políticas, sociais, culturais, econômicas, religiosas etc.), e, assim, acréscimos de materiais e/ou retiradas de objetos das coleções, bem como novas associações de objetos antes não associados ou dissociação de outros antes associados, todas essas práticas guiadas pelas questões do momento, levariam a re-coleções e des-coleções, o que estaria diretamente relacionado à elaboração das narrativas nacionais. . Os museus nacionais das ex-colônias são instituições privilegiadas para a observação dos processos de (re)formulação de ideologias nacionais e das sua matrizes únicas de meta-significados, já que permitem enxergar com grande acuidade a maneira como se dão a re-coleção e a des-coleção de que trata Preziosi.

O Museu de Barbados, segundo Alissandra Cummins (1994-1995) e reforçado por Kevin Farmer ( 2013FARMER, Kevin. 2013. “New museums on the block: Creation of identity in the post-independence Caribbean”. In: CUMMINS, A. et al. (orgs.). Plantation to nation. Champaign, Common Ground Publishing LCC. ), foi criado pela elite colonial a partir de um desejo vitoriano de explicar o mundo por meio da ciência, com um viés moralista cristão, tornando-se uma vitrine do progresso tecnológico e do poder de subjugação da metrópole contra tudo o que teria de “primitivo” nas colônias. Financiado pela iniciativa privada através de doações das famílias locais abastadas, o museu foi cooptado pelo governo pós-colonial para se tornar um importante agente de criação de identidade, com a reinterpretação e a reconstituição do acervo – ou seja, re-coleção e des-coleção –, em função dos agenciamentos simbólicos acionados para a elaboração da nova identidade nacional e sua matriz única de meta-significados.

Propõe-se aqui que os museus qualificados como nacionais sejam considerados como mais um dos diversos dispositivos da governamentalidade biopolítica. Assim, representariam as tensões relativas ao estabelecimento e à manutenção da corpopolítica (disciplina dos corpos), da biopolítica (controle das populações) e da geopolítica (regulação dos Estados no sistema-mundo) nos âmbitos nacionais e além (Castro-Gómez, 2019CASTRO-GÓMEZ, Santiago. 2019. El tonto y los canallas. Notas para um republicanismo transmoderno. Bogotá, Editorial Pontifica Universidad Javeriana. ; Foucault, 2004FOUCAULT, Michel. 2004. Sécurité, territoire, population. Cours au Collège de France (1977-1978). Paris, Gallimard / Seuil. ) 9 9 Para a definição de governamentalidade e de dispositivos com efeitos biopolíticos, ver Michel Foucault ( 2004: 111-112; 1998: 244). . A diversidade sexual e de gênero não caberia na narrativa do museu nacional biopoliticamente conformada para a produção de uma matriz única de meta-significados, já que havia, desde o século XIX, no contexto imperial britânico e no de suas ex-colônias no período pós-independência, repúdio total às dissidências de gênero e às sexualidades não normativas, inclusive no ordenamento jurídico.

Os museus até retratariam as marcas de gênero e algumas questões relativas à participação feminina na elaboração dos símbolos nacionais e/ou na produção das “coisas” representativas da nação. Ao fazê-lo, compartilhariam a ideia segundo a qual o binarismo de gênero e o dimorfismo sexual seriam dados naturais e essenciais em um mundo habitado somente por homens e mulheres, marcados pelos princípios masculino e feminino, como difundido pela discursividade médico-científica, a normatividade jurídico-moral e as moralidades religiosas que sustentam a modernidade ocidental e a governamentalidade biopolítica hegemônica. Eis a maneira como se constituíram as matrizes únicas de meta-significados, sempre, por um lado, muito diversas e particulares, enquanto, por outro, ocultam e/ou enquadram constantemente as experiências da diversidade sexual e de gênero em prol da heteronormatividade, como legado do poder colonial. Nesses museus nacionais, parecia não haver lugar para a diversidade sexual e de gênero e, desse modo, reforçar-se-ia a naturalidade da heterossexualidade compulsória e da heteronormatividade como marcas identitárias das nações modernas – inclusive, das ex-colônias após se tornarem independentes.

Ao representar e instituir uma determinada realidade, inclusive sobre os corpos “normais” e “saudáveis” da nação, os museus nacionais estariam privilegiando uma certa identidade, em detrimento de outras possibilidades, já que “[a] fabricação de qualquer identidade ou realidade social é uma função de suas relações imaginadas com identidades alternativas e, portanto, pode ser corretamente entendida como uma função ou artefato de suas alteridades imaginadas” (Preziosi, 2011PREZIOSI, Donald. 2011. “Myths of nationality”. In: KNELL, S. et al. (orgs.). National museums. Londres, Routledge, pp. 55-66.: 59). Ou seja, a representação de uma certa realidade simultaneamente mascara, substitui ou apaga outras e, consequentemente, faz com que a primeira coexista como efeito daquelas que são tornadas, assim, “outras”. A narrativa do museu nacional representaria, logo, uma comunidade imaginada moderna elaborada por uma elite intelectual com o intuito de consolidar a nação enquanto entidade cultural, política e psicológica hegemônica. Porém, essa narrativa é sempre parcial e representa uma comunidade que é imaginada somente por algumas pessoas. Os museus nacionais, quando expõem realidades historicamente delimitadas e socialmente definidas, acabariam por falar muito mais, nas entrelinhas, das realidades diferentes e das possibilidades alternativas ou, como diz Preziosi ( 2011PREZIOSI, Donald. 2011. “Myths of nationality”. In: KNELL, S. et al. (orgs.). National museums. Londres, Routledge, pp. 55-66.: 59), things could be otherwise [as coisas poderiam ser de outra forma].

A necessidade de se pensar a partir das entrelinhas parece ser sugerida também por Kaplan ( 2006KAPLAN, Flora E. S. 2006. “Making and remaking national identities”. In: MACDONALD, S. (org.). A companion to museum studies. Malden, Blackwell Publishing, pp. 152-169. ), quando trata dos desafios colocados aos/às estudiosos/as dos museus nacionais na atualidade, tais como a fratura das identidades nacionais, num mundo marcado pelos problemas da degradação ambiental, do crescimento exponencial da população, da comunicação cada vez mais instantânea, do aprofundamento das desigualdades sociais, do incremento dos fundamentalismos religiosos e dos conflitos étnicos etc. Entre o final do século XX e o início do XXI, parece ter havido um renouveau de interesse pelos estudos de museus nacionais por parte de profissionais das áreas de ciências sociais e história, principalmente de língua inglesa. As análises dos processos de curadoria e as revisões críticas de exposições museológicas – as tais entrelinhas – seriam vistas como oportunidades, por essas/es profissionais, para tratar das relações de poder nas políticas identitárias das sociedades contemporâneas, tendo como pano de fundo os tais desafios 10 10 Flora Kaplan referencia obras de sua própria autoria, além de textos publicados na década de 1980 e no início da seguinte de autoria ou organizados por Arjun Appadurai, James Clifford e George Marcus, Ivan Karp e Steven Lavine, Sharon Macdonald, Susan Pearce, George Stocking Jr. e Peter Vergo. .

Para além do contexto abordado por Kaplan e voltando-se para o Caribe, pode-se propor que os museus nacionais de países novos , que têm passado explicitamente por processos de re-coleção e des-coleção , estão à frente de muitos questionamentos de cunho decolonial que podem interessar às ciências sociais que se fazem nessas paragens: as exposições Insurgents e Road to Republic do Museu de Barbados tratam daquilo que um museu nacional normalmente não trataria, ou seja, apresentam precisamente as formas de existência “outras” e os modos de resistência à colonização britânica e a suas imposições persistentes no período pós-independência, abrindo espaço para as expressões da diversidade sexual e de gênero (Cummins, 2004 CUMMINS, Alissandra. 2004. “Caribbean museums and national identity”. History Workshop Journal, 58: 224-245. https://www.jstor.org/stable/25472762 .
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). Para contextualizar essas exposições e o tratamento que dão à diversidade sexual e de gênero, é preciso abordar brevemente a história do país, sobretudo desde a invasão britânica e a institucionalização do trabalho escravo até a proclamação da República, passando pelas rebeliões que contestaram a colonização e trilharam o caminho para a construção de um projeto nacional e a independência. Pretende-se mostrar como a diversidade sexual e de gênero foi renegada, enquadrada e silenciada para, em seguida, ser criminalizada e tornada “espectral” (Murray, 2009MURRAY, David A. B. 2009. “Homo hautings: Spectral sexuality and the good citizen in Barbadian media”. In: MURRAY, D. (org.). Homophobias: Lust and loathing across time and space. Durham / Londres, Duke University Press, pp. 146-161. ), enquanto, de fato, sempre esteve presente nas entrelinhas, talvez como forma de resistência – como essas exposições no Museu de Barbados demonstram.

Legados indigestos

Os museus nacionais aventam narrativas sempre contestáveis sobre a memória cultural, política e psicológica que caracteriza a comunidade imaginada nacional – ou pelo menos, aquela imaginada pelos grupos que detêm o poder de instaurar a narrativa legítima do museu nacional. Geralmente, essa narrativa é baseada primordialmente numa história que, por meio do museu, vai adquirir características de oficial, com certo embasamento antropológico, materialidade etnológica e sensibilidade etnográfica, como vêm assinalando as pesquisas sobre esse tipo de museus (Cummins, et al. 2013CUMMINS, Alissandra; FARMER, Kevin & RUSSELL, Roslyn (orgs.). 2013. Plantation to nation: Caribbean museums and national identity. Champaign, Common Ground Publishing LCC. ; Kaplan, 1994KAPLAN, Flora E. S. (org.). 1994. Museums and the making of “ourselves”. Londres/Nova York, Leicester University Press. ; Knell, 2011KNELL, Simon. 2011. “National museums and the national imagination”. In: KNELL, S. et al. (orgs.). National museums: New studies from around the world. Londres, Routledge, pp. 3-28. ; Macdonald, 2006MACDONALD, Sharon (org.). 2006. A companion to museum studies. Malden, Blackwell Publishing. ).

