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A Nova Advocacia Pós-profissional e a Modernização das Grandes Sociedades de Advocacia Empresarial Brasileiras

The New Post-Professional Advocacy and Modernization of Major Brazilian Law Firms

Resumos

As mudanças socioeconômicas que ensejaram formas de organização do trabalho mais flexíveis também atingiram os sistemas profissionais, inaugurando a fase do pós-profissionalismo, representada pela adoção de uma lógica orientada para o mercado. O objetivo deste trabalho é compreender e analisar essas transformações na advocacia brasileira a partir de uma pesquisa qualitativa. Foram entrevistados 22 profissionais ligados a seis dos mais importantes escritórios de advocacia do país. Para a análise dos dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo temática. Os resultados indicam que os escritórios estão passando por um processo de incorporação de práticas gerenciais típicas de empresas capitalistas que competem no mercado: hierarquia flexível, equipes multidisciplinares e células de trabalho especializadas. Além disso, os profissionais da área estão adotando uma lógica empresarial. Concluiu-se que os grandes escritórios de advocacia estão começando a vivenciar, mais fortemente, uma ruptura com os valores tradicionais da profissão, embora antigas práticas ainda façam parte do cotidiano dessas organizações.

profissionalismo; pós-profissionalismo; advocacia


Socioeconomic changes that gave rise to flexible forms of job organization also changed Professional Systems, initiating the phase of post-professionalism, represented by the adoption of a market-oriented logic. The aim of this paper is to understand and analyze these changes in Brazilian law firms using a qualitative research. We interviewed twenty-two professionals engaged in six major law firms in the country. For data analysis we used the thematic content analysis technique. The results indicate that the offices are undergoing a process of incorporating management practices of capitalist enterprises that compete in the market: flexible hierarchy, multidisciplinary teams, job cells and specialized professionals are adopting a business logic. We conclude that large law firms are increasingly beginning to experience a break with the traditional values of the profession, although old practices are still part of these organizations' daily lives.

professionalism; post-professionalism; advocacy


Introdução

As profissões tradicionais (p. ex. advocacia) têm sido afetadas, significativamente, por mudanças que ocorreram nas últimas décadas. Novas tecnologias da informação, desregulamentação de mercados, acesso a informações e internacionalização dos negócios, impuseram desafios à legitimidade, posição e poder dessas profissões, levantando questões sobre como elas se organizariam, na prestação de seus serviços, diante do novo cenário (Greenwood & Lachman, 1996Greenwood, R., & Lachman, R. (1996). Change as an underlying theme in professional service organizations: an introduction. Organization Studies, 17(4), 563-572. doi: 10.1177/017084069601700401; Morgan & Quack, 2005)Morgan, G., & Quack, S. (2005). Institutional legacies and firm dynamics: the growth and internationalization of UK and German law firms. Organization Studies, 26(12), 1765-1785. doi: 10.1177/0170840605059156. Organizada e estabelecida como profissão moderna (Larson, 1977)Larson, M. (1977). The rise of professionalism: a sociological analysis. Berkeley: University of California Press., durante o século XIX, a advocacia busca estabelecer seu espaço social de influência ao alinhar o ethos da atividade ao modelo do profissionalismo que, como forma de organização do trabalho, está assentado no ideário da neutralidade afetiva, em relação às outras instâncias de poder na sociedade, e da ciência, pela produção de conhecimento específico (Freidson, 2001)Freidson, E. (2001). Professionalism: the third logic. Cambridge: Polity Press..

As profissões ligadas ao Direito, reconhecidamente conservadoras quanto ao conteúdo de seu discurso profissional, bem como quanto à organização de seu trabalho e sua autoimagem social, não ficaram imunes à onda de mudanças (Hapner, 2002Hapner, P. A. M. (2002). O estado organizacional dos grandes escritórios de advocacia do Brasil: dois estudos de caso (Dissertação de mestrado). Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.). A profissão da advocacia, em sua vertente privada e empresarial, vem sofrendo os maiores impactos (ver Briscoe & Tsai, 2011Briscoe, F., & Tsai, W. (2011). Overcoming relational inertia: how organizational members respond to acquisition events in a law firm. Administrative Science Quarterly, 56(3), 408-440. doi: 10.1177/0001839211432540; Brock, 2008)Brock, D. M. (2008). The reconstructed professional firm: a reappraisal of Ackroyd and Muzio (2007). Organization Studies, 29(01), 145-149. doi: 10.1177/0170840607086632. Sua natural orientação externa, devido ao relacionamento como representante legal de pessoas físicas e jurídicas, fez com que ela fosse atingida em primeiro lugar por tais mudanças e iniciasse seu processo de adaptação (Gray, 1999)Gray, J. (1999). Reestructuring law firms: reflexitivity and emerging forms. In D. Brock, M. Powell, & C. H. Hinings (Eds.), Reestructuring professional organization: accounting, healthcare and law (pp. 87-104). London: Routledge..

No Brasil, a adoção de formatos organizacionais – influenciados por seus congêneres norte-americanos e ingleses – como resposta à crescente demanda por serviços cada vez mais especializados e por uma clientela corporativa globalizada (Hapner, 2002Hapner, P. A. M. (2002). O estado organizacional dos grandes escritórios de advocacia do Brasil: dois estudos de caso (Dissertação de mestrado). Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.) desenha uma nova realidade para os advogados privados atuantes no ramo empresarial. O fortalecimento do peso de uma clientela empresarial rentável e a crescente influência política e econômica das sociedades de advogados trazem não só mudanças na organização do trabalho, mas também na sua própria estratificação (clientela empresarial e clientela individual) e internamente às relações de trabalho (sócios-proprietários e os não sócios: associados e empregados) (Picolomini & Wolthers, 2002Picolomini, A. J. P., & Wolthers, C. B. (2002). Sociedade de advogados e advogados que as integram: distinções e interações. In S. Ferraz (Ed.), Sociedade de advogados (Vol. 1, Cap. 4, pp. 62-76). São Paulo: Malheiros.). Como já antecipavam Greenwood e Lanchman (1996), a América Latina, China, Índia e o Leste Europeu apresentam-se como mercados em desenvolvimento, nos quais as empresas de serviços profissionais deverão direcionar esforços para prospecção de clientes, ajustando sua forma de organização a um ambiente competitivo internacional.

Independentemente do país, tem-se, portanto, uma mudança de caráter institucional no campo de atuação dos grandes escritórios de advocacia, que são direcionados para o modelo de organização que mais se aproxima da forma de funcionamento das corporações capitalistas (D. J. Cooper, Hinings, Greenwood, & Brown, 1996Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404; Empson, Cleaver, & Allen, 2013Empson, L., Cleaver, I., & Allen, J. (2013). Managing partners and management professionals: institutional work dyads in professional partnerships. Journal of Management Studies, 50(5), 808-844. doi: 10.1111/joms.12025; Lawrence, Malhotra, & Morris, 2012Lawrence, T. B., Malhotra, N., & Morris, T. (2012). Episodic and systemic power in the transformation of professional service firms. Journal of Management Studies, 49(1), 102-143. doi: 10.1111/j.1467-6486.2011.01031.x). Considerando sua importância na sociedade e as transformações pelas quais estão passando, as organizações de serviços profissionais têm atraído cada vez mais a atenção dos teóricos organizacionais (Greenwood, Li, Prakash, & Deephouse, 2005Greenwood, R., Li, S. X., Prakash, R., & Deephouse, D. L. (2005). Reputation, diversification, and organizational explanations of performance in professional service firms. Organization Science, 16(6), 661-673. doi: 10.1287/orsc.1050.0159).

Dessa forma, o objetivo deste artigo é analisar os impactos das recentes transformações sobre a profissão de advocacia privada, bem como as mudanças ocorridas na forma de organização do trabalho das grandes sociedades. No tópico seguinte, apresenta-se o referencial teórico, no qual se aborda as mudanças gerais de organização do trabalho, que serviram de contexto para o surgimento da advocacia pós-profissional, bem como destaca-se as peculiaridades dessas organizações no cenário brasileiro. Posteriormente, a metodologia, que se caracterizou por uma pesquisa qualitativa com entrevistas em profundidade com profissionais do direito dos maiores escritórios de advocacia do Brasil, é apresentada. Em seguida, são os resultados da pesquisa, mostrando as diferentes implicações práticas das mudanças ocorridas no ambiente institucional dos escritórios de advocacia. Depois, discute-se a respeito das principais mudanças e impactos gerados pela adoção de práticas gerenciais típicas das empresas privadas capitalistas. E, por fim, são feitas as considerações finais.

Referencial Teórico

O profissionalismo

Com o questionamento do modo de produção fordista, inicia-se um período caracterizado pela flexibilidade organizacional. Para Bauman (2000)Bauman, Z. (2000). Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora., as tradicionais estruturas, instituições e as mentalidades subjacentes às relações humanas, que anteriormente estavam solidificadas em práticas, valores e crenças, agora se desfazem e passam a adotar múltiplas configurações em meio a uma modernidade líquida. A ideia da liquefação está ligada ao fato de que as organizações sociais, que limitam escolhas e padrões de comportamento, não mais conseguem manter sua forma por longos períodos, pois não resistem às pressões dos mercados e moldam-se continuamente aos contextos relativamente imprevisíveis (Bauman, 2000Bauman, Z. (2000). Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.).

