Open-access Empreendedorismo Sustentável e Stakeholders Fornecedores: Criação de Valores para o Desenvolvimento Sustentável

Sustainable Entrepreneurship and Supplier Stakeholders: Creating Value for Sustainable Development

Resumo

A compreensão das empresas sobre os desafios sociais e a finitude dos recursos naturais tem estimulado a criação de um tipo de empreendedorismo que contempla estratégias alinhadas às dimensões do desenvolvimento sustentável. Estudos de cunho teórico recentes destacam que a criação de valores entre a empresa e seus stakeholders é condição necessária para a sustentabilidade do negócio. Nesse contexto, o objetivo deste artigo é analisar como a inter-relação entre empresas que satisfazem critérios do empreendedorismo sustentável e dos seus stakeholders fornecedores influenciam na criação de valores que contribuam para o desenvolvimento sustentável. Para tanto, utilizou-se de abordagem qualitativa e estratégia de estudo de casos múltiplos, em que foram investigadas quatro empresas e dois de seus respectivos fornecedores. Os resultados evidenciaram que a inter-relação entre as empresas estudadas e seus stakeholders fornecedores influencia na criação de valores que contribuem para o desenvolvimento sustentável à medida que os interesses mútuos relacionados às três dimensões (ambiental, social e econômica) são considerados.

empreendedorismo sustentável; stakeholders; criação de valores; desenvolvimento sustentável

Abstract

The understanding of social challenges and natural resource limitations by enterprises has spurred the creation of a new kind of entrepreneurism that focuses on strategies aligned with sustainable development dimensions. Recently, theoretical studies have highlighted that the creation of value between an enterprise and its stakeholders is a necessary condition for the sustainability of the business. In such a context, this paper aims to analyse how the interrelation between enterprises that meet criteria of sustainable entrepreneurship and their supplier stakeholders influence the creation of values that contribute to sustainable development. For this purpose this paper used a qualitative approach based on multiple case studies that investigated four enterprises and two of their respective suppliers. The results showed that the interrelationships between the studied companies and their supplier stakeholders influence the creation of values that contribute to sustainable development in that mutual interests related to the three dimensions (environmental, social and economic) are considered.

sustainable entrepreneurship; stakeholders; creating value; sustainable development

Introdução

Pressões sociais e governamentais ocorridas nas últimas décadas, acentuadas pelas degradações ao meio ambiente, institucionalizaram a importância da sustentabilidade nas organizações (Hall & Vrendenburg, 2003). Pode-se afirmar que isso ocorreu à medida que empresas passaram a incluir estratégias voltadas ao desenvolvimento sustentável em suas atividades (Hart & Milstein, 2003).

O contexto empresarial passou a incorporar novos modelos de negócios que pudessem gerar valor sustentável e atendessem as exigências do mercado e as expectativas de seus stakeholders e da sociedade (O’Neill, Hershauer, & Golden, 2009; Pinsky, Dias, & Kruglianskas, 2013; Schategger & Wagner, 2011). Essas mudanças mercadológicas proporcionaram oportunidades de negócio para que o empreendedorismo se destacasse como fenômeno incentivador do desenvolvimento sustentável (Cicconi, 2013). Isso ocorreu à medida que passaram a abranger as dimensões social e ambiental, bem como a envolver questões relacionadas à capacidade de inovação de produtos e processos que considerassem tais aspectos (Boszczowski & Teixeira, 2012; Kuckertz & Wagner, 2010; Nobre & Ribeiro, 2013).

Destaca-se, nessa perspectiva, o empreendedorismo sustentável como forma de integrar as dimensões do desenvolvimento sustentável aos valores e às estratégias empresariais, agregando ações que gerem benefícios sociais e ambientais à atividade econômica (Cohen, Smith, & Mitchell, 2008; Cohen & Winn, 2007; Shepherd & Patzelt, 2011). Por conseguinte, esse tipo de empreendedorismo tem estimulado não somente as empresas, mas também seus stakeholders a adaptarem-se a uma nova demanda por meio da criação de valores sustentáveis (Boszczowski & Teixeira, 2012; Hall, Danek, & Lenox, 2010; Schlange, 2009).

À vista disso, ressalta-se a necessidade de estudar e compreender teorias e práticas do empreendedorismo sustentável (Cohen & Winn, 2007), destacando o contexto que envolve essas empresas e seus stakeholders (Perrini & Tencati, 2006). Também é possível observar que estudos teóricos recentes têm salientado a criação de valores entre empresas e seus stakeholders como condição necessária para a sustentabilidade do negócio (Hörisch, Freeman, & Schaltegger, 2014; Schlange, 2009).

Dessa forma, este artigo tem como objetivo analisar como a inter-relação entre empresas que satisfazem critérios do empreendedorismo sustentável e stakeholders fornecedores influenciam na criação de valores que contribuam para o desenvolvimento sustentável. Para isso, foi utilizada abordagem qualitativa, baseada na estratégia de estudo de casos múltiplos. Logo, foram investigadas quatro empresas que contemplavam as dimensões econômica, social e ambiental intrínsecas aos seus negócios, e dois de seus respectivos fornecedores. Portanto, o espectro de stakeholders investigado nesse trabalho se restringe aos fornecedores.

A partir de sua proposta, este artigo se encontra estruturado da seguinte maneira: (a) referencial teórico sobre desenvolvimento sustentável, empreendedorismo sustentável e stakeholders; (b) procedimentos metodológicos; (c) apresentação dos casos; (d) análises e resultados; (e) considerações finais.

