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O Museu Paulista, Hermann von Ihering (1850-1930) e os ameríndios1 1 Este artigo resulta da minha pesquisa de pós-doutorado, realizada na Universidade de São Paulo (USP) e com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP): processo 2019 / 18641-9. Versões preliminares deste artigo foram apresentadas em diversas ocasiões em 2020: no congresso da European Association of Social Anthropologists (EASA), na Reunião Brasileira de Antropologia (RBA), e no congresso da Asociación Latinoamericana de Antropología (ALA). Agradeço às pessoas debatedoras nestes eventos, bem como às três pessoas pareceristas anônimas da Revista de Antropologia, cujos apontamentos em muito aperfeiçoaram este texto. Por fim, agradeço particularmente pelo apoio de Frederico Delgado Rosa, Marta Amoroso, Nelson Sanjad, Ricardo da Mata e Diego Grola. Sou especialmente grato a Héllen Bezerra, cujos estímulo e cuidado são sempre fundamentais.

The Museu Paulista, Hermann von Ihering (1850-1930) and the Amerindians

RESUMO

O artigo tem porobjetivo investigara importância da antropologia e da etnografiano Museu Paulista durante a gestão de Hermann von Ihering (1850 - 1930), entre 1894 e 1916. A partir do levantamento da história das aquisições de coleções etnográficas e antropológicas, da análise dos escritos de Ihering no âmbito das ciências do homem e do exame de fontes primárias salvaguardadas em arquivos da Alemanha e do Brasil, argumenta-se que é possível compreender o posicionamento político-científico de Ihering para com os povos indígenas do Brasil. Espera-se assim contribuir para o conhecimento de uma faceta pouco explorada da história do Museu Paulista, e, de forma mais abrangente, para a historiografia da antropologia e da ciência no país.

PALAVRAS-CHAVE:
Ameríndios; coleções etnográficas

ABSTRACT

The article presents the role of anthropology and ethnography at the Museu Paulista (Brazil) during the administration of Hermann von Ihering (1850-193), between 1894 and 1916. Based on an inventory of the history of the acquisition of ethnographic and anthropological collections, the analysis of Ihering’s writings in the scope of the sciences of man and the examination of primary sources preserved in archives in Germany and in Brazil, I argue that it is possible to understand Ihering’s political and scientific positioning towards Indigenous peoples of Brazil. Thus, the article seeks to contribute to the knowledge of an underexplored facet of the history of the Museu Paulista, and, in a more comprehensive way, to the historiography of anthropology and the history of science in Brazil.

KEYWORDS:
Amerindians; ethnographic collections; Hermann von Ihering; Museu Paulista

O padrão de poder fundado na colonialidade implicava também um padrão cognitivo, uma nova perspectiva de conhecimento, no interior da qual o não-europeu era passado e deste modo inferior, sempre primitivo.

Aníbal Quijano, 2000QUIJANO, Aníbal. 2000. “Colonidad del poder, eurocentrismo y América Latina”. In: LANDER, Edgardo (Org.). La colonidad del saber: eurocentrismo y ciências sociales. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, pp. 777-832.: 801

INTRODUÇÃO

Em um artigo publicado na edição inaugural da Revista do Museu Paulista, Hermann von Ihering (1850-1930), o primeiro diretor da instituição museal que abriga a publicação científica e também seu editor, narrou a pré-história e os eventos que imediatamente culminaram na fundação do “monumento do Ypiranga e do Museu Paulista” (Ihering, 1895aIHERING, Hermann. 1895a. História do Monumento do Ypiranga e do Museu Paulista. Revista do Museu Paulista, vol. 1.: 9), aberto ao público em 18952 2 Sobre a criação do Museu Paulista, verifique Alves (2001), Lopes (2009 [1997]), Meneses (1994) e Schwarcz (1993). . Ele contou, com certa aura mitológica, que a localização do edifício-monumento coincidia com o exato lugar em que em 7 de setembro de 1822 o Imperador Dom Pedro I bradara heroicamente a independência brasileira do jugo português. O Museu era simultaneamente memorial e instituição científica. Onde nascia a nação brasileira, nasceria também a ciência paulista, e, assim, no Museu Paulista unia-se ao passado glorioso o futuro promissor, à tradição respeitosa o pujante horizonte.

Proclama o decreto que regulamentou suas atividades e seus objetivos, que o Museu Paulista tinha como finalidades “a historia natural America do Sul e em particular do Brazil, cujas producções naturaes erá colligir, classificando-as pelos methodos mais acceitos nos musêus scientificos modernos e conservando-as, acompanhadas de indicações, quando possivel, explicativas, ao alcance dos entendidos e do publico” (Artigo 1º. Decreto n. 249, de 26 de julho de 1894. Assim, o Museu Paulista caracterizava-se pela mobilização de diversas disciplinas científicas, como a zoologia, a botânica e a geologia, para compreender a história natural sul-americana, o que lhe conferia, segundo a bibliografia, um caráter enciclopédico, quando consideradas outras áreas do conhecimento também presentes no Museu, como as ciências do homem, pois especializado em uma área geográfica, não em um determinado campo científico.3 3 Como afirmam, por exemplo, Meneses (1994), Schwarcz (1993), Lopes (2009 [1997]).

Dado o caráter do museu, marcado pela primazia das ciências naturais, Hermann von Ihering imprimiu à instituição um caráter personalista, que dizer, as características de pesquisa e exposição refletiam, de forma geral, a finalidade regulatória do Museu, mas também seus próprios interesses intelectuais, que se estendiam desde o estudo de invertebrados (notadamente os moluscos pela malacologia) e aves (ornitologia) no campo das ciências da natureza, a antropologia, etnografia e arqueologia. Isso revela, ao mesmo tempo, a generalidade e a singularidade do Museu Paulista na gestão do alemão: embora não fosse incomum que no final do século XIX diretores conduzissem as agendas científicas dos museus de acordo com suas próprias pesquisas, justamente isso criou distinções entre os museus. 4 4 Durante a gestão de Franciso Moreno (1852-1919), que se estendeu de 1884 a 1906, Museu La Plata era predominantemente antropológico (Podgorny e Lopes, 2008), o Museu Nacional de Buenos Aires era especializado em zoologia paleontológica durante os trinta anos seguintes a 1862 em que Hermann Burmeister (1807-92) esteve em sua direção (Lopes, 2001), enquanto o Museu paraense, quando dirigido por Goeldi, destacava-se pela faunística, considerando o interesse de seu diretor por taxonomia (Sanjad, 2005).

As atividades científicas nos campos da história natural foram as mais relevantes durante a gestão de Hermann von Ihering, que durou de 1894 a 1916, o que justifica que estas tenham recebido mais atenção pela historiografia da ciência, ao lado dos preceitos teóricos de seu diretor5 5 A carreira de Hermann von Ihering e a produção científica do museu foram bem analisadas por Ritz-Deutch (2015), Lopes e Podgorny (2014), Lopes e Figueirôa (2003) e Ferreira (2005, 2007; 2009). . No entanto, o artigo segundo do estatuto da instituição promulgava que o museu se dedicaria também “ao estudo do reino animal, de sua historia zoologica e da historia natural e cultural do homem” (Artigo 2º. Decreto n. 249, de 26 de julho de 1894), de modo a incentivar pesquisas em antropologia, etnografia e arqueologia, bem como a exposição de peças oriundas destes estudos. O presente artigo visa justamente explorar o papel desempenhado pela antropologia e pela etnografia no Museu Paulista e em sua revista durante o período formador da instituição, a saber, a gestão de Ihering, o que constitui ainda um tema algo negligenciado pela historiografia da disciplina. Os artigos publicados pelo diretor na Revista do Museu Paulista e as coleções etnográficas adquiridas durante sua gestão são objeto de investigação deste artigo, que se sustenta por uma leitura crítico-historiográfica de literatura primária e de fontes mantidas no Fundo Museu Paulista e nos arquivos da Philipps-Universität Marburg e do Museu de Antropologia de Berlim, ambos na Alemanha. Espera-se contribuir para a elucidação de uma faceta constituinte do programa científico do Museu Paulista e para o posicionamento político-intelectual de Ihering para com os povos indígenas e as disciplinas que lhes dedicam a atenção, e, em âmbito mais geral, para a historiografia da antropologia do Brasil.

Apesar do privilégio concedido à história natural, que se reflete em uma discrepância no balanço de publicações na Revista, em que botânica e zoologia reinavam, as ciências do homem ocuparam certo espaço institucional no Museu e na revista, e no prisma de relações sociais e intelectuais de seu diretor. Ihering era sócio de inúmeras sociedades científicas atuantes em campos aparentemente tão díspares como a Sociedade Geográfica de Bremen, a famosa Berliner Gesellschaft für Anthropologie, Ethnologie und Urgeschichte (“Sociedade Berlinense de Antropologia, Etnologia e Pré-História”) e a Sociedade Entomológica de Berlim (Ihering, 1894IHERING, Hermann. 1894. “O museu paulista no anno de 1894”. Fundo Museu Paulista.) - durante um período em que as filiações a instituições científicas mensuravam o prestígio e a capacidade de articulação político-institucional dos cientistas. Ihering assinou sete dos nove artigos que compuseram a primeira edição da Revista do Museu Paulista e um destes, “A Civilização prehistorica do Brazil meridional” (Ihering, 1895bIHERING, Hermann. 1895b. A Civilização prehistorica do Brazil meridional. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 1.) em que ele buscou delinear culturalmente os povos indígenas do sul do país, valendo-se de material arqueológico, fontes históricas e etnografias contemporâneas, foi “o estudo que mais attrahiu a atenção” (Ihering, 1897IHERING, Hermann. 1897. “O museu paulista no anno de 1897”. Fundo Museu Paulista.: 7). Estes dois exemplos - o da inserção de Ihering em sociedades científicas de diversos campos de pesquisa e o artigo sobre a pré-história do sul do Brasil - oriundos do período da fundação do Museu não almejam destronar as ciências da natureza, mas apontam para a inserção de Ihering em uma constelação científica mais ampla, com presença das ciências do homem. Embora Ihering tenha se inserido em uma enorme e complexa rede científica, composta por intelectuais de diversos campos de pesquisa e variadas matrizes teóricas, no que tange à museologia e à etnologia, seu diálogo ocorria sobretudo com os estudos museais desenvolvidos pelo norte-americano George Brown-Goode (1851-96) (Ihering, 1897IHERING, Hermann. 1897. “O museu paulista no anno de 1897”. Fundo Museu Paulista.: 5-7), e com a etnografia alemã, principalmente com as obras de Karl von den Steinen (1855-1929) e Paul Ehrenreich (1855-1914). 6 6 Sobre a inserção de Ihering nas ciências naturais alemãs cf. Lopes e Podgorny (2014) e o domínio alemão nas ciências brasileiras na virada do século, confira Sanjad (2005). Uma vez que na virada do século XIX ao XX, a etnologia indígena das terras baixas sul-americanas era predominantemente alemã (Petschelies, 2019PETSCHELIES, Erik. 2019. As Redes da Etnografia Alemã no Brasil (1884-1929). Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.), rastrear as influências dos etnólogos germânicos nas atividades científicas do Museu Paulista é uma maneira de iluminar aspectos obscuros do período de sua formação, considerando que a influência alemã mais bem analisada remete à gestão de Sério Buarque de Holanda, entre 1946 e 1956 (Françozo, 2005FRANÇOZO, Mariana. 2005. O Museu Paulista e a História da Antropologia no Brasil entre 1946 e 1956. Revista de Antropologia, vol. 48, n. 2: 585-612. DOI 10.1590/S0034-77012005000200006
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). Por fim, este artigo justifica-se na medida que as relações de Ihering com os povos indígenas inseriam-se em um contexto mais amplo de relações entre ameríndios e o Estado, ou, especialmente, entre ameríndios e certos setores da elite econômica e política paulista e sua análise pode iluminar aspectos da relação entre ciência e política.

