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Salários, inflação e balanço de pagamentos

ARTIGOS

Salários, inflação e balanço de pagamentos

Luis Antonio de Oliveira Lima

Professor do Departamento de Planejamento e Análise Econômica Aplicados à Administração (PAE) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas; chefe do Núcleo de Pesquisas e Publicações da EAESP/FGV

Ultimamente se tem publicado um grande número de artigos e livros procurando criticar o que se convencionou1 1 Bacha, E. Os mitos de uma década. Paz e Terra. chamar de "modelo brasileiro". Um desses artigos, talvez dos mais interessantes, chama atenção para o fato de que a política econômica implementada a partir de 1964, se de um lado destruiu alguns mitos, como a inevitabilidade da estagnação de nossas exportações, a rigidez da oferta agricola e a possibilidade de uma estagnação subconsumista "à Celso Furtado", de outro, introduziu alguns novos mitos, com a função de racionalizar as conseqüências do caráter tecnocrático e pragmático do mencionado modelo econômico.

Desses mitos, os que têm sido mais criticados são os que se referem à orientação da política salarial. A racionalização de tal política foi claramente exposta por Mario Henrique Simonsen, em livro escrito a quatro mãos com Roberto Campos: "De modo geral, os países em desenvolvimento têm que optar entre duas alternativas em matéria de filosofia, a do produtivismo e a do redistributivismo. A primeira estabelece como prioridade básica o crescimento do produto total, aceitando como ônus de curto prazo (grifo do autor do artigo) a permanência de apreciáveis desigualdades individuais de renda. A segunda fixa como objetivos fundamentais a melhoria da distribuição da renda e dos níveis de bem-estar presentes, embora isso costume custar a mutilação da capacidade de poupança e das possibilidades de crescimento (...) O debate distributivista acendeu-se no Brasil em princípios de 1972, quando certas análises baseadas nos censos mostraram que os índices de concentração da renda haviam-se agravado entre 1960 e 1970 (...) Na realidade, a discussão era cientificamente frágil, pois não havia sentido em se criticar uma experiência de desenvolvimento iniciada em 1968, comparando-se um dado de 1960 com um dado de 1970. O importante, porém, é que, diante destes debates, o Governo firmou-se na filosofia produtivista, recusando-se a promover a melhoria da distribuição da renda por prodigalidade salarial ou quaisquer outras que pudessem comprometer o futuro crescimento da economia."2 2 Simonsen, M. H. & Campos, Roberto. A Nova economia brasileira.

Em síntese, o que se afirma é que a política salarial trouxe "solução técnica" para o "conflito social paralisante" da economia; que a desigualdade de renda é um fenômeno natural, que tende a desaparecer; è que a alternativa à política adotada seria um "distributivismo prematuro", que levaria à estagnação.

Não é objetivo deste artigo questionar alguns pontos desta citação, tais como a falta de rigor semântico ao se interpretar arrocho salarial como recusa à prodigalidade salarial; ou ainda, a afirmação de que a piora da distribuição da renda é fato natural e de curto prazo, quando qualquer estudioso da economia brasileira sabe que é um fato estrutural, decorrente de um padrão de industrialização dependente, reforçado pela política econômica dos últimos anos. Também não se procurará discutir o fato de que o conceito de desenvolvimento é relativo, não podendo ser imposto como um valor absoluto, à parte da população (no nosso caso a maioria) que não se beneficia dele. O objetivo da presente discussão é bem mais restrito: procurar-se-á mostrar que a alternativa distributivismo-produtivismo não se pode aplicar mecanicamente como foi sugerido; e que, no caso brasileiro, a opção adotada criou mais dificuldades do que resoluções, estando, em grande parte, na base do atual problema inflacionário e de balanço de pagamentos. Em resumo, procurar-se-á dar à discussão uma conotação a-ética, tão a gosto da tecnocracia cabocla.

1. O Brasil, como qualquer economia capitalista que tenha, internalizado em seu aparelho produtivo, um setor de bens de produção (equipamentos, matéria prima, etc), está sujeito a ciclos econômicos. A instalação ou a expansão deste setor provocam, de início, um aumento na renda e no emprego. Superada a fase da instalação, há uma desativação da economia, surgindo o problema de utilização da nova capacidade. Assim, a política econômica que se efetiva de 1967 em diante teve como objetivo criar a demanda para utilizar o potencial produtivo instalado a partir do Governo Kubitschek. A retomada do crescimento que se dá daqueles anos em diante, estimulada ainda por uma complementação do parque produtivo, levou ao auge econômico de 1972-1973, caracterizando o que se convencionou chamar de "milagre brasileiro".