Desenvolvimento Sustentável

O desenvolvimento sustentável é um conceito dinâmico (Gladwin, Kennelly, & Krause, 1995; Rogers, Jalal, & Boyd, 2008) que recebeu maior destaque a partir da segunda metade do século XX. Isso ocorreu especialmente a partir de conferências da Organização das Nações Unidas (ONU) nas cidades de Estocolmo (1972), Rio de Janeiro (1992), Quioto (1997) e Joanesburgo (2002); de publicações do Clube de Roma (Meadows, Meadows, Randers, & Behrens, 1972) e, sobretudo, do relatório Nosso Futuro Comum (World Commission on Environment and Development[WCED], 1987).

O desenvolvimento sustentável foi definido como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades” (WCED, 1987, p. 54). A disseminação desse conceito levou instituições a refletirem sobre o direcionamento de seus investimentos e os impactos sociais e ambientais gerados (Brüseke, 1998). Consequentemente, a ideia de um desenvolvimento sustentável, antes voltado apenas ao nível macroeconômico, também passou a abranger os níveis microeconômico e individual, envolvendo as esferas governamentais e organizacionais (Hall et al., 2010; Steurer, Langer, Konrad, & Martinuzzi, 2005).

A inserção desse conceito nas organizações recebeu especial atenção quando John Elkington cunhou o termo Triple Bottom Line (TBL), ou tripé da sustentabilidade, direcionando as empresas para uma relação consistente com os pilares: econômico (profit), ambiental (planet) e social (people) (Elkington, 2004, 2012). Por conseguinte, essa aproximação entre premissas do desenvolvimento sustentável e estratégico corroborou um movimento de mudança no âmbito organizacional (Barbieri, 2006; Sachs, 1993, 2002).

O desenvolvimento sustentável e a sustentabilidade possuem caráteres suspostamente semelhantes, mas se diferem em suas bases conceituais (Balbinot & Borim-de-Souza, 2012; Silva, 2005). Para Silva (2005), sustentabilidade significa o lugar aonde se pretende chegar (fim, objetivo maior – futuro), enquanto o desenvolvimento sustentável trata de como se chega a tal lugar (meio – presente). Por sua vez, Munck e Borim-de-Souza (2009) consideram que a sustentabilidade se refere “à capacidade de manter algo em um estado contínuo” (p. 29), representando a ideia central que direciona o desenvolvimento sustentável (Borim-de-Souza, Balbinot, Travis, Munck, & Takahashi, 2015).

Dessa forma, o desenvolvimento sustentável pode ser percebido tanto como um objetivo quanto como um processo que se utiliza de metas menores da sustentabilidade (Munck & Borim-de-Souza, 2012). Neste artigo, o desenvolvimento sustentável é entendido como um objetivo que se utiliza das metas direcionadoras da sustentabilidade, as quais, refletidas por meio das ações organizacionais, permitirão que um desenvolvimento sustentável seja realizado (Balbinot & Borim-de-Souza, 2012).

Aligleri, Aligreri e Kruglianskas (2009), Tilley e Young (2009) ressaltam que as empresas que adotam os princípios do desenvolvimento sustentável em suas estratégias, ampliam a capacidade de conduzir e repensar suas formas de gestão. Isso pode gerar mudanças e inovação em seus processos e modelos de negócios. Além disso, novas oportunidades de negócios e novos tipos de empreendedorismo podem surgir impulsionados por esse fenômeno (Parrish, 2008, 2010; Schaltegger & Wagner, 2011).

Dentre estes, pode-se destacar o empreendedorismo social, o ambiental e o sustentável, ressaltando que os dois primeiros abrangem parcialmente os princípios do desenvolvimento sustentável e podem ou não se relacionar a esse fenômeno (Dean & McMullen, 2007; Hall et al., 2010; Shepherd & Patzelt 2011; Thompson, Kiefer, & York, 2011). Já o empreendedorismo sustentável abrange simultaneamente: (a) benefícios sociais; (b) organizações economicamente viáveis; (c) redução da degradação ambiental (Thompson et al., 2011).

Observa-se, portanto, que o campo do desenvolvimento sustentável oferece a perspectiva de ampliação da ação empreendedora à medida que envolve as dimensões econômica, social e ambiental (Shepherd & Patzelt, 2011), de modo que o empreendedorismo sustentável se destaca em gerir o TBL em suas ações e valores (Schaltegger & Wagner, 2011).

A responsabilidade Social Empresarial (RSE) é outro fenômeno que também pode contribuir para o desenvolvimento sustentável (Aguinis & Glavas, 2012; Dahlsrud, 2008; Garriga & Melé, 2004), porém seu conceito se difere do conceito de empreendedorismo sustentável. Enquanto o primeiro relaciona práticas e estratégias às dimensões do desenvolvimento sustentável, o que pode ocorrer para as três dimensões ao mesmo tempo, ou para uma ou outra em destaque (Barbieri & Cajazeira, 2012), o segundo relaciona as três dimensões concomitantemente de maneira intrínseca ao negócio da empresa (Schlange, 2006; Thompson et al., 2011).

Empreendedorismo Sustentável

Segundo Boszczowski e Teixeira (2012), o empreendedorismo sustentável emerge a partir de estudos relacionados ao empreendedorismo social e ao empreendedorismo ambiental, todavia, envolve simultaneamente os princípios econômico, social e ambiental (Shepherd & Patzelt, 2011). Por ser um conceito recente (Boszczowski & Teixeira, 2012), esse tipo de empreendedorismo apresenta diferentes interpretações sobre sua definição.