Ao defender a importância dos museus para a construção de projetos nacionais no Caribe, com ênfase em Barbados, Farmer ( 2013FARMER, Kevin. 2013. “New museums on the block: Creation of identity in the post-independence Caribbean”. In: CUMMINS, A. et al. (orgs.). Plantation to nation. Champaign, Common Ground Publishing LCC. ) mostrou que o interesse por esse tipo de museus é curiosamente bastante recente, embora os museus já existissem como heranças coloniais. Ao longo da luta de libertação e nas primeiras décadas que se seguiram à independência, os/as políticos/as estavam preocupados/as com a elaboração de formas simbólicas nacionais que ajudassem a se distanciar da metrópole – elegendo governantes negros/as e criando hinos, bandeiras e armas, por exemplo, com signos tipicamente locais –, sem o cuidado com a reivindicação de uma cultura nacional ou a valorização de um patrimônio cultural nacional. Para Jeanne Canizzo ( 1994CANIZZO, Jeanne. 1994. “How sweet it is; Cultural politics in Barbados”. In: KAVANAGH, G. (org.). Museum provision and professionalism. Londres, Routledge, pp. 24-30. ), a preocupação com as particularidades culturais só passou a se dar na esteira do desenvolvimento do turismo como principal fonte de recursos econômicos dos novos países, em substituição à “vocação agrária” imposta pela colonização. Nesse contexto, governantes e intelectuais locais, principalmente historiadoras/es recém-formadas/os no exterior que retornavam ao país para ocupar postos de trabalho na Universidade das Índias Ocidentais 11 11 The University of West Indies tem campi interconectados e espalhados pelas ex-colônias britânicas do Caribe (Jamaica, Antígua e Barbuda, Barbados e Trinidad e Tobago). , voltam-se gradualmente aos museus e passam a criar cuidadosamente a narrativa para a re-coleção e a des-coleção , sob uma óptica decolonial 12 12 Usa-se aqui uma definição ampla de decolonial que se confunde com pós-colonial, assim como é usada nos textos de pesquisadoras/es caribenhos anglófonas/os, e não exatamente aquela proposta por intelectuais latino-americanas/os do Grupo Modernidade/Colonialidade. Para essas/es últimas/os, a colonialidade enreda o processo de colonização das Américas e do Caribe e a constituição do sistema-mundo capitalista com base em estruturas hierárquicas de desigualdade racial, sexual, de gênero e de classe. A decolonialidade seria a superação da colonialidade (Lander, 2005 ). .

Embora a historiografia barbadiana, que embasa a narrativa dos museus nacionais locais, coloque a ênfase principalmente no funcionamento do regime escravocrata durante o período colonial, nos movimentos sociais e revoltas trabalhistas que levaram à independência e nos arranjos político-econômicos do pós-independência, há um conjunto de pesquisas arqueológicas sobre os povos ameríndios que ocuparam o Caribe e as disputas territoriais que estavam em andamento à chegada dos colonizadores ingleses 13 13 Dar-se-á ênfase à história especificamente de Barbados e à colonização britânica e nada será dito sobre as ex-colônias de outras potências coloniais europeias. . Há algumas evidências de experiências sexuais e expressões de gênero diversas entre esses povos pré-colombianos, embora ainda não se dê muita atenção a essa temática (Beckles & Shepherd, 2004BECKLES, Hilary & SHEPHERD, Verene. 2004. Liberties lost: Caribbean indigenous societies and slave systems. Cambridge, Cambridge University Press. ; Reid, 2018REID, Basil A. (org.). 2018. The archaeology of Caribbean and Circum-Caribbean farmers (6000 BC-AD 1500). Londres, Routledge. ; Sued-Badillo, 2013SUED-BADILLO, Jalil (org.). 2013. General history of the Caribbean – Volume I: Autochthonous societies. Paris, Unesco. ; Wilson, 1997WILSON, Samuel M. (org.). 1997. The Indigenous people of the Caribbean. Gainesville, University of Florida Press. ).

Barbados teria sido nomeada por portugueses ou espanhóis no início do século XVI, que, mesmo sem ali se estabelecerem 14 14 A Espanha se apossou da ilha nos últimos anos do século XV, até que Portugal a reivindicou para si na década de 1530, não a ocupou e acabou por abandoná-la completamente em 1620, deixando ali uma grande população de javalis e nenhum ser humano (Beckles, 2003 ). , teriam avistado árvores ( Ficus citrifolia ) com raízes e cipós que lhes lembravam homens barbados. Uma outra versão diz que eles teriam realmente avistado homens barbados no litoral, não árvores – diante da raridade de ameríndios barbados naquela região caribenha, o nome expressaria certa surpresa dos navegadores ibéricos (Beckles, 2003BECKLES, Hilary. 2003. Chattel house blues: Making of a democratic society in Barbados. Kingston/Miami, Ian Randle Publishers. ; Drewett, 1991DREWETT, Peter. 1991. Prehistoric Barbados. Londres, University College London / Barbados Museum and Historical Society. ). Uma versão mais controversa difundida recentemente especula que esses homens barbados seriam mestiços de indígenas com africanos; estes últimos teriam aportado no início do século XIV, oriundos de uma expedição malsucedida do Império do Mali 15 15 Ver o trabalho, o ativismo e a produção bibliográfica e imagética do líder indígena lokono-arawak Damon G. Corrie, do Eagle Clan Arawaks, que atua na Indigenous Democracy Defence Organization e na Caribbean Amerindian Development Association. Em seu canal do YouTube , encontram-se informações sobre um filme que está sendo produzido acerca da incursão de navegadores africanos a Barbados: https://www.youtube.com/watch?v=pHsrdc5CRZ4 . . De todo modo, na historiografia barbadiana, é quase consensual que a ilha estava desabitada quando os ingleses dela se apossaram na década de 1620. Talvez os povos que ali habitavam tenham migrado para outras ilhas em decorrência da dificuldade de provisão de alimentos por razões ambientais, tais como a erosão dos solos e a deflorestação. Entretanto, a principal causa do despovoamento tem a ver, de fato, com as atrocidades do processo de colonização no século XVI: a dizimação da população indígena após a sua escravização e a fuga das/os sobreviventes para outras ilhas (Beckles, 2003BECKLES, Hilary. 2003. Chattel house blues: Making of a democratic society in Barbados. Kingston/Miami, Ian Randle Publishers. ; Beckles & Shepherd, 2004BECKLES, Hilary & SHEPHERD, Verene. 2004. Liberties lost: Caribbean indigenous societies and slave systems. Cambridge, Cambridge University Press. ; Drewett, 1991DREWETT, Peter. 1991. Prehistoric Barbados. Londres, University College London / Barbados Museum and Historical Society. ).

Na segunda metade da década de 1620, os ingleses se apoderaram de Barbados e ali estabeleceram fazendas de plantação de índigo, algodão e tabaco. Barbados e, a noroeste, São Cristóvão, foram as duas primeiras experiências de colonização inglesa nos Trópicos, servindo de laboratórios. Mas a introdução da cana-de-açúcar, provavelmente trazida por comerciantes judeus de Pernambuco, mudaria o destino de Barbados e reconfiguraria o modelo econômico do colonialismo britânico nos Trópicos. Barbados tinha uma “vantagem” sobre as demais ilhas do Caribe por ser relativamente plana, sem grandes áreas de floresta e composta por solo fértil de origem coralínea – e estaria desabitada. A mão de obra pouco ou nada qualificada empregada no sistema de plantation testado pela primeira vez pelos britânicos era composta por trabalhadores recrutados no próprio Reino Unido por meio de contratos de servidão ( indentured labour ) – principalmente irlandeses e escoceses. Muito rapidamente, no entanto, optou-se pela importação de mão de obra escravizada africana e, devido à posição geográfica singular de Barbados – por ser a primeira ilha a que se chega quando se navega da África para o Caribe deixando-se levar pelas correntes marítimas do Oceano Atlântico –, a ilha se tornou o principal centro de distribuição de africanas/os escravizadas/os para todo o Caribe e até para uma parte da América continental (Shepherd & Beckles, 2000SHEPHERD, Verene & BECKLES, Hilary McD. (orgs.). 2000. Caribbean slavery in the Atlantic world. Kingston, Ian Randle Publishers. ).

A produção de açúcar com o uso de mão de obra escravizada africana marcou profundamente a história de Barbados e deixou marcas sociais e culturais indeléveis. A riqueza gerada – não somente pelo comércio de açúcar, mas também pelo tráfico negreiro – foi tamanha, que um Parlamento, nos moldes daquele da metrópole, foi inaugurado ainda no século XVII para legislar sobre os interesses e moldar o capitalismo agrário em construção nesse laboratório caribenho. O Parlamento tinha autonomia para criar leis próprias para a colônia, com a condição de não se sobrepor aos comandos da monarquia metropolitana (Beckles, 1984BECKLES, Hilary. 1984. Black rebellion in Barbados: The struggle against slavery, 1627-1838. Bridgetown, Antilles Publications. ; Beckles & Shepherd, 2004BECKLES, Hilary & SHEPHERD, Verene. 2004. Liberties lost: Caribbean indigenous societies and slave systems. Cambridge, Cambridge University Press. ). Naquele momento, a Inglaterra dominava o tráfico negreiro atlântico e, a partir do sucesso econômico da colonização de Barbados, passou a racionalizar de modo ainda não visto o comércio envolvendo a África, as Américas e a Europa, inclusive com a inserção da Ásia no circuito – um século depois, trabalhadoras/es indianas/os seriam trazidas/os para o Caribe e a parte setentrional da América do Sul por meio do indentured labour (Gounder et al ., 2022).

É importante frisar, a partir de Ann Laura Stoler ( 2010STOLER, Ann Laura. 2010. Carnal knowledge and imperial power: Race and the intimate in colonial rule. Berkeley, University of California Press. ) e Dawn Harris ( 2017HARRIS, Dawn. 2017. Punishing the black body: Marking social and racial structures in Barbados and Jamaica. Athens, The University of Georgia Press. ), que a escravização de pessoas africanas e seu tráfico consolidaram um regime de verdade que está na base da governamentalidade biopolítica, sustentado ideologicamente pela hierarquização racial (racismo), pela dominação masculina (misoginia) e pela essencialização da heteronormatividade (heterossexismo), evidentes até a atualidade. Com a colonização portuguesa e espanhola, a moralidade cristã havia sido imposta ao planeta entre os séculos XV e XVII, mas foi sobretudo com o imperialismo britânico e francês e a decorrente expansão do capitalismo entre os séculos XVIII e XX que essa moralidade adquiriu uma outra roupagem, agora alinhavada pela discursividade médico-científica, definidora dos “bons corpos”, e a normatividade jurídico-moral, definidora das “boas mentes” (Han & O’Mahoney, 2014 HAN, Enze; O’MAHONEY, Joseph. 2014. “British colonialism and the criminalization of homosexuality”. Cambridge Review of International Affairs, 27(2): 268-288. https://doi.org/10.1080/09557571.2013.867298 .
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; Lennox & Waites, 2013LENNOX, Corinne & WAITES, Matthew (orgs.). 2013. Human rights, sexual orientation and gender identity in the commonwealth. Londres, University of London Press. ; Wilets, 2010WILETS, Jim. 2010. “Divergence between LGBTI legal, political, and social progress in the Caribbean and Latin America”. In: CORRALES, J. & PECHENY, M. (orgs.). The politics of sexuality in Latin America. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, pp. 349-357. ). E assim se disciplinavam corpos, controlavam-se populações e regulavam-se relações entre os Estados nacionais e suas periferias coloniais racializadas.