Para fazer frente aos mercados mutantes, as organizações adotam novas estruturas redefinidas horizontalmente e dispostas em redes interdependentes. As mudanças socioeconômicas também influenciam outras formas de organização do trabalho, tipicamente estabelecidas no período moderno e, desde então, firmemente solidificadas. Esse é o caso do profissionalismo – seja na área de medicina (Adler & Kwon, 2013), consultoria (Kipping & Kirkpatrick, 2013)Kipping, M., & Kirkpatrick, I. (2013). Alternative pathways of change in professional service firms: the case of management consulting. Journal of Management Studies, 50(5), 777-807. doi: 10.1111/joms.12004 contabilidade (Malsch & Gendron, 2013)Malsch, B., & Gendron, Y. (2013). Re-theorizing change: institutional experimentation and the struggle for domination in the field of public accounting. Journal of Management Studies, 50(5), 870-899. doi: 10.1111/joms.12006 ou advocacia (Empson et al., 2013)Empson, L., Cleaver, I., & Allen, J. (2013). Managing partners and management professionals: institutional work dyads in professional partnerships. Journal of Management Studies, 50(5), 808-844. doi: 10.1111/joms.12025, que tem suas bases de sustentação sociais e políticas enfraquecidas nesse novo contexto (Kritzer, 1999)Kritzer, H. M. (1999). The professions are dead, long live the professionals: legal practice in a postprofessional world. Law and Society Review, 3(3), 713-759. doi: 10.2307/3115110. Com efeito, nas últimas duas décadas, as organizações de serviços profissionais têm migrado do modelo de gestão tradicional, que por muito tempo dominou o profissionalismo, para um formato de gestão baseado na noção de negócio (Lawrence et al., 2012)Lawrence, T. B., Malhotra, N., & Morris, T. (2012). Episodic and systemic power in the transformation of professional service firms. Journal of Management Studies, 49(1), 102-143. doi: 10.1111/j.1467-6486.2011.01031.x.

De acordo com Nordenflycht (2010)Nordenflycht, A. von (2010). What is a professional service firm? Toward a theory and taxonomy of knowledge-intensive firms. Academy of Management Review, 35(1), 155-174., as organizações de serviços profissionais, em geral, podem ser definidas a partir de três características: conhecimento intensivo, baixa intensidade de capital e força de trabalho profissionalizada. O conhecimento intensivo talvez seja a principal característica desse tipo de organização e diz respeito à complexidade de conhecimento necessária para a produção de um determinado serviço. A baixa intensidade de capital está relacionada à pouca necessidade de investimentos em ativos permanentes como, por exemplo, fábricas, máquinas e equipamentos sofisticados. Já a força de trabalho profissionalizada refere-se à existência de um conhecimento específico de uma dada profissão, à regulação e ao controle daquele conhecimento e sua aplicação e à presença de uma ideologia baseada em códigos de ética e normas informais que norteiam o comportamento dos profissionais (Nordenflycht, 2010Nordenflycht, A. von (2010). What is a professional service firm? Toward a theory and taxonomy of knowledge-intensive firms. Academy of Management Review, 35(1), 155-174.). Segundo esse autor, a advocacia pode ser vista como um caso clássico de organização de serviços profissionais por apresentar, de maneira evidente, as três características mencionadas.

Tradicionalmente, os escritórios de advocacia são representantes típicos de um formato de organizações de profissionais conhecido como professional partnership (P2) (Greenwood & Hinings, 1993Greenwood, R., & Hinings, C. R. (1993). Understanding strategic change: the contribution of archetypes. Academy of Management Journal, 36(5), 1052-1081. doi: 10.2307/256645). Neste formato societário, os profissionais são ao mesmo tempo os proprietários da empresa e os produtores diretos dos serviços prestados, sendo que o trabalho ocorre, na maior parte do tempo, de forma autônoma (Miner, Crane, & Vandenberg, 1994Miner, J. B., Crane, D. P., & Vandenberg, R. J. (1994). Congruence and fit in professional role motivation theory. Organization Science, 5(1), 86-97. doi: 10.1287/orsc.5.1.86; Muzio & Faulconbridge, 2013)Muzio, D., & Faulconbridge, J. (2013). The global professional service firm: 'one firm' models versus (Italian) distant institutionalized practices. Organization Studies, 37(7), 897-925. doi: 10.1177/0170840612470232. No limite, existe um controle lateral e informal pelos próprios pares, possibilitando a manutenção da cooperação (Lazega, 2000)Lazega, E. (2000). Rule enforcement among peers: a lateral control regime. Organization Studies, 21(1), 193-214. doi: 10.1177/0170840600211003. Essas organizações refletem crenças e valores do profissionalismo, que se manifestam concretamente em suas estruturas pouco hierárquicas (Malos & Campion, 1995)Malos, S. B., & Campion, M. A. (1995). An options-based model of career mobility in professional service firms. Academy of Management Review, 20(3), 611-644. doi: 10.5465/AMR.1995.9508080332 e seus sistemas de gestão (Lawrence et al., 2012)Lawrence, T. B., Malhotra, N., & Morris, T. (2012). Episodic and systemic power in the transformation of professional service firms. Journal of Management Studies, 49(1), 102-143. doi: 10.1111/j.1467-6486.2011.01031.x baseados em processos informais (Nordenflycht, 2010)Nordenflycht, A. von (2010). What is a professional service firm? Toward a theory and taxonomy of knowledge-intensive firms. Academy of Management Review, 35(1), 155-174..

As consequências práticas dessas influências podem ser percebidas em termos de três dimensões relativas aos sistemas de gestão (D. J. Cooper et al., 1996Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404; Greenwood, Hinings, & Brown, 1990Greenwood, R., Hinings, C. R., & Brown, J. (1990). “P2-form” strategic management: corporate practices in professional partnership. Academy of Management Journal, 33(4), 725-755. doi: 10.2307/256288). A primeira é a do controle estratégico, ou seja, como a organização se posiciona no médio e no longo prazo e como interpreta ameaças e oportunidades e constrói capacidades. Nas organizações do modelo P2, esse controle tende a ser fraco, pois não existem, em geral, nem a prática nem a concepção da análise e elaboração de estratégias competitivas. A segunda dimensão é a do controle mercadológico-financeiro, que envolve a clareza de objetivos de mercado e as responsabilidades existentes sobre eles. Esse controle visa, quase sempre, aos objetivos de curto prazo combinados com uma relativa tolerância sobre sua realização. Objetivos de longo prazo aparecem de maneira implícita na organização, sem uma definição clara a seu respeito. A terceira é a do controle operacional, que envolve a natureza e a intensidade do controle sobre as áreas funcionais da organização. O foco principal é na seleção, treinamento e promoção dos profissionais, com intuito de garantir a confiabilidade dos serviços prestados e as condições necessárias para a utilização de suas habilidades (D. J. Cooper et al., 1996Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404; Greenwood et al., 1990)Greenwood, R., Hinings, C. R., & Brown, J. (1990). “P2-form” strategic management: corporate practices in professional partnership. Academy of Management Journal, 33(4), 725-755. doi: 10.2307/256288.

No entanto, a partir da segunda metade do século XX, as grandes transformações socioeconômicas e culturais mundiais atingiram as bases do profissionalismo, substituindo a lógica tradicional da ética e do serviço público pela do comércio e eficiência (Muzio, Brock, & Suddaby, 2013Muzio, D., Brock, D. M., & Suddaby, R. (2013). Professions and institutional change: towards an institutionalist sociology of the professions. Journal of Management Studies, 50(5), 699-721. doi: 10.1111/joms.12030). Assim, a intensificação da concorrência dos mercados, a disseminação das novas tecnologias, as mudanças internas na organização e na natureza do trabalho dos profissionais baseados em conhecimentos resultaram no período do pós-profissionalismo (Kritzer, 1999)Kritzer, H. M. (1999). The professions are dead, long live the professionals: legal practice in a postprofessional world. Law and Society Review, 3(3), 713-759. doi: 10.2307/3115110.

A nova advocacia pós-profissional

O pós-profissionalismo compreende o período em que as práticas e o discurso profissional tal como estabelecidos no período anterior entram em declínio, principalmente no tocante à perda do controle do profissional (Abel, 1986Abel, R. L. (1986). The decline of professionalism. Modern Law Review, 49(1), 1-41. doi: 10.1111/j.1468-2230.1986.tb01676.x) sobre seu espaço de atuação. O pós-profissionalismo, segundo Kritzer (1999)Kritzer, H. M. (1999). The professions are dead, long live the professionals: legal practice in a postprofessional world. Law and Society Review, 3(3), 713-759. doi: 10.2307/3115110, é caracterizado pela globalização na prestação dos serviços profissionais (ante o aspecto anterior marcadamente local de seu alcance), permitindo aos prestadores ampliarem suas bases geográficas de atuação e levarem seus serviços para qualquer lugar do mundo (Bartlett & Ghoshal, 1989Bartlett, C., & Ghoshal, S. (1989). Managing across borders: the transnational solution. Boston: Harvard Business School Publishing.; ver Muzio & Faulconbridge, 2013)Muzio, D., & Faulconbridge, J. (2013). The global professional service firm: 'one firm' models versus (Italian) distant institutionalized practices. Organization Studies, 37(7), 897-925. doi: 10.1177/0170840612470232.

