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A contribuição da universidade para o desenvolvimento da informática no Brasil

ESPECIAL

A contribuição da universidade para o desenvolvimento da informática no Brasil

Victor Prochnik

Professor Adjunto da Faculdade de Economia e Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Pesquisador do Instituto de Economia Industrial da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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I. INTRODUÇÃO

Neste texto procura-se avaliar, em grandes linhas, a contribuição das universidades brasileiras para o desenvolvimento da informática no Brasil. Mostra-se o declínio dessa participação e apresenta-se, ao final, uma proposta, dos centros de pesquisa universitária, para inverter essa tendência.

Para cumprir esses objetivos é necessário, inicialmente, recuperar algumas das conclusões de um trabalho anterior(1 1 . PROCHNIK, Victor. "A Cooperação Universidade/Empresa: tendências internacionais recentes no setor de informática" in: Revista de Administração de Empresas, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, vol. 28, nº 1,1988. ), em que foram apresentadas as principais tendências internacionais da interação universidade/empresa no setor da informática. Mostrei, naquele texto, que a interação entre universidades e empresas, neste setor, nos países desenvolvidos, está crescendo, o que pode ser atribuído a várias causas concomitantes:

I. a proximidade entre as pesquisas realizadas nas universidades e as tecnologias em desenvolvimento nas empresas;

II. a importância da geração de progresso técnico como fator de competição entre as empresas desse setor;

III. modificações nas formas de financiamento das pesquisas universitárias, mais direcionadas, atualmente, para demandas específicas associadas a pesquisas de caráter aplicado;

IV. as atitudes, mais favoráveis, dos grupos acadêmicos com relação a esse tipo de pesquisa; e

V. o apoio crescente dos governos nacionais a esquemas de cooperação entre universidades e empresas.

A proximidade existente entre o conteúdo do trabalho desenvolvido nos centros universitários de pesquisa e nos departamentos de pesquisa e desenvolvimento das empresas é um tópico importante para o entendimento da linha de argumentação aqui apresentada. Por isso, é importante abordá-la mais detalhadamente.

Essa proximidade significa, por um lado, que boa parte das pesquisas em ciências da computação tem um grande potencial de aplicação, a partir de um esforço, maior ou menor, de desenvolvimento técnico e experimental. A influência da pesquisa científica sobre os rumos e o ritmo do progresso técnico na informática é de tal ordem que essa indústria é usualmente classificada entre os setores science-based.

A evolução da tecnologia gerada nas empresas, por outro lado, influencia, muitas vezes, a direção dos trabalhos científicos. Observa-se também que a solução de muitos problemas tecnológicos precede a sua explicação científica. Além do incentivo intelectual que esses problemas e a sua solução apresentam, os mecanismos de financiamento à pesquisa dão prioridade a sua investigação, reforçando a influência da tecnologia sobre a pesquisa científica.

Por último, novos rumos para o trabalho acadêmico também são fruto do desenvolvimento técnico de instrumentos e aparelhos científicos. O computador, visto aqui como um instrumento, fornece um bom exemplo: a Petrobrás contratou um grupo de matemáticos da PUC-RJ para simular, em computador, formas de extração secundária de petróleo. Os resultados positivos levaram a empresa a, além de renovar os contratos, financiar teses teóricas em modelos de simulação, estimulando esse ramo da ciência.

Existe, portanto, uma forte interação, na área de informática, como em outros campos, entre a evolução das pesquisas científicas e o desenvolvimento tecnológico. Outro exemplo dessa interação é o impulso que a invenção do transistor, em 1948, deu à física do estado sólido que, por sua vez, muito contribuiu para o avanço tecnológico na informática e na micro-eletrônica(2 2 . A complexidade da interação entre ciência e tecnologia é discutida, por exemplo, em ROSEMBERG, N. Inside the black box, New York, Cambridge University Press, 1982, cap. 7: "How exogenous is science". ).

Para os nossos objetivos, cabe destacar algumas das diferenças entre os trabalhos desenvolvidos pelas empresas e pelas universidades na área de informática. As empresas, motivadas pelo lucro, procuram investir a maior parte do seu orçamento de pesquisa e desenvolvimento em projetos mais objetivos, tecnologias cuja aplicação prática é mais assegurada e com grandes perspectivas de resultados comerciais. Já nas universidades predomina o interesse pelas áreas de fronteira, onde os problemas a serem resolvidos, antes de uma possível aplicação, são muito mais extensos e o desafio intelectual requerido é maior.

Outra diferença entre o tipo de trabalho realizado pelas duas instituições está no nível de generalidade. Enquanto o desenvolvimento efetuado pelas empresas visa a produtos ou processos específicos, as pesquisas universitárias têm um caráter mais genérico(3 3 . NELSON, R. The generation and utilization of technology: a cross industry analysis. Trabalho apresentado à Conferência sobre Difusão de Inovações, Veneza, 1986. ), abrindo, conseqüentemente, caminho para um rol de aplicações maior.

A evolução da concorrência empresarial, na indústria, e dos resultados da pesquisa acadêmica, nas universidades, explica o interesse das empresas nas pesquisas universitárias. As técnicas usadas pelas empresas vão sendo difundidas e estas passam a buscar formas de desenvolver novos produtos e processos que lhes permitam ampliar seus mercados e reduzir seus custos em relação a seus concorrentes. Os resultados obtidos no trabalho científico nas áreas de fronteira, por sua vez, consolidam técnicas, antes incompletas para aplicações comerciais, aumentando as perspectivas de rentabilidade decorrentes da sua utilização e atraindo o interesse das empresas.

As empresas se beneficiam tanto dos projetos universitários bem-sucedidos como das experiências que não chegam a resultados interessantes. Para as empresas, os insucessos na pesquisa de fronteira são úteis na medida em que mostram rumos que não devem ser seguidos, evitando, conseqüentemente, prejuízos financeiros. Na medida em que a pesquisa universitária é financiada a fundo perdido, os programas malsucedidos não causam prejuízos -e nada impede que, apesar do insucesso, o treinamento recebido pelos alunos participantes tenha sido de bom nível.

Assim, de um ponto de vista dinâmico, parte do trabalho realizado nas universidades tem como conseqüência a abertura de novos caminhos para os investimentos futuros das empresas ou a diminuição do número de rotas que podem levar a resultados negativos.

A dinâmica de apropriação dos resultados dos trabalhos científicos descrita acima não é a única possível. Muitas vezes, a pesquisa na universidade envereda por áreas teóricas cujas perspectivas comerciais são praticamente nulas. O desenvolvimento tecnológico, por sua vez, pode evoluir independentemente dos rumos tomados pela pesquisa científica. Outras motivações, que não resultados científicos, por exemplo, são a percepção de necessidades dos consumidores, deficiências e possibilidades detectadas nos processos e produtos em uso e aplicação de técnicas já disponíveis.