A escravidão passou a ser não somente um mecanismo de arrolamento de mão de obra – o que diversas/os pesquisadoras/es alegam ser a característica central da escravização de pessoas africanas antes do tráfico moderno controlado principalmente por britânicos –, mas também um poderoso dispositivo de redefinição da humanidade sob a óptica (e a antiética e a imoralidade) do racismo, da misoginia e da heteronormatividade – eis a “novidade” dessa modalidade de escravidão moderna (Walz & Cuno, 2010WALZ, Terence & CUNO, Kenneth M. (orgs.). 2010. Race and slavery in the Middle East. Cairo / Nova York, The American University in Cairo Press. ) 16 16 O racismo, a misoginia e a heteronormatividade estão na base do dispositivo de definição de uma nova percepção da humanidade porque também estão na base das concepções ontológicas essencializadas pelas perspectivas epistemológicas médico-científicas e jurídico-morais europeias que geram um novo ordenamento mundial – o que vem sendo chamado de colonialidade do poder, do ser e do saber (Lander, 2005 ). . Desse modo, reforçam-se o enquadramento e/ou a ocultação da diversidade sexual e de gênero existente no continente africano, caso não servisse para o trabalho e a reprodução da mão de obra servil, o mesmo acontecendo com a sexualidade das pessoas escravizadas e traficadas para o Caribe e seus/suas descendentes 17 17 As consequências ideológicas dos efeitos persistentes da discursividade médico-científica, da normatividade jurídico-moral e das moralidades cristãs euro-estaduninenses sobre as sociedades subsaarianas se fazem sentir em controvérsias atuais referentes ao tratamento dado à diversidade sexual e de gênero ali. A respeito desse assunto, ver, além de artigo de revisão de minha autoria (Gontijo, 2021a a), as obras de Adrian Jjuuko ( 2022 ), Kapya Kaoma ( 2012 ) e Adriaan Van Klinken e Ezra Chitando ( 2021 ) e a tese de doutorado de Francisco Miguel ( 2019 ). .

Paul E. Lovejoy ([1983] 2000LOVEJOY, Paul E. 2000. Transformations in slavery. Cambridge, Cambridge University Press.: 1) bem definiu a escravidão como uma forma de exploração que tinha por característica singular, dentre outras, a de que as/os escravas/os eram propriedades “[…] que não tinham direito à própria sexualidade e, por extensão, a suas próprias capacidades reprodutivas […].” A identidade da pessoa escravizada estaria subordinada à do mestre, a primeira dependente da segunda. O controle da sexualidade, nessa situação, aplicar-se-ia: por um lado, sobre a pessoa escravizada, por parte do mestre; mas também, por outro, sobre o mestre, por parte da sociedade colonial da qual fazia parte, recaindo, por conseguinte, sobre as pessoas escravizadas os efeitos das moralidades que se impunham ao mestre – moldadas, seja pela religião cristã, seja pelas instituições de sustentação do Estado Nacional marcado pela governamentalidade biopolítica. Apesar dessa dependência, acabavam por se desenvolver formas de camaradagem entre pessoas escravizadas caracterizadas por atualizações de saberes, práticas e valores muitas vezes direcionados pelas moralidades vigentes nas sociedades africanas originárias ou sincretizados com as moralidades impostas pela sociedade do mestre – mas sempre discordantes, em parte, destas últimas.

Assim se entende a persistência dos afetos entre pessoas escravizadas que divergiam daqueles que a sociedade colonial vinha infligindo baseados nas moralidades cristãs e, a partir dos séculos XVIII e XIX, fundamentados pela discursividade médico-científica e a normatividade jurídico-moral, como apontam algumas pesquisas recentes sobre as experiências da diversidade sexual e de gênero na América e no Caribe coloniais 18 18 Ver Aliyyah Abdur-Rahman ( 2006 ), Lindon Barrett ( 1995 ), Kamala Kempadoo ( 2004 , 2009 ), Kate Houlden ( 2017 ), Linda Lewis ( 2003 ) e Ann Laura Stoler ( 2010 ). . Como bem lembrou Cummins ( 1994CUMMINS, Alissandra. 1994-1995. “Confronting colonialism: the first 60 years at the BMHS”. Journal of the Barbados Museum and Historical Society, XLII: 1-35. Não está disponível on-line. -1995: 1), o colonialismo foi “[…] em si mesmo um projeto de controle cultural. As formas culturais nessas novas sociedades coloniais foram transformadas e reconstruídas, criando novas categorias e oposições entre colonizador e colonizado, conquistador e conquistado, europeu e africano e até homem e mulher”.

Ao longo dos séculos XVII e XVIII, observaram-se, por um lado, a expansão do Império Britânico sob efeito da prosperidade econômica gerada pela exploração colonial baseada no trabalho escravo e, por outro, o incremento do número de movimentos de resistência e combate ao racismo (e também ao sexismo), em prol da liberdade e da igualdade, como reação aos excessos do colonialismo. As formas de insurgência, inclusive com a participação feminina (Beckles, 1999BECKLES, Hilary. 1999. Centering women: Gender discourses in Caribbean slave society. Kingston/Miami, Ian Randle. ), têm sido objeto de estudos recentes em Barbados, contribuindo para revisar a concepção amplamente difundida segundo a qual a colonização britânica teria sido branda e, por essa razão, o povo barbadiano seria “pacífico” e herdeiro dos valores morais britânicos (Beckles, 1984BECKLES, Hilary. 1984. Black rebellion in Barbados: The struggle against slavery, 1627-1838. Bridgetown, Antilles Publications. ; Beckles & Shepherd, 1996BECKLES, Hilary & SHEPHERD, Verene (orgs.). 1996. Caribbean freedom: Economy and society from emancipation to the present. Princeton/Londres/Kingston, Markus Weiner Publishers/James Curry Publishers/Ian Randle Publishers. ; Howe & Marshall, 2011HOWE, Glenford D. & MARSHALL, Don D. (orgs.). 2011. The empowering impulse: The nationalist tradition in Barbados. Kingston, Canoe Press. ).

Os movimentos insurgentes, muitas vezes espelhando experiências internacionais, como o sucesso da Revolução Haitiana, desembocaram, segundo Hilary Beckles ( 1984BECKLES, Hilary. 1984. Black rebellion in Barbados: The struggle against slavery, 1627-1838. Bridgetown, Antilles Publications. , 2004BECKLES, Hilary. 2004. Great house rules: Landless emancipation and workers’ protest in Barbados – 1838-1938. Kingston/Miami, Ian Radle Publishers. ), na abolição da escravidão ( emancipation ) na década de 1830, ainda que com algumas condições perversas: a Lei da Emancipação previa, dentre outras prerrogativas, que as pessoas ex-escravizadas com mais de seis anos de idade deveriam permanecer durante doze anos a trabalhar para seus mestres como uma forma de “aprendizado” da vida em liberdade e, para esse trabalho, não receberiam salários, exceto se desempenhassem alguma função extra em relação a sua função original! A legislação fortaleceu ainda mais os poderes dos mestres donos das terras, ao conceder-lhes indenizações exorbitantes, manter a relação entre o trabalho e as plantações, restringir a migração e regular os salários em níveis baixos por um século (Beckles, 2004BECKLES, Hilary. 2004. Great house rules: Landless emancipation and workers’ protest in Barbados – 1838-1938. Kingston/Miami, Ian Radle Publishers. ; Beckles & Shepherd, 1996BECKLES, Hilary & SHEPHERD, Verene (orgs.). 1996. Caribbean freedom: Economy and society from emancipation to the present. Princeton/Londres/Kingston, Markus Weiner Publishers/James Curry Publishers/Ian Randle Publishers. , 2004BECKLES, Hilary & SHEPHERD, Verene. 2004. Liberties lost: Caribbean indigenous societies and slave systems. Cambridge, Cambridge University Press. ) 19 19 Como quase todas as terras cultiváveis pertenciam aos mestres, às pessoas ex-escravizadas, em sua imensa maioria, restavam o trabalho e a residência nas fazendas onde vinham trabalhando como escravas. Daí vêm as chattel houses , típicas da paisagem barbadiana nos dias de hoje: as pessoas ex-escravizadas moravam em casas de madeira que podiam ser facilmente desmontadas e remontadas, caso as famílias precisassem se mudar (Beckles, 2004 ). .

O período pós-emancipação foi marcado pelos questionamentos dos privilégios mantidos por pessoas brancas em uma sociedade majoritariamente negra, principalmente no que diz respeito ao mercado de trabalho, ao acesso à educação formal laica e ao direito à saúde pública, além da reivindicação de representatividade política por parte da maioria (Beckles, 2004BECKLES, Hilary. 2004. Great house rules: Landless emancipation and workers’ protest in Barbados – 1838-1938. Kingston/Miami, Ian Radle Publishers. ). Tudo isso, tendo como pano de fundo o declínio da indústria açucareira caribenha, a migração de trabalhadoras/es para a Guiana e Trinidad e Tobago (e até mesmo para a Amazônia brasileira – Lima, 2013LIMA, Maria Roseane C. P. 2013. Barbadianos negros e estrangeiros: Trabalho, racismo, identidade e memória em Belém de início do século XX. Niterói, Tese de doutorado, Universidade Federal Fluminense. ) e, claro, os efeitos, sobre os corpos e as mentes, da discursividade médico-científica, da normatividade jurídico-moral e da moralidade cristã que marcaram o reinado da Rainha Vitória (Hyam 1990HYAM, Ronald. 1990. Empire and sexuality: The British experience. Manchester, Manchester University Press. ).

Durante a era vitoriana (1837-1901), mais precisamente entre as décadas de 1860 e 1880, foram “modernizadas” as leis de crimes sexuais, agora adquirindo características em consonância com as novas concepções médico-científicas das corporalidades “normais”, fortemente enraizadas no racismo científico e no sexismo burguês da época. Esse aparato jurídico, naturalizado como parte da moralidade imperial britânica, foi expandido para as colônias e serviria para moldar toda a estrutura estatal, perdurando após a independência, com o respaldo do cristianismo e seu domínio completo sobre o sistema educativo barbadiano (Han & O’Mahoney, 2014 HAN, Enze; O’MAHONEY, Joseph. 2014. “British colonialism and the criminalization of homosexuality”. Cambridge Review of International Affairs, 27(2): 268-288. https://doi.org/10.1080/09557571.2013.867298 .
https://doi.org/10.1080/09557571.2013.86...
; Lennox & Waites, 2013LENNOX, Corinne & WAITES, Matthew (orgs.). 2013. Human rights, sexual orientation and gender identity in the commonwealth. Londres, University of London Press. ; Hyam, 1990HYAM, Ronald. 1990. Empire and sexuality: The British experience. Manchester, Manchester University Press. ).

