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O capital circulante: uma interpretação dinâmica

COMENTÁRIOS

O capital circulante: uma interpretação dinâmica

Sylvio Massa, de Campos

Economista, da PETROBRÁS

O objetive do presente estudo é o de apresentar um ponto de vista-diverso na análise do capital circulante, criando uma metodologia interpretativa para os estados de equilíbrio dinâmico. O processo natural por que passa o capital circulante é o de obter por fontes próprias em terceiros ou em ambos, os meios financeiros necessários à aquisição de "matérias-primas" elaborá-los em bens finais, transformá-los em elementos financeiros e," finalmente, reduzi-los a bens monetários. Nesse processo global, concomitantemente, surgem elementos de natureza econômica, tais como, despesas, lucros, receitas de forma continua, no dia-a-dia do processo produtivo. Objetiva-se também, no presente estudo, ligar ao campo financeiro o campo" econômico, por intermédio da função investimento, partindo-se do capital circulante.

Trata-se; evidentemente, de modelar teoricamente. a matéria em causa, com óbvias reduções e abstrações da realidade, mas que ao ser sintetizada permite "uma visão mais compreensível das conexões. existentes entre, as variáveis do cisterna de funcionamento da empresa!

Basicamente, consideraremos apenas quatro grandes variáveis na composição do capital circulante, sendo possível, entretanto, a introdução de outros elementos.

1. O estado de equilíbrio estático

O estado de equilibrio estático do capital circulante, de curto prazo, pode ser representado por:

1) C + CR + E = D

2) C + CR + E - D = 0

3) C . C = 0

sendo

C = caixa geral

CR = contas a receber

E = estoques de produtos finais

D = débitos

C . C - capital circulante

A curto prazo, três hipóteses podem ser, apresentadas:

a) C . C = 0 - estado de, equilíbrio

b) C . C < O - estado de liquidez

c) C . C > O - estado de liquidez

Para a determinação do fracionamento ideal do capital circulante no estado de equilíbrio estático, torna-se necessário verificar o quanto representa cada parcela do ativo para a totalidade do passivo. Estabeleçamos, então, as seguintes propensões:

m = propensão a pagar, com os valores líquidos em caixa, parte dos débitos existentes; 0 < m < 1 n = propensão a pagar, com os valores a receber, parte dos débitos existentes; 0 < n < 1 p = propensão a transformar os estoques em valores a receber e, por sua vez, em caixa a pagar parte dos débitos existentes; 0 < p < 1 Restrição: m + n + p = 1

Desse modo:

1) C + CR + E = D C = mD CR = nD E = pD 2) mD + nD + pD = D

D (1 - (m + n + p) = 0

Como: m + n + p = 1

Verifica-se o ponto de equilíbrio estático do capital circulante.

2. O estado de equilíbrio dinâmico

As premissas básicas para a análise dinâmica são as seguintes:

a) no ponto inicial de funcionamento de uma empresa, supõe-se que o valor dos débitos seja igual ao valor dos estoques, ou seja: D0 = E0 b) no tempo posterior ao inicial, supõe-se a existência de um certo coeficiente γ para transformar parte dos estoques em contas a receber: CRt = γEt-1 c) decorrido certo periodo de tempo, supõe-se a existência de um coeficiente β que tranforma parte das contas a receber em caixa: C t = βCR t-1 d) considera-se que todos os recursos que entram em caixa sejam transferidos para pagamentos imediatos de parte dos débitos contraídos, ou seja, que um coeficiente para qualquer a que fosse estabelecido seria igual a 1; e) imaginando-se um movimento contínuo de transformações das variáveis acionadas pelos respectivos coeficientes, sem contrações de novos débitos e correspondentes a novos estaques, a tendência destas variáveis, ao longo do tempo, será a eliminação de todos os valores monetários; f) estipula-se que α = 1; 0 < β < 1 e 0 < γ < 1; g) considera-se a inexistência de estoques de segurança e a reserva de caixa para encaixe mínimo; h) β será sempre menor ou igual a γ

3. O modelo

Estoques:

Et = Et-1, - γEt-1 = Et-1(1 - γ)

Interpreta-se que o estoque, em um tempo qualquer, é igual ao estoque no tempo anterior menos a parcela que foi vendida e transformada em contas a receber.