As grandes empresas internacionais também realizam pesquisas em áreas de fronteira. Como seus laboratórios são mais bem equipados do que os das universidades, muitas vezes resultados científicos têm origem no sistema empresarial.

No caso da informática, entretanto, o modelo de interação sugerido aplica-se a muitas situações, como procurei mostrar em trabalho anterior. A sua importância também deriva da possibilidade de ele vir a operar com maior intensidade no caso brasileiro, como desejam os centros de pesquisa universitária.

Abordo, a seguir, alguns aspectos gerais sobre o caso brasileiro. A evolução da participação dos centros de desenvolvimento da informática no Brasil á analisada na próxima seção. Uma proposta para inverter a situação atual é apresentada na terceira e última seção.

No Brasil, a pesquisa universitária em geral é muito mais orientada para aplicações do que normalmente se supõe. Um trabalho recente comparou a atuação de grupos de pesquisa brasileiros de diferentes áreas, sediados em universidades, institutos de pesquisa e empresas. Os resultados, entre os quais os da Tabela I, mostram que praticamente não há diferença entre os grupos em universidades, institutos de pesquisa e empresas, quanto ao percentual do tempo gasto em pesquisa aplicada. Analisando a composição da amostra, o autor conclui ainda que as diferenças captadas nos quesitos pesquisa básica e desenvolvimento experimental "... refletem a distribuição dos campos de pesquisa dentro de cada tipo de instituição ".(4 4 . SCHWARTZMAN, S. "Coming full circle: for a reappraisal of uníversity research" in: Série Estudos nº 31, Rio de Janeiro, IUPERJ, 1984. ) Ele sugere, portanto, que, nesses dois quesitos, as diferenças reais não são tão relevantes como mostra a tabela.

No caso da área de informática, segundo o Prof. Dr. Luiz Martins, diretor do Rio Datacentro - centro de processamento de dados da PUC-RJ -, praticamente não há pesquisa pura. Os resultados da pesquisa universitária são quase sempre aplicáveis, imediatamente ou após al gum tempo. Como mostro ao final deste trabalho, a proposta dos centros de pesquisa é similar ao que parece ocorrer no Exterior. Eles desejam ter mais recursos para realizar pesquisas em áreas de fronteira que ainda não são diretamente aproveitáveis pelas empresas, mas que provavelmente virão a sê-lo, após um certo prazo.

A questão é relevante do ponto de vista da política de informática. Analistas da indústria(5 5 . FRISCHTAK, C. "Brazil" in: RUSHING, F. W. e BROWN, C. G. (eds.), National policies for developing high technology industries, Colorado, U.S.A., Westview Press, 1986. ) sugerem que o investimento em pesquisa e desenvolvimento nas empresas brasileiras ainda é insuficiente, podendo dificultar a consecução dos atuais planos do governo de ter uma indústria de informática de capital nacional, e cada vez mais próxima dos padrões internacionais de produtividade e competitividade. A universidade, segundo o modelo apresentado, de acordo com as intenções dos centros de pesquisa universitários, poderia ter um papel relevante na modernização do setor(6 6 . Note-se que a formação de pessoal pós-graduado e o acompanhamento, pelas empresas, das pesquisas que são feitas nas universidades - window on research -são, a princípio, formas tão eficientes, ou mais, de se atingir esse objetivo do que a contratação direta de serviços universitários pelas empresas. A qualidade do ensino e o interesse das empresas pelo que é feito nas universidades, entretanto, são diretamente correlacionados com a atualidade dos programas de pesquisa. ). A análise da evolução da participação desses centros, apresentada a seguir, é útil para mostrar os limites e as possibilidades dessa participação.

II. A EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA UNIVERSIDADE

A evolução da participação dos centros universitários está aqui dividida em três fases distintas: o período anterior à implantação da indústria privada nacional, a fase de implantação e os anos mais recentes, que poderiam ser chamados de fase de consolidação da indústria. Essas fases, entretanto, não são estanques e algumas das características apresentadas têm início e/ou continuam por outros períodos.

II. 1. A fase anterior à implantação da indústria privada

O desenvolvimento de centros universitários de pesquisa em informática na década de setenta estava associado, em primeiro lugar, a uma estratégia mais ampla do governo, derivada de uma crescente preocupação com a formação de pessoal qualificado em áreas técnicas e com o desenvolvimento tecnológico nacional. São vistos, primeiramente, esses aspectos mais gerais e posteriormente são examinados os condicionantes específicos ao setor de informática.

A formação de pessoal pós-graduado era necessária para atender ao crescimento econômico do país e, desse ponto de vista, o apoio aos centros universitários enquadrava-se no projeto Brasil Potência. A aplicação de recursos em pesquisa decorria dessa estratégia, uma vez que as atividades de pesquisa são essenciais à complementação do ensino de pós-graduação.

O diagnóstico predominante sobre o estado do desenvolvimento tecnológico nacional também apontava para a necessidade de um maior fomento à pesquisa universitária(7 7 . DAGNINO, R. P. "A Universidade e a Pesquisa Científica de Tecnologia" in: Revista de Administração, São Paulo, FEA/USP, vol. 19, nº 1, jan/mar., 1984, pp. 60-77. ). Segundo esse diagnóstico, a generalização, no Brasil, de padrões de produção e consumo internacionais tornava arriscado o desenvolvimento interno de tecnologia. As empresas nacionais, assim como as filiais de empresas estrangeiras, preferiam importar tecnologia do exterior, visto que esse procedimento resultava em custos mais baixos e era realizado com menor grau de incerteza quanto aos resultados do que seria possível conseguir com o desenvolvimento local das mesmas técnicas.

Dado que era reconhecida a necessidade de estimular o desenvolvimento tecnológico nacional, caberia ao Estado superar a desvinculação diagnosticada entre o sistema produtivo e a estrutura de ciência e tecnologia: "Fica, então, o governo com a dupla responsabilidade de financiar maciçamente o complexo Ciência e Tecnologia e de conduzir ele próprio os problemas e projetos específicos de pesquisa. Deverá o governo, ainda, suprir de algum modo a abstenção do empresário no processo de incorporação ao sistema econômico das inovações que porventura conseguir em seus laboratórios"(8 8 . FERREIRA, Pelúcio. In: Simpósio Nacional de Tecnologia Industrial (IDORT), São Paulo, Livraria Francisco Alves, 1973, pp. 241-243, apud DAGNINO, R.P., op. cit. ).