HISTÓRIA NATURAL E OS ANTECENDENTES À GESTAO IHERING (1894-1916)

Hermann von Ihering nasceu em Kiel em 1850 e estudou medicina e ciências da natureza em Gieβen, Berlim, Leipzig e Göttingen. Na última universidade ele concluiu seu doutorado em 1876 em zoologia. Em seguida, ele trabalhou como Privatdozent, ou seja, como membro não efetivo de uma cátedra, nas universidades de Erlangen e Leipzig. Motivos pessoais e profissionais instigaram-no, todavia, a mudar-se para o Brasil em 1880, sobretudo seu casamento com uma mulher viúva e com filho foi desaprovado pelo pai, de modo a afastá-lo do círculo familiar. Além disso, havia um ambiente de competição e certa falta de perspectiva no cenário universitário alemão no âmbito das ciências naturais, que se reduzia a refutar ou ratificar as teorias do famoso zoólogo darwiniano Ernst Haeckel (1834-1919). Esses fatores pessoais uniram-se aos condicionantes sociais e políticos que, embora de ordens distintas e calcadas em processos políticos heterogêneos, encontraram abrigo no indivíduo. Porque se os sujeitos são constituídos pela constelação de suas relações, e se, portanto, os contextos são redes infinitas de relações em que os agentes causam impactos uns nos outros, então é na intimidade dos sujeitos para as quais os condicionantes externos confluem para se unir às motivações individuais. Assim, a América do Sul ofereceu um cenário interessante ao jovem Hermann von Ihering, dado o já estabelecido fluxo de migrações alemãs ao Brasil e o interesse de cientistas, notadamente naturalistas, pelo país.

No continente sul-americano, o Brasil, especialmente seu meridional, e a Argentina eram os principais destinos dos imigrantes alemães entre o fim do século XIX e o início do século XX (Schulze, 2015SCHULZE, Frederik. 2015. “Von verbrasilianisierten Deutschen und deutschen Brasilianern. ‘Deutschsein’ in Rio Grande do Sul, Brasilien, 1870-1945”. Geschichte und Gesellschaft , n. 2: 197-227. DOI 10.13109/gege.2015.41.2.197.
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). As primeiras levas migratórias eram constituídas por camponeses e trabalhadores braçais, em seguida profissionais liberais e pequenos burgueses migraram ao país, e então banqueiros e industriais instalaram-se aqui (Rinke, 2013RINKE, Stefan. 2013. “Alemanha e Brasil, 18701945: uma relação entre espaços”. História, Ciências, Saúde - Manguinhos , vol. 21, n. 1: 1-17. DOI 10.1590/S0104-59702014005000007
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). As relações internacionais entre o Brasil e o Império alemão fortaleceram-se: os alemães forneciam produtos industrializados e consumiam matéria-prima, frequentemente produzida por empresas alemãs, como, por exemplo, as exportadoras de borracha no norte brasileiro. Uma gama de negócios foi alvo de investimento alemão, de bancos a linhas telégrafas. Os emigrantes alemães, que em seu país natal eram denominados de Auslandsdeutsche (“alemães estrangeiros”), estavam inseridos cultural e politicamente na esfera social da Alemanha, por serem membros de uma comunidade cultural alemã (Kulturgemeinschaft) mais ampla e por serem juridicamente considerados cidadãos alemães (Reichsdeutsche), revelam Penny e Rinke (2015PENNY, H. Glenn; RINKE, Stefan. 2015. “Germans abroad. Respatializing Historical Narrative”. Geschichte und Gesellschaft, n. 2: 173-196. DOI 10.13109/gege.2015.41.2.173
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: 175). Assim, a imigração ao país no século XIX foi fundamental para compreender a reconfiguração da sociedade brasileira, pois ela solidificou o deslocamento de trabalhadores agrários para áreas consideradas estratégicas pelo Estado brasileiro, além de servir ideologicamente ao branqueamento da população brasileira e de propaganda para despertar o interesse de imigrantes europeus (Prado Júnior, 1945PRADO JUNIOR, Caio. 1981 [1945]. História econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense.; Schwarcz, 1993SCHWARCZ, Lilia Moritz. 1993. O Espetáculo das Raças. Cientistas, instituições e a questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras.).

Outro fluxo de pessoas germanoparlantes ocorreu por meio da ciência. No século XIX iniciou-se uma era de expedições científicas lideradas por naturalistas alemães pelo Brasil.7 7 Embora as expedições do famoso polímata Alexander von Humboldt (1769-1859) pela América do Sul, realizadas entre 1799 e 1804, não tenham incluído o Brasil, seu impacto intelectual entre cientistas europeus foi intenso e despertou não apenas a intenção de produzir conhecimento científico pelo método empírico e indutivo - além de fomentar a duradoura sede de aventuras - como também despertou o interesse pelo Brasil. De uma perspectiva política, o casamento de P. Pedro I (1798-1834) com a arquiduquesa austríaca Maria Leopoldina (1797-1826), da casa Habsburgo, foi fundamental, porque sua vinda ao Brasil permitiu o estabelecimento da primeira grande missão científica estrangeira pelo país, a saber, as viagens de Spix e Martius. Entre 1815 e 1817, o Príncipe Maximilian zu Wied-Neuwied viajou pela Mata Atlântica brasileira, Georg Wilhelm Freyreiss (1789-1825), realizou coletas ornitológicas, Johann Baptist von Spix (1871-1826) e Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) percorreram o nordeste e o norte brasileiros entre os anos de 1817 e 1820, Georg Heinrich von Langsdorff (1774-1852) viajou por Minas Gerais em 1824 e pela Amazônia entre 1826 e 1829 e Friedrich Sellow (1789-1831) coletou espécimes naturais no sul do país. Estes naturalistas enviaram mais de cem mil objetos naturais para a Alemanha e publicaram mais de 50 livros sobre o Brasil, e, além disso, realizaram observações etnográficas e antropológicas (Amoroso, 2014AMOROSO, Marta. 2014. Terra de Índio. Imagens em Aldeamentos do Império. São Paulo: Terceiro Nome.). Algumas décadas depois do período mais intenso de expedições científicas naturalistas alemãs, quando o trabalho de campo havia se tornado algo mais estacionário, o notório biólogo darwiniano Fritz Müller (1821-97) mudou-se definitivamente para o Brasil.

Hermann von Ihering estivera determinado a trocar a Europa pela América do Sul desde 1874, quando ele quase aceitou um cargo como professor de zoologia na Universidade de Córdoba, Argentina (Lopes e Podgorny, 2014LOPES, Maria Margaret; PODGORNY, Irina. 2014. Between seas and continents: aspects of the scientific career of Hermann von Ihering. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 21, n. 3: 809-826. DOI 10.1590/S0104-59702014000300002
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). Assim, considerando o impacto do Brasil na história das ciências naturais alemãs e as possibilidades profissionais, bem como a perspectivas de manutenção de certo estilo de vida, a escolha da emigração de Ihering não foi arbitrária. Embora motivada por questões pessoais, o caminho do naturalista alemão assentou-se em uma produção científica embasada historicamente e em um contexto político-social favorável. Na produção científica, ou ao menos em sua historiografia, escolhas estratégicas podem não resultar de questões pragmáticas focadas unicamente no próprio fazer científico, mas podem provir de um entrelaçamento de fatores, que se originam em relações sociais de natureza heterogênea. Livros, sonhos, metas, ambições, frustrações, constrangimentos: os motivos que originam a produção da ciência podem ser intersubjetivos. Nos três anos seguintes a 1880, quando Ihering migrou ao Rio Grande do Sul, ele trabalhou como médico e coletor privado, quando negociava espécimes com museus e ornitólogos europeus. Paralelamente ele desenvolvia seus próprios estudos em zoologia, paleozoologia e antropologia física e publicava periodicamente seus resultados em revistas científicas alemãs de prestígio e colaborava com revistas coloniais alemãs.8 8 Alguns exemplos são a Zeitschrift für wissenschaftliche Zoologie, Zeitschrift für Ethnologie e a revista da Königlichen Preussischen Akademie der Wissenschaften zu Berlin. As principais publicações coloniais eram Unsere Zeit, Deutsche Kolonialzeitung e Weltpost: Blätter für deutsche Auswanderung, Kolonisation und Weltverkehr (Nomura, 2012).

Ihering foi então contratado pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro para ocupar o cargo de naturalista-viajante, o que assegurou-lhe continuar seus estudos, formar suas coleções particulares e publicar artigos científicos em revistas alemãs, além de escrever sobre as colônias alemãs no Brasil.9 9 Um artigo seu (Ihering e Langhans, 1887) sobre as regiões coloniais alemãs no sul do país, é particularmente interessante, porque foi publicado em um periódico que continha conteúdo científico ao lado de relatos de viagens. Para a mesma edição Franz Boas contribuiu com dois artigos a etnografia da Columbia britânica e os Inuit (Boas, 1887a; 1887b) Ele permaneceu neste cargo de 1883 a 1891, e quando um novo regulamento foi promulgado pelo Museu Nacional, que exigia a assinatura do ponto de trabalho pelos naturalistas viajantes (Lopes, 1997), realocou-se para São Paulo.

A coleção particular do Coronel Joaquim Sertório (18??-1905), que era formada sobretudo por espécimes de ciências naturais, mas que também continha objetos etnográficos, arqueológicos, antropológicos e peças históricas, fora doada em 1890 pelo seu comprador F. de Paula Mayrink (1839-1906) ao governo do estado de São Paulo, junto com outra coleção, chamada “Pessanha”. A união de ambos os acervos originou o Museu do Estado e em 1892 esta instituição foi anexada à Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, cujo diretor, o geógrafo norte-americano Orville Derby (1851-1915), esboçou um planejamento museal, que continha seção zoológica, para cuja direção ele convidou Ihering. Este aceitou o convite e em agosto do ano seguinte a seção zoológica se tornava o Museu Paulista, e alguns meses depois, o cientista alemão, seu primeiro diretor (Figura 1).

Figura 1:
Hermann von Ihering em seu escritório, ano desconhecido, fotógrafo desconhecido.

CIÊNCIAS DO HOMEM

Em sua narrativa sobre a gênese do Museu Paulista, Ihering privilegiou enfatizar os eventos políticos, jurídicos e sociais que orbitaram em torno da instituição ao invés da sua história interna, isto é, de suas coleções e acervos. Isto deve-se certamente à sua intenção de assegurar e fundamentar sua posição administrativa por meio de um reconhecimento das instituições, ao mesmo tempo em que acenava agradecido para os poderes regionais. Dessa maneira, a história institucional, e algo apologética, de Ihering omitiu as particularidades da criação dos primeiros acervos do Museu Paulista.10 10 O descredenciamento das coleções existentes no museu não foi realizado apenas por Ihering. As coleções do Museu Paraense foram alvos, no mesmo período, de críticas por Goeldi (Sanjad, 2005). O acervo etnográfico do museu Sertório era composto, sobretudo, por artefatos Guarani, dentre eles flechas, redes de dormir e cestarias, totalizando 43 peças (Kok, 2018KOK, Maria da Glória Porto. 2018. As coleções etnográficas Guarani do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE/USP). São Paulo, Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo.). Ihering não apenas ampliava os acervos do Museu, mas colocava-o em um trânsito científico internacional, o que, por um lado, criava uma reputação para o museu sob sua liderança, e por outro, alavancava um aspecto fundamental de sua carreira científica, a saber, a de intelectual público, pois a notoriedade nacional e internacional do museu era diretamente consequência de suas ações.