A crise da indústria açucareira barbadiana acarretou o empobrecimento generalizado da maioria da população, ao mesmo tempo que a era vitoriana consolidava as hierarquias de opressão raciais e de gênero, o que reforçava o descontentamento das massas. Entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX, culminando em 1937, as revoltas trabalhistas contribuíram para chamar a atenção do poder metropolitano para a necessidade de diversificação da economia, instituições de educação e saúde de qualidade, respeito às realidades locais e mais autonomia política (Beckles, 2003BECKLES, Hilary. 2003. Chattel house blues: Making of a democratic society in Barbados. Kingston/Miami, Ian Randle Publishers. , 2004BECKLES, Hilary. 2004. Great house rules: Landless emancipation and workers’ protest in Barbados – 1838-1938. Kingston/Miami, Ian Radle Publishers. ; Beckles & Shepherd, 1996BECKLES, Hilary & SHEPHERD, Verene (orgs.). 1996. Caribbean freedom: Economy and society from emancipation to the present. Princeton/Londres/Kingston, Markus Weiner Publishers/James Curry Publishers/Ian Randle Publishers. ). O poder central britânico respondeu com investimentos e ações políticas de caráter decentralizador, tais como a criação de uma federação das colônias britânicas do Caribe… em vão. Ao longo das duas décadas seguintes, a Inglaterra e as lideranças políticas locais, geralmente de esquerda, criaram as condições para a independência completa, o que ocorreria a partir da década de 1960 em praticamente todas as ex-colônias da região, com algumas exceções (Beckles, 2003BECKLES, Hilary. 2003. Chattel house blues: Making of a democratic society in Barbados. Kingston/Miami, Ian Randle Publishers. , 2007BECKLES, Hilary. 2007. A history of Barbados. Cambridge, Cambridge University Press. ; Chamberlain, 2010; Howe & Marshall, 2011HOWE, Glenford D. & MARSHALL, Don D. (orgs.). 2011. The empowering impulse: The nationalist tradition in Barbados. Kingston, Canoe Press. ). Contudo, todos os novos países continuaram ligados à ex-metrópole por meio da Comunidade Britânica ou The Commonwealth 20 20 A Commonwealth , composta por 56 Estados-membros – em sua maioria, ex-colônias britânicas –, não se vê como uma organização política, mas como uma instância intergovernamental de países que cooperam entre si a partir de valores e objetivos comuns. A “comunidade” desses valores e objetivos, em geral, é definida pelos Estados-membros mais poderosos no sistema-mundo global (democracia, livre-comércio, boa governança, direitos humanos, liberdades individuais etc.). Ver: http://www.thecommonwealth.org/ . , inclusive muitos deles reconhecendo como chefe de Estado a Rainha Elizabeth II.

Desde a independência, Barbados tem se destacado pela estabilidade política caracterizada pela alternância de dois partidos ( Democratic Labour Party /DLP, e Barbados Labour Party /BLP, ambos de centro-esquerda ou social-democratas) e a ausência de conflitos sociais maiores, além da educação formal universalizada, um sistema de saúde eficiente, as políticas relativamente competentes de distribuição de riquezas e minimização das desigualdades e a substituição paulatina da produção açucareira pelo turismo 21 21 Enquanto a indústria açucareira sempre produziu riquezas que se concentravam nas mãos de uma elite capitalista, o turismo, mesmo que também inserido na lógica capitalista, tem permitido a participação de um número maior de pessoas e uma distribuição mais abrangente das riquezas (Farmer, 2013 ). , uma pequena industrialização e movimentações financeiras internacionais (algumas vezes consideradas como fraudulentas) como principais fontes de recursos – tudo isso faz de Barbados um país de destaque relativamente à região (Farmer, 2013FARMER, Kevin. 2013. “New museums on the block: Creation of identity in the post-independence Caribbean”. In: CUMMINS, A. et al. (orgs.). Plantation to nation. Champaign, Common Ground Publishing LCC. ).

Na segunda metade da década de 2010, em razão do crescimento rápido da população nas décadas anteriores e com uma reestruturação da ocupação do território da ilha voltada para atender às necessidades do turismo de massa, houve uma falha na rede de esgotos que levou à inundação de uma parte turística da ilha. Somados à incapacidade do governo do DLP de resolver o problema, a estagnação econômica e os rumores de corrupção levaram à eleição da primeira mulher chefe de Governo, Mia Mottley, do BLP. Em 2018, o parlamento, numa eleição inédita, passou a ter somente membros do partido da primeira-ministra. O problema de infraestrutura foi resolvido e o turismo voltou a crescer como a principal fonte de recursos do país, mas a crise econômica levou à adoção de medidas pouco populares. Mottley conduziu o país à ruptura política definitiva com a antiga metrópole, ao substituir em 2021 a antiga forma de governo vinculada à rainha Elizabeth II pela República, e à eleição da primeira chefe de Estado local, também uma mulher, Sandra Mason 22 22 Estão disponíveis na internet diversos vídeos que mostram a cerimônia de inauguração da República, tendo como os dois pontos mais fortes o momento em que é declarada a República diante do então príncipe Charles, representante da rainha Elizabeth II, e o momento em que Rihanna, a cantora pop de origem barbadiana, é anunciada como “heroína nacional”. Ver: https://www.youtube.com/watch?v=_Ey5vNwlvNY . .

Mottley foi a primeira chefe de Governo a falar abertamente da necessidade de se promoverem os direitos de pessoas LGBTQI+ em Barbados, denunciando a legislação herdada, como legado indigesto, do período colonial e, por tabela, o preconceito das perspectivas fundamentalistas cristãs, como outro legado indigesto do colonialismo (Lennox & Waites, 2013LENNOX, Corinne & WAITES, Matthew (orgs.). 2013. Human rights, sexual orientation and gender identity in the commonwealth. Londres, University of London Press. ) 23 23 Ver: https://www.youtube.com/watch?v=i8Ss9K_tx04 . . Não por acaso, a primeira Parada do Orgulho LGBTQI+ aconteceu precisamente em 2018, assim como uma série de atividades paralelas voltadas para a visibilização da diversidade sexual e de gênero e para a crítica às práticas discriminatórias.

Vale destacar a importância do conjunto de publicações que, nas últimas duas décadas, vêm abordando, geralmente a partir da perspectiva da crítica feminista e da decolonialidade, temas ligados à diversidade sexual e de gênero, e que contribuem para fundamentar as ações em prol do seu respeito em Barbados: seja sobre as relações entre homofobia, (heteros)sexismo e nacionalismo (Atluri, 2001; Houlden, 2017HOULDEN, Kate. 2017. Sexuality, gender and nationalism in Caribbean literature. Londres, Routledge. ; Kempadoo, 2004KEMPADOO, Kamala. 2004. Sexing the Caribbean: Gender, race, and sexual labor. Nova York, Routledge. ; 2009 KEMPADOO, Kamala. 2009. “Caribbean sexuality: Mapping the field”. Caribbean Review of Gender Studies, 3: 1-24. https://sta.uwi.edu/crgs/november2009/journals/Kempadoo.pdf .
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; Kempadoo & DeShong, 2020KEMPADOO, Kamala & DeSHONG, Halimah (orgs.). 2020. Methologies in Caribbean research on gender and sexuality. Kingston, Ian Randle Publishers. ; Lewis 2003LEWIS, Linden (org.). 2003. The culture of gender and sexuality in the Caribbean. Gainesville, University Press of Florida. ; Murray, 2009MURRAY, David A. B. 2009. “Homo hautings: Spectral sexuality and the good citizen in Barbadian media”. In: MURRAY, D. (org.). Homophobias: Lust and loathing across time and space. Durham / Londres, Duke University Press, pp. 146-161. ), seja sobre as relações entre moralidades religiosas, normatividades jurídicas e sexualidades (Aymer, 2016; Charles, 2022; Jackman, 2020; McDonald, 2019; McNamarah, 2018 McNAMARAH, Chan T. 2018. “Silent, spoken, written, and enforced: The role of law in the construction of the post-colonial queerphobia state”. Cornell International Law Journal, 51 (2): 496-532. https://scholarship.law.cornell.edu/cilj/vol51/iss2/6/ .
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), seja, enfim, sobre as particularidades do binarismo de gênero local e suas críticas (Barriteau, 2001, 2003, 2019; Barrow, 2019; Brereton, 2013; Harris, 2017HARRIS, Dawn. 2017. Punishing the black body: Marking social and racial structures in Barbados and Jamaica. Athens, The University of Georgia Press. ).

Os agenciamentos simbólicos usados nas duas últimas décadas para alinhavar a projeto nacional e estabelecer a matriz única de meta-significados, agora mais voltados para as reivindicações de uma cultura nacional e a valorização do patrimônio cultural caribenho em contraposição ao legado britânico, conforme apontado por Farmer ( 2013FARMER, Kevin. 2013. “New museums on the block: Creation of identity in the post-independence Caribbean”. In: CUMMINS, A. et al. (orgs.). Plantation to nation. Champaign, Common Ground Publishing LCC. ), parecem acolher, enfim, a contestação das leis coloniais anti-LGBTQI+ e a denúncia dos excessos das moralidades cristãs, como se viu com a revogação das Seções 9 e 12 da Lei de Crimes Sexuais e o consequente desimpedimento para a normatização dos direitos de pessoas LGBTQI+. Isso parece gerar uma imagem positiva de Barbados como uma nação em sintonia com o seu tempo – ainda que isso possa ser considerado como uma forma de ação do homonacionalismo ou da homonormativicade 24 24 Sobre as nuanças do homonacionalismo ou homonormatividade, ver Puar ( 2007 , 2013 ), Irineu ( 2016 ) e Gontijo ( 2021a ; 2021b b). . Gera também, em certa medida, o reconhecimento da diversidade sexual e de gênero indígena, africana e/ou colonial que teria sido renegada, silenciada e enquadrada pelo regime de verdade sustentado pela discursividade médico-científica, a normatividade jurídico-moral e as moralidades cristãs euro-estadunidenses modernas, que foi imposto pelo colonialismo e pelo imperialismo e que perduraria sob a forma da colonialidade do poder-ser-saber. É nesse contexto que se entendem a presença e a própria relevância do painel sobre os movimentos LGBTQI+ na exposição temporária Road to Republic em cartaz no Museu de Barbados entre 2022 e 2023.

Insurgentes na estrada para a república

Barbados Museum & Historical Society ou Museu de Barbados e Sociedade Histórica (BMHS) é uma entidade não governamental sem fins lucrativos que exerce o papel de museu nacional em Barbados. Está situada numa área declarada como patrimônio mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – que compreende o centro histórico da capital, Bridgetown, e algumas instalações militares mais ao sul. Além de diversas galerias, o conjunto conta com uma livraria e loja de souvenirs , biblioteca, ateliês, salas de atividades para adultos e crianças e a sede da Sociedade Histórica de Barbados, um importante núcleo de pesquisa sobre história e antropologia das Pequenas Antilhas Orientais.

A história do BMHS e de sua inserção no contexto mais amplo da formação dos museus caribenhos, sob a óptica decolonial, foi bem relatada em textos publicados nas últimas três décadas, com destaque para os de autoria da atual diretora, Alissandra Cummins ( 1994CUMMINS, Alissandra. 1994-1995. “Confronting colonialism: the first 60 years at the BMHS”. Journal of the Barbados Museum and Historical Society, XLII: 1-35. Não está disponível on-line. -1995, 2004 CUMMINS, Alissandra. 2004. “Caribbean museums and national identity”. History Workshop Journal, 58: 224-245. https://www.jstor.org/stable/25472762 .
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, 2013CUMMINS, Alissandra; FARMER, Kevin & RUSSELL, Roslyn (orgs.). 2013. Plantation to nation: Caribbean museums and national identity. Champaign, Common Ground Publishing LCC. ), e do vice-diretor, Kevin Farmer ( 2013FARMER, Kevin. 2013. “New museums on the block: Creation of identity in the post-independence Caribbean”. In: CUMMINS, A. et al. (orgs.). Plantation to nation. Champaign, Common Ground Publishing LCC. ). A Sociedade Histórica surgiu em 1933 a partir da exibição de coleções particulares de história natural, algumas integrando, em seguida, parte do acervo do museu. Essa exibição foi o pontapé inicial para as campanhas junto às famílias abastadas da ilha e ao Parlamento para a constituição de coleções permanentes e fundos financeiros para um museu, que ia se situar nos prédios militares cedidos naquele momento pelo governo.