Quanto aos condicionantes específicos do desenvolvimento da pesquisa universitária em informática, cabe destacar as preocupações relacionadas à segurança nacional e à soberania do país e o interesse de algumas empresas, principalmente estatais, no desenvolvimento tecnológico de produtos da informática(9 9 . Ver FRANKEN, T. "Um desconcertante malentendido ou dez anos de esforço nacional postos em choque" in: Dados e Idéias, Rio de Janeiro, vol. 2, nº 1, ago/set., 1976. ).

As preocupações relacionadas à segurança nacional levaram à contratação, pela Marinha Brasileira, de dois centros universitários de pesquisa - Escola de Engenharia da USP (hardware) e o grupo de informática da PUC-RJ (software) - para a construção do primeiro computador brasileiro. Na época, apenas as universidades e alguns órgãos do governo - SERPRO, IBGE, etc. - realizavam atividades de pesquisa e desenvolvimento na área de informática.

Já o apoio financeiro de empresas estatais a centros de pesquisa universitários data de pelo menos 1973, ano em que a Telebrás inicia um programa de desenvolvimento tecnológico de longo prazo com ativa participação de professores da USP e da UNICAMP. A opção da Telebrás estava vinculada não só ao seu interesse na formação de recursos humanos mas também a uma estratégia de busca de autonomia tecnológica para o setor de telecomunicações.

Havia uma compreensão de que o setor de telecomunicações passava por um momento de descontinuidade tecnológica, em que antigas técnicas seriam superadas, criando-se oportunidades para a entrada de novas empresas. O modelo de atuação preconizado pela Telebrás previa que as universidades deveriam desenvolver os novos produtos, que seriam fabricados por empresas nacionais e adquiridos pelas empresas de telecomunicações.

Não cabe, neste trabalho, discutir os resultados da política adotada pela Telebrás(10 10 . Este aspecto é desenvolvido em TAPIA, J.R.B. "A política de C&T em Telecomunicações: 1972/1983" in: Revista de Administração, São Paulo, FEA/USP, vol. 19, nº 1, jan/mar., 1984, pp. 101-110. ). Interessa apenas ressaltar que, devido à convergência tecnológica entre o setor de telecomunicações e o setor de informática, parte dos recursos aplicados pela Telebrás em pesquisa e desenvolvimento destinou-se ao desenvolvimento de produtos baseados em técnicas digitais, realizado por centros de pesquisa universitária. A Tabela II mostra os convênios realizados entre 1973 e 1976.

O caso da COBRA, empresa estatal pioneira na fabricação de computadores no Brasil, é interessante. Até pouco tempo atrás essa empresa havia tido apenas uma experiência, ainda na década de setenta, de convênio com universidade. Os pesquisadores da universidade, porém, não demonstraram interesse em prosseguir o trabalho, considerado pouco criativo, atrasando os planos da empresa. A COBRA se viu obrigada a executar internamente as tarefas contratadas e, a partir desse insucesso, não procurou mais as universidades.

São comuns, aliás, as críticas do setor empre sarial ao desinteresse dos professores em executar as parcelas de trabalho mais rotineiras, como documentação, testes de protótipos, etc, que se seguem à fase de invenção propriamente dita. Cabe observar, entretanto, que alguns departamentos de universidades brasileiras, assim como ocorre no exterior, têm adotado medidas no sentido de impedir a repetição de problemas como os apresentados no caso da COBRA. Entre estas, destacam-se a contratação de técnicos para executar as tarefas menos criativas e a limitação dos contratos às parcelas de trabalho compatíveis com a vocação das universidades para a pesquisa.

Outras empresas estatais também contrataram universidades brasileiras para realizar trabalhos na área de informática. No mais das vezes, as universidades foram chamadas para participar de grandes projetos dé sistemas, caracterizados, em geral, por uma forte dependência das condições locais, tais como o sistema de controle do metrô de São Paulo, produtos e sistemas para o grupo Eletrobrás (CESP), instrumentos e sistemas para prospecção de petróleo, etc.

Em alguns desses projetos, como nos serviços executados para a Petrobrás, mencionados adiante, as atividades na área de informática constituíam apenas uma parcela do trabalho contratado. Nesses casos, observou-se um importante efeito de difusão das tecnologias de informática para setores relevantes do ponto de vista do desenvolvimento econômico.

Há uma fronteira, pouco nítida, entre as áreas de atuação de universidades e de empresas de consultoria na prestação destes tipos de serviço. Em serviços pioneiros, quando são contratadas firmas privadas, é comum a importação de tecnologias desenvolvidas no exterior.

Entretanto, como as condições brasileiras são diferentes daquelas para as quais as técnicas adquiridas foram desenvolvidas, o risco de insucesso no processo de transferência pode ser muito grande. Falhas na adaptação dessas tecnologias às condições locais, os conseqüentes atrasos e aumentos de custo e a existência de capacidade técnica em universidades brasileiras têm motivado a contratação dessas instituições para desenvolver know-how nacional.

Um exemplo é relacionado à exploração de campos submarinos de petróleo. Um programa de pesquisas em tecnologia computacional para cálculo de estruturas - para solucionar problemas de fadiga estrutural dos materiais empregados, etc. - da COPPE/UFRJ já estava bastante adiantado quando a Petrobrás solicitou o apoio do grupo de trabalho. Os serviços da COPPE foram contratados em 1978 e, desde então, os trabalhos executados para a Petrobrás têm se diversificado para várias áreas, entre as quais a de projetos de plataformas de prospecção de petróleo. "No projeto de uma plataforma, o fenômeno da fadiga é decisivo, constituindo uma questão de segurança. (...) Foi, aliás, numa situação de emergência que a Petrobrás solicitou esse tipo de trabalho à COPPE (...) Pela análise dos dados estatísticos (...) a COPPE concluiu ter havido falha no projeto de uma empresa norte americana..."(11 11 . ADEODATO, S. "Plataformas de Petróleo: o Cálculo das Ondas" in Ciência Hoje, Rio de Janeiro, vol. 4, nº 19, jul/ago., 1985. )

Por vezes esses contratos também beneficiaram, indiretamente, o setor privado. Vários dos projetos obtiveram, como subprodutos dos trabalhos executados, protótipos e mesmo produtos que vieram, posteriormente, a ser fabricados em série por empresas privadas.