No que diz respeito à relação entre antropologia e ciências da natureza no Museu Paulista durante a gestão Ihering, a literatura historiográfica apontou para uma suposta submissão da primeira às segundas, o que não constituiria surpresa, dada a natureza do museu. No entanto, pesquisas recentes revelam uma complexidade na articulação entre os campos científicos na construção do conhecimento pelo diretor alemão. Ferreira (2005FERREIRA, Lúcio Menezes. 2005. Arqueologia do Sul do Brasil e política colonial em Hermann von Ihering. Anos 90, vol. 12, n. 21 / 22: 415-426. DOI 10.22456/1983-201X.6380. .
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; 2007FERREIRA, Lúcio Menezes. 2007. Território Primitivo: A Institucionalização da Arqueologia no Brasil (1870-1917). Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.; 2009FERREIRA, Lúcio Menezes. 2009. Diálogos da arqueologia sul-americana: Hermann von Ihering, o Museu Paulista e os museus argentinos no final do século XIX e início do XX. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, n. 19: 63-78. DOI 10.11606/issn.2448-1750.revmae.2009.89875.
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) demonstrou que uma das facetas fundamentais de Ihering era a de arqueólogo. Na interpretação do pesquisador, Ihering havia angariado notoriedade internacional em campos além das ciências da natureza, o que pode ser constatado pelos debates em antropologia e arqueologia em que seu nome esteve indiretamente envolvido. É preciso, todavia, pontuar as distinções entre antropologia e etnologia, fundamentais na virada do século retrasado ao passado, o que impactou a produção científica no Museu. No contexto dos estudos das pesquisas de Ihering, a denominação antropologia denota antropologia física e não cultural. Os alemães da virada do século XIX ao XX que se dedicavam ao estudo da diversidade humana em cultura, religião, mitologia, organização social e linguagem, exerciam uma disciplina chamada em alemão de Völkerkunde, que pode ser compreendida como a ciência dedicada ao estudo dos povos (Vermeulen, 2015VERMEULEN, Han. 2015. Before Boas. The Genesis of Ethnography and Ethnology in the German Enlightenment. Lincoln e Londres: University of Nebraska Press.). No século XVIII alguns pensadores das ciências da vida, como o conde de Buffon, Georges-Louis Leclerc (1707-88) e Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840), começavam a dissertar sobre as assim chamadas raças humanas e a especular sobre a quantidade de suas origens. Zammito (2002ZAMMITO, John H. 2002. Kant, Herder and the Birth of Anthropology. Chicago e Londres: The University of Chicago Press.) afirma que pela articulação de uma constelação de saberes relativos ao conhecimento do homem - a psicologia fisiológica e a psicologia racional, o modelo biológico aplicado ao estudo das almas animais, o modelo conjuntural da teoria histórico-cultural e a literatura - a filosofia produziu um discurso propriamente antropológico. Assim, desde o século XIX a Anthropologie é compreendida como uma construção intelectual híbrida que se origina de diversas fontes, mas alinhada do ponto de vista metodológico e epistemológico às ciências naturais. Na época de Ihering, a Anthropologie dedicava-se sobretudo à pesquisa acerca da diversidade biológica da humanidade, ao se situar no cruzamento interdisciplinar de métodos e temas oriundos da anatomia humana, craniologia, antropometria, paleontologia, arqueologia, linguística, etnologia e história, o que culminaria, eventualmente, na fomentação de teorias raciais (Massin, 1996MASSIN, Benoit. 1996 “From Virchow to Fischer. Physical Anthropology and ‘Modern Race Theories’ in Wilhelmine Germany”. In: STOCKING JR., George (Org). Volksgeist as Method and Ethic. Essays on Boasian Ethnography and the German Anthropological Tradition. Madison: The University of Wisconsin Press, pp. 79-154.). O principal nome da etnologia, a Ethnologie, no Museu Imperial de Etnologia em Berlim (Königliches Museum für Völkerkunde) era Adolf Bastian (1826-1905), fundador do museu e criador da etnologia moderna na Alemanha. O maior especialista da Anthropologie era Rudolf Virchow (1821-1902), de quem, lembra Ferreira (2009FERREIRA, Lúcio Menezes. 2009. Diálogos da arqueologia sul-americana: Hermann von Ihering, o Museu Paulista e os museus argentinos no final do século XIX e início do XX. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, n. 19: 63-78. DOI 10.11606/issn.2448-1750.revmae.2009.89875.
https://doi.org/10.11606/issn.2448-1750....
), Ihering fora assistente.

Na Alemanha as três disciplinas - antropologia física, arqueologia e etnologia - eram autônomas, mas mantinham relações de colaboração e tensão.11 11 Isso pode ser averiguado nos trabalhos de Díaz de Acre (2005); Laukötter (2015) e Petschelies (2019). Ainda que muitos intelectuais alemães transitassem entre elas com mais frequência e intensidade, outros preferiam a sustentação mais circunscrita de suas atividades.12 12 Eduard Seler (1849-1922) era arqueólogo e linguista, tal como Konrad Theodor Preuss (1869-1948) e Walter Lehmann (1878-1939), Virchow foi atuante sobretudo em antropologia física e medicina, da mesma maneira que Eugen Fischer (1874-1967) e assim por adiante. Fischer, no entanto, entrelaçou sua prática científica com a ideologia nazista. Isso significa que as conexões entre estes ramos do saber eram profundamente transdisciplinares - pois abrangiam arranjos epistêmicos que se estendiam da medicina à historiografia - e muito dinâmicos, porque os pesquisadores eram capazes de mobilizar conceitos e buscar rearranjos disciplinares de acordo com os objetos de estudo. A introdução da antropologia entre as ciências naturais no Museu Paulista durante a gestão de Hermann von Ihering dever ser compreendida, portanto, neste interim. A antropologia praticada na época intencionava estudar os dispositivos corporais humanos, seus fenótipos, preferencialmente em âmbitos comparativos. O diálogo entre antropologia e etnologia buscava responder questões sobre a relação entre fenótipo e comportamento social, sobre a possibilidade de uma fisiologia adquirida se estender à aquisição de comportamento, sobre funções sociais inatas, em suma, acerca da relação entre o corpo biológico, a cultura e suas diferentes modulações. Ao acrescentar ao binômio antropologia física-etnologia a arqueologia pesquisadores tentavam compreender a relação entre o grau de desenvolvimento da cultura material e imaterial, entre tecnologias e organizações sociológicas, entre migrações e organização social, entre padrões sociais, distribuição geográfica e fenótipo, enfim, compreender de quais formas certos corpos encarnados em certas mentes sociais produziram certo tipo de artefato. O que se entende por submissão da antropologia às ciências da natureza no Museu Paulista precisa ser compreendido, portanto, como exclusivo ao método empregado, não à finalidade das pesquisas. Em outras palavras, as ciências da natureza forneciam o aparato epistêmico para a análise do real e os métodos para a tradução das observações em dados inteligíveis, sua análise e depois na redação científica. As ciências eram articuladas para a compreensão da realidade, para o que o método das ciências naturais era empregado. Ihering não intencionava estudar o gênero humano como partícipe da natureza, mas estudá-lo através de uma ciência dos homens dotada do método das ciências da natureza: observar, coletar, catalogar, analisar, comparar e, então, abstrair do material empírico asseverações pretensamente objetivas e de validade universal. E para compreender um representante específico do gênero humano - o homem americano - Ihering precisou ampliar seus métodos investigativos, acrescentando à antropologia, arqueologia, etnografia e historiografia. A conexão entre disciplinas científicas não era característica exclusiva da atuação científica de Ihering - não apenas entre cientistas naturais, mas entre etnólogos também havia polímatas, como Karl von den Steinen e Paul Ehrenreich - e isso revela que o diretor do Museu Paulista se preocupava mais com as ciências do homem, do que a literatura historiográfica costuma enfatizar, como revelam seus estudos em antropologia e etnografia.

No artigo publicado na edição inaugural da Revista do Museu Paulista (Ihering, 1895bIHERING, Hermann. 1895b. A Civilização prehistorica do Brazil meridional. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 1.) não confluem apenas os condicionantes históricos e sociológicos da produção científica e seus aspectos infraestruturais, como as coleções etnográficas; ele está em consonância com a abordagem múltipla do diretor, que, para compreender as culturas indígenas meridionais, uniu arqueologia, história indígena e etnologia. Ele afirma explicitamente que estas três disciplinas são “irmãs de igual dignidade e importância” no estudo dos “povos naturaes” (Ihering, 1895bIHERING, Hermann. 1895b. A Civilização prehistorica do Brazil meridional. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 1.: 33) - uma tradução literal do conceito de Naturvölker13 13 Grosseiramente, no pensamento antropológico alemão do século XIX, por povo natural não se entendia somente que determinado grupo social tivesse uma relação mais profunda com a natureza, mas que eles não dominavam tecnologia suficiente para submetê-la. De fato, para sua análise do estado cultural dos povos indígenas do sul do país, o naturalista consultou as análises linguísticas de Martius e as monografias etnológicas de Karl von den Steinen e Paul Ehrenreich, fontes historiográficas e relatos, bem como peças arqueológicas, como ferramentas e sambaquis. Ihering ainda se ocupou de descrições fenotípicas, dos quais intencionou depreender constatações morais e culturais, ensaiando uma análise de antropologia física, embora bastante superficial e pejorativa. As peças arqueológicas usadas no estudo foram guardadas por “colonos allemães” (Ihering, 1895bIHERING, Hermann. 1895b. A Civilização prehistorica do Brazil meridional. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 1.: 60) ou coletadas por ele mesmo e se encontram nos museus para os quais ele os enviou, como os de Berlim, Leiden, Rio de Janeiro ou ao próprio Museu Paulista. Com base na sistematização dos dados arqueológicos ele produziu uma análise da distribuição geográfica dos povos indígenas. Em suma, Ihering não apenas fomentou um profundo diálogo interdisciplinar, submetido a um amplo aparato epistemológico oriundo das ciências da natureza, como ele objetivou por meio de uma investigação empiricamente orientada a responder a grandes questões próprias do século XIX, como a “origem das culturas humanas” (Ihering, 1895bIHERING, Hermann. 1895b. A Civilização prehistorica do Brazil meridional. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 1.: 33). Isso revela que apesar da maior importância das ciências ao longo da gestão de Ihering, ele conhecia os principais debates da etnologia de sua época, para os quais buscou contribuir através dos recursos disponíveis, quais sejam, fontes, literatura científica e acervos etnográficos e arqueológicos.

A GESTÃO IHERING: ACERVOS ETNOGRÁFICOS E PESQUISAS ETNOLÓGICAS

Logo nos anos seguintes à abertura do museu, o acervo etnográfico foi ampliado pela aquisição de coleções ou mesmo de peças singulares, as quais visavam preencher lacunas, ou eram apenas doações feitas por cidadãos, como poderá ser verificado na tabela 1, mais adiante.14 14 Os detalhamentos das peças e das coleções adquiridas podem ser consultados em Ihering (1895b; 1897; 1898; 1900a; 1900b; 1902; 1904a; 1907a; 1914), Ihering, Hermann; Ihering, Rodolpho (1911), em Damy e Hartmann (1986), Dorta (1992) e Kok (2018). Assim, é necessário pontuar que este levantamento não foi suportado por documentação e catálogos guardados no Museu Paulista ou no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da Universidade de São Paulo, mas por fontes primárias inéditas ou impressas e suporte bibliográfico que visavam comunicar o estado dos acervos. Para uma história dos objetos e de suas classificações, seria necessário cruzar este levantamento com a sua documentação relativa nos arquivos das instituições. Portanto, mais do que revelar o acervo atual do MAE-USP, aqui pretende-se reconstruir o histórico de aquisições, entrelaçados com pessoas, coletores e cientistas, de acordo com as informações prestadas pelos próprios agentes. Em 1898 duas coleções foram adquiridas. Uma, formada por armas, vestimentas e utensílios dos índios Carijó, foi comprada pelo governo do estado por 2 contos de reis, e doada ao Museu Paulista. A segunda coleção era dos Karajá do rio Tocantins e foi comprada pelo Museu pelo mesmo valor.15 15 Os Karajá autodenominamse Iny e são falantes de uma língua do tronco Macro-Jê (Lima Filho, 1999). Ihering compactuava com as hipóteses de degeneração cultural e moral, largamente difundidas entre estudiosos, administradores e religiosos até o século

XX. Segundo o diretor, os Karajá outrora formavam um majestoso povo, mas agora viam-se “reduzidos a alguns grupos de miseráveis vagabundos ‘civilizados’” (Ihering, 1900: 2). Em 1902, onze objetos dos Kayapó do Araguaia, coletados pelo Frei Gil Vilanova, foram obtidos por permuta com o Museu Paraense Emílio Goeldi.16 16 Os Kayapó são um grupo de língua Jê, que se chamam a si mesmos Mebêngokre (Verswijver e Gordon, 2002). No ano seguinte, o Museu Paulista recebeu mais uma pequena doação: doze peças Bororo que foram coletadas e doadas por Benedito Álvares, além uma cabeça mumificada dos Jívaro.17 17 Os Bororo também pertencem ao tronco MacroJê e se autodenominam Boe (Serpa, 2001). Em 1904, mais algumas peças Guarani foram doadas ao Museu Paulista. Benedito Calixto (1853-1927), mais conhecido por ter sido autor das pinturas que retratam bandeirantes e que viriam a compor o acervo do Museu Paulista durante a gestão Taunay, doou 4 objetos dos Guarani ao Museu.