Inicialmente, o BMHS se restringia às/aos associadas/os e benfeitoras/es, geralmente de origem inglesa, e, como sugere Cummins ( 1994CUMMINS, Alissandra. 1994-1995. “Confronting colonialism: the first 60 years at the BMHS”. Journal of the Barbados Museum and Historical Society, XLII: 1-35. Não está disponível on-line. -1995), tanto as coleções quanto os prédios que as abrigavam eram eurocêntricos em seu foco e tinham por objetivo atrair a atenção dos “cidadãos de valor” ( worthy citizens ), ou seja, aqueles que tinham interesse em “dar expressão prática ao melhor do seu próprio passado”. Mas, como o BMHS se estabeleceu no momento em que Barbados estava passando por um período de aguçamento do nacionalismo, que desembocaria na independência em 1966, também se aguçaram as tensões entre associadas/os, políticos e intelectuais com relação às características que o museu deveria assumir e até mesmo sobre a relevância de tal instituição em Barbados.

A década de 1980 foi marcada por uma série de comemorações nacionais, tais como o sesquicentenário da emancipação das pessoas escravizadas, o quinquagésimo aniversário das revoltas de 1937, o vigésimo aniversário da independência e os 350 anos da instalação do Parlamento. Essas comemorações geraram um grande debate nacional sobre a “cultura” e a “identidade” barbadianas, reforçando uma espécie de senso de responsabilidade social que sustentou a necessidade de se pensar o BMHS como parte da sociedade barbadiana mais ampla (Cummins 1994CUMMINS, Alissandra. 1994-1995. “Confronting colonialism: the first 60 years at the BMHS”. Journal of the Barbados Museum and Historical Society, XLII: 1-35. Não está disponível on-line. -1995). O BMHS passou a lançar um olhar mais atencioso sobre a vida cotidiana das pessoas ordinárias: “Ao examinar as vidas do passado de [pessoas] não ricas, não brancas e não homens de Barbados, que tinham sido amplamente ignoradas por acadêmicos e historiadores locais, foram aceitos os desafios colocados pelos conflitos de raça, gênero e econômicos” (Cummins, 1994CUMMINS, Alissandra. 1994-1995. “Confronting colonialism: the first 60 years at the BMHS”. Journal of the Barbados Museum and Historical Society, XLII: 1-35. Não está disponível on-line. -1995: 5). A partir daí, novos formatos de coleção e exibição ( re-coleção e des-coleção ) foram produzidos, “[…] admitindo que crianças, mulheres, trabalhadores e outras minorias tinham e têm histórias igualmente relevantes” (Cummins, op. cit .: 31).

É nesse contexto que se entendem os esforços, ao longo dos últimos trinta anos, para se trilharem os caminhos até as exposições Insurgents e Road to Republic , principalmente quando se considera que os museus nacionais contêm as narrativas relativas a uma realidade negociada com base em histórias que se contam a si mesmas/os sobre si mesmas/os (Canizzo, 1994CANIZZO, Jeanne. 1994. “How sweet it is; Cultural politics in Barbados”. In: KAVANAGH, G. (org.). Museum provision and professionalism. Londres, Routledge, pp. 24-30. ) e que as decisões sobre como as nações são representadas refletem profundamente as relações de poder vigentes (Karp & Lavine, 1991).

Em janeiro de 2023, a visita ao museu se iniciava pela livraria e loja de souvenirs , antes de se chegar às salas de exibição. As duas primeiras, Harewood Gallery e Jubilee Gallery, apresentam alguns objetos em deterioração e fichas explicativas um pouco envelhecidas, embora se perceba um esforço de atualização, com fichas novas que revisam os textos mais antigos em alguns casos e com a introdução de elementos interativos – painéis com perguntas que levam as/os visitantes à reflexão crítica sobre a importância do conteúdo histórico exibido para a vida social na atualidade. Harewood Gallery trata da história natural de Barbados, com destaque para a formação geológica da ilha e a flora e a fauna terrestre e marinha, inclusive com informações sobre as espécies introduzidas pelos colonizadores e seus impactos no ambiente e na realidade social contemporânea.

Jubilee Gallery trata da história social até a independência, com temas como: os modos de vida indígenas pré-coloniais e sua materialidade proveniente de diversas áreas do Caribe; um painel em referência ao primeiro livro sobre a história de Barbados, de Richard Ligon, publicado em 1657, somente trinta anos após a ocupação britânica, com o título emblemático The true and exact history of the Island of Barbados (A verdadeira e exata história da Ilha de Barbados), demonstrando o quanto a história é um terreno de disputas; as primeiras décadas de colonização, marcadas pelo indentured labour ; a introdução da cana-de-açúcar e o trabalho escravo africano, detalhando a crueldade do tráfico negreiro, com fotos de pessoas ex-escravizadas produzidas no século XIX; a vida cotidiana na casa-grande e na senzala das fazendas, o luxo das elites brancas e a pobreza da maioria da população negra; o detalhamento do sistema de plantation ; algumas particularidades da vida na África Ocidental que foram trazidas para o Caribe; os antecedentes da abolição e a vida das pessoas ex-escravizadas a seguir; o funcionamento do governo colonial e dos poderes legislativo e judiciário; as migrações; o desenvolvimento dos sindicatos e as revoltas da década de 1930; o sistema educativo, controlado pela Igreja; o declínio da produção açucareira; as religiões; a indústria naval; a manufatura e a produção artesanal; a musicalidade; os primeiros balneários e o turismo; os esportes, com destaque para o críquete; a estrada de ferro; a eletricidade; e a arquitetura e a proeminência das chattel houses .

Warmington Gallery e Military Gallery contêm objetos que retratam as artes decorativas e a memória militar representativas dos colonizadores. Cunard Gallery, dedicada às “belas-artes”, traz principalmente pinturas dos séculos XVIII a XX com temas dos “tipos humanos” e da vida cotidiana caribenha e portraits de pessoas diversas. Ao lado dessa última sala, há uma célula da antiga prisão como exemplo da função inicial dos prédios ocupados hoje pelo museu. Uma das maiores salas, a African Gallery, apresenta objetos e painéis sobre a história do continente africano e a realidade atual de diversos países, com destaque para a espiritualidade e a relação do continente africano com o Caribe. Ao lado, existe uma sala para as crianças e, mais adiante, uma sala de exposições temporárias.

Nessa última sala, havia uma exposição muito colorida sobre o patrimônio cultural intangível de Barbados, com destaque para: a língua 25 25 O inglês dialetal local é conhecido como bajan, uma corruptela de “barbadian” (barbadiano). Bajan também serve como adjetivo para tudo o que tem a ver com o país e para caracterizar o povo. ; o saber-fazer artesanal (cestaria, tecelagem e cerâmica); a culinária crioula; a musicalidade, inclusive, atual, como as particularidades locais do soca music ; as artes cênicas e a literatura; os esportes; as festividades e cerimônias, como a festa da colheita ( Crop Over Festival ), além das danças tradicionais; a diversidade religiosa; as práticas fitoterápicas e os saberes medicinais locais; etc. Essa exposição era claramente uma exaltação ao projeto nacional barbadiano e sua matriz única de meta-significados, sob a forma do patrimônio cultural intangível e na esteira da instauração da República.

A exposição temporária Road to Republic está diretamente vinculada à instauração da República em 2021, já que foi conjuntamente promovida pelo Departamento de Cultura ( The Division of Culture ) do Gabinete da Primeira-Ministra, a Fundação Cultural Nacional de Barbados ( National Cultural Foundation , equivalente ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Brasil) além do próprio BMHS, sob a curadoria de Kevin Farmer e Miguel Pena. Segundo informações de Natalie McGuire, do BMHS, em comunicação pessoal, após a exibição na Aall Gallery do BMHS, a exposição seguiria pelas bibliotecas do país ao longo de todo o ano de 2023. No painel introdutório, dá-se o tom da exposição, ao afirmar que se trata de uma jornada pelos quatrocentos anos da história de Barbados, dando ênfase “[…] [aos] desenvolvimentos sociais e políticos maiores que levaram a nação de um lugar governado por poucos, até o autogoverno e, finalmente, ao status republicano”.

É importante discorrer brevemente sobre a exposição temporária anterior, intitulada Insurgents , realizada em 2019 sob a curadoria da estudante e ativista muçulmana Saamiya Cumberbatch, da ativista contra a violência sexual Ronelle King, e da historiadora e museóloga do BMHS Natalie McGuire 26 26 Agradeço a Natalie McGuire por ter-me mostrado a importância da exposição Insurgents para entender a dimensão da exposição Road to Republic e a lógica decolonial que sustenta as ações do BMHS. As curadoras publicaram, em 2020, um artigo sobre a exposição Insurgents (Cumberbatch, King & McGuire, 2020 ). . Refletindo sobre a responsabilidade social dos museus nacionais e partindo do princípio de que o BMHS está engajado na concepção segundo a qual “[…] os museus não são espaços neutros e, portanto, visam promover relações mais inclusivas com suas comunidades em um contexto pós-colonial” (Cumberbatch, King & McGuire, 2020 CUMBERBATCH, Saamiya; KING, Ronelle & McGUIRE-BATSON, Natalie. 2020. “Insurgents: Redefining rebellion in Barbados”. Museum International, 72(1-2): 30-41. https://doi.org/10.1080/13500775.2020.1743020 .
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: 30) e de que a história de Barbados vinha sendo contada com lentes androcêntricas e heteronormativas 27 27 Como lembrado pelas curadoras: “Apesar das enormes contribuições das mulheres e da comunidade LGBTQI+ para a história de Barbados, elas foram amplamente ignoradas pelos historiadores como pioneiras por razões que vão além da homofobia e do sexismo” (Cumberbatch, King & McGuire, 2020: 31). , foram realizadas diversas oficinas com mulheres e pessoas LGBTQI+ para construir uma exposição sobre as formas de ativismo que não estavam devidamente documentadas nos livros de história. Foram coletados vídeos, fotografias e objetos diversos representativos do que as curadoras chamaram de “histórias do ativismo” ( stories of activism ). Ao longo da exibição, as/os visitantes eram convidadas/os a elaborar cartazes sobre temas diversos com as suas próprias reivindicações. Isso levou à crítica às formas tomadas pelos movimentos feministas e LGBTQI+ em Barbados, geralmente espelhados em modelos euro-estadunidenses. A partir daí, foi possível refletir sobre a diversidade barbadiana e as novas formas de ativismo mais condizentes com as realidades locais. Alguns desses objetos, como os cartazes, fotografias e documentos pessoais, estavam na Aall Gallery em janeiro de 2023, complementando a exposição Road to Republic 28 28 Ver fotografia da Aall Gallery e da exposição em anexo ( Imagem 1 ). .