Cabe destacar, portanto, que a interação universidade/empresa no setor de informática iniciou-se através dos contratos realizados com empresas estatais, numa fase em que a indústria nacional ainda não estava implantada. Embora não haja uma avaliação quantitativa precisa, estima-se que, para os centros universitários, esse apoio foi particularmente importante em uma fase imediatamente posterior, entre 1979 e 1982, quando as verbas das agências especializadas no fomento à ciência e à tecnologia declinaram e os orçamentos de pesquisa das empresas estatais ainda não haviam sido atingidos pela compressão dos gastos públicos que se seguiu.

II. 2. O período de implantação da indústria

A indústria nacional privada de informática surgiu no final da década de 70, sob a proteção da política de reserva de mercado, de 1977. Cabe, também, apontar o fato de que nessa mesma época os minicomputadores adquiriram importância no cenário internacional, o que certamente contribuiu para a viabilidade dessa política brasileira e, conseqüentemente, da indústria.

Já na constituição da indústria, uma empresa, a SISCO, não licenciou tecnologia estrangeira, optando pela "emulação" ou "engenharia reversa", o que se tornou, posteriormente, o padrão da indústria. A facilidade de "emular" produtos estrangeiros cresceu com o tempo, pois uma das tendências básicas do progresso técnico no setor é a concentração de tecnologia nos chips, que são componentes do ponto de vista dos fabricantes de computadores. Com a importação desses componentes foi possível o surgimento da indústria nacional de microcomputadores, sem uma preocupação maior com o desenvolvimento tecnológico.

A concentração das empresas em produtos relativamente simples, de fácil "emulação", é uma das explicações para o fraco grau de interação encontrado na virada da década de setenta(12 12 . Refiro-me a esquemas formais de integração, caracterizados por contratos sucessivos entre a empresa e um centro universitário. Contatos esporádicos e esquemas informais - consultorias, migração de professores e alunos de pós-graduação, etc. - foram numerosos. ). As empresas não precisavam das universidades e, na verdade, em sua maioria, nem poderiam interagir de forma mais ampla, uma vez que, em sua maioria, elas eram de pequeno porte e, conseqüentemente, não tinham recursos para desenvolver programas de pesquisa mais ambiciosos - o caso da COBRA, principal exceção, já foi comentado. A estratégia da ITAU-TEC no período, entretanto, diferiu significativamente da experiência das demais empresas.

A ITAUTEC foi a primeira empresa do grupo do Banco Itaú a atuar na fabricação de produtos de informática. Em 1984, realizando pesquisa de campo(13 13 . PROCHNIK, V. Oportunidades de Fomento no Setor de Informática, Rio de Janeiro, FINEP, 1984 (mimeo). ), observei que o seu projeto como empresa diferia consideravelmente dos objetivos das demais empresas da amostra(14 14 . A amostra incluía, além da ITAUTEC, as seguintes empresas: COBRA, SISCO, MICROLAB, SCOPUS, ELEBRA, MEDIDATA e CMA. ).

O número de profissionais de nível superior em P&D e o valor das importações de máquinas e equipamentos, em relação ao seu faturamento, eram muito maiores do que os das outras empresas. O percentual declarado de gastos em P&D, em relação ao faturamento total, era o segundo maior, superado apenas pelo de uma empresa menor: a CMA(15 15 . Na visita às empresas surgiram claros indícios de que as informações fornecidas sobre esta última estatística eram subestimadas. O caso da ITAUTEC era o mais evidente. ).

À época das entrevistas notava-se, nos programas de pesquisa da ITAUTEC, uma preocupação em desenvolver tecnologia básica, que chegava a relegar a um segundo plano o esforço de adaptação necessário para o aproveitamento dos seus produtos aos diversos segmentos do mercado. Evidentemente, esse projeto foi possível porque o grupo controlador não só garantia o financiamento para os investimentos necessários, como também constitui-se em um mercado cativo para a empresa. Em 1983, os produtos voltados para a automação bancária respondiam por 70% do faturamento da ITAUTEC.

Uma forte interação com as universidades brasileiras é um dos pontos de apoio da estratégia descrita. A Tabela III apresenta uma lista dos convênios da empresa com dois dos principais centros de tecnologia em informática das universidades brasileiras em uma fase que pode ser descrita como a da implantação da indústria privada nacional.

Mas, se o número de contratos entre as empresas nacionais privadas e as universidades era pequeno, o mesmo não se pode dizer de outras formas de interação, como consultorias individuais, a criação de empresas por professores universitários e a absorção de professores e pesquisadores por empresas do setor.

Várias empresas criadas nessa fase do desenvolvimento da indústria, como SCOPUS e EM-BRACOM, foram fundadas por ex-professores do ramo. Esse movimento continua até hoje e é característico, por exemplo, dos pólos de tecnologia de ponta, fundados em torno de centros universitários de pesquisa. Alguns aspectos da dinâmica desses pólos são vistos mais adiante.

Mais intensa foi a busca de empresas privadas e estatais por profissionais qualificados - professores e alunos de pós-graduação. Esse fluxo, embora tenha afetado a capacidade técnica das universidades, como é visto a seguir, contribuiu para a renovação dos seus quadros, além de ampliar a capacitação tecnológica das empresas. Quanto a esta última vantagem, merecem destaque os casos em que os profissionais envolvidos levaram para os seus novos postos parte relevante da sua experiência anterior, contribuindo para a transferência de tecnologia entre universidades e empresas.

A transferência de tecnologia entre duas instituições é um processo que envolve vários tipos de risco. Um dos tipos de risco de insucesso mais freqüentes surge nas dificuldades encontradas pela instituição adquirente em absorver e continuar, com pequenos custos de aprendizagem, o desenvolvimento iniciado pela instituição cedente. Quanto mais complexo é o produto, processo ou técnica objeto da transferência e quanto menos desenvolvido ele se encontra à época da transação entre as duas partes, maior é o risco mencionado.

Na medida em que um centro de pesquisa universitário realiza o seu potencial, criando um produto avançado e, como no caso da COBRA, não haja interesse, por parte dos pesquisadores, em desenvolver o produto e/ou documentá-lo adequadamente, o risco mencionado é particularmente grande. Uma das formas de minimizar esse risco é a absorção, por parte da empresa compradora, de parte do pessoal envolvido na fase inicial do desenvolvimento. A experiência prévia desses técnicos assegura ao comprador, por exemplo, que dúvidas eventuais quanto à operacionalidade do objeto de transferência podem ser sanadas com maior precisão e rapidez(16 16 . Outra forma é a intensa troca de informações técnicas entre as partes. ). A contratação de pesquisadores universitários também é facilitada pela proximidade entre as equipes das duas instituições e pelos contatos informais daí decorrentes.

A transferência de tecnologia associada à migração de pessoal é evidente em todos os casos de pequenas empresas formadas por professores ou ex-alunos. Entre as grandes empresas, aparecem muitos casos semelhantes.