Trata-se de uma equação com diferenças finitas de primeira ordem, homogênea, cuja solução é:

Et = E0(1 - γ)t

para t > 0

Contas a Receber:

CR = CRt-1 - βCRt-1 + γEt-1 = CRTt-1 (1 - 0) + γEt-1

Significa que o valor das contas a receber em um tempo qualquer é igual ao valor das contas a receber no tempo anterior menos o que foi recebido e transformado em caixa mais o valor recebido de estoques vendidos.

Trata-se de uma equação com diferenças finitas não homogêneas de primeira ordem, cuja solução é:

para t > 1 e β ≠ y

Caixa: Ct= βCRt-1

Significa que a caixa, em um tempo qualquer, depende da realização das contas a receber, no tempo anterior. Supõe-se que os valores entrados em caixa sejam aplicados na liquidação dos débitos existentes.

para t > 1

4. A posição do débito geral (Dt) (A)

Para t = 0:

Dt = E0 (1 - γ)t

Para t > 1:

Para t > 2

O valor do capital circulante seria obtido subtraindo-se o valor de Dt do outro membro da equação, nas três equações apresentadas. No caso presente, por razões que adiante serão apresentadas, o capital circulante estará sempre em equilíbrio e igual a zero.

Ilustração:

Suponhamos que o débito inicial contraído por uma empresa seja de Cr$ 8 milhões (D0) totalmente colocados na compra de matérias-primas que, após elaboração produtiva, são transformadas em estoques de produtos finais (E0). A empresa hipotética possui os seguintes coeficientes de transformação:

β = 0,4 e γ = 0,5

Utilizando-se as fórmulas gerais encontradas e empregando-se os dados hipotéticos do problema, encontramos o que é apresentado no Quadro 1.


5. Interpretação sumária dos coeficientes de transformação

a) β - γ Significa a transformação dos estoques em contas a receber ao mesmo tempo em que estas são transformadas em caixa;

b) β = 0 Significa que os valores transformados em contas a receber não seriam transformados em caixa. O desconto dos títulos seria uma explicação plausível. Outro argumento-limite seria o de que a empresa hipotética possuísse um único comprador, em regime falimentar. O ciclo de transformação seria de estoque para contas a receber, e a sua extensão no tempo dependeria do valor de γ;

c) γ = 0 Numa empresa industrial não existiria tal caso. É possível que sim em bancos ou financeiras já que a circulação se dá entre empréstimos, caixa e depósitos. A manutenção de estoque monetário seria desconsiderada;

d) γ = 1 A transformação imediata de todos os bens de estoques em contas a receber. Todos os produtos já estariam vendidos quando ainda se encontrassem em processo de fabricação;

e) β = 1 Vendas à vista. Não se aplica a política de concessão de crédito nem se verifica atraso no recebimento dos valores.

6. O processo de realimentação

Pelo que foi demonstrado até o momento, verifica-se a ausência de realimentação do processo produtivo. Tanto o ativo circulante quanto o passivo, ambos em curto prazo, tendem para zero. O capital circulante em toda essa trajetória manteve-se em equilíbrio estável e igual a zero. Pela colocação inicial da demonstração, o processo tem início quando a contração de débitos origina, pelo mesmo valor, a formação de estoques de bens finais. Para que haja manutenção do nível inicial do capital circulante é necessário que, à medida que vão sendo liquidados os compromissos, haja novas contrações de débitos pelos mesmos valores liquidados, dando origem a novos estoques de idênticos valores. A introdução desse novo elemento financeiro é capaz de manter em equilíbrio estável o processo circulatório e o capital circulante estacionário e igual a zero.

Quadro 2


Expressões Gerais:

1) C . C = 0

2) D0 = E0

3)

Ilustração:

Suponhamos que o débito inicial (D0) contraído por uma empresa seja de Cr$ 8 milhões, totalmente colocados na compra de matérias-primas que, após elaboração produtiva, são transformadas em estoques de produtos finais (E0). A partir do tempo 3, quando se darão as primeiras liquidações do débito contraído, a empresa assume novos compromissos pelo mesmo valor e adquire novos estoques de matérias-primas. O processo é mantido de forma indefinida dentro da mesma mecânica. A empresa hipotética possui os seguintes coeficientes de transformação:

β = 0,4 e γ = 0,5

7. A existência do lucro

O lucro da empresa passa a existir monetariamente quando da entrada em caixa dos valores a receber, resultado de um produto de vendas. Localiza-se potencialmente nos estoques dos produtos. Até agora, abstraímos a existência do lucro. Entretanto, considerando que o capital circulante é essencialmente um fluxo contínuo de criação e destruição de valores monetários, a sua inclusão reforçará esse fluxo, acelerando-o e conduzindo-o a um dos três estados do capital circulante, de forma mais veloz.