Figura 1
. Aall Gallery, exposição Road to Republic, 2023 (fotografia produzida pelo autor).

Ao longo de dezesseis painéis coloridos com fundo escuro do tipo “banners” (medindo mais ou menos um metro de altura por cinquenta ou sessenta centímetros de largura), a exposição Road to Republic , por sua vez, aborda, como um “experimento”, a evolução política do país, com seus agenciamentos simbólicos geradores de uma matriz única de meta-significados, agora pela via do poder político. Inicia-se com Barbados governada como um feudo privado do conde de Carlisle, a instalação do Parlamento em 1639 e uma primeira tentativa de independência, sob o comando de fazendeiros fiéis ao rei Carlos I, na esteira da Guerra Civil Inglesa (1642-1649). Em seguida, destacam-se as revoltas por igualdade e justiça social por parte das pessoas escravizadas e das/os trabalhadoras/es sob contrato de servidão, em prol da criação de um governo próprio. É interessante notar que essas revoltas, algumas delas lideradas por mulheres, são apresentadas como estratégias africanas de fazer política ( African polity ). A abolição e a luta pelos direitos civis no século XIX, a mobilização e a formação dos sindicatos e dos movimentos trabalhistas na primeira metade do século XX e a atuação dos partidos políticos na segunda metade do mesmo século, desencadeando o processo rumo à independência, são temas tratados em outros painéis, visibilizando-se sempre as pessoas negras que protagonizaram as principais conquistas. A conclusão lógica do “experimento” seria a instauração da República e, assim, a exposição explora as diferenças entre como se governava antes e o que se espera do governo republicano que se inicia.

O penúltimo painel, intitulado “Ideologias de Nação / Questões de Cidadania” ( Ideologies of Nationhood / Issues of Citizenship ), aborda a construção do projeto nacional e da cidadania plena como um processo de busca de respostas para contínuos desafios, o que só pode se dar, segundo a curadoria da exposição, por meio da crítica anticolonial e dos movimentos sociais 29 29 Ver fotografia do painel em anexo ( Imagem 2 ). . Logo na parte superior do painel, o tom é dado com um poema de 1967 de autoria de Kamau Brathwaite, uma das principais referências da literatura barbadiana, intitulado “Negus”, que diz que não basta somente ser livre do Império Britânico. Ou seja, a ideologia de nação ainda estaria em processo de formação no pós-independência, sempre em construção, e deveria levar em consideração as “questões de cidadania”. No painel, detalha-se o que se entende por “questões de cidadania” da seguinte forma:

As questões de cidadania se articulam de várias maneiras, incluindo a luta contínua pelos direitos da comunidade LGBTQI, a persistência dos restritos códigos de vestimenta e do preconceito associado ao cabelo em órgãos governamentais e escolas, as vulnerabilidades na legislação contra a violência doméstica e o abuso sexual infantil, as disparidades nos trâmites de concessão da nacionalidade barbadiana a cidadãos do Caricom em comparação com a concessão para cidadãos europeus / estadunidenses, as desigualdades raciais crescentes relacionadas à pobreza e à classe e a marginalização das vozes indígenas nos debates sobre identidade cultural. Também se manifestam de maneiras sutis por meio do uso persistente do inglês padrão como língua escrita institucional em Barbados, quando o bajan é a língua de comunicação mais difundida. Na era digital e pós-pandêmica, isto se estende também à (falta de) conexão a uma internet estável e a dispositivos cada vez mais necessários para o acesso às plataformas educativas.

Nota-se claramente a tônica anticolonial. Chama atenção, entre as questões de cidadania que precisam ser resolvidas no processo contínuo de construção do projeto nacional, a luta pelos direitos de pessoas LGBTQI+, ao lado do combate às desigualdades raciais e sociais em geral. A reivindicação de respeito à diversidade sexual e de gênero adquire aqui características também anticoloniais e, desse modo, indicia-se a colonização (e suas fundamentações médico-científica, jurídico-moral e religiosa) como a verdadeira culpada pela rejeição e/ou enquadramento das experiências da diversidade sexual e das expressões múltiplas de gênero, o que poderia ser considerado bastante inovador e ousado num país que ainda tinha leis anti-LGBTQI+ no momento dessa exposição temporária e da anterior ( Insurgents ).

Figura 2
. Painel da exposição Road to Republic, 2023 (fotografia produzida pelo autor).

Além dos textos, o painel conta com três fotografias. Embora sem legendas, percebe-se que a imagem do canto superior direito retrata um ato político de jovens no centro de Bridgetown, mas não é possível identificar exatamente o motivo do ato. Uma pequena imagem no centro inferior chama atenção por apresentar a estátua pichada de Sir Horatio Nelson, que se encontrava em frente ao Parlamento desde 1813. O militar britânico morreu em 1805 na Batalha de Trafalgar contra a França e a Espanha. A presença da estátua vinha sendo questionada desde a década de 1990, já que o militar foi um dos maiores defensores do tráfico negreiro e do sistema colonial. Em 1999, a praça onde se encontrava a estátua foi renomeada, passando de Trafalgar para National Heroes Square, embora Nelson não seja reconhecido como herói nacional. Em decorrência da onda de manifestações mundiais antirracismo após o assassinato do estadunidense George Floyd, a estátua foi pichada e a primeira-ministra decidiu por sua remoção da praça 30 30 Ver: https://www.reuters.com/article/uk-barbados-statue-idUKKBN27X1UZ . .

A terceira imagem do painel retrata uma edição da Parada do Orgulho LGBTQI+. Na imagem, podem-se ver bandeiras e guarda-chuvas com as cores do arco-íris, símbolo das manifestações de pessoas LGBTQI+ pelo mundo afora. As Paradas do Orgulho em Barbados, iniciadas em 2018, são somente uma das diversas atividades organizadas anualmente, mesmo durante a pandemia de Covid-19, pelos grupos Pride Barbados, Equals, SHE Barbados, Barbados Gays and Lesbians Against Discrimination (B-GLAD) e Butterfly Barbados, dentre outros, tais como festas, mostras de cinema, simpósios acadêmicos, eventos de empreendedorismo, passeios guiados, ações ambientais, etc 31 31 Ver: https://www.instagram.com/pridebarbados/ ; https://shebarbados.org/ ; https://www.instagram.com/pridebarbadosfilmfestival/?utm_medium=copy_link . De grande importância foi a mobilização desses grupos de cidadania durante a reforma constitucional de 2021, coletando as pautas de interesse das pessoas LGBTQI+ para serem discutidas no Parlamento.

Apesar da importância dessa imagem que retrata a Parada do Orgulho para a visibilização das causas LGBTQI+ e a promoção do respeito à diversidade sexual e de gênero, nota-se que as pessoas foram fotografadas de costas, assim como também as pessoas representadas na imagem do ato de jovens nas ruas de Bridgetown, talvez para que não sejam identificadas, evitando-se assim a sua exposição pública. Mesmo que essas pessoas estejam em um espaço público e, portanto, conscientes de que sua participação na Parada pode servir para visibilizar e promover o respeito à diversidade sexual e de gênero, pode-se pensar, ainda que de forma preliminar, no modo como agem sobre as pessoas os efeitos das leis anti-LGBTQI+, da discursividade médico-científica e das moralidades cristãs conservadoras na conformação e na naturalização das corporalidades hegemônicas, da sexualidade reprodutiva, da heterossexualidade compulsória e da heteronormatividade.

Que se retome a pergunta inicial do artigo: como era possível, em um país em que ainda estavam em vigor leis contra as pessoas LGBTQI+, que ali tivessem sido publicados textos acadêmicos sobre a diversidade sexual e de gênero, que ocorressem algumas Paradas do Orgulho, que acontecessem festas voltadas para o público diverso, que fosse até mesmo realizada uma mostra de cinema LGBTQI+ e que o Museu Nacional daquele país manifestasse a importância da existência da diversidade sexual e de gênero em pelo menos duas exposições? Um painel como esse acima, presente numa exposição que revisa a história de um país num museu que é nacional , é mais um elemento para, por um lado, rejeitar criticamente a persistência desse regime de poder de inspiração colonial e, por outro, questionar os movimentos sociais locais sobre as necessidades de se pensarem os problemas locais nos termos particulares locais, sem deixar de lado a inserção do país no sistema-mundo global. Eis aí, talvez, um elemento de resposta para o aparente paradoxo apresentado na forma da pergunta acima.

Perspectivas

Ultimamente, tem sido mostrada uma correlação direta entre, de um lado, as formas institucionalizadas de repressão à diversidade sexual e de gênero e em defesa do binarismo de gênero, da heterossexualidade compulsória e da heteronormatividade e, de outro, as particularidades do colonialismo e do imperialismo britânicos e a persistência de sua base de sustentação ideológica até os dias de hoje, por meio da discursividade médico-científica, da normatividade jurídico-moral e das moralidades cristãs (Han & O’Mahoney, 2014 HAN, Enze; O’MAHONEY, Joseph. 2014. “British colonialism and the criminalization of homosexuality”. Cambridge Review of International Affairs, 27(2): 268-288. https://doi.org/10.1080/09557571.2013.867298 .
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; Kempadoo & DeShong, 2020KEMPADOO, Kamala & DeSHONG, Halimah (orgs.). 2020. Methologies in Caribbean research on gender and sexuality. Kingston, Ian Randle Publishers. ; Lennox & Waites, 2013LENNOX, Corinne & WAITES, Matthew (orgs.). 2013. Human rights, sexual orientation and gender identity in the commonwealth. Londres, University of London Press. ; McNamarah, 2018 McNAMARAH, Chan T. 2018. “Silent, spoken, written, and enforced: The role of law in the construction of the post-colonial queerphobia state”. Cornell International Law Journal, 51 (2): 496-532. https://scholarship.law.cornell.edu/cilj/vol51/iss2/6/ .
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).

Leah Buckle, num texto publicado em 2020 pelo coletivo virtual britânico Stonewall 32 32 Ver: https://www.stonewall.org.uk/about-us/news/african-sexuality-and-legacy-imported-homophobia . , relata que a metade dos países independentes que têm leis antissodomia no mundo faz parte da Commonwealth . O equivalente francês seria a Organização Internacional da Francofonia ( La Francophonie ) 33 33 Ver: https://www.francophonie.org/ . . A França rejeitou as leis antissodomia ainda durante a Revolução Francesa, enquanto a Inglaterra só o fez em 1967. Embora as comparações entre as duas entidades mereçam cuidado, Buckle nota que 66% dos países da Commonwealth possuem leis antissodomia, ao passo que 33% dos países vinculados à Francophonie as têm, o que, para ela, demonstra que boa parte dos países desses último bloco seguiu a França na elaboração de seu ordenamento jurídico. Analisando a situação específica da África Subsaariana, Buckle mostra que o colonialismo associou sexo a gênero por meio da biologia ali onde isso não acontecia, e acrescentou a essa associação uma roupagem jurídica e religiosa. Enquanto em 1910 a população cristã da região somava 9% do total, essa proporção saltou para 63% em 2010, em grande parte se tratando agora de igrejas evangélicas estadunidenses. Assim, lutar contra a homofobia nas ex-colônias britânicas seria uma forma de lutar contra o colonialismo e o imperialismo e contra as suas formas ideológicas persistentes 34 34 Outra/os intelectuais ativistas confirmam essa perspectiva em plataformas digitais de produção e divulgação de informações de promoção da diversidade sexual e de gênero e de luta contra a homofobia enquanto legado da colonização britânica e do neocolonialismo estadunidense – http://gal-dem.com/the-commonwealth-colonialism-and-the-legacy-of-homophobia/ . .