Abrahamsson (2007) e Choi e Gray (2008) compreendem o empreendedorismo sustentável como uma forma de negócio que almeja o lucro, e conduz seus objetivos em direção à sustentabilidade ao integrar as dimensões econômica, social e ambiental. Thompson, Kiefer e York (2011), Schlange (2006) e Parrish (2008) apontam que o empreendedorismo sustentável se fundamenta nos pilares do desenvolvimento sustentável ao buscar, por meio de suas atividades, ações que integrem e beneficiem a sociedade e o ambiente natural. Com isso, empresas voltadas a esse tipo de empreendedorismo abrangem o TBL como orientação de seus valores e de suas práticas.

O’Neill, Hershauer e Golden (2009) e Schlange (2009) também entendem o empreendedorismo sustentável como aquele que integra concomitantemente os aspectos econômico, social e ambiental às suas estratégias. Tais autores ainda incluem em seus estudos a perspectiva dos stakeholders. Esse último aspecto é abordado abrangendo a criação de valores entre as empresas e as partes interessadas, envolvidas e afetadas pelos seus negócios (Hörisch et al., 2014).

Adicionalmente, o empreendedorismo sustentável também é percebido como fonte de inovação à medida que procura romper com os métodos tradicionais de produção, estruturas e padrões de consumo. Tais mudanças possibilitam soluções que reduzem o impacto ambiental e geram benefícios para a sociedade (Gerlach, 2003; Kuckertz & Wagner, 2010; Schaltegger & Wagner, 2011).

Por sua vez, autores como Cohen e Winn (2007) e Dean e McMullen (2007) expressam que o empreendedorismo sustentável é proveniente de falhas e oportunidades de mercado que possibilitam o surgimento de novos negócios e estabelecem as bases para um tipo de empreendedorismo que busca obter renda e contribuir com melhores condições sociais e ambientais para a sociedade. Nesse sentido, Shepherd e Patzelt (2011) explicam que as oportunidades para realizar novos processos, bens e serviços precisam ser aproveitadas considerando os benefícios à natureza e à comunidade. Para os autores, os ganhos do empreendedorismo sustentável centram-se em ganhos econômicos para a empresa, e não econômicos (benefícios) para indivíduos, economia e sociedade.

Por ser considerado um campo de pesquisa recente (Boszczowski & Teixeira, 2012; Dean & McMullen, 2007), o empreendedorismo sustentável possui várias interpretações. Neste artigo, o tema é compreendido em coerência com o conceito de triple bottom line, envolvendo intrinsecamente no negócio as dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento sustentável (Parrish, 2008; Schlange, 2006; Thompson et al., 2011). Desta forma, foram seguidos os critérios para o empreendedorismo sustentável propostos por Schlange (2006), apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Critérios do Empreendedorismo Sustentável

Com base nos critérios da Tabela 1, observa-se que o empreendedorismo sustentável, como adotado neste artigo, abrange as dimensões econômica, ambiental e social, a fim de propagar os princípios do desenvolvimento sustentável, corresponder e se relacionar às expectativas de seus stakeholders, bem como gerar valores à sociedade (Aligleri, Aligreri, & Kruglianskas, 2009; Parrish, 2010; Tilley & Young, 2009).

Schlange (2006, 2009) argumenta que o empreendedorismo sustentável se concentra em criar valores sustentáveis com base nos fatores econômico, social e ambiental; e que a integração desses fatores contribui para a sobrevivência da empresa no longo prazo, à medida que seus valores são compartilhados entre seus stakeholders. Desse modo, a sustentabilidade se torna fonte de criação de valores na empresa e norteadora dos objetivos do negócio, contribuindo na escolha dos seus stakeholders, uma vez que ambos deverão compartilhar valores e benefícios.

Stakeholders

O conceito de stakeholder adotado neste artigo é o proposto por Freeman (1984), que define a expressão como qualquer indivíduo ou grupo que pode afetar ou é afetado pelos objetivos e pelas atividades de uma organização. Stakeholders podem ser pessoas ou quaisquer grupos que possuam interesses legítimos nas atividades de determinada organização, ao mesmo tempo em que esta também possui interesse em se relacionar com tais grupos ou pessoas (Donaldson & Preston, 1995).

Segundo Clarkson (1995), os stakeholders podem ser classificados em primários e secundários, de acordo com seus interesses na empresa. Stakeholders primários são aqueles que participam diretamente nas ações da empresa, e possuem elevado grau de interdependência. Esse grupo é composto por acionistas e investidores, empregados, clientes e fornecedores, os quais atuam simultaneamente com aqueles considerados stakeholders públicos, como os governos e as comunidades. Já os stakeholders secundários são aqueles considerados marginais ou não diretamente relacionados às atividades da empresa. Contudo, são influenciados e impactados pelas atividades desta, e podem também influenciá-las ou afetá-las. O grupo é composto pelas Organizações Não Governamentais (ONGs), pela mídia e pela sociedade civil (Barbieri & Cajazeira, 2012).

O entendimento desses grupos possibilita compreender a complexidade das relações gerenciadas pela empresa, considerando os direitos, objetivos, expectativas e responsabilidades referentes a cada ator que compõe tais grupos (Clarkson, 1995). A teoria do stakeholder considera, portanto, que a empresa deve procurar atender os interesses de seus stakeholders atuando como agente (princípio da legitimidade), devendo fazê-lo também para garantir a sobrevivência da empresa e os benefícios advindos dessa relação em longo prazo (princípio fiduciário) (Barbieri & Cajazareira, 2012; Freeman, 1984).

Freeman, Wicks e Parma (2004) afirmam que a teoria do stakeholder abrange a criação de valor como parte da negociação, pois envolve stakeholders que compartilham o sentimento de valor criado e são incentivados a cumprir seu propósito de acordo com o relacionamento estabelecido. Phillips, Freeman e Wicks (2003) complementam que a teoria não se restringe somente às corporações, uma vez que pode ser relacionada a outras formas de organização, independente do tamanho ou do modo como são constituídas. É possível também direcionar diferentes aspectos na gestão, como em temáticas de empreendedorismo, sustentabilidade e outras (Freeman, Harrison, Wicks, Parmar, & De Colle, 2010).