No exterior, a contratação de pessoal altamente qualificado é, muitas vezes, o principal objetivo dos programas empresariais de aproximação com as universidades(17 17 . PROCHNIK, V. "A Cooperação Universidade/ Empresa: tendências internacionais recentes no setor de informática", op. cit. ). No Brasil, pelo menos no caso da atual política da COBRA, o mesmo também acontece.

As empresas líderes podem ter outros ganhos com a contratação de ex-professores. Para essas firmas, é necessário manter continuamente contatos com fontes externas de tecnologia - universidades no Brasil e centros de geração de tecnologia no exterior. Essa continuidade não só ajuda a resolver problemas associados a contratos de transferência já executados, como também permite que as empresas brasileiras se mantenham a par de trabalhos mais recentes, executados nas suas áreas de interesse, e de tendência^ futuras do progresso técnico nessas áreas. Para auxiliar nessas tarefas, as maiores firmas procuram contratar, para os seus quadros mais elevados, profissionais de grande projeção no meio acadêmico.

Cabe notar, entretanto, que a migração em massa de professores e de alunos de pósgraduação para o setor empresarial foi de tal ordem que contribuiu para tornar insuficiente a formação de novos professores em informática. Em verdade, como mostra a Tabela IV, em 1983 existiam proporcionalmente menos profissionais em doutoramento em informática do que no conjunto de todas as áreas científicas reunidas. Comparando, no mesmo ano, o número de professores doutores no Brasil com o mesmo dado para o México, verifica-se que o Brasil encontrava-se em situação desvantajosa, pois naquele país trabalhavam 177 professores doutores, contra os 108 que estavam no Brasil(18 18 . TIGRE, P. B. The Mexican Professional Electronics Industry and Technology. Relatório de Pesquisa para a UNIDO, México, 1983. ).

II. 3. A fase mais recente

Em anos mais recentes, as condições de trabalho nos centros de pesquisa universitários agravaram-se. Mesmo dentro do sistema universitário, atingido como um todo pela contratação de verbas e de salários, a pesquisa na área de informática recebeu, em algumas dimensões, apoio menor do que o concedido a outras áreas.

Considerando-se que o CNPq dividiu a pesquisa científica no Brasil em 27 áreas de atuação, uma distribuição proporcional ao número de áreas resultaria numa participação, para cada uma delas, de aproximadamente 3,7%(19 19 . Uma distribuição proporcional ao número de alunos de pós-graduação, entretanto, levaria a resultados diversos. ). Pesquisadores qualificados da área de informática(20 20 . CATTO, A. J.; MENASCÊ, D. A.; LUCENA FILHO, G. J.; CAMPOS, I. M.; MOURA, J. A. e CASTILHO, J. M. V. Diagnóstico e sugestões relativas à capacitação tecnológica em informática, Rio de Janeiro, 1986 (mimeo). ) argumentam que, devido ao caráter estratégico da indústria de informática é à "demanda predatória de pessoal qualificado por parte do setor industrial e de serviços"(21 21 . Idem, ibidem. ), a participação da área de ciências da computação no montante global de recursos disponíveis deveria ser maior do que a média.

Entretanto, pelo menos no caso dos recursos oriundos do CNPq e da CAPES, isso não se verifica. Tanto em termos de bolsas de pesquisa como em termos de bolsas de doutorado no país e no exterior, a participação da área de ciências da computação é inferior à média, como se pode ver na Tabela V. O mesmo acontece com relação aos recursos do CNPq destinados a auxiliopesquisa e a bolsas de iniciação científica e de mestrado.

As deficiências em termos de equipamentos acompanharam o baixo índice de formação de pesquisadores na área de informática. Em 1984, visitei alguns dos centros de pesquisa universitária na área de informática e das principais empresas do setor. Os laboratórios das empresas, à época, já eram muito mais bem equipados do que os das universidades. A distância entre os dois tipos de instituições, desde então, aumentou bastante.

Note-se ainda que, mesmo para uma dada soma de recursos, uma empresa equipa-se de forma mais eficiente do que uma universidade, porque o processo de licitação, nesta última, é bem mais demorado, dirhinuindo, numa época de inflação alta, o seu poder aquisitivo. No caso de peças ou instrumentos importados, o problema ainda é maior, como pude constatar assistindo, em 1986, a uma reunião de pesquisadores com um dos organizadores do Plano de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Os pesquisadores brasileiros, para suplantar essas dificuldades, têm usado parte do seu tempo confeccionando seus próprios instrumentos de trabalho. Observei, por exemplo, na visita aos centros que "alguns dos equipamentos utilizados no Laboratório de Eletrônica Digital da Universidade de Campinas foram aprimorados por professores e alunos, havendo casos de repasse de tecnologia a empresas vizinhas. Note-se, porém, que nesse caso o esforço inovador foi circunstancial e não cumulativo, desviando parte do tempo da equipe dos projetos em que estava interessada(22 22 . PROCHNIK, V. Oportunidades de fomento no setor de informática, op. cit. p. 23. ).

A atuação dos órgãos governamentais de fomento à pesquisa, segundo os pesquisadores da área de informática, também dificulta o trabalho acadêmico. Os pesquisadores se queixam, em primeiro lugar, da excessiva morosidade no exame e aprovação de projetos e na liberação de recursos. Freqüentemente, segundo eles, entre a entrada do projeto nas instituições de apoio e o recebimento da parcela inicial, passa-se mais de um ano(23 23 . SOCIEDADE BRASILEIRA DE COMPUTAÇÃO. Plano Integrado de Pesquisa em Computação (PIPIO, Rio de Janeiro, 1984 (mimeo). ).

Outro ponto de atrito entre os pesquisadores e esses órgãos é a determinação dos critérios de aprovação de projetos. Segundo os professores, os critérios não são bem definidos e, mais importante, não há um plano global, definindo e classificando prioridades de pesquisa na área.

Apresentei, até este ponto, os problemas da pesquisa em informática com relação aos seus principais insumos - pessoal especializado, equipamento, recursos financeiros, interação com os órgãos de fomento e determinação de prioridades. Mostro, a seguir, algumas das conseqüências desses fatos sobre os resultados atingidos.

Segundo o Plano Integrado de Pesquisa em Computação (PIP/C), elaborado em conjunto pelos principais centros de pesquisa em informática em 1984, "observa-se hoje que a indústria nacional de informática, criada na sua maioria por profissionais egressos do sistema universitário brasileiro, já superou, em muitos casos, o estágio de conhecimento em que se encontram as universidades (com exceção, talvez, de algumas áreas básicas)"(24 24 . Idem, ibidem, p. 3. ). O diagnóstico é claro e a situação, desde então, agravou-se.

