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SOBRE O OFÍCIO DO EDITOR-CHEFE E DECISÕES EDITORIAIS

Neste último editorial do ano, gostaríamos de trazer questões que cercam e afligem o editor-chefe no seu ofício. O editor supostamente é um gate-keeper , com o poder de decidir se um artigo deve ou não ser publicado na revista. Mas a palavra poder precisa ser problematizada. Qual o real poder de um editor? Repassando o processo editorial: i) o artigo submetido é avaliado por formato e similaridades; ii) após esse primeiro crivo, ele é encaminhado para o editor-chefe, que decide se o artigo deve ser rejeitado imediatamente (desk-reject) ou se deve ser enviado para um editor científico na área temática do texto em questão. No caso da RAE, muitos artigos são rejeitados nessa triagem realizada pelo editor-chefe e editor-adjunto. Mas, se o artigo segue no processo de avaliação, o editor-chefe trabalha com seus colegas - editores científicos e revisores - em pareceres para o aprimoramento do artigo para publicação. Qual o poder do editor-chefe? Respeitar as decisões de editores científicos, que trabalham com os revisores na avaliação e desenvolvimento do artigo. O editor-chefe pode não atender à recomendação de seus editores científicos? Em princípio, sim, mas isso pode acabar com o sistema de avaliação. Se a recomendação do editor científico não é atendida, por que ele deveria continuar nessa tarefa, gratuita, de apoio ao campo acadêmico? Por vezes, o editor-chefe pode recorrer a mais de um editor científico - assim como às vezes consultamos um médico para uma segunda opinião - mas não se pode utilizar dessa estratégia em todos os artigos, apenas quando há uma dúvida considerável. O editor-chefe não é um sádico que gosta de torturar os autores, torcendo para que eles se deem mal no processo; ao contrário, ele precisa de artigos. O editor-chefe, podemos dizer, necessita de artigos que possam fazer da revista um espaço interessante para a pesquisa, onde se encontram autores e ideias que contribuem para a construção de conhecimento local e universal. É uma necessidade ter textos que possam servir como referência para outras pesquisas, essa é a natureza das revistas acadêmicas.

O interesse do editor-chefe, em princípio, é publicar os artigos que tragam insights, contribuições teóricas, contribuições metodológicas. Mas ele depende de seus editores científicos, dos revisores. Definitivamente, seu poder não é absoluto. Os editores científicos e revisores são perfeitos? Não, eles trazem seus olhares, que podem ter pontos cegos, como qualquer um de nós. Isso fica evidente quando vamos para bancas: o aluno foi orientado, o professor orientador fez seu trabalho, mas a banca, ao examinar o texto, vê inúmeros aspectos que não foram possíveis de antecipar. É da natureza do trabalho científico, ou melhor, da natureza humana, ter visões limitadas e parciais.

Quando os artigos são rejeitados imediatamente? Em três circunstâncias principais: i) o fenômeno já foi pesquisado por diversos outros pesquisadores, e o artigo em questão não contribui com o campo; ii) a abordagem teórica está frágil, e, como consequência, o artigo não traz contribuições conceituais; iii) o procedimento metodológico está insuficientemente descrito, sem relatos dos dados coletados e das evidências empíricas que sustentam os resultados. Um fator que antecede todos esses é a insuficiente revisão de literatura. Qual o potencial de contribuição de um trabalho quando não se evidencia uma lacuna teórica que decorre de uma robusta, substantiva, revisão de literatura? Esses critérios básicos são evidenciados por editores científicos especialistas em sua área de expertise e revisores em suas avaliações.

Mas conhecer o tema nos torna imediatamente bons revisores? Não necessariamente, por isso é fundamental que tenhamos, nos encontros científicos brasileiros, mais e mais workshops sobre processo de avaliação científica, pois consideramos que a melhoria nesse processo é contínua e deve ser sempre explorada e debatida nesses espaços.

O trabalho dos revisores e do editor científico é uma “quase autoria”! Eles fazem uma doação à comunidade acadêmica e são fundamentais. A todos os editores científicos e revisores, que contribuíram com seu tempo e conhecimento para o processo de avaliação editorial ao longo deste ano, nosso muito obrigado. Não poderíamos publicar revista alguma se não fosse o trabalho generoso de todos vocês. Nossos profundos agradecimentos.

Destacamos, nesta edição, o Fórum “Sociomateriality and the relationship among organizations, artefacts and practices”, organizado por Marlei Pozzebon, Eduardo Henrique Diniz, Nathalie Mitev, François-Xavier de Vaujany, Miguel Pina e Cunha e Bernard Leca. Os organizadores são pesquisadores internacionalmente reconhecidos nessa temática e apresentam os três artigos selecionados para o Fórum, contributivos para o avanço teórico e metodológico no estudo da “virada material”, e convidam para o 9th Workshop Organizations, Artifacts and Practices (OAP), que deve ocorrer em São Paulo em 2019.

Dois outros interessantes artigos compõem esta edição: “Tecnologia da Informação Verde: Estudo à luz da teoria Crença-Ação-Resultado”, de Gabriela Figueiredo Dias, Anátalia Saraiva Martins Ramos, Rômulo Andrade de Souza Neto e Evangelina de Mello Bastos, e “Estágios do ciclo de vida e perfil de empresas familiares brasileiras”, de Fábio Frezatti, Diógenes de Souza Bido, Daniel Magalhães e Franciele Beck.

Na seção Perspectivas, sobre o potencial de impacto da pesquisa em Administração, contamos com a especial contribuição de Sérgio Lazzarini, em “Pesquisa em Administração: Em busca de impacto social e outros impactos”, e de Graziela Dias Alperstedt e Carolina Andion, em “Por uma pesquisa que faça sentido”. Consideramos que esses dois textos promovem um debate desejável e urgente para o campo da pesquisa em Administração.

Esta edição conta ainda com duas resenhas: “The perils of doing business across borders”, de Oliver Stuenkel, e “Cadê meu celular: Uma análise da nomofobia no ambiente organizacional”, de Thyciane Santos Oliveira, Lais Karla da Silva Barreto, Walid Abbas El-Aouar, Lieda Amaral de Souza e Leonardo Victor de Sá Pinheiro. As indicações bibliográficas de Belmiro no Nascimento João, sobre “Análise de conteúdo com técnicas quantitativas”, e de Julio César Bastos de Figueiredo e Caio Giusti Bianchi, sobre “Mapeamento cognitivo”, completam a edição.

Que o ano novo traga bons ventos para a pesquisa e as publicações em Administração no Brasil.

Boa leitura!

Maria José Tonelli e Felipe Zambaldi
*Professores da Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo São Paulo - SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2017
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