A partir dos primeiros anos do século XX, coleções etnográficas maiores e mais completas foram adquiridas. Em 1904, Ihering comprou de seu conterrâneo Hermann Hofbauer uma coleção de 140 peças dos Karajá de Goiás, incluindo armas, plumária e adornos corporais. “Uma valiosa collecção de objetos ethnographicos dos índios Coroados, Cayapós e Guaranys” foi comprada do cidadão Antonio Xavier de Gusmão (Ihering, 1907: 21).18 18 “Coroados” é uma denominação colonial atribuída a diversos grupos étnicos por causa de seus enfeites plumários.. Aliás, a aquisição de peças ou coleções de particulares, por doação ou compra, foi prática constante ao longo da gestão de Ihering. Assim, por exemplo, o cidadão Manoel Lopes de Oliveira doou um enfeite de lábio dos Kaiowá de São Paulo e o naturalista Ricardo Krone (1861-1917) escavou crânios humanos de sambaquis.19 19 Os Kaiowá são um subgrupo Guarani. Em 1904 o cidadão Jonas de Barros doou alguns objetos dos Xavante e, dois anos depois, o gerente da companhia Antarctica doou urnas com restos humanos. As estratégias de ampliação do acervo de etnografia e antropologia eram múltiplas: compra de peças para compor quadros, recebimento de doações de particulares ou da Comissão, e envio de pesquisadores a campo para formar coleções.

Os estudos etnológicos e antropológicos de Ihering ocorriam em consonância com sua atividade museológica. Em 1904 Ihering publicou um artigo em que para compor o quadro da posição etnológica dos grupos indígenas Guayanã e Kaingang em relação aos demais no estado de São Paulo, ele observou seu objeto de estudo a partir de vários pontos de vista científicos, a saber, os da etnologia, história, arqueologia, antropologia e linguística (Ihering, 1904bIHERING, Hermann. 1904b. Os Guayanãs e Caingang de S. Paulo”. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 6.). Ele conclui que os Guayanã eram falantes de uma língua pertencente ao tronco Macro-Jê, sendo assim ancestrais dos atuais Kaingang.20 20 A posição de Ihering insere-se em um debate historiográfico-etnológico específico, a saber, se os povos indígenas que habitavam o território correspondente à São Paulo eram Tupi ou Tapuia, ou seja, Tupi ou Jê. Ihering, Capistrano de Abreu e Theodoro Sampaio advogavam pela interpretação de que os Guayanã fossem Jê, Plínio Ayrosa, dentre outras pessoas, recusava-se a reconhecer que os primordiais habitantes de São Paulo fossem os terríveis e selvagens Tapuia, “uma ‘raça’ indígena desprezada pela ciência moderna e pelos defensores do progresso” (Monteiro, 2001: 180-181) e preferiram defender que os Guayaná eram os nobres Tupi. Ao procurar por um modelo sociológico mais amplo, em que seria possível determinar as relações intergrupais, Ihering demonstrou sua conexão com a etnologia indígena de língua alemã, especialmente a desenvolvida por Karl von den Steinen, que em suas duas obras monográficas investigou a posição dos Karib (von den Steinen, 1886VON DEN STEINEN, Karl. 1886. Durch CentralBrasilien. Expedition zur Erforschung des Schingú im Jahre 1884. Leipzig: F. A. Brockhaus.; 1894VON DEN STEINEN, Karl. 1894. Unter den Naturvölkern Zentral-Brasiliens. Reiseschilderung und Ergebnisse der zweiten Schingú-Expedition, 1887-1888. Berlin: Dietrich Reimer.).21 21 Tanto é que etnólogos alemães, como Paul Ehrenreich, são criticamente avaliados neste artigo (Ihering, 1904b). No âmbito da antropologia física, Ihering publicou um estudo sobre as cabeças mumificadas dos índios Munduruku, das quais o Museu Paulista possuía exemplares (Ihering, 1907cIHERING, Hermann. 1907c. As cabeças mumificadas pelos índios Mundurucús. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 7.).22 22 Os Munduruku, que falam uma língua pertencente a uma família homônima, autodenominam-se Wuyjuyu (Ramos, 2003). Como ocorria com suas investigações etnológicas que se apoiavam em material etnográfico, neste artigo, absolutamente baseado no material antropológico existente no Museu, o diretor apoiou-se em literatura dos diversos campos do conhecimento, para concluir que a mumificação de cabeças era a transformação do corpo humano em troféus de guerra.

Uma das coleções mais importantes, no que diz respeito à sua dimensão e às possibilidades de produção científica, era a coleção dos Coroados e dos Kaingang recolhida entre 1904 e 1906 pela Comissão Geográfica e Geológica do estado de São Paulo, “em sua exploração do sertão desconhecido, no Oeste do Estado de São Paulo” (Ihering e Ihering, 1911IHERING, Hermann; IHERING, Rodolpho. 1911. O museu paulista nos anos de 1906 a 1909. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 8.: 6).23 23 A Comissão Geográfica era concessora recorrente de objetos etnográficos. No ano anterior à doação de “1 collecção valiosa de objetos ethnographicos dos índios Coroados”, um pequeno acervo de arcos e flechas deste grupo indígena foi entregue ao Museu Paulista. (Ihering e; Ihering, 1911: 20). A exploração do sertão ocorria, na verdade, a serviço da elite financeira, que intencionava passar uma linha ferroviária pela região e que também buscava “pacificar” os índios da região. Nas palavras de Ferreira, 145 peças foram obtidas em um contexto de “guerra colonial” (Ferreira, 2007FERREIRA, Lúcio Menezes. 2007. Território Primitivo: A Institucionalização da Arqueologia no Brasil (1870-1917). Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas., p. 193). O autor aponta que apoiado por este material etnográfico, Ihering complementou um importante trabalho etnológico, a saber, “A Anthropologia do Estado de São Paulo” (1907bIHERING, Hermann. 1907b. A Anthropologia do Estado de São Paulo. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 7.), originalmente produzido em forma de comunicação para a Exposição Mundial de St. Louis, nos Estados Unidos, em 1904. Ele baseou-se em fontes documentais e no estudo arqueológico e etnográfico de peças existentes no próprio Museu Paulista. Neste artigo lê-se a polêmica orientação de Ihering para que os povos indígenas adversos ao assim chamado progresso - um eufemismo para roubo de terras indígenas, destruição da natureza e transformação dos índios em trabalhadores pobres - fossem exterminados pelo Estado:

Os actuaes índios do Estado de S. Paulo não representam um elemento de trabalho e de progresso. Como também nos outros Estados do Brazil, não se póde esperar trabalho sério e continuado dos índios civilizados e como os Caingang selvagens são um impecilio para a colonização das regiões do sertão que habitam, parece que não há outro meio, de que se possa lançar mão, senão o seu extermínio. (Ihering, 1907: 215)

A coleção dos Kaingang recebida pelo Museu Paulista advém precisamente do seu último rincão de resistência, o Oeste Paulista, onde os ameríndios tiveram suas terras invadidas em uma operação conjunta formada pelo governo do estado e por colonizadores que construiu uma ferrovia cortando o território Kaingang. Os ataques dos índios aos trabalhadores da empresa ferroviária motivaram von Ihering a declarar que eles deveriam ser eliminados. Ferreira (2007FERREIRA, Lúcio Menezes. 2007. Território Primitivo: A Institucionalização da Arqueologia no Brasil (1870-1917). Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.) acerta ao iluminar as sombras políticas do projeto intelectual do diretor, sobretudo no que diz respeito à sua política colonial. Ele pontua que a inclinação colonialista de Ihering deriva de uma sistematização arqueológica, linguística e antropológica que opunha povos Tupi e Jê, e que se estendia à distribuição geográfica destes povos pelo país. Ao reproduzir os estereótipos coloniais que atribuíam aos Jê inferioridade cultural e selvageria inata, Ihering concordaria com as expedições de punição aos Kaingang do sul do país e estimularia sua eliminação no Oeste Paulista, uma vez expressariam retribuições bélicas justas. À argumentação de Ferreira (2007FERREIRA, Lúcio Menezes. 2007. Território Primitivo: A Institucionalização da Arqueologia no Brasil (1870-1917). Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.) é preciso acrescentar, todavia, outro aspecto político, que se encaixa em uma moldura ideológica mais ampla. Da mesma maneira como o Museu Paulista procedia com diversas instituições brasileiras e estrangeiras, desde o Instituto Agronômico de Campinas ao Museu de Tókio - a saber, fornecendo análises, dados e informações, ou mesmo desenvolvendo pesquisas que visavam determinado fim, em suma, elaborando uma ciência ao mesmo tempo empírica e aplicada - Ihering supria as elites oligárquicas e políticas com as decisões científicas supostamente neutras e objetivamente constituídas. A política colonial de Ihering não era um fim em si mesma, mas uma ferramenta para antropologia aplicada, que ele pôde expor sustentada pela sua reputação como intelectual público, e que visava satisfazer ideologicamente as elites com um discurso cientificamente fundamentado. Assim, a coleção Kaingang e o artigo que ela fundamentou se situam no imbricamento entre a ideologia do Estado, dos interesses econômicos da elite oligárquica, dos interesses científicos e políticos de Ihering e de suas relações sociais com uma constelação de agentes. Em todo caso, além da coleção Kaingang, Walter Garbe (18?-19?), filho e auxiliar do naturalista-viajante Ernesto Garbe (1853-1925), formou uma pequena coleção entre os Botocudo do Espírito Santo.24 24 O interesse antropológico pelo Botocudo também decorre da construção colonial do binômio Tupi e Jê, a cujo tronco linguístico os Botocudo pertenciam. No século XIX, os Botocudo foram considerados por antropólogos como a população de tecnologia mais pobre da qual se tinha notícias, e tanto, sua pobre cultura material, quanto seu fenótipo foram largamente explorados por cientistas europeus. Não apenas o Príncipe WiedNeuwied despachou material humano para a Alemanha, mas etnólogos profissionais como Paul Ehrenreich fizeram o mesmo. Para uma apreciação da construção do imaginário europeu sobre os Botocudo, recomenda-se Vieira (2019). São 12 peças, como armas e flautas. Além da coleção etnográfica, ele também levou ao Museu Paulista um rico acervo fotográfico.

No relatório de atividades que compreende os anos de 1906 a 1909, Hermann e Rodolpho von Ihering (1911IHERING, Hermann; IHERING, Rodolpho. 1911. O museu paulista nos anos de 1906 a 1909. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 8.) citam os “visitantes ilustres” Franz Heger (1853-1931), chefe da seção de etnografia e antropologia do Museu de História Natural de Viena, na Áustria, que visitou o museu em 1907, e doou uma coleção etnográfica composta por 11 objetos dos Bororo e 42 dos povos indígenas dos rios Negro e Uaupés, sobretudo adornos, indumentárias e armas.25 25 Há aqui uma discrepância na documentação, pois de acordo com Damy e Hartmann trata-se de 20 peças do Rio Negro (1986: 226). Além destas, o Museu ainda adquiriu uma coleção feita pelo geólogo teuto-brasileiro José Bach dos povos indígenas dos rios Negro e Uaupés. As 206 peças dos Tukano constituíram um marco para o Museu, pois compreenderam sua primeira coleção sistemática, ou seja, buscou-se abranger com peças singulares a totalidade da produção material de certo grupo social, e assim representar fisicamente o que se imaginou ser uma cultura. Neste ano ainda, Heger transferiu onze peças dos Tukuna ao Museu.