Konrad, Steurer, Langer e Martinuzzi (2006), Steurer (2006) e Steurer, Langer, Konrad e Martinuzzi (2005) procuram aproximar a teoria do stakeholder da temática do desenvolvimento sustentável, com o intuito de incluir as dimensões econômica, social e ambiental no contexto empresarial e na criação de valores entre as empresas e seus stakeholders.

Em seu artigo sobre o estudo da sustentabilidade sob a perspectiva da teoria dos stakeholders, Hörisch, Freeman e Schaltegger (2014) acentuam o interesse mútuo de criação de valores da sustentabilidade entre todas as partes envolvidas em negócios que possuem sua gestão centrada na sustentabilidade. Os autores explicam que isso ocorre pois a compreensão das organizações é ampliada para além da visão da geração de lucros, salientando sua interação com os contextos social e ecológico.

Destaca-se neste artigo que valores são representados por critérios que orientam a forma de ação (Parra, 2013). Portanto, valores sustentáveis são compreendidos por meio de critérios que consideram os princípios do desenvolvimento sustentável, de modo que o valor econômico é gerado a partir da contribuição para a sustentabilidade (Hörisch et al., 2014).

Nesse sentido, Perrini e Tencati (2006) concordam que empresas que consideram as dimensões econômicas, sociais e ambientais em suas estratégias e seu desempenho são direcionadas por valores característicos da sustentabilidade. Esses valores devem ser criados e compartilhados a partir da inter-relação entre a empresa e seus stakeholders (Figge & Schaltegger, 2000; Parmar et al., 2010; Perrini & Tencati, 2006; Starik & Kanashiro, 2013).

Schlange (2009) complementa que lidar com stakeholders sob a perspectiva do empreendedorismo sustentável envolve o estabelecimento intencional de sua rede de relações sociais. Assim, todos os stakeholders primários envolvidos devem estar centrados nesse contexto específico, uma vez que gerar valor social, ambiental e econômico para esse grupo é um dos fatores que contribuirão para a consolidação da empresa (Clarkson,1995; Freeman et al., 2010; Hillman & Keim, 2001).

Empresas que se direcionam ao empreendedorismo sustentável buscarão disseminar valores sustentáveis a partir da interação entre seus diversos stakeholders, à medida que permitem a confluência e a criação de valores mútuos orientados por princípios da sustentabilidade (Parmar et al., 2010; Perrini & Tencati, 2006). Hörisch et al. (2014) ainda apontam que essas empresas focam suas relações nos interesses mútuos para o enraizamento e a propagação de valores sustentáveis ao longo da cadeia de seus stakeholders para outras partes interessadas.

Procedimentos Metodológicos

Essa pesquisa se caracteriza pela abordagem qualitativa (Creswell, 2010), e tem por estratégia o estudo de casos múltiplos, por proporcionarem explicações teóricas mais robustas, uma vez que se fundamentam em diversas experiências empíricas (Eisenhardt, 1989; Eisenhardt & Graebner, 2007).

Nesse sentido, os casos foram selecionados de modo intencional (Creswell, 2010), atentando-se aos critérios propostos por Schlange (2006) e apresentados na Tabela 1. A escolha dos casos se deu à medida que se percebeu a particularidade e a experiência dos atores organizacionais envolvidos diante do problema investigado possibilitariam o entendimento do fenômeno em análise (Flick, 2009; Patton, 2001). Empresas de diferentes estados brasileiros foram selecionadas. Na seleção dos stakeholders, foi utilizada a técnica bola de neve (Collis & Hussey, 2005) para que os entrevistados das empresas pudessem indicassem dois de seus fornecedores.

Estudaram-se quatro empresas que contemplam as dimensões econômica, social e ambiental intrínsecas aos seus negócios e dois de seus respectivos fornecedores. Portanto, o espectro de stakeholders investigado neste trabalho se restringiu a fornecedores. Dessa forma, foram realizadas doze entrevistas semiestruturadas (Corbetta, 2003) com os gestores de cada uma das empresas selecionadas e seus fornecedores, no período de agosto a outubro de 2014. Tais entrevistas foram registradas em gravador de áudio, resultando em aproximadamente 10 horas de gravação. Ressalta-se que algumas entrevistas foram realizadas por meio de interface tecnológica ou por telefone, devido às empresas se localizarem distantes da localização dos pesquisadores.

Também foi utilizada a análise de documentos a fim de corroborar, complementar ou mesmo negar as demais fontes de evidências utilizadas (Yin, 2015). Desse modo, tal análise foi verificada por meio de informações disponíveis em matérias publicadas na mídia (reportagens em internet, televisão e sites institucionais), bem como por materiais (dados primários e secundários) cedidos pelas empresas.

Com relação aos stakeholders, verificaram-se as práticas descritas pelos fornecedores que estão associadas às dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento sustentável. Foram verificados, por meio de ações, os valores compartilhados ou criados entre cada uma das empresas e seus respectivos fornecedores. Realizou-se esse procedimento para, em seguida, relacionar tais valores às dimensões econômica, ambiental e social do desenvolvimento sustentável, mostradas na Tabela 2.