O processo de incorporação da lógica empresarial nos escritórios de advocacia (Empson et al., 2013Empson, L., Cleaver, I., & Allen, J. (2013). Managing partners and management professionals: institutional work dyads in professional partnerships. Journal of Management Studies, 50(5), 808-844. doi: 10.1111/joms.12025), que ocorreu a partir de inovações organizacionais e operacionais, fez surgir modelos de estruturas e de gestão mais complexos, conhecidos como managed professional business (MPB) (D. J. Cooper et al., 1996Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404). Ao se organizarem em torno da ideia de serviços profissionais como negócio, essas organizações reafirmam sua postura empresarial, buscando a ampliação da eficiência de sua gestão, redução de custos e otimização de processos (D. J. Cooper et al., 1996Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404). Há, inclusive, o uso de estratégias de aquisições com objetivo de expandir os negócios, criar valor e gerar melhor atendimento aos clientes (Briscoe & Tsai, 2011Briscoe, F., & Tsai, W. (2011). Overcoming relational inertia: how organizational members respond to acquisition events in a law firm. Administrative Science Quarterly, 56(3), 408-440. doi: 10.1177/0001839211432540). Entre as estratégias de expansão visando auferir maiores resultados financeiros encontra-se a internacionalização dos negócios para atender clientes empresariais em outros países, na medida em que esse tipo de estratégia está positivamente relacionada com a performance da organização (Hitt, Bierman, Uhlenbruck, & Shimizu, 2006Hitt, M. A., Bierman, L., Uhlenbruck, K., & Shimizu, K. (2006). The importance of resources in the internationalization of professional services: the good, the bad, and the ugly. Academy of Management Journal, 49(6), 1137-1157. doi: 10.5465/AMJ.2006.23478217). Lawrence, Malhotra e Morris (2012)Lawrence, T. B., Malhotra, N., & Morris, T. (2012). Episodic and systemic power in the transformation of professional service firms. Journal of Management Studies, 49(1), 102-143. doi: 10.1111/j.1467-6486.2011.01031.x destacam que nas MPBs é possível encontrar:

Um estilo de governança empresarial, uma separação entre a administração e as tarefas profissionais, mais processos decisórios centralizados e coordenados, grande diferenciação funcional e profissional, uma hierarquia mais elaborada, e a introdução de sistemas de controle formais (e.g. sistemas de recursos humanos como promoções, recrutamento, avaliação de desempenho, finanças, marketing, e planejamento estratégico). (Lawrence et al., 2012Lawrence, T. B., Malhotra, N., & Morris, T. (2012). Episodic and systemic power in the transformation of professional service firms. Journal of Management Studies, 49(1), 102-143. doi: 10.1111/j.1467-6486.2011.01031.x, p. 104).

Vale destacar que, nesse novo formato, acentua-se uma forma de estratificação pouco comum entre a categoria profissional, ou seja, a divisão entre advogados sócios e empregados assalariados (Kritzer, 1999Kritzer, H. M. (1999). The professions are dead, long live the professionals: legal practice in a postprofessional world. Law and Society Review, 3(3), 713-759. doi: 10.2307/3115110), bem como surge a necessidade de profissionais capazes de atenderem às novas demandas gerenciais, voltadas para trabalho em equipe e habilidades de integração (Ackroyd, 1996Ackroyd, S. (1996). Organization contra organizations professions and organizational change in the United Kingdom. Organization Studies, 17(4), 599-621. doi: 10.1177/017084069601700403). Essa estratificação aprofundada, refletida nas relações hierárquicas mais marcantes, relativiza a noção de autonomia profissional e sua flexibilidade (Nordenflycht, 2010Nordenflycht, A. von (2010). What is a professional service firm? Toward a theory and taxonomy of knowledge-intensive firms. Academy of Management Review, 35(1), 155-174.; Roslender, 1992Roslender, R. (1992). Sociological perspectives on modern accountancy. London: Routledge.), acentuando o trabalho rotineiro, por meio do aumento de normas e regras formalizadas, o que pode gerar um processo disciplinar e normalizador, minando a liberdade de escolha do profissional (Brown & Lewis, 2011Brown, A. D., & Lewis, M. A. (2011). Identities, discipline and routines. Organization Studies, 32(7), 871-895. doi: 10.1177/0170840611407018). Ocorre, ainda, a introdução de administradores para gerir áreas funcionais recém-criadas (Hinings, 2005)Hinings, C. R. (2005). The changing nature of professional organizations. In S. Ackroyd, R. Batt, P. Thompson, & P. S. Tolbert (Eds.), The Oxford handbook of work and organization (Chap. 17, pp. 405-424). Oxford: Oxford University Press., fazendo com que os profissionais da advocacia tenham de compartilhar poder com gestores não profissionais da advocacia (Lawrence et al., 2012)Lawrence, T. B., Malhotra, N., & Morris, T. (2012). Episodic and systemic power in the transformation of professional service firms. Journal of Management Studies, 49(1), 102-143. doi: 10.1111/j.1467-6486.2011.01031.x.

Considerando as três dimensões dos sistemas de gestão (controle estratégico, controle mercadológico-financeiro e controle operacional) definidas por D. J. Cooper, Hinings, Greenwood e Brown (1996)Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404, pode-se identificar alterações importantes nas MPBs em relação ao modelo P2. D. J. Cooper et al. (1996)Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404 ressaltam que o controle estratégico torna-se mais importante, na medida em que são estabelecidos objetivos de médio e longo prazo. A prestação de novos serviços e a busca por diferentes mercados geográficos entram no escopo das estratégias formuladas. Se, tradicionalmente, nas organizações profissionais, a estratégia tinha um caráter individual (do próprio profissional), nas MPBs, esse aspecto ganha uma conotação mais ampla, envolvendo todo o escritório e com um caráter mais racional no seu planejamento. O controle mercadológico-financeiro torna-se central, com a definição de objetivos para cada escritório ou departamento, não só para o curto, mas também para o médio e longo prazo. O relacionamento com o cliente passa a ser monitorado e instrumentos de mensuração de sua satisfação são introduzidos. Por fim, no que tange ao controle operacional, há um maior envolvimento do escritório central na gestão dos escritórios locais e as recompensas são atreladas à performance individual, não mais tomando como principal critério a senioridade (D. J. Cooper et al., 1996Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404).

Contudo, a incorporação de práticas de gestão empresarial não elimina por completo a presença de elementos tradicionais do modelo de organização dos escritórios, pois, como argumenta Ackroyd (1996)Ackroyd, S. (1996). Organization contra organizations professions and organizational change in the United Kingdom. Organization Studies, 17(4), 599-621. doi: 10.1177/017084069601700403, por mais que as organizações profissionais sejam afetadas pelas forças econômicas e políticas, elas têm demonstrado historicamente grande capacidade de adaptação diante de mudanças em seu contexto de atuação. Em uma pesquisa realizada em grandes escritórios de advocacia na Inglaterra, Empson, Cleaver e Allen (2013)Empson, L., Cleaver, I., & Allen, J. (2013). Managing partners and management professionals: institutional work dyads in professional partnerships. Journal of Management Studies, 50(5), 808-844. doi: 10.1111/joms.12025 mostram que, no processo de mudança investigado, foi identificada a coexistência de múltiplas lógicas institucionais, ou seja, ao mesmo tempo em que as práticas empresariais são incorporadas na gestão, determinados atores resistem e mantêm a lógica tradicional de funcionamento.

Além do mais, em organizações profissionais, o conhecimento específico continua sendo o negócio principal, e são os grupos de profissionais que o dominam por completo, dificultando a inserção imediata e total de elementos oriundos de outra área do conhecimento (Ackroyd, 1996Ackroyd, S. (1996). Organization contra organizations professions and organizational change in the United Kingdom. Organization Studies, 17(4), 599-621. doi: 10.1177/017084069601700403). A incorporação de elementos de gestão, por parte dos grandes escritórios de advocacia, seria, em parte, mais retórica do que efetiva (Ackroyd & Muzio, 2008Ackroyd, S., & Muzio, D. (2008). Reasserting the reconstructed professional firm: a rejoinder to brock (2008). Organization Studies, 29(01), 150-155. doi: 10.1177/0170840607086633), não sendo adotada uniformemente pelas organizações, mesmo estando elas em ambientes institucionais similares (Lawrence et al., 2012)Lawrence, T. B., Malhotra, N., & Morris, T. (2012). Episodic and systemic power in the transformation of professional service firms. Journal of Management Studies, 49(1), 102-143. doi: 10.1111/j.1467-6486.2011.01031.x.

A advocacia e o contexto brasileiro

A advocacia no Brasil seguiu a tendência mundial ao iniciar, durante o século XIX, o movimento pelo estabelecimento de seu espaço social de influência por meio do controle do monopólio profissional, da fundação de faculdades (São Paulo e Olinda) e da autorregulamentação, com a criação de associação representativa de classe. Entretanto, como argumenta Bonelli (1999)Bonelli, M. G. da (1999). O instituto da ordem dos advogados brasileiros e o estado: a profissionalização no Brasil e os limites dos modelos centrados no mercado. Revista Brasileira de Ciências Socais, 14(39), 61-81. doi: 10.1590/S0102-69091999000100004, esse processo de profissionalização no Brasil só se completaria em 1930, com a fundação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No século XX, a advocacia brasileira passaria, ainda, por dois momentos de virada: (a) depois da década de 1930, durante o processo de industrialização local, quando perdeu parte de sua feição elitista graças ao surgimento de classes médias urbanas com maior acesso à formação universitária; e (b) a partir dos anos 1990, quando, segundo Bonelli e Barbalho (2008)Bonelli, M. G. da, & Barbalho, R. M. (2008). O profissionalismo e a construção do gênero na advocacia paulista. Sociedade e Cultura, 11(2), 275–284., o boom das faculdades de Direito no país ampliou as possibilidades de ingresso na profissão.