Uma das características desse ciclo foi a de que o auge econômico tendeu a se exponenciar em função da rígida política salarial, ao contrário do que sucede nas economias capitalistas modernas. Nestas, em razão do poder de barganha das classes trabalhadoras, o ciclo tende a se autolimitar, pois na prosperidade o aumento da demanda de mão-de-obra eleva os salários, reduzindo a taxa de crescimento do lucro e a velocidade da acumulação de capital. De certa maneira, este mecanismo explica a constância da participação, na renda, de lucros e salários, nas democracias ocidentais.

Consideremos, inicialmente, o modo pelo qual o processo inflacionário se manifestou no auge do mencionado ciclo. Uma das hipóteses mais difundidas3 3 Malan, Pedro S. & Luz, José Alfredo. O desequilíbrio do balanço de pagamentos: retrospecto e perspectivas. In: Brasil: Dilemas de política econômica. Campus. é a de que, quando no início de 1973 a economia se aproxima da plena utilização da capacidade produtiva, as empresas com maior poder de mercado passam a elevar seu mark-up, isto é, o percentual que incide sobre os custos diretos de produção (salário, mão-de-obra, energia, etc.) e que se destina a cobrir os custos fixos e a margem de lucro. Outra explicação que, antes de ser alternativa, é complementar à anterior, diz respeito à elevação que ocorre, a partir de 1973, nos preços dos principais inputs agrícolas e industriais. Nesta situação, mesmo que se mantenha o mark-up, a simples elevação dos custos diretos pode levar a um processo de realimentação inflacionária, uma vez que os preços finais incorporam não apenas a elevação dos custos diretos de produção, como também a elevação do lucro por unidade, já que o referido percentual incide sobre uma base maior.4 4 Tal argumento está baseado ua análise de Syllos-Labini, e o seu rationale foi claramente exposto por Franco Mondigliani: "especificamente, ele (Syllos) sugere que onde o princípio do full-cost é utilizado como critério de determinação de preços, pode ser interessante para as grandes firmas elevar o preço dos fatores que compõem o custo direto de produção; de fato, admitindo-se que a curva de demanda tenha elasticidade suficientemente baixa, tal política aumentará o total de lucros da indústria. Onde as grandes firmas são também importantes produtoras de matérias-primas estratégicas, elas podem atingir melhor esse propósito, elevando tais preços (...) Entretanto, a vantagem no aumento do full-cost vigora de maneira generalizada, a despeito do excesso de capacidade (...)".

Vários fatos fortalecem tal hipótese: o primeiro e o mais evidente foi a própria elevação do preço internacional das matérias-primas, principalmente das industriais. Segundo The Economist, em 1973 as matériasprimas alimentícias tiveram seus preços aumentados em 38,6% e as industriais, em 76,5%. Um outro fato, talvez importante, porém menos evidente, e que decorre do primeiro, é que na medida em que o Brasil ampliou suas exportações de produtos agrícolas e de matérias-primas, seus preços internos passaram praticamente a seguir os preços dos mercados internacionais, de maneira que uma elevação daqueles se refletia imediatamente nos preços internos. Além disso, este fato fez com que o produtor agrícola brasileiro substituísse a produção voltada para o mercado interno pela produção para exportação (estimulado ainda pelos incentivos oficiais que irresponsavelmente lhe eram oferecidos), reduzindo assim a oferta interna e, em conseqüência, elevando os preços.

Ora, se em tal processo os salários aumentam menos em termos monetários que os demais custos diretos de produção, como aconteceu no Brasil, cresce a participação dos lucros na renda, em detrimento dos salários, elevando-se a relação que se costuma denominar taxa de exploração do sistema. Tal relação expressa o valor do excedente de cada empresa ou de um setor (a soma de lucros, dividendos, juros, aluguéis, remuneração dos tecnocratas e depreciação), dividido pelo total de salários. Em termos mais precisos, é o valor agregado menos salários, dividido pelo salário. Os números que se seguem mostram o aumento percentual da taxa de exploração no ano de 1973 em relação a 1972: indústria de transformação como um todo, 13%; metalúrgica, 14%; material elétrico e de comunicação, 26%; material de transporte; 23%; papel e papelão, 41%; química, 27%; etc.5 5 Valores obtidos a partir de dados do Anuário Estatístico 1975 - IBGE-Deicom.