Observa-se, por exemplo, que centros de pesquisas conduzem, hoje em dia, estudos nas mesmas áreas em que atuam as empresas, como redes locais, bancos de dados e compiladores(25 25 . Segundo informações de pesquisadores da área. Não se exclui, entretanto, a possibilidade de que alguns projetos, dentro dos tópicos mencionados, abordem pontos ainda relevantes. ). Em alguns casos, existem centros desenvolvendo projetos que já foram feitos por empresas. Firmas como a COBRA e a SCOPUS, por exemplo, já dominaram integralmente a tecnologia UNIX. Apesar disso, algumas universidades ainda estão trabalhando em projetos semelhantes.

A execução de projetos como esses não traz nenhuma contribuição nova para o desenvolvimento tecnológico nacional. A pior conseqüência, entretanto, está relacionada à formação de novos pesquisadores. Se a tecnologia evolui rapidamente e se as universidades trabalham na mesma fronteira tecnológica que as empresas, os técnicos que ingressarem no mercado de trabalho, após terem participado, por alguns anos, de um projeto dentro de uma universidade, estarão defasados em relação à fronteira tecnológica em que as empresas estiverem atuando nesse momento posterior. Para evitar essa situação, é necessário que os projetos de pesquisa executados nas universidades estejam à frente das áreas de fronteira em que estiverem operando as empresas.

As firmas, privadas ou estatais, dificilmente investem em projetos que só se tornarão economicamente viáveis após um longo período de maturação, o que é especialmente válido para as empresas brasileiras, de porte bem menor do que as firmas líderes no mercado internacional. Além do prazo requerido para o retorno do capital investido, quanto mais avançado for um projeto em relação à fronteira de trabalho do momento, maiores serão os riscos de insucesso.

Já para as universidades é mais interessante a realização de pesquisas em áreas novas, nas quais muitos tópicos ainda são obscuros e técnicas diferentes concorrem entre si, sem que se tenha certeza de quais soluções serão preferidas. São projetos de caráter mais especulativo, que requerem maior criatividade e um contato mais próximo com a evolução das ciências correlatas.

Projetos dessa natureza têm conseqüências importantes para o desenvolvimento tecnológico do sistema empresarial. Ao realizá-los, a universidade estará criando uma capacitação técnica que será extremamente útil quando, posteriormente, as empresas vierem a se interessar pela nova área.

No momento, por exemplo, praticamente não há no Brasil pesquisa nas áreas de computadores de quinta geração e de processadores paralelos, apesar de ser possível realizar, nos dois campos, projetos de envergadura relativamente reduzida sobre aspectos específicos. Assim, uma empresa que porventura venha a se interessar por aplicações nessas áreas não encontrará capacitação técnica e recursos humanos especializados no Brasil no montante requerido para a execução de um programa de desenvolvimento tecnológico.

Apesar dos problemas mencionados, a interação entre universidades e empresas, segundo as informações levantadas, tem crescido bastante nos últimos anos.

Os dados sobre os contratos entre universidades e empresas estatais são os mais escassos. As evidências são, entretanto, de que o contato entre as universidades e empresas como Telebrás, Petrobrás, etc. continua crescendo. A importância desses contatos advém das necessidades relativamente sofisticadas dessas empresas em termos de tecnologia. Segundo o diretor do Rio Datacentro - centro de processamento de dados da PUC-RJ -, o já citado Prof. Dr. Luís Martins, os contratos com as empresas estatais, em comparação com os realizados com empresas privadas, referem-se a tópicos mais avançados, despertando, nesse sentido, maior interesse entre os pesquisadores universitários. No momento, por exemplo, empresas como Vale do Rio Doce, Petrobrás, Embratel, etc. iniciam pesquisas sobre inteligência artificial, para as quais a contribuição das universidades poderia ser significativa.

Uma segunda categoria de relações entre o sistema empresarial e as universidades diz respeito aos pólos de tecnologia de ponta, criados em torno de centros universitários de pesquisa. Já estão estabelecidos centros importantes em São Carlos e Campinas (São Paulo), Santa Rita do Sapucaí (Minas Gerais), e os do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Vários centros estão em fase de criação ou de crescimento, como Santa Catarina, etc.

As principais características desses pólos são o forte apoio dos governos locais e estaduais e das empresas já instaladas, o envolvimento dos centros universitários de pesquisa, o interesse em criar novas empresas de pequeno porte, junto com o esforço em atrair firmas maiores e a institucionalização das relações entre universidades e empresas. Quanto à primeira característica, o apoio dos governos e empresários, observa-se, por exemplo, que o governo do Rio Grande do Sul participa da montagem de um laboratório para formar e aperfeiçoar recursos humanos na área de microeletrônica, junto com empresas do setor, a ser operado por professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; a prefeitura de Santa Rita de Sapucaí ajuda a divulgar o pólo entre grandes empresas localizadas em outros estados; o governo municipal do Rio de Janeiro criou um conselho de desenvolvimento econômico do qual fazem parte os reitores das universidades localizadas nesta cidade, e a Secretaria da Indústria e Comércio do Estado de São Paulo opera o Centro de Desenvolvimento de Indústrias Nascentes (CEDIN) em São Carlos. Além dessas iniciativas pouco comuns, todos os governos concedem vantagens fiscais e creditícias para as empresas de tecnologia de ponta e preparam a infra-estrutura dos locais onde se instalam as empresas.

O envolvimento das universidades locais é grande, explicando, nos centros menores, o surgimento dos pólos e contribuindo, nos maiores, para o seu desenvolvimento. Observa-se, em muitos casos, que entre os segmentos industriais mais dinâmicos, alguns deles correspondem exatamente às linhas de pesquisa privilegiadas pelos centros universitários, como é o caso das indústrias de telecomunicações, no Rio Grande do Sul e Santa Rita do Sapucaí, e das empresas que lidam com materiais avançados, em São Carlos.

A vocação dos pólos, entretanto, sofre outras influências. No Rio de Janeiro, há interesse em expandir o parque industrial fornecedor de partes, peças e matérias-primas, complementando a estrutura industrial. No Rio Grande do Sul, as empresas voltam-se para a automação industrial e o controle de processos, visando a atender à demanda local do parque industrial mais tradicional - calçados, indústria metal-mecânica, implementos agrícolas, etc.