O mercado de serviços advocatícios no país seguiu, até recentemente, um padrão praticamente homogêneo: grande pulverização, com predomínio do exercício liberal e autônomo, em escritórios de pequeno e médio porte (OAB, 1996Ordem dos Advogados do Brasil. (1996). Perfil dos advogados brasileiros. Brasília: Comissão de Ensino Jurídico, OAB Federal.). No entanto grandes transformações atingiriam o país, a partir do início da década de 1990, devido à abertura do mercado nacional, às privatizações de empresas públicas e terceirizações realizadas pelo governo brasileiro, além da entrada de novos e grandes investidores (Bonelli & Barbalho, 2008Bonelli, M. G. da, & Barbalho, R. M. (2008). O profissionalismo e a construção do gênero na advocacia paulista. Sociedade e Cultura, 11(2), 275–284.). Esse quadro ampliou, de forma inédita, as oportunidades para o setor de prestação de serviços jurídicos, ao mesmo tempo em que obrigou os escritórios a assumirem uma postura modernizadora (Bonelli, 1998)Bonelli, M. G. da (1998). A competição profissional no mundo do direito. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, 10(1), 185-214. doi: 10.1590/S0103-20701998000100012. O aumento da demanda de trabalho ampliou a busca por especialistas em áreas específicas do Direito, principalmente do ramo empresarial (Hapner, 2002Hapner, P. A. M. (2002). O estado organizacional dos grandes escritórios de advocacia do Brasil: dois estudos de caso (Dissertação de mestrado). Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.; Pereira, 2008a), bem como gerou um crescimento no número de escritórios (Bonelli, Oliveira, Cunha, & Silveira, 2008). Segundo análise do Gvlaw (Pereira, 2008bPereira, B. R. (2008b). Análise advocacia 2008: uma visão quantitativa (Relatório de Pesquisa/2008), São Paulo, SP: GVlaw Escola de Direito de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas.), somente na cidade de São Paulo foram fundadas 112 sociedades entre 1998 e 2007 e, entre setembro de 2006 e junho de 2008, houve um crescimento de 36,36% no número de sociedades de advogados com mais de 20 sócios nesse estado. Ainda de acordo com esse trabalho, o formato organizacional adequado para a nova realidade era o de sociedades de advogados, espelhadas no modelo americano das law firms, ou seja, com administração profissionalizada e altamente competitivas.

No entanto Salluh (2002)Salluh, J. I. (2002). Sociedade de advogados: formação e estrutura. In S. Ferraz (Ed.), Sociedade de advogados (Vol. 1, Cap. 3, pp. 52-61). São Paulo: Malheiros. esclarece que as de advogados são sociedades civis de trabalho, uma reunião para colaboração profissional recíproca, sem fins lucrativos. Tais disposições vão, dessa forma, ao encontro tanto das exigências dos clientes e da dinâmica do mercado quanto dos arranjos e práticas operacionais e comerciais que, de fato, as bancas vêm adotando por meio de parcerias estratégicas no Brasil e no exterior. Esse formato organizacional, pressionado pela intensa competitividade e pelas demandas dos clientes globalizados, precipita profundas mudanças na maneira homogênea e autônoma do trabalho da advocacia (Roslender, 1992Roslender, R. (1992). Sociological perspectives on modern accountancy. London: Routledge.).

Tendo em vista o mercado em sua totalidade, as grandes sociedades de advogados representam minoria numérica no país, na qual predominam os pequenos escritórios à moda antiga (Bonelli & Barbalho, 2008Bonelli, M. G. da, & Barbalho, R. M. (2008). O profissionalismo e a construção do gênero na advocacia paulista. Sociedade e Cultura, 11(2), 275–284.). Entretanto aquelas representam a vanguarda da advocacia privada brasileira e são referência do pós-profissionalismo (Kritzer, 1999)Kritzer, H. M. (1999). The professions are dead, long live the professionals: legal practice in a postprofessional world. Law and Society Review, 3(3), 713-759. doi: 10.2307/3115110.

Metodologia

O estudo foi desenvolvido a partir de uma pesquisa qualitativa, que consiste em uma atividade localizada que coloca o pesquisador no mundo, próximo ao seu objeto de estudo (Denzin & Lincoln, 2000Denzin, N. K., & Lincoln, Y. S. (2000). Introduction: the discipline and practice of qualitative research. In N. K. Denzin & Y. Lincoln (Eds.), Handbook of qualitative research (pp. 1-32). Thousand Oaks: Sage Publications.). Para a coleta de dados, utilizou-se um roteiro de entrevista com questões semiestruturadas. Entre novembro de 2009 e fevereiro de 2010, foram realizadas entrevistas individuais com 22 profissionais ligados a seis dos mais importantes escritórios de advocacia do país, com sede na cidade de São Paulo e classificados no ranking Os mais admirados do Direito da Análise Advocacia (2008)Análise Advocacia. (2008). Os mais admirados do direito. São Paulo: Análise Editorial..

O acesso às sociedades de advocacia e aos seus profissionais deu-se por meio da intermediação do CESA (Centro de Estudos de Sociedades de Advogados), entidade que congrega as maiores e principais bancas de advocacia do país, que atendem predominantemente a clientela empresarial. A associação possui cerca de 510 associados no país, sendo 280 com sede na cidade de São Paulo. O primeiro contato para o início da pesquisa se deu por meio de um advogado próximo a um dos autores. Posteriormente, em reuniões com os sócios responsáveis dos escritórios, foram definidas as condições para a realização das entrevistas (individuais e em locais reservados nas próprias sedes das sociedades). Foi utilizado o procedimento de amostragem bola de neve (Biernacki & Waldorf, 1981Biernacki, P., & Waldorf, D. (1981). Snowball sampling: problems and techniques of chain referral sampling. Sociological Methods and Research, 10(2), 141-163. doi: 10.1177/004912418101000205), no qual os entrevistados indicaram potenciais sujeitos de pesquisa que atendiam ao perfil de entrevistado adequado. Vale destacar que o entrevistador não conhecia previamente os entrevistados.

Os entrevistados ocupavam, no período da pesquisa, cargos de sócio, advogado sênior e advogado pleno (ou equivalentes) nas suas respectivas organizações. Após avaliar as tendências de crescimento desse mercado (Análise Advocacia, 2008Análise Advocacia. (2008). Os mais admirados do direito. São Paulo: Análise Editorial.) e as características internas desse grupo de pessoas, como a estrutura etária descrita e as indicações sobre a ascensão profissional (Bonelli et al., 2008Bonelli, M. G. da, Cunha, L. G., Oliveira, F. L. de, & Silveira, M. N. B. da. (2008). Profissionalização por gênero em escritórios paulistas de advocacia. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, 20(1), 265-290. doi: 10.1590/S0103-20702008000100013), considerou-se pertinente abordar os três níveis hierárquicos com a intenção de captar percepções diversas, conforme as atribuições de cada um. Na Tabela 1 encontra-se o perfil dos entrevistados.

Tabela 1
Perfil dos Entrevistados

As entrevistas foram gravadas com permissão prévia dos respondentes e duraram em média 60 minutos. Posteriormente, foram transcritas e transferidas para o software ATLASti, o qual serviu como ferramenta de auxílio para a análise realizada. Com intuito de preservar a identidade dos entrevistados, eles foram identificados por letras e números, por exemplo, Entrevistado 1 (E1), Entrevistado 2 (E2) e assim sucessivamente.

De modo geral, o perfil dos entrevistados pode ser caracterizado como o advogado privado atuante no segmento empresarial: profissional da classe jurídica que presta serviços judiciais (representação em juízo) e extrajudiciais (negociação, consultoria e assessoria jurídica) e que trabalha nas grandes sociedades de advogados, as quais podem ser definidas como: (a) empresas de prestação de serviços jurídicos profissionais; (b) voltadas para a clientela empresarial; e (c) que seguem o modelo de administração profissionalizada (à inspiração das law firms).

Para analisar os dados, empregou-se a técnica de análise de conteúdo (Krippendorff, 2004Krippendorff, K. (2004). Content analysis: an introduction to its methodology. London: Sage.; Sonpar & Golden-Biddle, 2008Sonpar, K., & Golden-Biddle, K. (2008). Using content analysis to elaborate adolescent theories of organization. Organizational Research Methods, 11(4), 795-814. doi: 10.1177/1094428106297804), com o auxílio do software de análise qualitativa de dados ATLASti. Os programas de computador propiciam um armazenamento organizado do material da pesquisa de forma que o pesquisador consiga facilmente identificá-lo, buscar frases, ideias ou conceitos-chave (Creswell, 1998)Creswell, J. W. (1998). Qualitative inquiry and research design: choosing among five traditions. Thousand Oaks, CA: Sage Publications., além de proporcionar a construção de códigos, temas, rótulos etc. (Ryan & Bernard, 2000)Ryan, G. W., & Bernard, H. R. (2000). Data management and analysis methods. In N. K. Denzin & Y. Lincoln (Eds.), Handbook of qualitative research (Vol. 2, Chap. 29, pp. 798-802). Thousand Oaks: Sage Publications.. O ATLAS.ti permite ao pesquisador associar códigos a fragmentos de texto, identificar padrões e construir classificações a partir dos códigos (Lewis, 2004)Lewis, R. B. (2004). NVivo 2.0 and ATLAS.ti 5.0: a comparative review of two popular qualitative data-analysis programs. Field Methods, 16(4), 439-464. doi: 10.1177/1525822X04269174. Escolheu-se a análise temática que serviu de base para a geração das categorias analíticas (Ryan & Bernard, 2000)Ryan, G. W., & Bernard, H. R. (2000). Data management and analysis methods. In N. K. Denzin & Y. Lincoln (Eds.), Handbook of qualitative research (Vol. 2, Chap. 29, pp. 798-802). Thousand Oaks: Sage Publications.. Durante a fase de análise, procurou-se identificar quais foram as mudanças mais marcantes que geraram a reconstituição da estrutura e da forma de organização do trabalho nas grandes sociedades de advogados. Três categorias centrais emergiram dos dados, sendo que duas delas foram desagregadas em subcategorias, como pode ser observado na Tabela 2.