Em 1908 o Museu Paulista angariou uma coleção dos Javaé, Karajá e Kayapó do Araguaia, composta por 214 peças, feita e vendida em 1908 por Franz Adam, que acompanhou o etnólogo alemão Fritz Krause (1881-1963) em sua expedição àquela região (Krause, 1911KRAUSE, Fritz. 1911. In den Wildnissen Brasiliens. Bericht und Ergebnisse der Leipziger Araguaya Expedition 1908. Leipzig: R. Voigtländers Verlag.).26 26 Aqui também há divergências. Seriam 118 objetos, segundo Damy e Hartmann (1986: 231). A caminho do Araguaia, Krause também passou por São Paulo, onde encontrou diversas vezes com Ihering para discutir questões científicas (Krause, 1911KRAUSE, Fritz. 1911. In den Wildnissen Brasiliens. Bericht und Ergebnisse der Leipziger Araguaya Expedition 1908. Leipzig: R. Voigtländers Verlag.). No ano seguinte, Adam formou outra coleção etnográfica: 77 peças Guarani do litoral de São Paulo, 58 dos Kayapó, e 38 dos Javaé.27 27 Os Javaé autodenominamse Itya Mahãdu e falam uma língua Karajá (Rodrigues, 2010). “Raridades” dos Guarani de Bananal também foram acrescentadas ao acervo etnográfico do Museu (Ihering e Ihering, 1911IHERING, Hermann; IHERING, Rodolpho. 1911. O museu paulista nos anos de 1906 a 1909. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 8.: 10).

No ano seguinte, Ihering adquiriu outra coleção Botocudo formada por Walter Garbe. Foram 59 peças, como armas, adornos e indumentárias. Apesar do tamanho modesto das coleções Botocudo, essas serviram de fundamento para mais um artigo etnográfico de Ihering, “Os Botocudos do Rio Doce” (Ihering, 1911aIHERING, Hermann. 1911a. Os Botocudo do Rio Doce. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 8.). Segundo o naturalista, o Museu Paulista tinha se empenhado na exploração científica da região do Rio Doce, particularmente no seu estudo zoológico e, dado que desde as pesquisas de Ehrenreich, vinte e cinco anos antes, não havia informações novas sobre este grupo, aproveitou-se para em 1906 coletar material etnográfico, ainda que não houvesse tido contato com os ameríndios. Três anos mais tarde, Garbe foi enviado ao Rio Doce com a tarefa de estudar os Botocudo, de modo a passar três meses na região. A etnografia de Ihering baseia-se, portanto, no relato de Garbe, o qual, por sua vez, obteve as informações pela observação etnográfica imediata ou por meio de informantes não-indígenas. Garbe levou consigo uma coleção fotográfica e o crânio de uma mulher de 22 anos que se afogou em um lago e que fora fotografada anteriormente. Assim, Ihering demonstra não apenas a conexão com a etnologia produzida em sua época, mas que metodologicamente era possível associar às ciências da natureza o estudo do homem, em especial a etnografia e a antropologia física. Decorrente desta dinâmica metodológica é a objetificação do corpo indígena, equiparado aos bens naturais de tal maneira, que possibilitou levar para o museu uma parte do corpo de uma pessoa, registrada imageticamente, como se se tratasse de um mero espécime. A violência física, psicológica e simbólica cometida por pesquisadores ligados a museus europeus em contextos coloniais, ainda que atenuada em face do contexto político e social brasileiro, foi transmitida e reproduzida em certas ocasiões de coleta de material etnográfico e antropológico, e os Kaingang e os Botocudo foram os principais alvos da ciência positivista e desumana.

No mesmo ano, o Museu Paulista ainda adquiriu outras duas coleções. Uma foi comprada por Ihering de seu conterrâneo Friedrich Mayntzhusen e era composta por 35 objetos dos Guayaki do Paraguai. A outra, formada por 42 peças dos Chamacoco do Chaco, foi vendida pelo botânico e etnógrafo Alberto Vojtěch Frič (18821944). Por fim, entre 1910 e 1912 o Museu recebeu uma coleção Nambiquara formada pela comissão Rondon: 31 peças, como armas e adornos corporais. Origina-se deste período também a declaração orgulhosa de Ihering acerca da contratação do etnólogo Curt Unkel (1883-1945), mais conhecido por Curt Nimuendajú, o qual “já por diversas vezes convivera com índios de nosso sertão e ao qual foram dadas no Museu as instruções para fazer observações ethnográphicas, tirar photographias, etc.” (Ihering e Ihering, 1911IHERING, Hermann; IHERING, Rodolpho. 1911. O museu paulista nos anos de 1906 a 1909. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 8.: 14). É notório que Ihering tenha se vangloriado de ter ensinado técnicas de observação etnográfica a Nimuendajú, já que ele mesmo nunca tenha realizado trabalho de campo etnológico.28 28 Pesquisas que revelam o caráter das instruções de Ihering a Nimuendajú são aguardadas pela historiografia da antropologia. Trata-se de referências bibliográficas ou Ihering estendeu as técnicas de observação zoogeográfica à etnografia? Ihering de fato auxiliou Nimuendajú ou sua observação é meramente discursiva? Com o intuito de criar coleções etnográficas, Nimuendajú visitou os índios Chavantes, Guató, Guarani e Terena (Ihering e Ihering, 1911IHERING, Hermann; IHERING, Rodolpho. 1911. O museu paulista nos anos de 1906 a 1909. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 8.: 16). Estas coleções, no entanto, nunca foram formadas. Em todo caso, trata-se da primeira contratação no Museu Paulista de uma pessoa cujo trabalho visava especificamente viajar para grupos indígenas e formar coleções etnográficas. A tabela a seguir resume a aquisição de peças e coleções durante a gestão Ihering. O acervo etnográfico durante a gestão do naturalista foi constituído por peças singulares, doações e coleções sistemáticas. Embora não houvesse nenhuma coleção especialmente volumosa, o acervo tinha, aproximadamente, 1200 peças. Estas provinham de mais de uma dúzia de grupos indígenas de várias partes do Brasil e de suas regiões fronteiriças, desde o sul do país, o estado de São Paulo ao Brasil Central e à bacia do Rio Negro. Embora boa parte do acervo fosse composta por arcos, flechas, instrumentos de sopro e enfeites plumários, as coleções despertavam o interesse de etnólogos estrangeiros. Vale frisar que às coleções etnográficas do Museu Paulista estendeu-se uma característica que já era válida para as coleções de história natural, a saber, uma disposição em adquirir peças ou coleções de cientistas de língua alemã.

Tabela 1
Objetos e coleções etnográficas adquiridas durante a gestão de Hermann von Ihering (1894 a 1916)

A QUESTÃO DOS ÍNDIOS NO BRASIL

Na década posterior à publicação do seu artigo sobre a antropologia do estado de São Paulo, Ihering ampliou o acervo etnológico do museu e criou métodos para aquisições de coleções etnográficas cada vez mais volumosas, e gradativamente montadas segundo parâmetros científicos. Em 1914, as coleções etnográficas e arqueológicas reservadas para estudo somavam mais de 3 mil peças (Ferreira, 2007FERREIRA, Lúcio Menezes. 2007. Território Primitivo: A Institucionalização da Arqueologia no Brasil (1870-1917). Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.). O Museu Paulista tornava-se referência para estudos antropológicos e etnológicos. Apesar da empreitada bem-sucedida, ele precisou defender-se das críticas, proferidas pela opinião pública e por sociedades literárias e científicas, às suas afirmações polêmicas contidas naquela publicação. De acordo com John Monteiro, no entanto, das suas posições depreende-se um quadro histórico que englobava de maneira mais ampla a relação do Estado com os povos indígenas (Monteiro, 2001MONTEIRO, John Manuel. 2001. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. Campinas, Tese de Livre-docência,. Universidade Estadual de Campinas.: 188). Ao defender o extermínio de determinada população ameríndia, Ihering advogava para uma punição correspondente ao ato, uma vez que os assaltos repetidos pelos Kaingang não eram criminalizados em decorrência de sua posição legal de índio bravo. Uma punição equivalente ao crime corresponderia a uma pedagogia moral que impediria a repetição das contravenções. Na prática isso se aplicaria apenas aos indígenas, é claro. De fato, Ihering condenava os massacres históricos sofridos pelos povos indígenas, equiparava-os, todavia, aos assaltos cometidos pelos índios em suas relações com os colonos, além de justificar a mortandade cometida pelos fazendeiros:

Sem duvida o ininterrupto extermínio dos Índios desde a descoberta é uma vergonha que se deveria varrer da historia nacional. Não se arrojem convicios e baldões aos que verificam e narram os factos, nem ainda mesmo contra os auctores dos crimes; mas censurem-se as actuaes auctoridades estadoaes que, admittindo o actual estado de anarchia, forçam os sertanejos a defender-se contra os assaltos e a punir os assaltantes. (Ihering, 1911IHERING, Hermann; IHERING, Rodolpho. 1911. O museu paulista nos anos de 1906 a 1909. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 8.: 135)

Neste ínterim, o posicionamento de Ihering acerca de outro episódio de violência extrema contra os Kaingang é revelador quanto ao entrelaçamento entre ciência e política em sua carreira. O botânico e etnógrafo tcheco Alberto Vojtĕch Frič (1882-1944) fora contratado em 1906 pelo Museu Real de Antropologia de Berlim para empreender uma expedição etnográfica nos Rios Araguaia e Tocantins. 29 29 “Eventual-Vertrag für den Explorador Albert Frič”, EM Bln, Acta Adalbert Frič. Para mais detalhes confira Penny (2003) e Petschelies (2019). No sul do Brasil, Frič coletou sambaquis e, após realizar uma expedição aos Kaingang, ele uniu-se a um grupo denominado “Liga” e principiou a lutar pelos povos indígenas. Com o intuito de desempenhar este papel, ele prescindiu da coleta de objetos etnográficos em favor da realização de expedições de “pacificação”, além de denunciar em jornais alemães e brasileiros os crimes cometidos por colonos alemães contra a população indígena.30 30 Relatório de 21.7.1906 assinado por Max Schmidt. Acta Adalbert Frič (Reise nach Südamerika), EM Bln; Penny, 2003. Os colonos alemães da cidade de Blumenau articularam-se sob a liderança do médico Dr. Gensch este mesmo etnógrafo amador - e revidaram as acusações em jornais locais. Eles também contataram o Museu de Antropologia de Berlim e acusaram Frič de ser um farsante, além de fazer reclamações formais à embaixada da Alemanha no Rio de Janeiro, as quais em virtude de sua repercussão, geraram o rompimento do contrato entre o museu e o etnógrafo.31 31 Ortsgruppe Blumenau des Alldeutschen Verbandes a Adolf Saeftel, 17.3.1907, Acta Adalbert Frič (Reise nach Südamerika), EM Bln; Penny, 2003. Em carta ao etnólogo Theodor Koch-Grünberg (1872-1924), Frič confessou que “teve um fiasco com as pacificações, pois os Blumenauenses me criaram enormes dificuldades e intrigas. Em Blumenau se quer massacrar todos os índios, mas isso eu não pude permitir”.32 32 “Mit gense Pacificações habe ich Fiasco gehabt, denn mir die Blumenauer riesige Schwierigkeiten und Intrigas gemacht haben [...]. In Blumenau will man alle [Indianer] schlachten und das wollte ich nicht erlauben [sic]”. Alberto Frič a Theodor Koch-Grünberg, 13.06.1907, ES Mr, A2. No Congresso de Americanistas de Viena em 1908, Frič repetiu as acusações de que colonos alemães e brasileiros caçavam e assassinavam brutalmenteindígenas no sul do Brasil.33 33 A relação entre povos indígenas e colonos alemães é bem analisada em Wittmann, 2007. Confira também Petschelies (2022). und das wollte ich nicht erlauben [sic]”. Alberto Frič a Theodor Koch-Grünberg, 13.06.1907, ES Mr, A2. Sua exposição causou tamanho tumulto, que vários de seus aspectos foram escrutinados em jornais de grande repercussão nas semanas seguintes. No Brasil, o affaire Frič, como foi chamado na época, foi incorporado a um debate público acerca da situação social e política dos indígenas, bem como necessidade de sua defesa frente à violência e à exploração. Um dos personagens envolvidos no drama era justamente Hermann von Ihering.34 34 Carl N. a Theodor Koch-Grünberg, 23.9.1907, ES Mr, A4, N; Penny, 2003.