Tabela 2
Dimensões do Desenvolvimento Sustentável e Critérios de Verificação

Para analisar os dados coletados frente aos critérios definidos, foi utilizada a análise de conteúdo seguindo as três fases delineadas por Bardin (2011): (a) a pré-análise – leitura e definição das categorias de desenvolvimento sustentável, empreendedorismo sustentável e stakeholders; (b) a exploração do material – realização da leitura do material transcrito para e codificação dos dados perante as categorias e os critérios de análise; revisão das codificações ou efetivação de recodificações; (c) tratamento dos resultados, inferência e interpretação – primeiro foi feita a análise individual (within case), para, em seguida, realizar a análise cruzada (cross case) dos resultados interpretados.

Apresentação dos Casos

A fim de manter e respeitar o direito de privacidade de todos os envolvidos, optou-se por não divulgar os nomes das empresas nem dos entrevistados, para os quais foram atribuídos letras e números. As quatro empresas estudadas foram denominadas A, B, C e D e seus respectivos pares de fornecedores: A1 e A2, B1 e B2, C1 e C2, D1 e D2.

A empresa A é uma fábrica de cosméticos feitos à base de café certificado, fundada há oito anos na cidade de Três Pontas, Estado de Minas Gerais. A farmacêutica e proprietária, entrevistada nesta pesquisa, explicou que a empresa, de médio porte, possui em torno de 150 funcionários, entre colaboradores diretos e indiretos. Constituída após três anos, em parceria com universidades e instituições de pesquisa, A utiliza o café certificado na elaboração de seus produtos, bem como possui rastreabilidade dessa matéria-prima. A certificação e a rastreabilidade refletem em A seu conceito de redução do impacto social e ambiental, bem como demonstram seu caráter sustentável.

O fornecedor A1 é uma fazenda de café, situada na cidade de Pouso Alegre, também em Minas Gerais. A1 atua no mercado há mais de três décadas, e há dez anos possui certificação internacional em todo seu café comercializado. A certificação e a rastreabilidade possibilita que ações sustentáveis sejam desenvolvidas tanto no plantio como na produção da matéria-prima. Fornecedor há sete anos de todo o café certificado utilizado pela empresa A, A1 segue as exigências determinadas pela Certificadora, bem como as condições impostas por sua parceira.

O fornecedor A2 é uma empresa criada no ano de 2004, a qual tem sua unidade industrial na cidade de Pouso Alegre, Minas Gerais. A2 comercializa o bisabolol da candeia e outros ativos para a indústria cosmética. Suas ações de sustentabilidade podem ser verificadas pela origem orgânica de sua matéria-prima, comprovada por certificação, e a preocupação com a forma de manejo. Conforme argumentação do biólogo e fundador-proprietário, as ações mencionadas caracterizam o produto como específico para cosmético que utilize rastreabilidade em sua produção. Com isso, o interesse em se tornar fornecedor da empresa A se deu por parte do fornecedor A2, e a parceria ocorre há aproximadamente um ano.

A empresa B, fundada há sete anos, na cidade de Curitiba, Paraná, comercializa cosméticos com insumos orgânicos rastreados. Classificada como pequena empresa, B possui 8 funcionários e quatro franquias, duas localizadas no Estado de São Paulo, uma no Ceará e outra no Estado do Paraná, na própria cidade de Curitiba. Conforme explicação da socióloga e farmacêutica, fundadora da empresa, os produtos de B possuem o percentual de organicidade no rótulo. Essa atitude contribui para garantir a não existência de substâncias agressoras à saúde, bem como para atestar a existência de um produto vegano. Tais certificação e rastreabilidade dos insumos demonstram a preocupação com o manejo orgânico e reforçam o direcionamento sustentável da empresa.

O fornecedor B1 é uma pequena indústria de cosméticos fundada no ano 2000, situada na cidade de Curitiba, Paraná, e atua na terceirização de produtos. O interesse pela área de orgânicos surgiu a fim de atender seus clientes e iniciar a relação de fornecimento com a empresa B. Para isso, foi necessário que B1 cumprisse as especificações da Certificadora para produtos orgânicos escolhida pela empresa B, de modo que as ações voltadas à sustentabilidade se encontram em fase inicial. A entrada e a permanência no setor de orgânicos, bem como o cumprimento dos requisitos, contribuíram para que a relação de fornecimento e parceria com a empresa B perdurasse há aproximadamente seis anos.

O fornecedor B2 é uma indústria de cosméticos fundada há aproximadamente quinze anos, na cidade de Dois Irmãos, Rio Grande do Sul. B2 produz bases glicerinadas e passou a fabricar cosméticos orgânicos após contato e autorização da Certificadora. Após a certificação de produtos orgânicos, algumas ações de sustentabilidade passaram a ser praticadas a fim de atender as exigências do setor. Por intermédio da Certificadora, a empresa B contatou B2, o que proporcionou a parceria que ocorre há cinco anos.

A empresa C foi fundada há vinte e sete anos na cidade de Maringá, no Estado do Paraná. Trata-se de uma pequena empresa que atua na produção de fios e tecidos de seda feitos artesanalmente com matéria-prima que seria descartada pela indústria. De acordo com o relato do zootecnista, fundador e gestor da empresa, a preocupação com a sustentabilidade surgiu ao instituir C, pois, mesmo sem essa denominação, a ideia da empresa pautava-se no propósito de integrar fiação artesanal por meio de tear manual e utilização de tingimento vegetal; responsabilidade social, ao empregar pessoas da comunidade em que reside, onde está instalada a empresa; viabilidade econômica ao constituir-se como tal. Sediada dentro de um bairro carente da cidade, C possui vinte funcionários e se destaca pela produção de fios rústicos, confeccionados para decoração e mercado da moda.

O fornecedor C1 é uma grande empresa fundada no ano de 1940, no munícipio de Bastos, São Paulo, a qual possui sua matriz na cidade de Londrina, Paraná. A empresa produz fios e resíduos de seda. Para gerir sua produção de maneira sustentável, C1 possui certificação ISO 1401. Contudo, a relação de parceria entre C1 e a empresa C ocorre há vinte e sete anos, no fornecimento de casulos não utilizados na produção de C1 (que seriam descartados).