Javier Corrales ( 2015 CORRALES, Javier. 2015. “The politics of LGBT rights in Latin America and the Caribbean: research agendas”. European Review of Latin American and Caribbean Studies, 100: 53-65. https://doi.org/10.18352/erlacs.10126 .
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), denunciando a timidez das pesquisas, no campo da ciência política, sobre os direitos de pessoas LGBTQI+ na América Latina e no Caribe, no mesmo momento em que paradoxalmente esses direitos têm proliferado na região, percebe que há uma diferença entre o tratamento dado à questão particularmente na América Latina – ex-colônias espanholas e portuguesa – em comparação com o mesmo no Caribe – principalmente nas ex-colônias britânicas. Jim Wilets ( 2010WILETS, Jim. 2010. “Divergence between LGBTI legal, political, and social progress in the Caribbean and Latin America”. In: CORRALES, J. & PECHENY, M. (orgs.). The politics of sexuality in Latin America. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, pp. 349-357.: 349) já havia elencado alguns elementos que poderiam ajudar a entender a lentidão do processo de reconhecimento de direitos LGBTQI+ e a “animosidade social anti-LGBTI” no Caribe, em relação à América Latina, tendo em mente o perigo das generalizações numa região tão diversa: o papel das Igrejas, já que, na América Latina, a Igreja Católica não teria obtido o mesmo sucesso que as Igrejas Protestantes Evangélicas no Caribe na modelagem das consciências individuais; os efeitos do colonialismo, que se fazem sentir através da persistência da legislação de origem britânica no Caribe, mesmo após a independência, o que não ocorreu na América Latina; os impactos da escravidão, que, segundo o autor, teria tornado os homens caribenhos subservientes e, após a emancipação, eles teriam buscado fortalecer a masculinidade e a virilidade e a rejeitar a homossexualidade para se distanciarem da imagem do homem colonizador, mais do que na América Latina; as formas locais de incorporação dos Direitos Humanos, que fazem com que haja mais resistência para associar os direitos de pessoas LGBTQI+ aos Direitos Humanos no Caribe; etc.

As “políticas LGBT” não tratariam somente de questões de direitos civis, segundo Corrales ( 2015 CORRALES, Javier. 2015. “The politics of LGBT rights in Latin America and the Caribbean: research agendas”. European Review of Latin American and Caribbean Studies, 100: 53-65. https://doi.org/10.18352/erlacs.10126 .
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), mas sobretudo das questões da relação entre Estado e Igreja particulares de nossa época. Nas ex-colônias britânicas do Caribe, o conservadorismo cristão forma laços transnacionais com grupos homofóbicos no exterior, como os evangélicos nos Estados Unidos, para afirmar, paradoxalmente, que a “agenda gay” é uma imposição ocidental. Esses países conquistaram a independência recentemente e, como visto com Barbados, tiveram que construir projetos nacionais que unificassem a nação, dividida racial, cultural e politicamente. Isso aconteceu num momento em que a ex-metrópole estava revendo as suas discursividades médico-científicas e normatividades jurídico-morais e até mesmo as moralidades cristãs, ao revogar, por exemplo, as antigas leis antissodomia, como o fez a Inglaterra em 1967. Pode ser que o binarismo de gênero, a heterossexualidade compulsória e a heteronormatividade tenham servido e ainda estejam servindo, nas ex-colônias britânicas, para demarcar suas particularidades em relação à ex-metrópole. Portanto, diante dessa complexidade, parece não haver paradoxo algum, quando se percebe a resistência de pessoas LGBTQI+ às imposições coloniais persistentes e a suas atualizações pós-independência, como demonstrado nas exposições realizadas pelo Museu de Barbados.

É por isso que iniciativas decoloniais, como as do Museu de Barbados, um museu nacional , têm sido interessantes para a produção de conhecimentos que permitam compreender que, assim como outros aspectos da realidade barbadiana na atualidade, a diversidade sexual e de gênero é que foi enquadrada pelo empreendimento colonial. E que, atualmente, trata-se de rever a história com uma sensibilidade etnográfica, agora nos termos locais e atenta aos legados indigestos, para formular, de forma crítica e reflexiva, um futuro mais culturalmente diverso, socialmente inclusivo e politicamente alinhado aos desafios globais – servindo-se, inclusive, dos museus nacionais para essa tarefa.