O interesse pelas microempresas é grande. Elas contam com salas para iniciar suas operações, compartilham laboratórios de pesquisa e recebem auxílio técnico e financeiro. Os exemplos de microempresas bem-sucedidas, geralmente formadas por ex-alunos e ex-professores, aparecem com destaque nas publicações para fins publicitários dos pólos. Também não é incomum encontrar associações entre essas empresas, que precisam de capital, e grandes firmas locais, interessadas nos seus projetos.

Por último, cabe destacar a existência, em todos os pólos citados, de instituições cujas obrigações abrangem desde o gerenciamento dos pólos até a intermediação entre as universidades e as empresas. A RIOTEC, por exemplo, propõe-se a realizar serviços de recepção e teste de componentes, estabelecer padrões de qualidade, administrar o uso consorciado de equipamentos de CAD/CAM, intermediar projetos das universidades para as empresas e implantar incubadeiras de novas empresas.

Já foram mencionados aspectos da interação universidade/empresa com empresas estatais e pequenas empresas. A cooperação com as grandes empresas nacionais também é extensa, como é visto a seguir.

O exemplo da ITAUTEC foi seguido por quase todas as grandes empresas do setor. Existem informações de contratos entre universidades e a PROLÓGICA, ITAUTEC, ELEBRA e SID. Na fase mais recente do desenvolvimento da indústria, destaca-se, pelos seus objetivos, o programa da SID.

Esse programa abrange convênios com nove instituições de pesquisa - universidades e institutos de pesquisa - e a sua característica principal é a ausência de objetivos específicos em termos de produtos ou processos a serem desenvolvidos. A SID tem direito de acesso às pesquisas em andamento, sem poder selecionar os termos escolhidos pelos pesquisadores ou alterar os rumos do trabalho científico. Pelos contratos firmados, serão organizados seminários entre os pesquisadores e funcionários da SID, nos quais serão debatidas as pesquisas em fase de execução. A SID também poderá consultar documentos e visitar os laboratórios, recebendo explicações sobre os trabalhos em desenvolvimento.

Para a empresa, um programa dessa natureza traz várias vantagens, entre as quais destacam-se as seguintes:

I. tempo - os resultados das pesquisas demoram a ser publicados. A SID tem acesso a esses resultados antes da sua publicação;

II. conteúdo - as publicações não esclarecem aspectos pormenorizados. O acesso direto aos pesquisadores permite obter informações mais interessantes; e

III. interesse - os pesquisadores continuam trabalhando nas linhas em que estão mais motivados. Com isso, a SID tem maior certeza de que haverá retorno ao seu investimento.

O programa da SID, maior empresa do setor, sugere que, apesar das condições de trabalho adversas, os principais centros universitários realizam pesquisas relevantes para o desenvolvimento-da informática.

O crescimento da interação entre empresas e universidades, apresentado, em linhas gerais, acima, é um indicador do potencial de contribuição desta instituição para o desenvolvimento da informática no Brasil. No entanto, os problemas com que se deparam os centros de pesquisa em informática, também mencionados, ainda persistem. Uma solução possível, sugerida pelos próprios centros, é apresentada na próxima seção.

III. A PROPOSTA UNIVERSITÁRIA

A partir de uma crescente conscientização sobre os problemas descritos, os pesquisadores universitários, reunidos na Sociedade Brasileira de Computação, propuseram ao governo, em 1984, um plano de pesquisa (PIP/C), para a área de computação, capaz de inverter as tendências atuais de declínio. O plano parte da premissa de que as universidades devem se dedicar às áreas de fronteira e as suas proposições incluem um aumento substancial dos recursos para pesquisa; ensino e infra-estrutura; a planificação, a nível nacional, das prioridades de pesquisa; uma nova forma de interação com os órgãos financiadores e uma lista de projetos de pesquisa, classificados segundo critérios de prioridades, por área de conhecimento(26 26 . O PIP/C identifica as seguintes áreas prioritárias para pesquisa: arquitetura de sistemas digitais, sistemas distribuídos, engenharia de software, base de dados, projeto assistido por computador e computação gráfica, inteligência artificial, processamento de sinais e reconhecimento de padrões, matemática computacional e fundamentos da computação. ) dentro do campo da computação.

Existem pelo menos duas versões, pouco diferentes, para a operacionalização da proposta do PIP/C. Nas duas são previstas a existência de comissões por área de conhecimento, compostas por pesquisadores das instituições de pesquisas, e de uma comissão de coordenação, composta por representantes dos órgãos financiadores, associações do setor, Ministério da Ciência e Tecnologia e da Sociedade Brasileira de Computação.

Em ambas as versões, os projetos de pesquisa seriam examinados pelas comissões por área. À comissão de coordenação caberia compatibilizar os recursos disponíveis com os projetos já classificados em ordem de prioridade. Note-se que uma das diferenças mais importantes em relação aos procedimentos atuais é a maior participação dos pesquisadores na análise dos projetos, o que é uma demanda antiga de toda a comunidade científica brasileira.

Outra diferença importante reside na confecção de um plano para estabelecer as diretrizes gerais de pesquisa em informática, cuja flexibilidade estaria assegurada por revisões anuais. Nesse ponto as duas versões divergem. Enquanto a versão procedente da área científica prevê que esse plano seria elaborado pelas comissões de área, a versão oriunda de um dos órgãos de financiamento aloca essa função à comissão de coordenação.

A terceira diferença relevante está na maior rapidez com que os projetos de pesquisa seriam analisados. As duas versões prevêem que a primeira liberação de recursos ocorreria no máximo seis meses após a entrega dos projetos.

O PIP/C foi um dos documentos utilizados na confecção do Primeiro Plano Nacional de Informática - PLANIN. A nova forma de interação com os órgãos financiadores, apesar das simpatias que despertou, ainda não foi implantada.

É consenso que, entre os principais problemas atuais da indústria nacional de informática, destaca-se a fraca geração interna de tecnologia. Sabe-se também que os esforços particulares nessa indústria serão tão mais bem-sucedidos quanto maior for a infra-estrutura externa, da qual a base de conhecimento genérico e a formação de pessoal qualificado de bom nível são elementos essenciais.

Assim, justifica-se, a meu ver, o pleito dos cientistas da área, cuja contribuição pode ser bem mais significativa do que a atual. Por último, cabe ressaltar que, em muitas dimensões, a proposta dos pesquisadores em informática reúne muitas das aspirações da comunidade científica brasileira, como maior volume de verbas para pesquisa e responsabilidade crescente sobre a sua aplicação. À adoção do PIP/C representaria, nesse sentido, uma inovação importante, que certamente abriria caminho para a sua utilização por outras áreas da comunidade científica.