O fornecedor C2 é uma média empresa fundada há aproximadamente 12 anos na cidade de Nova Odessa, São Paulo. A empresa consiste em tinturaria de fios e fiação de fios especiais. Suas ações relacionadas à sustentabilidade ocorrem no tratamento de efluentes e destinação correta dos resíduos sólidos. A relação de fornecimento e parceria com a empresa C surgiu há quatro anos.

A Empresa D é uma pequena empresa fundada há aproximadamente quinze anos, na cidade de Manaus, Amazonas. É especializada na fabricação de bombons com recheio de doces de frutas regionais. Segundo relato do proprietário e gestor da empresa, a ideia de se tornar sustentável foi construída aos poucos, a partir da exigência de clientes em relação às suas embalagens. Em parceira com um artesão local e com o apoio do governo de seu estado, D passou a reaproveitar insumos de matéria-prima usada em sua fabricação, bem como a utilizar subprodutos da floresta amazônica. Passou também a treinar pessoas dos municípios vizinhos e comunidades indígenas para a fabricação dessas embalagens.

O Fornecedor D1 é uma gráfica localizada na cidade de Manaus, atuante no mercado há quatro anos, a qual faz todo o trabalho de impressão de gráfica, mas se diferencia pelo uso de papel reciclado em várias gramaturas, caixas e embalagens. A preocupação de D1 com a sustentabilidade ainda é incipiente, com poucas ações, algumas surgidas a partir da parceria iniciada há três anos com a empresa D.

O Fornecedor D2 é um artesão autônomo residente em Manaus, que atua há mais de trinta anos com essa atividade. A preocupação com a sustentabilidade pode ser verificada na reutilização de resíduos da floresta amazônica, tanto no produto como no verniz usado no acabamento (resina natural). D2 é fornecedor de embalagens e parceiro em treinamentos e cursos para novos artesãos promovidos por D, há quinze anos.

Análises e Resultados

Realizou-se análise cruzada (cross-case) das informações obtidas com a finalidade de expor novas evidências (Eisenhardt, 1989). Dessa forma, os quatro casos analisados encontram-se resumidos na Tabela 3. Posteriormente são apresentadas as contribuições em destaque referentes a cada caso, complementando com ideia geral (quatro casos) sobre essa dimensão de análise. Em seguida, são expostas as principais reflexões e os valores associados às dimensões do desenvolvimento sustentável das empresas e seus stakeholders. Por fim, são destacados os resultados obtidos por todas as dimensões analisadas. A Tabela 3, portanto, sintetiza as atividades das empresas A, B, C e D associadas aos critérios definidos por Schlange (2006).

Tabela 3
Síntese das Atividades de A, B, C e D Associadas aos Critérios do Empreendedorismo Sustentável

Ao observar os indicadores que abordam as três áreas que compõem o empreendedorismo sustentável, conforme Tabela 3, destaca-se na área econômica a possibilidade de desenvolver um negócio a partir de oportunidades de mercado (Cohen & Winn, 2007; Dean & McMullen, 2007) que estimulem o surgimento de novas empresas. Tal questão pode ser evidenciada na empresa A, quando a entrevistada declara: “buscando um diferencial para a marca, surgiu a ideia de desenvolver uma pesquisa e um estudo pioneiro sobre as propriedades do café pra uso externo. Então, fiz parceria com algumas universidades, instituições de pesquisa ... e foi a partir daí que surgiu a ideia de desenvolver a empresa” (EA).

Observa-se, nesse caso, o interesse em explorar oportunidades de mercado que comportassem a ideia de cosméticos com matéria-prima certificada e rastreada. Sobretudo, contata-se a parceria junto a universidades e instituições de pesquisa como elemento impulsionador do negócio, uma vez que essa cooperação pode proporcionar a possibilidade de inovar, gerando novos conhecimentos e tecnologias.

Ao verificar na empresa B a ênfase dada à transmissão do conceito de cosméticos orgânicos rastreados e certificados, conforme destacado pela entrevistada quando afirma: “a gente procura sempre ter uma informação com garantia, ... não é a venda de produto, ... a gente simplesmente trabalha com a informação do conceito, para que o cliente busque uma melhor qualidade de vida” (EB), é possível destacar a preocupação da empresa com a sociedade por meio de suas ações informacionais, bem como com o meio ambiente (Pacheco et al., 2010; Shepherd & Patzelt, 2011), corroborando a forma como o empreendedorismo sustentável se torna um meio para gerar valor sustentável à população.

O empreendedorismo sustentável é caracterizado por relacionar as características econômicas do empreendedorismo tradicional à criação bens e serviços que sustentem o ambiente ecológico e social, mesmo que em diferentes proporções. Isso ocorre com o propósito de gerar ações que, de alguma forma, contribuam para o desenvolvimento da sociedade (Hockerts & Wüstenhagen, 2010; Patzelt & Shepherd, 2011). Essas particularidades, acentuadas pela literatura, podem ser observadas no argumento do entrevistado da empresa C, quando este afirma:

“Eu queria fazer trabalho comunitário, mas com rendimento. Daí, nesse dia, eu pensei a empresa C, em 1988 ... pensei em fazer uma fiação de seda artesanal, tingimento vegetal, que não tinha.... Não tinha tingimento vegetal com produtos brasileiros, e tecelagem manual ... isso aí é a base, vai ser o primeiro pé do tripé, fiação de seda artesanal, tingimento vegetal e tear manual .... Segundo fator, a responsabilidade social, empregar essas pessoas, ... fazer essas pessoas melhorarem dentro da comunidade. Então segundo, foi responsabilidade social, e o terceiro fator do tripé, viabilidade econômica, ser realmente uma empresa.... Esse foi o pensamento.” (EC)

Com base no trecho destacado, infere-se a orientação sustentável da empresa como parte integrante de seu sistema de valor, verificada na intenção de fundar uma empresa que fizesse fiação artesanal, envolvesse a comunidade para operacionalização desse processo e tivesse tingimento vegetal. Com isso, é possível verificar a concepção da empresa baseada na meta do desenvolvimento sustentável ao gerir os elementos que compõem o triple bottom line (Parrish, 2008; Schlange, 2006; Thompson et al., 2011), bem como a maneira como cada um foi sendo pensado para constituir a empresa e se manter como sua orientação de valor.