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  • WILSON, Samuel M. (org.). 1997. The Indigenous people of the Caribbean. Gainesville, University of Florida Press.
  • 1
    Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico a Bolsa de Produtividade em Pesquisa.
  • 2
    A Seção 9 do documento legal barbadiano diz: “Qualquer pessoa que cometa atos de sodomia é culpada de crime e passível a pena de prisão perpétua, em caso de condenação por acusação”. Cf. https://www2.ohchr.org/english/bodies/hrc/docs/ngos/lgbti2.pdf . Minha tradução livre do inglês – para não sobrecarregar o artigo, opto por não incluir os excertos em língua original, somente as traduções livres da língua inglesa feitas por mim.
  • 3
    Em 1533, um ato do Rei Henrique VIII da Inglaterra condenou à pena de morte a prática do “vício abominável” do sexo anal com mulher, homem ou animal (buggery), conforme o que já vinha sendo pregado por algumas leis cristãs (Weeks, 1989WEEKS, Jeffrey. 1989. Sex, politics and society. Londres, Longman Group Ltd. ). Em 1885, a Lei de Alteração do Direito Penal (Criminal Law Amendment Act) instituiu o crime de gross indecency para responder a uma demanda das camadas médias britânicas em defesa da família e contra a prostituição, mas com efeitos diretos sobre as práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo/gênero e a definição da “perversão” (Waites, 2005WAITES, Matthew. 2005. The age of consent. Basingstoke, Palgrave Macmillan. ). Ambas seriam transmitidas para todas as colônias britânicas e, na maioria dos casos, continuariam em vigor nos sistemas jurídicos locais após a independência.
  • 4
  • 5
    A heterossexualidade compulsória denuncia o caráter culturalmente arbitrário e, portanto, não natural da heterossexualidade (Rich, 1980 RICH, Adrienne. 1980. “Compulsory heterosexuality and lesbian existence”. Signs 5(4): 631-660. https://www.jstor.org/stable/3173834 .
    https://www.jstor.org/stable/3173834...
    ). Experiências da diversidade sexual e de gênero se referem às práticas e identidades sexuais e/ou de gênero e suas múltiplas dinâmicas sociais e culturais (às vezes será usado “expressões” para dar ênfase ao caráter eloquente das práticas e identidades). Sexualidade não normativa designa as experiências da diversidade sexual e de gênero consideradas como não correspondendo às expectativas sociais, morais e, às vezes, jurídicas estabelecidas e, portanto, passíveis de alguma forma de regulação. Enfim, sexualidade alternativa, quando as experiências são “outras” em relação às normativas, mas não necessariamente passíveis de enquadramento. Homossexualidade (assim como lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneros, intersexuais etc.) é o termo ocidental mais usado pelas instâncias internacionais, também amplamente utilizado por governantes caribenhos/as e por ativistas, dentre outros. A heteronormatividade designa o sistema normativo e seus mecanismos, tecnologias e dispositivos que sustentam as instituições dos Estados modernos, naturalizando a heterossexualidade, o binarismo de gênero e o dimorfismo sexual (Warner, 1993WARNER, Michael. 1993. Fear of a queer planet. Minneapolis, University of Minnesota Press. ).
  • 6
    A “matriz única de meta-significados” é proposta por Shulga ( 2015SHULGA, Olexander. 2015. “Consequences of the Maidan: War of symbols, real war and nation building”. In: STEPANENKO, V. & PYLYNSKI, Y. (orgs.). Ukraine after the Euromaidan: Challenges and hopes. Berna, Peter Lang, pp. 231-240. ) como um agenciamento simbólico elaborado para servir de modelo (oficial, mas não somente) para a construção da nação, quase sempre reformulando ou ultrapassando os significados reais para produzir meta-significados.
  • 7
    As reflexões contidas aqui resultam de observações feitas ao longo de janeiro de 2023 no Museu de Barbados. Foram realizadas três visitas ao Museu, diversas conversas com usuários/as dentro e fora do Museu e, em seguida, entrevista junto a funcionários/as do Museu. Agradeço às/aos funcionárias/os do Museu a acolhida, em particular à curadora de história social responsável pelas exposições que serão abordadas, Natalie McGuire. Trata-se, portanto, da elaboração de uma reflexão preliminar sobre a diversidade sexual e de gênero em Barbados a partir de alguns painéis de uma exposição apresentada pelo Museu, e não de um estudo etnográfico especificamente sobre as experiências da diversidade sexual e de gênero em si naquele país.
  • 8
    A constituição de coleções museológicas (nacionais) estaria em constante reformulação, segundo Preziosi ( 2011PREZIOSI, Donald. 2011. “Myths of nationality”. In: KNELL, S. et al. (orgs.). National museums. Londres, Routledge, pp. 55-66. ), de acordo com as “questões do momento” ou l’air du temps (questões políticas, sociais, culturais, econômicas, religiosas etc.), e, assim, acréscimos de materiais e/ou retiradas de objetos das coleções, bem como novas associações de objetos antes não associados ou dissociação de outros antes associados, todas essas práticas guiadas pelas questões do momento, levariam a re-coleções e des-coleções, o que estaria diretamente relacionado à elaboração das narrativas nacionais.
  • 9
    Para a definição de governamentalidade e de dispositivos com efeitos biopolíticos, ver Michel Foucault ( 2004FOUCAULT, Michel. 2004. Sécurité, territoire, population. Cours au Collège de France (1977-1978). Paris, Gallimard / Seuil.: 111-112; 1998FOUCAULT, Michel. 1998. Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Graal.: 244).
  • 10
    Flora Kaplan referencia obras de sua própria autoria, além de textos publicados na década de 1980 e no início da seguinte de autoria ou organizados por Arjun Appadurai, James Clifford e George Marcus, Ivan Karp e Steven Lavine, Sharon Macdonald, Susan Pearce, George Stocking Jr. e Peter Vergo.
  • 11
    The University of West Indies tem campi interconectados e espalhados pelas ex-colônias britânicas do Caribe (Jamaica, Antígua e Barbuda, Barbados e Trinidad e Tobago).
  • 12
    Usa-se aqui uma definição ampla de decolonial que se confunde com pós-colonial, assim como é usada nos textos de pesquisadoras/es caribenhos anglófonas/os, e não exatamente aquela proposta por intelectuais latino-americanas/os do Grupo Modernidade/Colonialidade. Para essas/es últimas/os, a colonialidade enreda o processo de colonização das Américas e do Caribe e a constituição do sistema-mundo capitalista com base em estruturas hierárquicas de desigualdade racial, sexual, de gênero e de classe. A decolonialidade seria a superação da colonialidade (Lander, 2005LANDER, Edgardo (org.). 2005. A colonialidade do saber. Buenos Aires, Clacso. ).
  • 13
    Dar-se-á ênfase à história especificamente de Barbados e à colonização britânica e nada será dito sobre as ex-colônias de outras potências coloniais europeias.
  • 14
    A Espanha se apossou da ilha nos últimos anos do século XV, até que Portugal a reivindicou para si na década de 1530, não a ocupou e acabou por abandoná-la completamente em 1620, deixando ali uma grande população de javalis e nenhum ser humano (Beckles, 2003BECKLES, Hilary. 2003. Chattel house blues: Making of a democratic society in Barbados. Kingston/Miami, Ian Randle Publishers. ).
  • 15
    Ver o trabalho, o ativismo e a produção bibliográfica e imagética do líder indígena lokono-arawak Damon G. Corrie, do Eagle Clan Arawaks, que atua na Indigenous Democracy Defence Organization e na Caribbean Amerindian Development Association. Em seu canal do YouTube , encontram-se informações sobre um filme que está sendo produzido acerca da incursão de navegadores africanos a Barbados: https://www.youtube.com/watch?v=pHsrdc5CRZ4 .
  • 16
    O racismo, a misoginia e a heteronormatividade estão na base do dispositivo de definição de uma nova percepção da humanidade porque também estão na base das concepções ontológicas essencializadas pelas perspectivas epistemológicas médico-científicas e jurídico-morais europeias que geram um novo ordenamento mundial – o que vem sendo chamado de colonialidade do poder, do ser e do saber (Lander, 2005LANDER, Edgardo (org.). 2005. A colonialidade do saber. Buenos Aires, Clacso. ).
  • 17
    As consequências ideológicas dos efeitos persistentes da discursividade médico-científica, da normatividade jurídico-moral e das moralidades cristãs euro-estaduninenses sobre as sociedades subsaarianas se fazem sentir em controvérsias atuais referentes ao tratamento dado à diversidade sexual e de gênero ali. A respeito desse assunto, ver, além de artigo de revisão de minha autoria (Gontijo, 2021a GONTIJO, Fabiano. 2021a. “Diversidade sexual e de gênero, Estado nacional e biopolítico no Sul Global: Lições da África”. Anuário Antropológico, 46(2): 66-96. https://doi.org/10.4000/aa.8318.
    https://doi.org/10.4000/aa.8318....
    a), as obras de Adrian Jjuuko ( 2022JJUUKO, Adrian et al. (orgs.). 2022. Queer lawfare in Africa. Pretoria, Pretoria University Law Press. ), Kapya Kaoma ( 2012KAOMA, Kapya. 2012. Colonizing African values. Sommerville, Political Research Associates. ) e Adriaan Van Klinken e Ezra Chitando ( 2021KLINKEN, Adriaan Van & CHITANDO, Ezra. 2021. Reimagining christianity and sexual diversity in Africa. Londres, C. Hurst & Co. ) e a tese de doutorado de Francisco Miguel ( 2019MIGUEL, Francisco. Maríyarapáxjis: Silêncio, exogenia e tolerância nos processos de institucionalização das homossexualidades masculinas no sul de Moçambique. Brasília, Tese de doutorado, Universidade de Brasília. ).
  • 18
    Ver Aliyyah Abdur-Rahman ( 2006 ABDUR-RAHMAN, Aliyyah. 2006. “‘The strangest freaks of despotism’: Queer sexuality in antebellum African American slave narratives”. African American Review, 40(2): 223-237. https://www.jstor.org/stable/40033712 .
    https://www.jstor.org/stable/40033712...
    ), Lindon Barrett ( 1995 BARRETT, Lindon. 1995. “African-American slave narratives: Literacy, the body, authority”. American Literary History, 7(3): 415-442. https://www.jstor.org/stable/489846 .
    https://www.jstor.org/stable/489846...
    ), Kamala Kempadoo ( 2004KEMPADOO, Kamala. 2004. Sexing the Caribbean: Gender, race, and sexual labor. Nova York, Routledge. , 2009 KEMPADOO, Kamala. 2009. “Caribbean sexuality: Mapping the field”. Caribbean Review of Gender Studies, 3: 1-24. https://sta.uwi.edu/crgs/november2009/journals/Kempadoo.pdf .
    https://sta.uwi.edu/crgs/november2009/jo...
    ), Kate Houlden ( 2017HOULDEN, Kate. 2017. Sexuality, gender and nationalism in Caribbean literature. Londres, Routledge. ), Linda Lewis ( 2003LEWIS, Linden (org.). 2003. The culture of gender and sexuality in the Caribbean. Gainesville, University Press of Florida. ) e Ann Laura Stoler ( 2010STOLER, Ann Laura. 2010. Carnal knowledge and imperial power: Race and the intimate in colonial rule. Berkeley, University of California Press. ).
  • 19
    Como quase todas as terras cultiváveis pertenciam aos mestres, às pessoas ex-escravizadas, em sua imensa maioria, restavam o trabalho e a residência nas fazendas onde vinham trabalhando como escravas. Daí vêm as chattel houses , típicas da paisagem barbadiana nos dias de hoje: as pessoas ex-escravizadas moravam em casas de madeira que podiam ser facilmente desmontadas e remontadas, caso as famílias precisassem se mudar (Beckles, 2004BECKLES, Hilary. 2004. Great house rules: Landless emancipation and workers’ protest in Barbados – 1838-1938. Kingston/Miami, Ian Radle Publishers. ).
  • 20
    A Commonwealth , composta por 56 Estados-membros – em sua maioria, ex-colônias britânicas –, não se vê como uma organização política, mas como uma instância intergovernamental de países que cooperam entre si a partir de valores e objetivos comuns. A “comunidade” desses valores e objetivos, em geral, é definida pelos Estados-membros mais poderosos no sistema-mundo global (democracia, livre-comércio, boa governança, direitos humanos, liberdades individuais etc.). Ver: http://www.thecommonwealth.org/ .
  • 21
    Enquanto a indústria açucareira sempre produziu riquezas que se concentravam nas mãos de uma elite capitalista, o turismo, mesmo que também inserido na lógica capitalista, tem permitido a participação de um número maior de pessoas e uma distribuição mais abrangente das riquezas (Farmer, 2013FARMER, Kevin. 2013. “New museums on the block: Creation of identity in the post-independence Caribbean”. In: CUMMINS, A. et al. (orgs.). Plantation to nation. Champaign, Common Ground Publishing LCC. ).
  • 22
    Estão disponíveis na internet diversos vídeos que mostram a cerimônia de inauguração da República, tendo como os dois pontos mais fortes o momento em que é declarada a República diante do então príncipe Charles, representante da rainha Elizabeth II, e o momento em que Rihanna, a cantora pop de origem barbadiana, é anunciada como “heroína nacional”. Ver: https://www.youtube.com/watch?v=_Ey5vNwlvNY .
  • 23
  • 24
    Sobre as nuanças do homonacionalismo ou homonormatividade, ver Puar ( 2007PUAR, Jasbir. 2007. Terrorist Assemblage: Homonationalism in queer times. Durham, Duke University Press. , 2013 PUAR, Jasbir. 2013. “Rethinking homonationalism”. International Journal of Middle East Studies. 45(2): 336-339. https://doi.org/10.1017/S002074381300007X.
    https://doi.org/10.1017/S002074381300007...
    ), Irineu ( 2016IRINEU, Bruna Andrade. 2016. A política pública LGBT no Brasil: Homofobia cordial e homonacionalismo nas tramas da participação social. Rio de Janeiro, Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro. ) e Gontijo ( 2021a GONTIJO, Fabiano. 2021a. “Diversidade sexual e de gênero, Estado nacional e biopolítico no Sul Global: Lições da África”. Anuário Antropológico, 46(2): 66-96. https://doi.org/10.4000/aa.8318.
    https://doi.org/10.4000/aa.8318....
    ; 2021b GONTIJO, Fabiano. 2021b. “Diversidade sexual e de gênero, geo(necro)política e alternativas heterotópicas: Um mundo melhor (ainda) é possível?”. Aceno: Revista de. Antropologia do Centro-Oeste, 8(16): 15-40. https://doi.org/10.48074/aceno.v8i16.11752
    https://doi.org/10.48074/aceno.v8i16.117...
    b).
  • 25
    O inglês dialetal local é conhecido como bajan, uma corruptela de “barbadian” (barbadiano). Bajan também serve como adjetivo para tudo o que tem a ver com o país e para caracterizar o povo.
  • 26
    Agradeço a Natalie McGuire por ter-me mostrado a importância da exposição Insurgents para entender a dimensão da exposição Road to Republic e a lógica decolonial que sustenta as ações do BMHS. As curadoras publicaram, em 2020, um artigo sobre a exposição Insurgents (Cumberbatch, King & McGuire, 2020 CUMBERBATCH, Saamiya; KING, Ronelle & McGUIRE-BATSON, Natalie. 2020. “Insurgents: Redefining rebellion in Barbados”. Museum International, 72(1-2): 30-41. https://doi.org/10.1080/13500775.2020.1743020 .
    https://doi.org/10.1080/13500775.2020.17...
    ).
  • 27
    Como lembrado pelas curadoras: “Apesar das enormes contribuições das mulheres e da comunidade LGBTQI+ para a história de Barbados, elas foram amplamente ignoradas pelos historiadores como pioneiras por razões que vão além da homofobia e do sexismo” (Cumberbatch, King & McGuire, 2020 CUMBERBATCH, Saamiya; KING, Ronelle & McGUIRE-BATSON, Natalie. 2020. “Insurgents: Redefining rebellion in Barbados”. Museum International, 72(1-2): 30-41. https://doi.org/10.1080/13500775.2020.1743020 .
    https://doi.org/10.1080/13500775.2020.17...
    : 31).
  • 28
    Ver fotografia da Aall Gallery e da exposição em anexo ( Imagem 1 ).
  • 29
    Ver fotografia do painel em anexo ( Imagem 2 ).
  • 30
  • 31
  • 32
  • 33
  • 34
    Outra/os intelectuais ativistas confirmam essa perspectiva em plataformas digitais de produção e divulgação de informações de promoção da diversidade sexual e de gênero e de luta contra a homofobia enquanto legado da colonização britânica e do neocolonialismo estadunidense – http://gal-dem.com/the-commonwealth-colonialism-and-the-legacy-of-homophobia/ .
  • O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2023
  • Aceito
    13 Mar 2024
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