Tabela 2
Categorias Emergentes do Processo de Análise dos Dados

Apresentação dos Resultados

Mudanças no mercado da advocacia

O período de grande transformação da advocacia empresarial no país iniciou-se nos anos 1990, em uma sequência de mudanças que atingiram a economia brasileira, com a abertura do mercado e, mais tarde, com as privatizações de estatais. Nesse sentido, os eventos ocorridos nessa década seriam os principais indutores não só das grandes oportunidades e do período de vertiginoso crescimento, mas também das grandes mudanças no próprio mercado de serviços jurídicos empresariais. A inserção da economia brasileira no contexto internacional atraiu empresas estrangeiras que vislumbravam oportunidades e se tornaram clientes em potencial das bancas, intensificando a competição entre os grandes escritórios de advocacia empresarial pelos clientes globalizados. O relato a seguir também ilustra essa questão:

“Eu acho que a advocacia teve uma grande mudança no início dos anos noventa com a própria abertura do país.... E isso exigiu de nós, advogados, uma adaptação incrível também ... foi um grande momento de transformação na advocacia, que passou a ser muito mais voltada pra cuidar de interesses de empresas brasileiras ... e também os estrangeiros que começaram a ter um interesse muito grande no Brasil” (E20).

A integração do Brasil na rede de negócios internacionais e a exposição a práticas jurídicas estrangeiras – uma vez que a América Latina se tornou um mercado atraente nessa década (Greenwood & Lanchman, 1996), além do aumento das oportunidades para empresas brasileiras no exterior, provocaram dois fenômenos importantes: a influência estrangeira no Direito brasileiro e a internacionalização da advocacia de ponta do país. No primeiro caso, essa influência deu-se pela absorção de soluções e formatos jurídicos estrangeiros em Direito empresarial, mas também pela inspiração para elaboração de novos marcos legais ou mesmo para a criação de novas instituições. No segundo caso, os próprios escritórios nacionais expandiram sua atuação para outros países, tanto para continuar apoiando seus clientes em novos mercados como para aproveitar novas oportunidades. Fenômeno semelhante ocorreu em outros países, nos quais houve o ingresso de novos competidores, tensões institucionais, necessidade de adaptação a uma realidade distinta e expansão dos negócios para além das fronteiras nacionais (ver Morgan & Quack, 2005Morgan, G., & Quack, S. (2005). Institutional legacies and firm dynamics: the growth and internationalization of UK and German law firms. Organization Studies, 26(12), 1765-1785. doi: 10.1177/0170840605059156; Muzio & Faulconbridge, 2013Muzio, D., & Faulconbridge, J. (2013). The global professional service firm: 'one firm' models versus (Italian) distant institutionalized practices. Organization Studies, 37(7), 897-925. doi: 10.1177/0170840612470232).

A internacionalização da advocacia de ponta brasileira se deu justamente devido à ampliação da atuação internacional de clientes empresariais brasileiros, que começaram a explorar oportunidades no exterior, bem como pela crescente presença de novos entrantes na economia brasileira. Tais clientes passaram a necessitar de prestadores de serviços jurídicos referenciados em escala internacional para apoiar seus negócios. Assim, para fornecer suporte em outros países e apoio jurídico com questões legais, tributárias e contratuais referentes a transações comerciais de seus clientes empresariais, a internacionalização dos escritórios de advocacia começou a fazer parte do escopo estratégico dessas organizações (Hitt et al., 2006Hitt, M. A., Bierman, L., Uhlenbruck, K., & Shimizu, K. (2006). The importance of resources in the internationalization of professional services: the good, the bad, and the ugly. Academy of Management Journal, 49(6), 1137-1157. doi: 10.5465/AMJ.2006.23478217). Um dos entrevistados ilustra essa questão:

“Se você pegar o [escritório] X, ele é associado ao [escritório] BM. Não é BM Brasil. Embora seja, na prática, e se for sair daqui e for para o escritório de fora, muita coisa é igual, o jeito de falar, os departamentos funcionam da mesma forma, o sistema de cobrança, a estrutura é a mesma. Se algum cliente nosso estiver lá e precisar procurar algum escritório de fora, eles procuram. Isso acontece bastante” (E1).

Paralelamente à tendência de aumento da complexidade dos grandes negócios realizados no Brasil, o próprio cenário legal e jurídico nacional se renovou, adaptando-se às mudanças e à diversidade das relações jurídicas emergentes. Isso se deu por meio do surgimento e/ou modernização de marcos legais e instituições de Estado (e da sociedade civil) fiscalizadoras e/ou reguladoras. Quando práticas institucionais contraditórias se encontram, há a necessidade de adaptações, que possibilitem a realização das atividades pertinentes ao negócio e à redefinição da lógica institucional vigente (Smets & Jarzabkowski, 2013Smets, M., & Jarzabkowski, P. (2013). Reconstructing institutional complexity in practice: a relational model of institutional work and complexity. Human Relations, 66(10), 1279-1309. doi: 10.1177/0018726712471407).

Adoção do modelo empresarial

Lógica empresarial

As transformações ocorridas nos escritórios de advocacia conduziram as grandes sociedades de advocacia, no Brasil, a adotarem um novo formato organizacional, o qual comporta elementos de gestão semelhantes àqueles adotados por empresas privadas: excelência na prestação de serviços, eficiência operacional, geração de lucros e agressividade na captação e retenção de clientes. Nesse sentido, os escritórios de advocacia incorporam o sistema de funcionamento das MPBs, desenvolvendo hierarquias, equipes multifuncionais, especialização das atividades e maior centralização das decisões (D. J. Cooper et al., 1996Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404).

Os advogados reconhecem os benefícios da adoção de uma lógica empresarial por parte dos escritórios que visam gerir suas operações a partir de uma perspectiva de negócio. O alinhamento dos profissionais com essa postura empresarial é um ponto-chave para o sucesso organizacional, dado que o capital humano tem influência significativa, por exemplo, na implementação de estratégias de internacionalização dos escritórios de advocacia (Hitt et al., 2006Hitt, M. A., Bierman, L., Uhlenbruck, K., & Shimizu, K. (2006). The importance of resources in the internationalization of professional services: the good, the bad, and the ugly. Academy of Management Journal, 49(6), 1137-1157. doi: 10.5465/AMJ.2006.23478217). A aproximação com a configuração do modelo MPB demanda a criação de setores especificamente administrativos que serão ocupados por gestores de outras áreas do conhecimento, fazendo com que os profissionais da advocacia tenham de compartilhar decisões com eles (Lawrence et al., 2012Lawrence, T. B., Malhotra, N., & Morris, T. (2012). Episodic and systemic power in the transformation of professional service firms. Journal of Management Studies, 49(1), 102-143. doi: 10.1111/j.1467-6486.2011.01031.x). Dessa forma, os escritórios de advocacia pesquisados passaram a reconsiderar a natureza de seu próprio trabalho e a estrutura de suas operações interna e externamente, como pode ser observado a seguir:

“A estrutura do escritório, falando da década de noventa, era uma estrutura familiar. Hoje, isso aqui é uma empresa. Hoje, o meu chefe está lá dizendo o seguinte: ‘Você tem que gerar lucro’. Se você não for um profissional lucrativo, você vai embora ... hoje é uma competição muito grande, você também tem que pensar no lado do business do escritório ... ter essa preocupação de você estruturar bem o negócio, pra você poder ganhar dinheiro” (E9).

A lógica empresarial se reflete nas formas e métodos de organização do trabalho que, como resposta ao novo grau de complexidade, fazem com que tarefas e projetos se fragmentem em células especializadas de áreas do conhecimento jurídico. A nova visão profissional perante um mercado promissor também se manifesta quando os advogados demonstram reconhecer a importância de um direcionamento voltado para o cliente, o que por sua vez direciona e condiciona as estruturas e estratégias organizacionais.

“A administração é voltada para a satisfação do cliente. Sempre excelentes serviços. O escritório se preocupa muito com isso. É uma consequência da preocupação com qualidade ... É um negócio como qualquer outro, não tem jeito. Eles (escritórios) estão visando lucro, enxugando, como se fosse uma empresa normal” (E11).

“O foco é sempre no cliente. Tem que ser assim. O cliente, hoje em dia, é um consumidor como qualquer outro. E os clientes estão ficando cada vez mais exigentes e necessitam das informações, respostas rápidas. Num tempo muito rápido” (E19).