Em carta a Theodor Koch-Grünberg, Ihering afirmou que “ouviu atônito sobre os ataques do Sr. Frič no Congresso dos Americanistas”. Torturas, massacres e escravidão, afima o naturalista, são “falsidades das quais nunca ouvimos falar nada aqui. É compreensível que Frič se deixe enganar com facilidade, mas não a apresentação delas numa reunião intelectual”.35 35 “[...] das sind doch alles Falschheiten von denen wir hier nie etwas gehört haben. Dass Frič sich mit Leichtigkeit Bären aufbinden liess, ist ja begreiflich, nicht aber die Ablieferung derselben an einer gelehrten Versammlung”. Hermann von Ihering a Koch-Grünberg, 24.10.1908, ES Mr, A4, H. Em um só movimento, Ihering tentou desconsiderar a narrativa de Frič e negligenciar a violência contra índios, o que, por sua vez, livrá-lo-ia de suas próprias responsabilidades no debate vigente.

As denúncias de Frič foram comentadas em artigo lançado em 1911, “A questão dos índios no Brazil” (Ihering, 1911bIHERING, Hermann. 1911b. A questão dos índios no Brazil. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 8.). Nelas “se leva muito além a exageração” e as situações descritas pelo etnógrafo tcheco “são fantasias ou mentiras de caçador, aceitas ingenuamente pelo viajante” (Ihering, 1911bIHERING, Hermann. 1911a. Os Botocudo do Rio Doce. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 8., p. 129-130). Este texto tem como propósito detalhar e fundamentar seu posicionamento político-científico perante os povos indígenas, que causaram indignação nas décadas anteriores. Para Ihering, as “raças indígenas” não seriam afeitas ao trabalho. Os brasileiros costumariam perdoar as atrocidades cometidas pelos índios e a “predilecção sentimental do brazileiro em favor dos índios é um escolho immenso a transpor” (Ihering, 1911bIHERING, Hermann. 1911a. Os Botocudo do Rio Doce. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 8.: 115). O suposto paternalismo da sociedade civil para com os índios causaria “perigo” à “marcha ascendente da nossa cultura” e seria preciso frear essa “anormalidade” (Ihering, 1911bIHERING, Hermann. 1911a. Os Botocudo do Rio Doce. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 8.: 115). Ihering, enaltecendo sua suposta posição de profundo conhecedor da história e do estado atual dos índios pôde recomendar objetivamente sua eliminação, pois não haveria possibilidade de convivência entre o Capital e os povos nativos, que seriam um empecilho para a gloriosa marcha do progresso. A indignação com seu conselho seria, portanto, típica do sentimentalismo em torno da defesa dos povos indígenas. Ihering critica a catequese e discorda do marechal Cândido Rondon (1865-1958) quanto ao caráter pacífico dos índios já aldeados. Na visão do zoólogo, o problema dos índios no Brasil não seria apenas a catequese ineficiente e a compaixão boba da sociedade civil que perdoa a violência cometida por índios, mas a fraqueza do Estado em não revidar na mesma proporção. Até mesmo uma interpretação ideológica dos efeitos da Lei de Terras de 1850 - que na prática permitiram o roubo sistemático de terras indígenas - Ihering atreveu-se a delinear no artigo: ela seria ineficaz, porque os índios venderiam suas terras, o que impediria a expansão da agricultura coordenada. Para ilustrar seu argumento da simpatia misericordiosa pelos índios com sua delinquência, Ihering enumera os registros históricos dos ataques cometidos pelo seu alvo privilegiado, os Kaingang. De acordo com John Monteiro (2001MONTEIRO, John Manuel. 2001. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. Campinas, Tese de Livre-docência,. Universidade Estadual de Campinas.: 189), a crítica ao “indigenismo humanitário” da população brasileira decorria da aplicação do naturalista do velho dualismo Tupi-Tapuia ao contexto contemporâneo. O confronto dos Kaingang com fazendeiros locais não ocorreria por causa da prática histórica de roubo de terras e extermínio das populações locais, por causa dos interesses econômicos e políticos da elite financeira e do empresariado, mas porque os fazendeiros, vítimas inocentes da fúria ameríndia, viveriam em um estado de calamidade desprovido de segurança estatal. Por isso, Ihering reafirmou seu argumento, de que se não fosse possível empreender um tratamento pacífico aos Kaingang nos arredores da construção da estrada de ferro no Oeste Paulista, seria necessário organizar bandeiras para aldeá-los. Os índios, afirmou Ihering no rastro de Varnhagen e Martius, desaparecerão absorvidos pela sociedade nacional e as políticas a seu favor nada mais são do que atos de humildade dos vencedores para com os vencidos.

Por fim, precisamente pela sua existência efêmera, Ihering reitera o interesse cientifico despertado pelos índios, cuja produção material foi fonte de coleta e estudo na Europa e no Brasil. Em suma, o artigo de 1911 ratificou o posicionamento político e científico de Ihering para com os índios: seus corpos e seus objetos são fontes fundamentais para a ciência positiva, que pela investigação pormenorizada seria capaz de oferecer uma contribuição à compreensão da espécie humana, mas eles em si seriam um empecilho para o progresso social, e deveriam, de uma maneira ou de outra, ser suprimidos.

CONCLUSÃO

Nos últimos anos da gestão Ihering não houve aquisições de coleções etnográficas ou antropológicas, e o diretor do Museu também não publicou nestas áreas do conhecimento. Embora tenha-se creditado à polêmica criada por Ihering a transformação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN) no Serviço de Proteção ao Índio (SPI), em 1918, autores como Ferreira (2007FERREIRA, Lúcio Menezes. 2007. Território Primitivo: A Institucionalização da Arqueologia no Brasil (1870-1917). Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.) alegam que um órgão de tamanha complexidade institucional dificilmente poderia ter sido erigido apenas em consequência das alegações de um intelectual público. Em todo caso, tanto a denúncia de Frič, quanto as recomendações genocidas de Ihering, endossaram um debate público sobre a violência e políticas indigenistas no Brasil, além de ofertar, de uma perspectiva historiográfica, um olhar para as relações entre ciência e política, e entre produção do conhecimento e ideologia no início do século XX.

O naturalista foi demitido de suas funções em agosto de 1916, e após retornar ao sul do Brasil, retornou definitivamente para a Alemanha em 1924. O motivo para sua demissão, que ocorreu após um longo processo de investigação empreendido por uma comissão, foram obscuridades administrativas, sobretudo no que diz respeito à organização da biblioteca. A comissão acusou o diretor de furtar livros que pertenceriam ao museu e de superfaturar preços de livros importados.36 36 Hermann von Ihering a Altino Arantes, 22 de abril de 1916, TCS-FMP. Este replicou que dado o caráter personalista do museu, muitos livros enviados ao museu eram na verdade oferecidos à sua pessoa, e que, por ter tido que exercer a função de bibliotecário durante mais de duas décadas, além de seus compromissos corriqueiros, uma biblioteca desordenada seria compreensível. Para Ihering, a comissão não procurava por irregularidades, mas por um motivo para sua demissão, decidida a priori. Nos círculos intelectuais noticiou-se seu desligamento como consequência das perseguições decorrentes do clima antigermânico instaurado no país na época da Primeira Guerra Mundial.37 37 Theodor Koch-Grünberg a Hermann Schmidt, 10.05.1917, ES Mr, A23, Sch. Segundo Brefe (2005BREFE, Ana Claudia Fonseca. 2005. O Museu Paulista. Affonso de Taunay e a memória nacional. São Paulo: Editora da UNESP.), a querela anti-indígena de Ihering não poderia ser desprezada na decisão que culminou em sua demissão. Mas no relatório da comissão investigativa as motivações são objetivamente colocadas e a referência à questão indígena feriria a imparcialidade jurídico-administrativa almejada pelo Estado. O fim da era Ihering representou uma mudança drástica na natureza do Museu Paulista, que sob direção de Taunay privilegiou a historiografia paulista. Embora Taunay tenha reposicionado o foco do museu, das ciências da natureza para a historiografia, ele fomentou as exposições etnográficas e regulamentou as competências da seção etnográfica (Brefe, 2005BREFE, Ana Claudia Fonseca. 2005. O Museu Paulista. Affonso de Taunay e a memória nacional. São Paulo: Editora da UNESP.).

Havia, no entanto, uma característica subjacente às duas propostas intelectuais que as unia, a saber, o dispositivo anti-indígena de seus diretores. Enquanto Ihering clamava pela necessidade de estudar os povos indígenas em sua frágil e débil existência, para cujo desaparecimento ele intencionou contribuir com seu suporte intelectual que se fundamentaria em uma análise científica objetiva e impessoal, Taunay glorificou estéticae intelectualmente aqueles que precisamente foram responsáveis por massacres e escravidão: os bandeirantes. John Monteiro apontou que coube aos intelectuais da Primeira República reposicionar São Paulo na historiografia do país, os quais, ao ocupar posições de produção do conhecimento subsidiados pelo Estado ou pela elite oligárquica, discutiam a origem dos povos indígenas, sua inserção no presente e suas possibilidades de futuro (Monteiro, 2001MONTEIRO, John Manuel. 2001. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. Campinas, Tese de Livre-docência,. Universidade Estadual de Campinas.: 192).

Mas Ihering não sabia da alteração do dispositivo ideológico promulgado pelas elites econômicas de São Paulo, que paulatinamente buscavam menos um aval científico para a violenta implementação de seus objetivos financeiros do que uma alteração metanarrativa da sua história com seus efeitos propagandísticos e simbólicos.

Apesar da transformação dos fenômenos simbólicos que se sustentam em uma estrutura de longa duração, a saber, a de enaltecimento da violência contra povos indígenas, o que representa uma continuidade microscópica do imperativo categórico imanente aos deveres cívico-ideológicos paulistas, o fim da gestão Ihering caracterizou também o encerramento da apreensão volátil das coleções etnográficas. Ihering distinguiu o tipo de coleta aplicado às ciências da natureza e à etnografia e história. Para as primeiras, coleta, classificação e análise rigorosa e sistemática, culminando em publicações na Revista do Museu e no exterior. As peças arqueológicas, etnográficas e históricas foram instrumentalizadas por Ihering, sendo assim, tinham importância científica, mas também simbólica. Primeiramente, elas foram adquiridas como dádivas - portanto, o diretor nomeava os benfeitores e buscava enaltecer os objetos, ainda que não fossem efetivamente de valor científico - rodas antigas, bolas de pedra ou arcos. Os objetos estavam inseridos em círculos de troca que pudessem ser manipulados para a manutenção de certos aspectos das relações sociais e das posições políticas. Outra forma de manipulação dos objetos era seu uso para a publicação de artigos, uma vez que Ihering não fazia trabalho de campo etnológico. Deste modo, os mesmos simples objetos, muitas vezes destituídos de seu contexto, foram inseridos em novas relações sociais, ressignificados, manipulados e instrumentalizados para a manutenção das redes sociais. Apenas após a virada do século Ihering adquiriu coleções mais volumosas e até mesmo sistemáticas e instaurou um processo de coleta fundamentado nas ciências da natureza - ou seja, na descrição e compreensão de dados de campo obtidos através do método empírico e indutivo de observação, e na subsequente predileção da realidade social suportada pela análise dos dados - o que ocorreu, por um lado, por conta das alterações nos condicionantes de possiblidade de existências de aquisição, por outro, porque ele notou que essa transformação dos condicionantes era de interesse do museu. A comprovação disso foi a contratação de Nimuendajú, pois pela primeira vez as coleções do museu não deveriam ser elaboradas por um cientista natural, mas por um sertanista, um etnógrafo em formação, um “amigo dos índios” (Ihering, 1911IHERING, Hermann; IHERING, Rodolpho. 1911. O museu paulista nos anos de 1906 a 1909. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 8.: 135) - o que não ocorreu naquele momento, mas estava no horizonte das possibilidades e no interior dos condicionantes sociais e lógicos, e, portanto, constituintes da construção da ciência.