Desse modo, suponhamos que os estoques passem a ser valorizados pela taxa de lucro esperada no setor onde atua a empresa.

1) E = estoques; 2) KE = valorização dos estoques; 3) K = 1 + i, sendo i a taxa de juros mínima acima dos custos financeiros dos empréstimos e idêntica a taxa de expectativa de lucros; 4) Et = E0 (l - γ)t (1 - i) = expressão geral.

A expressão 4 permite conhecer, com antecipação, o lucro bruto a ser obtido durante o processo circulatório. Entretanto, o fluxo financeiro será afetado positivamente quando da entrada em caixa da parcela correspondente a E0 (1 - γ)t (i) que represente parte do lucro total já gerado, e que será utilizado de acordo com a alternativa mais conveniente. Dentre as várias opções existentes, poderíamos enumerar as seguintes:

a) os lucros obtidos seriam continuamente investidos no capital circulante;

b) os lucros obtidos seriam aplicados na modernização do ativo fixo, alterando o y do processo produtivo;

c) os lucros gerados financiariam novos projetos de ampliação da empresa, ou seriam investidos em outro setor.

Evidentemente, quando a taxa de retorno das inversões originada nos recursos próprios for superior à taxa de rentabilidade obtida com financiamentos de terceiros, ocorre a máxima utilização das disponibilidades internas, o que acelera o autofinanciamento da empresa. A elevação dos coeficientes íeye a diminuição de a, de forma conjugada, são fatores a serem perseguidos na política financeira, e capazes, portanto, de movimentar os recursos, de forma mais veloz, para disponibilidades imediatas.

A posição final do capital circulante, considerando o lucro, é a seguinte:

Ilustração:

Consideremos ainda os mesmos dados do exemplo inicial e fixemos a taxa de retorno esperada em 20% a.a. Utilizando a expressão acima, a partir de t > 2, e isoladamente, para os tempos anteriores, as expressões gerais registradas em A, ajustadas também com o fator (1 + i), verifiquemos no Quadro 3 o comportamento geral do capital circulante:


8. O processo de realimentacão conjugado à reinversão dos lucros

Foram demonstrados até o momento, face à finalidade expositiva, os vários estados do capital circulante e as tendências verificadas no ativo e no passivo de curto prazo. À medida em que são introduzidos novos elementos financeiros e cogitadas alternativas para aplicação dos recursos, interna ou externamente ao capital circulante, aproxima-se a formulação teórica de um campo mais realístico.

Cuidou-se, entretanto, de demonstrar posições de equilíbrio, com excedente financeiro ou não. Seria também possível formular-se posições temporárias de desequilíbrio, com retorno à posição de equilíbrio, com ou sem liquidez ao final do processo, supondo-se a realização integral das vendas e, conseqüentemente, a efetivação dos lucros às taxas projetadas. Outro ponto de vista possível seria o de considerar-se os novos investimentos em capital fixo, cujo reflexo seria o de provocar retardamento na geração do fluxo dos recursos db capital circulante; essa defasagem seria sempre proporcional ao tempo de maturação do projeto, do mesmo modo, se as inversões fossem realizadas no capital fixo existente.

A expressão geral do capital circulante com reinversão dos lucros no próprio capital circulante, conjugada à realimentação de recursos de terceiros, é a seguinte:

Na expressão acima, os elementos βCRt-1 e Lt, do primeiro membro da equação, adquirem o significado de adição de novos estoques e passarão a ser valorizados pela taxa de lucro fixada, gerando o processo circulatório de transformação de valores.

O autor agradece, inicialmente, ao Professor Mario Henrique Simonsen pela leitura crítica apresentada, e, particularmente, ao Professor. A. C. Morgado pela colaboração prestada, por meio dás: quais foi possível enriquecer e melhorar a qualidade analítica deste trabalho.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1972
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