A orientação para o mercado, a partir do modelo MPB, não significa apenas a criação de uma função na gestão do negócio, mas uma mudança de concepção sobre o relacionamento da organização com os clientes e com ambiente no qual ela se insere (D. J. Cooper et al., 1996Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404). No entanto o relacionamento com o cliente é, na maior parte das vezes, desgastante para o advogado empresarial. A pressão sobre eles ocorre por meio da agressividade do cliente corporativo e globalizado, refletida diretamente na exigência de constante disponibilidade e prazos limitados para a realização de um trabalho de qualidade. Uma das implicações da adoção da lógica de mercado e estrutura de funcionamento empresarial é que, gradativamente, a relação entre o profissional e o cliente torna-se impessoal, um elemento estranho a tradicional forma de relacionamento que, historicamente, ocorreu por meio de uma aproximação, cuja confiança se construía a partir da reputação individual do profissional (Nordenflycht, 2010Nordenflycht, A. von (2010). What is a professional service firm? Toward a theory and taxonomy of knowledge-intensive firms. Academy of Management Review, 35(1), 155-174.) e que, agora, parece ser intermediada pela estrutura organizacional.

Especialização e trabalho em equipes multidisciplinares

A transição da estrutura organizacional, do modelo P2 para o MPB, envolve a adoção de equipes especializadas (D. J. Cooper et al., 1996Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404), dotadas de conhecimentos jurídicos específicos, dada a necessidade de acompanhamento e resposta eficaz às complexas demandas dos clientes globalizados (Muzio & Faulconbridge, 2013Muzio, D., & Faulconbridge, J. (2013). The global professional service firm: 'one firm' models versus (Italian) distant institutionalized practices. Organization Studies, 37(7), 897-925. doi: 10.1177/0170840612470232). A presente pesquisa identificou que, nas equipes especializadas ou células, a divisão do trabalho técnico é realizada, em geral, pelo critério de senioridade (experiência e conhecimento), e o controle, por meio de revisões progressivas, nas quais os níveis superiores de senioridade são responsáveis pela revisão e supervisão do trabalho das categorias imediatamente inferiores. Há uma mudança, portanto, no mecanismo de controle, pois nos modelos típicos de P2 ele era realizado pelos pares de forma lateral e não vertical (Lazega, 2000)Lazega, E. (2000). Rule enforcement among peers: a lateral control regime. Organization Studies, 21(1), 193-214. doi: 10.1177/0170840600211003. A estratificação subjacente à divisão de trabalho determina que, conforme a complexidade, as tarefas sejam atribuídas aos níveis mais altos (sócio e advogado sênior), e os níveis mais inferiores (advogados pleno e júnior) encarregam-se de atividades de caráter rotineiro ou intermediário.

Contudo, em projetos que envolvam diferentes áreas do Direito e alto grau de aprofundamento, são formadas equipes multidisciplinares, ou seja, as células especializadas se integram e interagem temporariamente de acordo com as características do trabalho, como aponta o Entrevistado 3: “Havia subgrupos que chamam de célula. Eu acho que os subgrupos na verdade são o reflexo daquilo que nós falamos da especialização. Quanto mais especializado o escritório se mostra, mais subgrupos você vai ter”. O Entrevistado 5 também menciona essa questão: “Hoje em dia, o empresarial é dividido em duas equipes e dentro dessas equipes há especialidades. Há o pessoal que faz bancário, contratos, propriedade intelectual, CADE, direito do consumidor, internet, enfim, várias equipes”. Como observam D. J. Cooper et al. (1996)Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404, o aumento do nível e número de especializações constitui uma das principais características que diferenciam as MPBs do modelo P2.

Nesse tipo de trabalho ocorre a divisão de tarefas no interior das equipes especializadas. A especialização se aprofunda dependendo das características das demandas dos clientes. Como ressalta o Entrevistado 3: “Cada escritório acaba tendo um sistema diferente, mas o que eles têm em comum é o trabalho em grupo. O grupo de especialização, exatamente”. Dentro dessa lógica, cada equipe ou célula especializada é relativamente autônoma em relação às outras, como se fossem miniescritórios distintos, e está sob a direção de um ou mais sócios que contam com o auxílio operacional de advogados seniores, plenos, juniores e estagiários. A especialização, no entanto, não exclui a possibilidade de trabalhar em outras áreas, pois, devido a sua formação de alto nível, o profissional fica exposto à possibilidade de atuar em casos de conteúdos diversos.

“Antigamente, não havia equipes de trabalho, hoje tem. Obviamente que dentro das equipes sempre rola uma interação. Eu não vou ficar fazendo sempre a mesma, coisa como em uma linha de produção, por exemplo. Tem coisa que eu faço que são focos da profissão, foco da especialização, mas também se faz outras coisas, com outros profissionais, cliente internos e clientes externos” (E9).

Em casos de projetos complexos, que demandam atuação multidisciplinar, tais como fusões e aquisições, as células atuam conjuntamente, agregando-se conforme o escopo das tarefas, cada qual contribuindo com sua especialidade, sob a coordenação da célula que origina o trabalho. Equipes realizando projetos conjuntos se apresentam como uma nova realidade em organizações de serviços profissionais, contrastando com o tradicional trabalho solitário do profissional, cuja socialização geralmente encoraja a autonomia individual (Briscoe, 2007Briscoe, F. (2007). From iron cage to iron shield? How bureaucracy enables temporal flexibility for professional services workers. Organization Science, 18(2), 297-314. doi: 10.1287/orsc.1060.0226).

Características do trabalho e sua organização

Método/processo de trabalho

O trabalho jurídico no interior de uma equipe especializada é baseado na divisão técnica das tarefas. Os advogados mais experientes (sócios e seniores) ocupam-se das tarefas que exigem maior profundidade de conhecimento e responsabilidade como, por exemplo, estratégias jurídicas a serem empregadas no processo e análises rigorosas de informações. Os profissionais em formação e em ascensão (estagiários, juniores e plenos) são alocados em tarefas de caráter mais operacional como, por exemplo, pesquisas e análises de menor complexidade e abrangência destinadas a subsidiar as decisões dos níveis superiores.

“Dependendo da complexidade, há a necessidade de revisão. Mais de 90% dos trabalhos são revisados. Os trabalhos realizados pelos estagiários são revisados pelos advogados, que passam para os sócios. Sempre há a questão de ter uma segunda opinião sobre os trabalhos” (E5).

“Os advogados plenos ficam no intermediário. Ou ele é recém-pleno e está mais para júnior ou ele já está comandando projetos também. O júnior dá mais uma assessoria, coordena a produção. A idealização do trabalho está com o advogado sênior e ele divide as tarefas para os juniores para eles produzirem. As tarefas mais burocráticas ficam para o advogado júnior” (E7).

Uma parte do trabalho realizado pelos advogados é suportada pelo uso de tecnologias de informação. Assim, cumpre ressaltar o papel exercido pela tecnologia que, como apontam Greenwood e Lachman (1996)Greenwood, R., & Lachman, R. (1996). Change as an underlying theme in professional service organizations: an introduction. Organization Studies, 17(4), 563-572. doi: 10.1177/017084069601700401, é um fator que influenciou nas mudanças experimentadas pelas organizações de serviços profissionais. A tecnologia afetou diretamente o processo de trabalho e sua estratificação. A introdução de ferramentas tecnológicas agilizou e facilitou o trabalho dos advogados, principalmente nas etapas de pesquisa sobre leis e jurisprudência. A tecnologia contribuiu também na pesquisa de documentos, em geral, por meio de acesso a bancos de informações jurídicas de forma rápida e a custos menores.

Entretanto essas ferramentas não foram capazes de alterar a essência do trabalho do advogado que, em suas etapas mais intelectuais, impede a aplicação mecânica do conhecimento jurídico e exige um exame mais criterioso das muitas variáveis envolvidas em cada caso. Por serem organizações baseadas em conhecimento intensivo, essa parte essencial de concepção do trabalho só pode ser desempenhada por aqueles detentores do conhecimento abstrato e complexo que a profissão exige (Nordenflycht, 2010Nordenflycht, A. von (2010). What is a professional service firm? Toward a theory and taxonomy of knowledge-intensive firms. Academy of Management Review, 35(1), 155-174.).

Vínculos e relações de trabalho

Um dos reflexos das mudanças institucionais nos grandes escritórios de advocacia é a adoção do vínculo empregatício celetista. Se, por um lado, a alteração do vínculo empregatício demonstra uma postura gerencial mais clara, por ouro lado, diminui a autonomia do advogado na realização de seu trabalho, que passa a ter a hierarquia como um demarcador de limites. Segundo o Entrevistado 1, “antigamente, advogado não era funcionário do escritório, ele não era CLT; isso mudou nos últimos três ou quatro anos. A maioria dos escritórios do porte deste tem um plano de carreira para o funcionário”. O Entrevistado 4 informa que: “eu não me sinto autônoma. Eu sou advogada, mas eu estou muito longe de ser autônoma. Eu tenho horário, eu tenho regras, isso aqui é realmente uma empresa, você precisa se remeter aos seus superiores”. Esses relatos demonstram uma contradição com a lógica de funcionamento das organizações profissionais, uma vez que, nelas, o sistema de papéis estabelecido provém de valores, percepções éticas e códigos da profissão e não de uma hierarquia gerencial (Miner et al., 1994Miner, J. B., Crane, D. P., & Vandenberg, R. J. (1994). Congruence and fit in professional role motivation theory. Organization Science, 5(1), 86-97. doi: 10.1287/orsc.5.1.86), típica das MPBs.