  • 2. A complexidade da interação entre ciência e tecnologia é discutida, por exemplo, em ROSEMBERG, N. Inside the black box, New York, Cambridge University Press, 1982, cap. 7: "How exogenous is science".
  • 3. NELSON, R. The generation and utilization of technology: a cross industry analysis. Trabalho apresentado à Conferência sobre Difusão de Inovações, Veneza, 1986.
  • 4. SCHWARTZMAN, S. "Coming full circle: for a reappraisal of uníversity research" in: Série Estudos nş 31, Rio de Janeiro, IUPERJ, 1984.
  • 13. PROCHNIK, V. Oportunidades de Fomento no Setor de Informática, Rio de Janeiro, FINEP, 1984 (mimeo).
  • 18. TIGRE, P. B. The Mexican Professional Electronics Industry and Technology. Relatório de Pesquisa para a UNIDO, México, 1983.
  • 20. CATTO, A. J.; MENASCÊ, D. A.; LUCENA FILHO, G. J.; CAMPOS, I. M.; MOURA, J. A. e CASTILHO, J. M. V. Diagnóstico e sugestões relativas à capacitação tecnológica em informática, Rio de Janeiro, 1986 (mimeo).
  • 23. SOCIEDADE BRASILEIRA DE COMPUTAÇÃO. Plano Integrado de Pesquisa em Computação (PIPIO, Rio de Janeiro, 1984 (mimeo).
  • 1
    . PROCHNIK, Victor. "A Cooperação Universidade/Empresa: tendências internacionais recentes no setor de informática" in:
    Revista de Administração de Empresas, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, vol. 28, nº 1,1988.
  • 2
    . A complexidade da interação entre ciência e tecnologia é discutida, por exemplo, em ROSEMBERG, N.
    Inside the black box, New York, Cambridge University Press, 1982, cap. 7: "How exogenous is science".
  • 3
    . NELSON, R.
    The generation and utilization of technology: a cross industry analysis. Trabalho apresentado à Conferência sobre Difusão de Inovações, Veneza, 1986.
  • 4
    . SCHWARTZMAN, S. "Coming full circle: for a reappraisal of uníversity research" in:
    Série Estudos nº 31, Rio de Janeiro, IUPERJ, 1984.
  • 5
    . FRISCHTAK, C. "Brazil" in: RUSHING, F. W. e BROWN, C. G. (eds.),
    National policies for developing high technology industries, Colorado, U.S.A., Westview Press, 1986.
  • 6
    . Note-se que a formação de pessoal pós-graduado e o acompanhamento, pelas empresas, das pesquisas que são feitas nas universidades -
    window on research -são, a princípio, formas tão eficientes, ou mais, de se atingir esse objetivo do que a contratação direta de serviços universitários pelas empresas. A qualidade do ensino e o interesse das empresas pelo que é feito nas universidades, entretanto, são diretamente correlacionados com a atualidade dos programas de pesquisa.
  • 7
    . DAGNINO, R. P. "A Universidade e a Pesquisa Científica de Tecnologia" in:
    Revista de Administração, São Paulo, FEA/USP, vol. 19, nº 1, jan/mar., 1984, pp. 60-77.
  • 8
    . FERREIRA, Pelúcio. In:
    Simpósio Nacional de Tecnologia Industrial (IDORT), São Paulo, Livraria Francisco Alves, 1973, pp. 241-243, apud DAGNINO, R.P., op. cit.
  • 9
    . Ver FRANKEN, T. "Um desconcertante malentendido ou dez anos de esforço nacional postos em choque" in:
    Dados e Idéias, Rio de Janeiro, vol. 2, nº 1, ago/set., 1976.
  • 10
    . Este aspecto é desenvolvido em TAPIA, J.R.B. "A política de C&T em Telecomunicações: 1972/1983" in:
    Revista de Administração, São Paulo, FEA/USP, vol. 19, nº 1, jan/mar., 1984, pp. 101-110.
  • 11
    . ADEODATO, S. "Plataformas de Petróleo: o Cálculo das Ondas" in
    Ciência Hoje, Rio de Janeiro, vol. 4, nº 19, jul/ago., 1985.
  • 12
    . Refiro-me a esquemas formais de integração, caracterizados por contratos sucessivos entre a empresa e um centro universitário. Contatos esporádicos e esquemas informais - consultorias, migração de professores e alunos de pós-graduação, etc. - foram numerosos.
  • 13
    . PROCHNIK, V.
    Oportunidades de Fomento no Setor de Informática, Rio de Janeiro, FINEP, 1984 (mimeo).
  • 14
    . A amostra incluía, além da ITAUTEC, as seguintes empresas: COBRA, SISCO, MICROLAB, SCOPUS, ELEBRA, MEDIDATA e CMA.
  • 15
    . Na visita às empresas surgiram claros indícios de que as informações fornecidas sobre esta última estatística eram subestimadas. O caso da ITAUTEC era o mais evidente.
  • 16
    . Outra forma é a intensa troca de informações técnicas entre as partes.
  • 17
    . PROCHNIK, V. "A Cooperação Universidade/ Empresa: tendências internacionais recentes no setor de informática", op. cit.
  • 18
    . TIGRE, P. B.
    The Mexican Professional Electronics Industry and Technology. Relatório de Pesquisa para a UNIDO, México, 1983.
  • 19
    . Uma distribuição proporcional ao número de alunos de pós-graduação, entretanto, levaria a resultados diversos.
  • 20
    . CATTO, A. J.; MENASCÊ, D. A.; LUCENA FILHO, G. J.; CAMPOS, I. M.; MOURA, J. A. e CASTILHO, J. M. V.
    Diagnóstico e sugestões relativas à capacitação tecnológica em informática, Rio de Janeiro, 1986 (mimeo).
  • 21
    . Idem, ibidem.
  • 22
    . PROCHNIK, V.
    Oportunidades de fomento no setor de informática, op. cit. p. 23.
  • 23
    . SOCIEDADE BRASILEIRA DE COMPUTAÇÃO.
    Plano Integrado de Pesquisa em Computação (PIPIO, Rio de Janeiro, 1984 (mimeo).
  • 24
    . Idem, ibidem, p. 3.
  • 25
    . Segundo informações de pesquisadores da área. Não se exclui, entretanto, a possibilidade de que alguns projetos, dentro dos tópicos mencionados, abordem pontos ainda relevantes.
  • 26
    . O PIP/C identifica as seguintes áreas prioritárias para pesquisa: arquitetura de sistemas digitais, sistemas distribuídos, engenharia de
    software, base de dados, projeto assistido por computador e computação gráfica, inteligência artificial, processamento de sinais e reconhecimento de padrões, matemática computacional e fundamentos da computação.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Set 1988
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