Arquivos

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  • ZAMMITO, John H. 2002. Kant, Herder and the Birth of Anthropology. Chicago e Londres: The University of Chicago Press.
  • 1
    Este artigo resulta da minha pesquisa de pós-doutorado, realizada na Universidade de São Paulo (USP) e com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP): processo 2019 / 18641-9. Versões preliminares deste artigo foram apresentadas em diversas ocasiões em 2020: no congresso da European Association of Social Anthropologists (EASA), na Reunião Brasileira de Antropologia (RBA), e no congresso da Asociación Latinoamericana de Antropología (ALA). Agradeço às pessoas debatedoras nestes eventos, bem como às três pessoas pareceristas anônimas da Revista de Antropologia, cujos apontamentos em muito aperfeiçoaram este texto. Por fim, agradeço particularmente pelo apoio de Frederico Delgado Rosa, Marta Amoroso, Nelson Sanjad, Ricardo da Mata e Diego Grola. Sou especialmente grato a Héllen Bezerra, cujos estímulo e cuidado são sempre fundamentais.
  • 2
    Sobre a criação do Museu Paulista, verifique Alves (2001ALVES, Ana Maria de Alencar. 2001. O Ipiranga apropriado. Ciência, política e poder. O Museu Paulista, 1893-1922. São Paulo: Humanitas / FFLCH.), Lopes (2009 [1997]LOPES, Maria Margaret. 2009 [1997]. O Brasil descobre a Pesquisa Científica. Os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Hucitec.), Meneses (1994MENESES, Ulpiano T. Bezerra. 1994. “Museu Paulista”. Estudos Avançados, vol. 8, n. 22: 573-578. Disponível em Disponível em https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9759 . Acesso em 10 set 2022.
    https://www.revistas.usp.br/eav/article/...
    ) e Schwarcz (1993SCHWARCZ, Lilia Moritz. 1993. O Espetáculo das Raças. Cientistas, instituições e a questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras.).
  • 3
    Como afirmam, por exemplo, Meneses (1994MENESES, Ulpiano T. Bezerra. 1994. “Museu Paulista”. Estudos Avançados, vol. 8, n. 22: 573-578. Disponível em Disponível em https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9759 . Acesso em 10 set 2022.
    https://www.revistas.usp.br/eav/article/...
    ), Schwarcz (1993SCHWARCZ, Lilia Moritz. 1993. O Espetáculo das Raças. Cientistas, instituições e a questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras.), Lopes (2009 [1997]LOPES, Maria Margaret. 2009 [1997]. O Brasil descobre a Pesquisa Científica. Os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Hucitec.).
  • 4
    Durante a gestão de Franciso Moreno (1852-1919), que se estendeu de 1884 a 1906, Museu La Plata era predominantemente antropológico (Podgorny e Lopes, 2008PODGORNY, Irina; LOPES, Maria Margaret. 2008. El desierto es una vitrina. Museos e historia natural em la Argentina. México: Limusa, 2008.), o Museu Nacional de Buenos Aires era especializado em zoologia paleontológica durante os trinta anos seguintes a 1862 em que Hermann Burmeister (1807-92) esteve em sua direção (Lopes, 2001LOPES, Maria Margaret. 2001. A mesma fé e o mesmo empenho em suas missões científicas e civilizadoras: os museus brasileiros e argentinos do século XIX. Revista Brasileira de História, vol. 21, n. 41: 55-76. DOI 10.1590/S0102-01882001000200004
    https://doi.org/10.1590/S0102-0188200100...
    ), enquanto o Museu paraense, quando dirigido por Goeldi, destacava-se pela faunística, considerando o interesse de seu diretor por taxonomia (Sanjad, 2005SANJAD, Nelson. 2005. A Coruja de Minerva. O Museu Paraense entre o Império e a República, 1866-1907. Rio de Janeiro, Tese de Doutorado, Casa de Oswaldo Cruz - FIOCRUZ.).
  • 5
    A carreira de Hermann von Ihering e a produção científica do museu foram bem analisadas por Ritz-Deutch (2015RITZ-DETCH, Ute. 2015. “Hermann von Ihering: Shifting Realities of a German-Brazilian Scientist from the Late Empire to World War I”. German History, vol. 33, n. 3: 385-404. DOI 10.1093/gerhis/ghv086.
    https://doi.org/10.1093/gerhis/ghv086...
    ), Lopes e Podgorny (2014LOPES, Maria Margaret; PODGORNY, Irina. 2014. Between seas and continents: aspects of the scientific career of Hermann von Ihering. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 21, n. 3: 809-826. DOI 10.1590/S0104-59702014000300002
    https://doi.org/10.1590/S0104-5970201400...
    ), Lopes e Figueirôa (2003LOPES, Maria Margaret; FIGUEIRÔA, Silvia F. de M. 2003. A criação do Museu Paulista na correspondência de Hermann von Ihering (1850-1930). Anais do Museu Paulista, vol. 10, n. 1: 23-35. DOI 10.1590/S0101-47142003000100003
    https://doi.org/10.1590/S0101-4714200300...
    ) e Ferreira (2005FERREIRA, Lúcio Menezes. 2005. Arqueologia do Sul do Brasil e política colonial em Hermann von Ihering. Anos 90, vol. 12, n. 21 / 22: 415-426. DOI 10.22456/1983-201X.6380. .
    https://doi.org/10.22456/1983-201X.6380...
    , 2007FERREIRA, Lúcio Menezes. 2007. Território Primitivo: A Institucionalização da Arqueologia no Brasil (1870-1917). Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.; 2009FERREIRA, Lúcio Menezes. 2009. Diálogos da arqueologia sul-americana: Hermann von Ihering, o Museu Paulista e os museus argentinos no final do século XIX e início do XX. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, n. 19: 63-78. DOI 10.11606/issn.2448-1750.revmae.2009.89875.
    https://doi.org/10.11606/issn.2448-1750....
    ).
  • 6
    Sobre a inserção de Ihering nas ciências naturais alemãs cf. Lopes e Podgorny (2014LOPES, Maria Margaret; PODGORNY, Irina. 2014. Between seas and continents: aspects of the scientific career of Hermann von Ihering. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 21, n. 3: 809-826. DOI 10.1590/S0104-59702014000300002
    https://doi.org/10.1590/S0104-5970201400...
    ) e o domínio alemão nas ciências brasileiras na virada do século, confira Sanjad (2005SANJAD, Nelson. 2005. A Coruja de Minerva. O Museu Paraense entre o Império e a República, 1866-1907. Rio de Janeiro, Tese de Doutorado, Casa de Oswaldo Cruz - FIOCRUZ.).
  • 7
    Embora as expedições do famoso polímata Alexander von Humboldt (1769-1859) pela América do Sul, realizadas entre 1799 e 1804, não tenham incluído o Brasil, seu impacto intelectual entre cientistas europeus foi intenso e despertou não apenas a intenção de produzir conhecimento científico pelo método empírico e indutivo - além de fomentar a duradoura sede de aventuras - como também despertou o interesse pelo Brasil. De uma perspectiva política, o casamento de P. Pedro I (1798-1834) com a arquiduquesa austríaca Maria Leopoldina (1797-1826), da casa Habsburgo, foi fundamental, porque sua vinda ao Brasil permitiu o estabelecimento da primeira grande missão científica estrangeira pelo país, a saber, as viagens de Spix e Martius.
  • 8
    Alguns exemplos são a Zeitschrift für wissenschaftliche Zoologie, Zeitschrift für Ethnologie e a revista da Königlichen Preussischen Akademie der Wissenschaften zu Berlin. As principais publicações coloniais eram Unsere Zeit, Deutsche Kolonialzeitung e Weltpost: Blätter für deutsche Auswanderung, Kolonisation und Weltverkehr (Nomura, 2012NOMURA, Hitoshi. 2012. “Hermann von Ihering (1850-1930), o Naturalista”. Caderno de História da Ciência, vol. 8, n. 1: 9-50. DOI 10.47692/cadhistcienc.2012.v8.35820.
    https://doi.org/10.47692/cadhistcienc.20...
    ).
  • 9
    Um artigo seu (Ihering e Langhans, 1887IHERING, Hermann; LANGHANS, P.1887. “Das südliche Kolonialgebiet von Rio Grande do Sul”. Petermann’s Mittheilungen , vol. 3: 289-302.) sobre as regiões coloniais alemãs no sul do país, é particularmente interessante, porque foi publicado em um periódico que continha conteúdo científico ao lado de relatos de viagens. Para a mesma edição Franz Boas contribuiu com dois artigos a etnografia da Columbia britânica e os Inuit (Boas, 1887aBOAS, Franz. 1887a. Zur Etnographie British-Kolumbiens. Petermann’s Mittheilungen, vol. 3: 129-133.; 1887bBOAS, Franz. 1887b. Die religiösen Vorstellungen und einige Gebräuche der zentralen Eskimos. Petermann’s Mittheilungen , vol. 3: 302-316.)
  • 10
    O descredenciamento das coleções existentes no museu não foi realizado apenas por Ihering. As coleções do Museu Paraense foram alvos, no mesmo período, de críticas por Goeldi (Sanjad, 2005SANJAD, Nelson. 2005. A Coruja de Minerva. O Museu Paraense entre o Império e a República, 1866-1907. Rio de Janeiro, Tese de Doutorado, Casa de Oswaldo Cruz - FIOCRUZ.).
  • 11
    Isso pode ser averiguado nos trabalhos de Díaz de Acre (2005DÍAZ DE ACRE, Norbert. 2005. Plagiatsvorwurf und Denunziation. Untersuchungen zur Geschichte der Altamerikanistik in Berlin (1900-1945). Berlim, Tese de Doutorado, Universidade Livre de Berlim.); Laukötter (2015LAUKÖTTER, Anja. 2015. Von der ‘Kultur’ zur ‘Rasse’ - vom Objekt zum Körper? Völkerkundenmuseeen und ihre Wissenschaften zu Beginn des 20. Jahrhunderts. Bielefeld: transcript Verlag.) e Petschelies (2019PETSCHELIES, Erik. 2019. As Redes da Etnografia Alemã no Brasil (1884-1929). Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.).
  • 12
    Eduard Seler (1849-1922) era arqueólogo e linguista, tal como Konrad Theodor Preuss (1869-1948) e Walter Lehmann (1878-1939), Virchow foi atuante sobretudo em antropologia física e medicina, da mesma maneira que Eugen Fischer (1874-1967) e assim por adiante. Fischer, no entanto, entrelaçou sua prática científica com a ideologia nazista.
  • 13
    Grosseiramente, no pensamento antropológico alemão do século XIX, por povo natural não se entendia somente que determinado grupo social tivesse uma relação mais profunda com a natureza, mas que eles não dominavam tecnologia suficiente para submetê-la.
  • 14
    Os detalhamentos das peças e das coleções adquiridas podem ser consultados em Ihering (1895bIHERING, Hermann. 1895b. A Civilização prehistorica do Brazil meridional. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 1.; 1897IHERING, Hermann. 1897. O museu paulista no anno de 1896. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 2.; 1898; 1900aIHERING, Hermann. 1900a. “O museu paulista no anno de 1900”. Fundo Museu Paulista.; 1900bIHERING, Hermann. 1900b. O museu paulista no anno de 1898. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 4.; 1902IHERING, Hermann. 1902. O museu paulista em 1899 e 1900. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 5.; 1904aIHERING, Hermann. 1904a. O museu paulista em 1901 e 1902. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 6.; 1907aIHERING, Hermann. 1907a. O museu paulista nos anos de 1903 a 1905. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 7.; 1914IHERING, Hermann. 1914. “O museu paulista nos anos de 1910, 1911 e 1912”. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 9.), Ihering, Hermann; Ihering, Rodolpho (1911IHERING, Hermann; IHERING, Rodolpho. 1911. O museu paulista nos anos de 1906 a 1909. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 8.), em Damy e Hartmann (1986DAMY, Antônio Sérgio Azevedo; HARTMANN, Thekla. 1986. As coleções etnográficas do Museu Paulista: composição e história. Revista do Museu Paulista, Nova Série, XXXI: 220-272. Disponível em: Disponível em: http://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/biblio%3Adamy-1986-colecoes/Damy%26Hartmann_1986_AsColecoesEtnogrMuseuPaulista.pdf . Acesso em 10 set 2022.