A constituição dos escritórios de advocacia, a partir da estrutura das MPBs, teve como consequência uma mudança na relação advogado/escritório, reduzindo seu caráter autônomo, já que, agora, independentemente de quem fez a prospecção do trabalho, sua realização é repassada para especialistas, e não mais impera a lógica do “coma o que você caçar” (D. J. Cooper et al., 1996Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404, p. 633). A perda de autonomia poderia ser recompensada por um plano de carreira que permitisse a ascensão dos profissionais dentro da estrutura organizacional. Contudo, embora existam planos de carreira formalizados e divulgados nas grandes firmas, eles ainda não são vistos como suficientemente explícitos ou mesmo objetivos em seus critérios de promoção. A falta de clareza se manifesta quando diz respeito à eleição para fazer parte da sociedade do escritório, ou seja, o ápice da carreira. Nesse caso, não somente os requisitos técnicos são suficientes para a promoção. Há uma predileção por perfis de profissionais mais voltados para o relacionamento interpessoal com o cliente, além da capacidade de coordenar pessoas e captar novos negócios. Isso demonstra um determinado grau de desorganização dentro da organização (R. Cooper, 1986Cooper, R. (1986). Organization/disorganization. Social Science Information, 25(2), 299-335. doi: 10.1177/053901886025002001), fazendo com que os profissionais tenham de lidar, no mesmo espaço, com lógicas institucionais diversas (Empson et al., 2013Empson, L., Cleaver, I., & Allen, J. (2013). Managing partners and management professionals: institutional work dyads in professional partnerships. Journal of Management Studies, 50(5), 808-844. doi: 10.1111/joms.12025).

Hierarquia flexível operacional

A criação de hierarquias e a centralização da autoridade nas organizações de serviços profissionais representam um rompimento com a tradição do profissionalismo (Lawrence et al., 2012Lawrence, T. B., Malhotra, N., & Morris, T. (2012). Episodic and systemic power in the transformation of professional service firms. Journal of Management Studies, 49(1), 102-143. doi: 10.1111/j.1467-6486.2011.01031.x). Entretanto, identifica-se que isso não necessariamente corresponde a uma cadeia de comando hierárquico rígida. Dentro das células especializadas, a única ascendência hierárquica clara sobre os demais é a do sócio responsável que, por ter grande autonomia na gestão de sua célula e na composição das equipes, pode estabelecer critérios variáveis para a atribuição de tarefas e responsabilidades. Entre as categorias abaixo dessa, as relações hierárquicas não são fixas e podem variar de acordo com a decisão operacional do sócio sobre quem coordenará os projetos, configurando a existência de uma hierarquia flexível conforme as características do trabalho. Ainda que a diferenciação por senioridade mantenha um clima respeitoso nas relações profissionais, a responsabilidade pela coordenação das operações poderá variar circunstancialmente.

“Aqui não existe essa hierarquia clara. Existe alguma hierarquia na própria divisão de trabalho. Existe, certamente, do sócio com os advogados, existe, certamente, do sênior com o advogado júnior, mas quando você fala de pleno para júnior, de sênior para pleno, isso não é absolutamente claro” (E7).

Em relação à hierarquia, é possível identificar, pelo relato do entrevistado, certa indefinição sobre como ela está presente na organização. Em parte, isso se deve à presença de algumas características do modelo P2, que ainda não foi completamente superado pelo formato das MBPs (D. J. Cooper et al., 1996Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404). Apesar de existirem os níveis de senioridade entre os advogados – evidenciados pela estratificação da carreira (não sócios e sócios) e pela divisão técnica do trabalho conforme o grau de complexidade e responsabilidade, a informalidade de processos e procedimentos faz com que a estratificação não indique, necessariamente, uma relação de hierarquia fixa entre os advogados não sócios. Assim, entre eles, a percepção de uma linha de comando hierárquico é mais indefinida, e as relações profissionais são mediadas menos por uma subordinação e mais pelo respeito à senioridade e experiência de quem está acima.

“Quem coordena esse trabalho, geralmente, é o Direito societário. O sócio chama um advogado, fala ‘Monte uma equipe e trabalhe’. Esse advogado do societário vai coordenar sócio, vai coordenar sênior, vai coordenar pleno, vai coordenar advogados, até, inclusive, muito superiores a ele dentro do escritório” (E13).

Contudo, outro aspecto que afeta a questão da hierarquia e a noção da autonomia do trabalho profissional são os vínculos contratuais entre os trabalhadores e a organização. No caso dos advogados empresariais não sócios, sua ligação com as grandes sociedades de advocacia se dá, majoritariamente, por vínculos empregatícios convencionais, regulados pela CLT, implicando relações de subordinação de seu trabalho e disponibilidade às normas e determinações do empregador. Se, por um lado, existe uma flexibilidade hierárquica de caráter operacional na realização dos projetos, por outro, há uma subordinação em relação à organização em função do vínculo empregatício.

Discussão e Análise dos Resultados

As organizações de serviços profissionais, especialmente os escritórios de advocacia, estão vivenciando um momento de mudanças institucionais significativas, as quais demandam uma redefinição na sua forma de atuação, invariavelmente relacionada com uma postura empresarial de negócio (Empson et al., 2013Empson, L., Cleaver, I., & Allen, J. (2013). Managing partners and management professionals: institutional work dyads in professional partnerships. Journal of Management Studies, 50(5), 808-844. doi: 10.1111/joms.12025; Morgan & Quack, 2005Morgan, G., & Quack, S. (2005). Institutional legacies and firm dynamics: the growth and internationalization of UK and German law firms. Organization Studies, 26(12), 1765-1785. doi: 10.1177/0170840605059156; Muzio & Faulconbridge, 2013Muzio, D., & Faulconbridge, J. (2013). The global professional service firm: 'one firm' models versus (Italian) distant institutionalized practices. Organization Studies, 37(7), 897-925. doi: 10.1177/0170840612470232). Alinhada com estudos anteriores, a presente pesquisa identificou que, em tal contexto, as organizações analisadas passaram a adotar estruturas e práticas de gestão empresariais, que dessem conta das demandas externas, aproximando-se do modelo de organização das MBPs. Paralelamente às mudanças, verificou-se que elementos típicos do modelo P2 ainda se fazem presentes. Nesse sentido, o principal aspecto evidenciado na pesquisa é a coexistência de múltiplas lógicas institucionais (Smets & Jarzabkowski, 2013Smets, M., & Jarzabkowski, P. (2013). Reconstructing institutional complexity in practice: a relational model of institutional work and complexity. Human Relations, 66(10), 1279-1309. doi: 10.1177/0018726712471407), que podem ou não serem conflituosas. As múltiplas lógicas aparecem de forma mais clara na questão das células de trabalho e nos vínculos empregatícios, que criam superiores hierárquicos e regras em geral. Assim, a autonomia na tomada de decisão e execução dos trabalhos divide espaço com a dependência de outras células, demandando uma interação com elas.

Identificou-se, ainda, que a postura gerencial reflete o fato de que as questões administrativas passam para um nível de importância maior. A adoção de formatos e práticas inspiradas nas empresas capitalistas envolve a criação de áreas funcionais especificamente administrativas e a contratação de profissionais não jurídicos. A contratação de não profissionais se tornou uma prática nos escritórios de advocacia, com objetivo de melhorar a gestão (Empson et al., 2013Empson, L., Cleaver, I., & Allen, J. (2013). Managing partners and management professionals: institutional work dyads in professional partnerships. Journal of Management Studies, 50(5), 808-844. doi: 10.1111/joms.12025). Assim, as habilidades de gestão, até então consideradas como secundárias na advocacia, ganham espaço, ocupando uma posição de destaque nas preocupações das sociedades de advogados (Hinings, 2005Hinings, C. R. (2005). The changing nature of professional organizations. In S. Ackroyd, R. Batt, P. Thompson, & P. S. Tolbert (Eds.), The Oxford handbook of work and organization (Chap. 17, pp. 405-424). Oxford: Oxford University Press.). Além disso, há o estabelecimento de políticas de gestão e de processos internos mais bem-definidos para as atividades rotineiras, visando à padronização e ao controle de procedimentos e, principalmente, à adoção de uma postura mais agressiva comercialmente, na captação de clientes e na geração de lucros.

Observou-se ainda nesta pesquisa que a expansão dos negócios e o foco ampliado de sua atuação, em sincronia com as necessidades de clientes no exterior, marcam a internacionalização das atividades dos escritórios, contrastando com a atuação local dos modelos tradicionais de organização. Os resultados estão de acordo com a pesquisa de Hitt, Bierman, Uhlenbruck e Shimizu (2006), que mostram que a internacionalização de escritórios de advocacia apresenta-se como uma estratégia de crescimento e melhor atendimento de clientes exigentes. Ao buscarem maior eficiência e eficácia operacional, essas organizações adotam novas estruturas e práticas, que garantem melhor coordenação de recursos, por meio do fortalecimento de seus sistemas de gestão (Greenwood e Lachman, 1996Greenwood, R., & Lachman, R. (1996). Change as an underlying theme in professional service organizations: an introduction. Organization Studies, 17(4), 563-572. doi: 10.1177/017084069601700401), acomodando assim novos valores profissionais como a importância da lógica empresarial (D. J. Cooper et al., 1996Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404).