A forma como as oportunidades empreendedoras podem ser aproveitadas, associando ao aspecto econômico a solução para problemas ambientais e sociais, caracteriza o empreendedorismo sustentável (Schaltegger & Wagner, 2011; Shepherd & Patzelt, 2011). Percebe-se, portanto, que oportunidades advindas do mercado, da comunidade ou mesmo dos próprios clientes pode ser formas de direcionar empresas rumo ao desenvolvimento sustentável (Cohen & Winn, 2007; Hockerts & Wüstenhagen, 2010).

Essa questão é percebida na empresa D: quando incentivada por seus clientes, passou a utilizar resíduos gerados no seu processo de produção para confeccionar embalagens, feitas por artesãos locais, indígenas, ribeirinhos. Assim, a empresa constituiu treinamentos para as comunidades que abrangiam esses atores, a fim de ensiná-los sobre o manuseio e a transformação desses insumos naturais em embalagens. Para tanto, segundo o entrevistado, a atuação e o apoio do governo do Estado do Amazonas e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) foram imprescindíveis para obter acesso aos municípios vizinhos e às aldeias indígenas, conforme se observa na seguinte declaração:

“Nós aprovamos um projeto junto à FAPEAM em que alguns municípios do Estado do Amazonas foram beneficiados. Só foi possível chegar a tais municípios porque houve apoio por parte do governo do estado, pois viajar para o interior amazônico é muito complicado devido à distância dos municípios e às formas de acesso.” (ED)

Percebe-se, nesse caso, as atuações do governo e da agência de fomento como impulsionadores para que as ações da empresa perante a comunidade pudessem ser desenvolvidas. Esse tipo de atitude, de certa forma, possibilita a disseminação dos valores sustentáveis empregados pela empresa para a sociedade. Infere-se, portanto, o envolvimento dos stakeholders públicos como agentes atuantes na disseminação desses valores.

Ainda ao analisar os dados da Tabela 3, é possível notar a predominância de uma ou outra dimensão que compõe os critérios do empreendedorismo sustentável. Desse modo, na empresa A percebe-se a predominância para a dimensão econômica; já as empresa B e D enfatizam seus valores na dimensão social, seguindo a orientação econômica. Por outro lado, a empresa C procura equilibrar as três dimensões (como declarado em sua missão), de modo que foi constituída e depois operacionalizada sob o conceito sustentável.

Desta forma, compreende-se que o fato de empresas que se direcionam ao empreendedorismo sustentável possuírem inclinação para alguma das três dimensões não se sobrepõe ao conceito que empregam. Isso acontece, uma vez que as ações e os valores dessas empresas se mantêm em consonância com os princípios do desenvolvimento sustentável.

Em outra etapa, após identificar a atuação dos fornecedores junto às empresas A, B, C e D, foi possível verificar os valores criados e/ou compartilhados com as dimensões do desenvolvimento sustentável, como apresentado na Tabela 4.

Tabela 4
Valores Associados às Dimensões do Desenvolvimento Sustentável (DS)

Após análise da Tabela 4, observa-se que as empresas A e C e seus respectivos fornecedores demonstram ações efetivas relacionadas às três dimensões do desenvolvimento sustentável. Isso possibilita compreender que as ações da empresa correspondentes a cada dimensão se complementam pelas ações empreendidas em cada critério por seus fornecedores. Destaca-se também que tais atitudes podem ser ampliadas em relações com outros stakeholders.

Nesse sentido, é possível argumentar que a inter-relação entre esses atores se constitui a partir de um interesse mútuo (Hörisch et al., 2014; Steurer et al., 2005), não estando centradas apenas em desenvolver a questão econômica. Em tais empresas se estabelece uma relação intrínseca com base nos aspectos sociais e ambientais. Logo, nota-se que o desenvolvimento sustentável é constatado de maneira efetiva quando há ações complementares e engajamento entre as empresas (Steurer, 2006); que não impliquem imposições para criar valores correspondentes aos critérios ambientais e sociais, mas que demonstrem uma relação de ganhos mútuos para ambas.

Por outro lado, nas empresas B e D algumas dimensões do desenvolvimento sustentável se destacaram junto aos seus fornecedores. Na empresa B, destacaram-se os critérios referentes às dimensões econômicas e ambientais, o que pode ser ressaltado pela oportunidade advinda de um produto específico de mercado. Seus fornecedores preocuparam-se com as exigências normativas impostas para o fornecimento, à medida que aproveitaram uma oportunidade mercadológica (Cohen & Winn, 2007) para satisfazerem a solicitação da demanda. Não obstante, ainda é possível afirmar que há certa contribuição para o desenvolvimento sustentável, pois nessa interação há o papel predominante dos valores disseminados pela empresa B.