    http://etnolinguistica.wdfiles.com/local...
    ), Dorta (1992DORTA, Sônia Ferraro. 1992. “Coleções Etnográficas: 1650-1955”. In: CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (Org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras / Secretaria Municipal de Cultura / Fapesp , pp. 501-528.) e Kok (2018KOK, Maria da Glória Porto. 2018. As coleções etnográficas Guarani do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE/USP). São Paulo, Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo.). Assim, é necessário pontuar que este levantamento não foi suportado por documentação e catálogos guardados no Museu Paulista ou no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da Universidade de São Paulo, mas por fontes primárias inéditas ou impressas e suporte bibliográfico que visavam comunicar o estado dos acervos. Para uma história dos objetos e de suas classificações, seria necessário cruzar este levantamento com a sua documentação relativa nos arquivos das instituições. Portanto, mais do que revelar o acervo atual do MAE-USP, aqui pretende-se reconstruir o histórico de aquisições, entrelaçados com pessoas, coletores e cientistas, de acordo com as informações prestadas pelos próprios agentes.
  • 15
    Os Karajá autodenominamse Iny e são falantes de uma língua do tronco Macro-Jê (Lima Filho, 1999LIMA FILHO, Manuel Ferreira. 1999. “Karajá”. Povos Indígenas do Brasil. Instituto Socioambiental. Disponível em: Disponível em: https://pib.socioambiental.org/ pt/Povo:Karaj%C3%A1 . Acesso em 7 abri 2022
    https://pib.socioambiental.org/ pt/Povo:...
    ).
  • 16
    Os Kayapó são um grupo de língua Jê, que se chamam a si mesmos Mebêngokre (Verswijver e Gordon, 2002VERSWIJVER, Gustaaf; GORDON, César. 2002. “Mebêngôkre (Kayapó)”. Povos Indígenas do Brasil. Instituto Socioambiental. Disponível em: Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Meb%C3%AAng%C3%B4kre_(Kayap%C3%B3) . Acesso em 7 abri 2022.
    https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:M...
    ).
  • 17
    Os Bororo também pertencem ao tronco MacroJê e se autodenominam Boe (Serpa, 2001SERPA, Paulo. 2001. “Bororo”. Povos Indígenas do Brasil. Instituto Socioambiental. Disponível em: Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Bororo . Acesso em 7 abri 2022.
    https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:B...
    ).
  • 18
    “Coroados” é uma denominação colonial atribuída a diversos grupos étnicos por causa de seus enfeites plumários..
  • 19
    Os Kaiowá são um subgrupo Guarani.
  • 20
    A posição de Ihering insere-se em um debate historiográfico-etnológico específico, a saber, se os povos indígenas que habitavam o território correspondente à São Paulo eram Tupi ou Tapuia, ou seja, Tupi ou Jê. Ihering, Capistrano de Abreu e Theodoro Sampaio advogavam pela interpretação de que os Guayanã fossem Jê, Plínio Ayrosa, dentre outras pessoas, recusava-se a reconhecer que os primordiais habitantes de São Paulo fossem os terríveis e selvagens Tapuia, “uma ‘raça’ indígena desprezada pela ciência moderna e pelos defensores do progresso” (Monteiro, 2001MONTEIRO, John Manuel. 2001. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. Campinas, Tese de Livre-docência,. Universidade Estadual de Campinas.: 180-181) e preferiram defender que os Guayaná eram os nobres Tupi.
  • 21
    Tanto é que etnólogos alemães, como Paul Ehrenreich, são criticamente avaliados neste artigo (Ihering, 1904bIHERING, Hermann. 1904b. Os Guayanãs e Caingang de S. Paulo”. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 6.).
  • 22
    Os Munduruku, que falam uma língua pertencente a uma família homônima, autodenominam-se Wuyjuyu (Ramos, 2003RAMOS, André. 2003. “Munduruku”. “. Povos Indígenas do Brasil. Instituto Socioambiental. Disponível em: Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Munduruku . Acesso em 7 abri 2022.
    https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:M...
    ).
  • 23
    A Comissão Geográfica era concessora recorrente de objetos etnográficos. No ano anterior à doação de “1 collecção valiosa de objetos ethnographicos dos índios Coroados”, um pequeno acervo de arcos e flechas deste grupo indígena foi entregue ao Museu Paulista. (Ihering e; Ihering, 1911IHERING, Hermann; IHERING, Rodolpho. 1911. O museu paulista nos anos de 1906 a 1909. Revista do Museu Paulista . São Paulo, vol. 8.: 20).
  • 24
    O interesse antropológico pelo Botocudo também decorre da construção colonial do binômio Tupi e Jê, a cujo tronco linguístico os Botocudo pertenciam. No século XIX, os Botocudo foram considerados por antropólogos como a população de tecnologia mais pobre da qual se tinha notícias, e tanto, sua pobre cultura material, quanto seu fenótipo foram largamente explorados por cientistas europeus. Não apenas o Príncipe WiedNeuwied despachou material humano para a Alemanha, mas etnólogos profissionais como Paul Ehrenreich fizeram o mesmo. Para uma apreciação da construção do imaginário europeu sobre os Botocudo, recomenda-se Vieira (2019VIEIRA, Marina Cavalcanti. 2019. Figurações Primitivistas: Trânsitos do Exótico entre Museus, Cinema e Zoológicos Humanos. Rio de Janeiro, Tese de Doutorado, Universidade Estadual do Rio de Janeiro.).
  • 25
    Há aqui uma discrepância na documentação, pois de acordo com Damy e Hartmann trata-se de 20 peças do Rio Negro (1986: 226).
  • 26
    Aqui também há divergências. Seriam 118 objetos, segundo Damy e Hartmann (1986DAMY, Antônio Sérgio Azevedo; HARTMANN, Thekla. 1986. As coleções etnográficas do Museu Paulista: composição e história. Revista do Museu Paulista, Nova Série, XXXI: 220-272. Disponível em: Disponível em: http://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/biblio%3Adamy-1986-colecoes/Damy%26Hartmann_1986_AsColecoesEtnogrMuseuPaulista.pdf . Acesso em 10 set 2022.
    http://etnolinguistica.wdfiles.com/local...
    : 231).
  • 27
    Os Javaé autodenominamse Itya Mahãdu e falam uma língua Karajá (Rodrigues, 2010RODRIGUES, Patrícia de Mendonça. “Javaé”. Povos Indígenas do Brasil. Instituto Socioambiental. São Paulo, março de 2010. Disponível em: Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Java%C3%A9 . Acesso em 7 abri 2022.
    https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:J...
    ).
  • 28
    Pesquisas que revelam o caráter das instruções de Ihering a Nimuendajú são aguardadas pela historiografia da antropologia. Trata-se de referências bibliográficas ou Ihering estendeu as técnicas de observação zoogeográfica à etnografia? Ihering de fato auxiliou Nimuendajú ou sua observação é meramente discursiva?
  • 29
    “Eventual-Vertrag für den Explorador Albert Frič”, EM Bln, Acta Adalbert Frič. Para mais detalhes confira Penny (2003PENNY, H. Glenn. 2003. “The Politics of Anthropology in the Age of Empire: German Colonists, Brazilian Indians and the Case of Alberto Vojtěch Frič”. Society for comparative study of society and history, vol. 45, n. 2: 249-280. DOI 10.1017/ S0010417503000136
    https://doi.org/10.1017/ S00104175030001...
    ) e Petschelies (2019PETSCHELIES, Erik. 2019. As Redes da Etnografia Alemã no Brasil (1884-1929). Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.).
  • 30
    Relatório de 21.7.1906 assinado por Max Schmidt. Acta Adalbert Frič (Reise nach Südamerika), EM Bln; Penny, 2003PENNY, H. Glenn. 2003. “The Politics of Anthropology in the Age of Empire: German Colonists, Brazilian Indians and the Case of Alberto Vojtěch Frič”. Society for comparative study of society and history, vol. 45, n. 2: 249-280. DOI 10.1017/ S0010417503000136
    https://doi.org/10.1017/ S00104175030001...
    .
  • 31
    Ortsgruppe Blumenau des Alldeutschen Verbandes a Adolf Saeftel, 17.3.1907, Acta Adalbert Frič (Reise nach Südamerika), EM Bln; Penny, 2003PENNY, H. Glenn. 2003. “The Politics of Anthropology in the Age of Empire: German Colonists, Brazilian Indians and the Case of Alberto Vojtěch Frič”. Society for comparative study of society and history, vol. 45, n. 2: 249-280. DOI 10.1017/ S0010417503000136
    https://doi.org/10.1017/ S00104175030001...
    .
  • 32
    “Mit gense Pacificações habe ich Fiasco gehabt, denn mir die Blumenauer riesige Schwierigkeiten und Intrigas gemacht haben [...]. In Blumenau will man alle [Indianer] schlachten und das wollte ich nicht erlauben [sic]”. Alberto Frič a Theodor Koch-Grünberg, 13.06.1907, ES Mr, A2.
  • 33
    A relação entre povos indígenas e colonos alemães é bem analisada em Wittmann, 2007WITTMANN, Luísa Tombini. 2007. O Vapor e o botoque: Imigrantes alemães e índios Xokleng no Vale do Itajaí/SC (1850 - 1926). Florianópolis: Letras Contemporâneas.. Confira também Petschelies (2022PETSCHELIES, Erik. 2022. The Trials of Maria: Deforestation and Genocide in Southern Brazil. Unsettling Utopia: Southern Brazil. Disponível em: https://www.hkw.de/media/texte/pdf/2022_2/programm_2022/alanis_obomsawin_1/the_trials_of_maria_by_erik_petschelies.pdf.
    https://www.hkw.de/media/texte/pdf/2022_...
    ). und das wollte ich nicht erlauben [sic]”. Alberto Frič a Theodor Koch-Grünberg, 13.06.1907, ES Mr, A2.
  • 34
    Carl N. a Theodor Koch-Grünberg, 23.9.1907, ES Mr, A4, N; Penny, 2003PENNY, H. Glenn. 2003. “The Politics of Anthropology in the Age of Empire: German Colonists, Brazilian Indians and the Case of Alberto Vojtěch Frič”. Society for comparative study of society and history, vol. 45, n. 2: 249-280. DOI 10.1017/ S0010417503000136
    https://doi.org/10.1017/ S00104175030001...
    .
  • 35
    “[...] das sind doch alles Falschheiten von denen wir hier nie etwas gehört haben. Dass Frič sich mit Leichtigkeit Bären aufbinden liess, ist ja begreiflich, nicht aber die Ablieferung derselben an einer gelehrten Versammlung”. Hermann von Ihering a Koch-Grünberg, 24.10.1908, ES Mr, A4, H.
  • 36
    Hermann von Ihering a Altino Arantes, 22 de abril de 1916, TCS-FMP.
  • 37
    Theodor Koch-Grünberg a Hermann Schmidt, 10.05.1917, ES Mr, A23, Sch.
  • CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA:

    Não se aplica
  • FINANCIAMENTO:

    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP): processo 2019 / 18641-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2021
  • Aceito
    20 Jun 2022
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