A partir da descrição das três dimensões de gestão (controle estratégico, controle mercadológico-financeiro e controle operacional) definidas por Greenwood, Hinings e Brown (1990), pôde-se identificar na pesquisa algumas mudanças de postura dos escritórios quanto a esses aspectos. Por exemplo, foram estabelecidos e fortalecidos controles mais definidos e rígidos sobre a política de elaboração de estratégias (controle estratégico); maior preocupação com o estabelecimento de metas e objetivos (controle mercadológico-financeiro); e a racionalização de parte dos processos (controle operacional).

Outro ponto importante de mudança identificado diz respeito à hierarquia. Há uma estratificação do trabalho em função da especialização e da rotinização de algumas tarefas repetitivas, sendo que as de maior valor agregado são realizadas pelos profissionais mais experientes, e as tarefas mais rotineiras, operacionais e repetitivas, destinadas àqueles de nível inferior na hierarquia. A divisão do trabalho entre níveis hierárquicos em uma organização de serviços profissionais, mesmo que haja algum tipo de flexibilidade, evidencia um ponto de transição do modelo P2 para o modelo MPBs (D. J. Cooper et al., 1996Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404), já que uma das características distintivas das organizações profissionais tradicionais é manutenção da autoridade nas mãos dos profissionais, sendo estes os tomadores últimos da decisão (Miner et al., 1994Miner, J. B., Crane, D. P., & Vandenberg, R. J. (1994). Congruence and fit in professional role motivation theory. Organization Science, 5(1), 86-97. doi: 10.1287/orsc.5.1.86).

Dessa forma, as características organizacionais e de processos de trabalho destacadas pelos advogados entrevistados aproximam, por um lado, os escritórios dos formatos mais evoluídos de organizações de serviços profissionais (Greenwood et al., 1990Greenwood, R., Hinings, C. R., & Brown, J. (1990). “P2-form” strategic management: corporate practices in professional partnership. Academy of Management Journal, 33(4), 725-755. doi: 10.2307/256288), no que concerne à orientação para o mercado (Sherr, 2000Sherr, A. (2000). Professional work, professional career and legal education: educating the lawyer for 2010. Retrieved from http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1881595
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?a...
) e às preocupações com as dimensões de controle organizacional (Greenwood & Hinings, 1993Greenwood, R., & Hinings, C. R. (1993). Understanding strategic change: the contribution of archetypes. Academy of Management Journal, 36(5), 1052-1081. doi: 10.2307/256645), mas, por outro lado, os distanciam dos tradicionais escritórios jurídicos e colocam-nos em rota de colisão com os valores e práticas de trabalho que caracterizam o profissionalismo (Nordenflycht, 2010)Nordenflycht, A. von (2010). What is a professional service firm? Toward a theory and taxonomy of knowledge-intensive firms. Academy of Management Review, 35(1), 155-174.: independência e autonomia da profissão (Abel, 1986Abel, R. L. (1986). The decline of professionalism. Modern Law Review, 49(1), 1-41. doi: 10.1111/j.1468-2230.1986.tb01676.x; Kritzer, 1999Kritzer, H. M. (1999). The professions are dead, long live the professionals: legal practice in a postprofessional world. Law and Society Review, 3(3), 713-759. doi: 10.2307/3115110), não mercantilização (Greenwood & Lachman, 1996Greenwood, R., & Lachman, R. (1996). Change as an underlying theme in professional service organizations: an introduction. Organization Studies, 17(4), 563-572. doi: 10.1177/017084069601700401), relação de caráter mais pessoal com o cliente (Sherr, 2000Sherr, A. (2000). Professional work, professional career and legal education: educating the lawyer for 2010. Retrieved from http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1881595
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?a...
) e baixa especialização (D. J. Cooper et al., 1996Cooper, D. J., Hinings, C. R., Greenwood, R., & Brown, J. L. (1996). Sedimentation and transformation in organizational change: the case of Canadian law firms. Organizational Studies, 17(4), 623-647. doi: 10.1177/017084069601700404).

Apesar do esforço de modernização realizado pelas grandes sociedades de advocacia pesquisadas, como resposta adaptativa às pressões da era do pós-profissionalismo (Kritzer, 1999Kritzer, H. M. (1999). The professions are dead, long live the professionals: legal practice in a postprofessional world. Law and Society Review, 3(3), 713-759. doi: 10.2307/3115110) no Brasil, que marcou suas diferenças operacionais e mesmo ideológicas em relação à advocacia tradicionalmente praticada no país, emergiram, deste estudo, indícios de que a adesão a esse novo paradigma não foi completa. Como foi possível verificar, ainda persistem, de forma paradoxal, em suas práticas organizacionais, traços da lógica e do modus operandi profissional convencional, expressos nas informalidades presentes em procedimentos e processos específicos como, por exemplo, a ausência de regras claras para composição de equipes, de normas hierárquicas bem-definidas entre os níveis de profissionais e critérios de promoção.

Considerações Finais

O objetivo deste trabalho foi analisar os impactos das recentes transformações sobre a profissão de advocacia privada, bem como as mudanças ocorridas na forma de organização do trabalho das grandes sociedades. Para tanto, selecionou-se um grupo composto pelos mais importantes escritórios de advocacia do Brasil e entrevistou-se seus profissionais, a fim de entender as mudanças ocorridas nessas organizações, tendo em vista o novo contexto institucional que se apresenta para elas.

Pôde-se constatar que as grandes sociedades de advogados no Brasil, ao serem expostas aos efeitos das mudanças relativas à economia, à competição e às privatizações, adaptaram suas estruturas organizacionais para alavancarem sua eficiência e aproveitarem as oportunidades que surgiram por conta de demandas complexas de seus novos clientes empresariais. Nesse sentido, identificou-se que os escritórios de advocacia estão reformulando práticas e valores, até então consolidados, mas que agora ganham conotações diferentes devido à competição estabelecida no campo de atuação dessas organizações.

A investigação revelou também que a transição dos escritórios de advogados modelo P2 para formatos mais avançados de organizações de serviços profissionais (MPBs) não se completou plenamente. Apesar da existência de controles estratégico, mercadológico-financeiro e operacional mais bem-elaborados e estruturados, há a presença de traços típicos da antiga lógica profissional, expressos na informalidade de elaboração das políticas e práticas, na hierarquia flexível com oscilações entre autonomia e subordinação e nos critérios de promoções pouco claros, ainda valorizando outros atributos que não o desempenho como o principal para alcançar os maiores níveis de carreira.

Quanto às limitações deste trabalho, destaca-se a realização da pesquisa em apenas grandes escritórios de advocacia de referência nacional, cujos clientes são predominantemente empresariais. Isso traz duas implicações. Primeira, a aproximação com esses clientes pode ter sido uma causa importante da adoção de práticas de gestão de empresas capitalistas, por produzir algum tipo de legitimidade diante dos (futuros) clientes. Segunda, as práticas empresariais talvez se limitem a grandes escritórios e não sejam utilizadas em organizações menores, mesmo que as primeiras sirvam, em princípio, de referência para as segundas, pois, como afirmam Sherer e Lee (2002)Sherer, P. D., & Lee, K. (2002). Institutional change in large law firms: a resource dependency and institutional perspective. Academy of Management Journal, 45(1), 102-119. doi: 10.2307/3069287, escritórios de advocacia com grande prestígio não afetam diretamente o comportamento de organizações com menor prestígio na adoção de inovações organizacionais. Outra limitação que vale destacar diz respeito à técnica de coleta de dados, que se limitou a entrevistas e não utilizou documentos como material complementar. Na análise de mudanças institucionais, documentos históricos podem ser relevantes para traçar as transformações materializadas em regulamentações, códigos e normas de um campo institucional.

Como indicação para futuras pesquisas, sugere-se uma investigação sobre as desigualdades de gênero (Phillips, 2005Phillips, D. J. (2005). Organizational genealogies and the persistence of gender inequality: the case of silicon valley law firms. Administrative Science Quarterly, 50(3), 440-472. doi: 10.2189/asqu.2005.50.3.440), que poderiam se acirrar nos escritórios de advocacia, tendo em vista que as mudanças ocorridas direcionam a gestão para um modelo que valoriza a competição, a agressividade na prospecção de clientes e a performance dos profissionais por resultados, ou seja, atributos socialmente vinculados à figura masculina. Pesquisas futuras poderiam, ainda, explorar o contexto de mudança institucional a partir da ideia de empreendedorismo institucional (DiMaggio, 1988DiMaggio, P. J. (1988). Interest and agency in institutional theory. In L. G. Zucker (Ed.), Institutional patterns and organizations: culture and environment (pp. 3-22). Cambridge, MA: Ballinger.), com intuito de tentar entender como atores centrais da advocacia (p. ex. advogados influentes de grandes escritórios) são capazes de influenciar seus contextos institucionais, bem como seu papel na transformação de campos e instituições existentes, com a finalidade de acomodar seus próprios interesses e de seus escritórios. Por fim, seria interessante um aprofundamento a respeito do conflito entre a forma tradicional de organização do trabalho e as concepções empresariais, buscando entender como atores favoráveis a esse tipo de mudança se utilizam da linguagem e persuasão para proverem um novo esquema interpretativo (Lawrence et al., 2012Lawrence, T. B., Malhotra, N., & Morris, T. (2012). Episodic and systemic power in the transformation of professional service firms. Journal of Management Studies, 49(1), 102-143. doi: 10.1111/j.1467-6486.2011.01031.x), de forma que os demais atores possam compreender positivamente a necessidade de ajustes organizacionais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    23 Jan 2013
  • Revisado
    11 Jun 2014
  • Aceito
    19 Jun 2014
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