Já na empresa D, sobressaíram os critérios referentes às dimensões econômica e social, e, por consequência, a ambiental, tendo em vista que resíduos naturais são para a fabricação de um de seus produtos: as embalagens artesanais. Essas embalagens são produzidas por pessoas provenientes de comunidades de municípios vizinhos e etnias indígenas. O treinamento realizado por D possibilitou profissionalizar essas pessoas como artesãos, bem como fomentar a renda pessoal e do município, ao mesmo tempo em que a oferta da empresa é suprida. Nesse caso, atitudes que contribuam para o desenvolvimento sustentável podem ser constatadas a partir das ações de parceria (Hörisch et al., 2014; O’Neill et al., 2009) desempenhadas pela empresa e seus fornecedores, as quais podem set evidenciadas pelos valores mútuos sustentáveis envolvidos.

Apesar das dimensões se diferenciarem em alguns pontos, caso a caso, nota-se que isso não é um fator limitante para o empreendedorismo sustentável, pois as empresas e seus fornecedores compartilham valores de caráter econômico, social e ambiental. Portanto, ao aproximar a discussão envolvendo a empresa e seus stakeholders fornecedores, torna-se possível situar que é a partir dos valores criados e/ou compartilhados e do engajamento mútuo (Freeman et al., 2010; Hörisch et al., 2014; Perrini & Tencati, 2006) que as empresas podem contribuir para um desenvolvimento sustentável.

Ressalta-se ainda que as universidades e os institutos de pesquisa, assim como o governo e as agências de fomento podem atuar como agentes impulsionadores do empreendedorismo sustentável. Isso ocorre ao possibilitarem meios que facilitem ou aprimorem as ações dessas empresas, ações estas que podem se refletir na capacidade inovadora e de produção das empresas, bem como em benefícios para a sociedade.

Assim, partindo da ideia defendida pelos autores Figge e Schaltegger (2000), Perrini e Tencati (2006) e Shepherd e Patzelt (2011), é possível verificar que o valor sustentável criado por tais tipos de empresas junto aos seus fornecedores pode contribuir para o desenvolvimento sustentável à medida que suas ações relacionadas aos aspectos ambientais e sociais se traduzem em benefícios para os indivíduos, sejam funcionários ou comunidade. Contribuições também podem ser percebidas por meio da conservação dos recursos naturais, da igualdade de oportunidades, apoio à educação e geração de emprego e renda.

Considerações Finais

Esta pesquisa teve por objetivo analisar como a inter-relação entre as empresas que satisfazem critérios do empreendedorismo sustentável e seus stakeholders fornecedores influencia na criação de valores que contribuam para o desenvolvimento sustentável. Para isso, foi realizado estudo de casos múltiplos com quatro empresas que comportam os princípios econômicos, ambientais e sociais intrínsecos ao negócio, bem como dois de seus stakeholders fornecedores.

Percebe-se, a partir dos resultados, que o desenvolvimento sustentável não ocorre a partir do esforço de apenas um ator social, mas se dá por meio de suas inter-relações com os demais atores. Essa questão pode ser evidenciada ao passo que o recorte da empresa para com os stakeholders fornecedores possibilita em primeiro instante, um limiar para a compreensão dos aspectos que estimulam e conduzem a esse desenvolvimento.

Nota-se, portanto, que a partir do conceito de valor sustentável disseminado aos seus stakeholders, as empresas que condizem ao empreendedorismo sustentável, buscam criar, compartilhar ou mesmo introduzir tais valores a esses interessados. Apesar da intensidade das dimensões se diferenciarem em alguns dos casos analisados, percebe-se que isso não se contrapõe aos critérios do empreendedorismo sustentável, já que as empresas e seus fornecedores compartilham valores de caráter econômico, social e ambiental. Portanto, infere-se que, conforme as ações relacionadas aos aspectos ambientais e sociais se traduzem em benefícios para a sociedade, o valor sustentável criado e compartilhado por tais empresas junto aos seus fornecedores pode contribuir para o desenvolvimento sustentável.

Desta forma, como principais contribuições desta pesquisa, destacam-se: (a) o engajamento entre os atores na geração de valores para o desenvolvimento sustentável ocorrerá ao longo da cadeia de stakeholders da empresa, podendo se estender à cadeia de seus stakeholders; (b) empresas que correspondem ao empreendedorismo sustentável contribuem por iniciativa própria para as dimensões econômica, ambiental, social e ambiental do desenvolvimento sustentável; (c) ações normativas para o fornecimento, impostas pelas empresas que condizem ao empreendedorismo sustentável, criam oportunidades mercadológicas para que os fornecedores adotem valores que contribuam para as três dimensões do desenvolvimento sustentável. Desta forma, nota-se que, à medida em que há engajamento entre esses agentes, alguns desses fornecedores passam a incorporar estratégias relacionadas ao TBL, criando valores e interesses mútuos que contribuam para o desenvolvimento sustentável.

Partindo da ideia de que o envolvimento de outros stakeholders pode trazer novas perspectivas para a criação de valores e sua disseminação na sociedade, sugerem-se estudos que abranjam outros stakeholders, ou mesmo que envolvam toda a cadeia de stakeholders de uma empresa. O propósito seria destacar como se dá a geração de valores sustentáveis, ressaltando as similaridades e as diferenças entre os atores investigados.

Cabe destacar, a importância de investigar a atuação das universidades e institutos de pesquisa, assim como o governo e as agências de fomento como agentes impulsionadores do empreendedorismo sustentável. Tal questão, ainda não levantada pela literatura deste tipo de empreendedorismo, pode servir para investigações futuras à medida que esses agentes podem possibilitar meios que facilitem ou aprimorem as ações dessas empresas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    12 Fev 2015
  • Revisado
    01 Dez 2015
  • Aceito
    07 Dez 2015
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