Um dos primeiros efeitos da elevação da taxa de exploração em um setor é a realimentação do processo de reinversão, não só pela aplicação dos fundos gerados internamente, como também em função da facilidade de obtenção de novos créditos, decorrentes do aumento da imobilização das empresas. Vejamos como isto pode ocorrer. Consideremos, inicialmente, uma elevação do nível de preços que pode decorrer da elevação do próprio custo das matérias-primas importadas ou nacionais. Em tal situação, dado um certo valor dos meios de pagamento, e uma certa velocidade de circulação, se este valor e esta velocidade não aumentarem, uma parte da produção deixa de circular. Mas na verdade esta última hipótese não ocorre, pois os estoques inflados das empresas justificam uma elevação, por parte do sistema bancário, de seus empréstimos ao setor privado, o que gera um problema de liquidez no próprio sistema dos bancos comerciais e o conseqüente afrouxamento do crédito, por parte do Banco Central.6 6 Uma análise mais detalhada deste ponto pode ser encontrada em Rangel, Inácio. A inflação brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1978. Da mesma forma, na media em que ocorre uma pressão no mercado monetário, a velocidade de circulação da moeda é aumentada pela elevação da taxa de juros, e surgem substitutos do dinheiro, ou quase-dinheiro, que contribuem para aumentar a liquidez do sistema.7 7 Minsky, H. John Maynard Keynes. Columbia University Press, cap. 4. Conseqüência disto foi o fato de que o Governo, ao tentar reduzir a taxa de crescimento dos meios de pagamentos em 1974, foi frustrado pela elevação do crédito privado.8 8 Cf. Conjuntura Econômica, dez. 1975.

Assim, o período caracterizou-se por uma euforia de novos investimentos, principalmente nos setores de maior rentabilidade do sistema (bens de consumo duráveis). No início de 1974, os empresários propunham ampliar sua capacidade produtiva em 30%. Tais decisões tiveram reflexos sobre o balanço de pagamentos, por meio da taxa de aumento real das importações de alguns itens: ferro e aço, 131,2%; cobre, 43,9%; alumínio, 76,7%; equipamentos elétricos, 33,4%; equipamentos de transporte, 49,7%. Parte dessas importações tiveram inclusive uma motivação especulativa, tendo em vista o volume de recursos disponíveis e as expectativas de preços crescentes.

A mencionada euforia de investimentos sem dúvida leva a uma atitude que não se restringe aos ativos de capital. A especulação torna-se mais intensa no mercado financeiro, mesmo porque este é o terreno mais fértil para o seu desenvolvimento. Não devemos, no entanto, nos espantar com isto, pois a diversificação dos haveres financeiros e o surgimento de novas instituições e instrumentos de crédito ocorrem normalmente em um processo de acumulação capitalista, como já observou Hyman Minsky.9 9 Id. ibid. cap. 6. No caso brasileiro, no entanto, este processo tendeu para um exagero em função das próprias condições institucionais, que fortaleceram sobremodo o processo especulativo, com todas as suas conseqüências em termos de predisposição da economia para a crise e a inflação. Consideremos tal processo.

A partir de 1974, as empresas, tendo utilizado seus recursos para a expansão e a imobilização, passam a recorrer ao endividamento para poder financiar não só suas atividades, como também uma maior expansão, o que é ilustrado pela tendência muito clara de elevação das margens de despesas financeiras neste ano.10 10 Conforme Conjuntura Econômica, n. 11 nov. 1976. Tal atividade é simultânea a um crescimento das taxas inflacionárias que, embora se manifeste claramente apenas em 1974, já vinha ocorrendo desde 1973, encoberto, no entanto, pela manipulação dos índices oficiais de preço, nos últimos meses do Governo Medici.

Se combinarmos esses dois elementos com as medidas governamentais que são tomadas com o objetivo de controlar o recrudescimento do processo inflacionário e que levam a uma redução da atividade econômica, podemos entender o quadro que começa a se mostrar a partir de então.

A diminuição da rentabilidade das empresas, no momento em que já se encontram com uma baixa relação de recursos próprios/recursos de terceiros, as compele a recorrer cada vez mais ao crédito, agravando sua situação financeira. Tal mecanismo atingiu basicamente a rentabilidade das unidades econômicas com pouca flexibilidade para alterar sua renda, em especial o assalariado e as pequenas e médias empresas, bem como as empresas de serviços públicos, cujas tarifas controladas acompanham cada vez menos a elevação dos preços.

O mesmo não ocorreu, entretanto, com as grandes empresas oligopolistas e monopolistas, estatais e multinacionais, que em função de seu poder de mercado conseguem conservar sua rentabilidade. A manutenção de uma elevada rentabilidade, simultânea com uma redução das oportunidades de reinversão, levou as grandes empresas a optarem pelo caminho mais natural para a manutenção do valor de seu capital, isto é, destinar seus recursos a atividades não-operacionais, especialmente a especulação financeira que se tornou possível pela criação de um mercado de capitais com as características que ele atualmente apresenta.11 11 Alguns dados podem ilustrar a importância dos lucros não operacionais de algumas empresas multinacionais, para o período 74/75.

A correção monetária, artifício para viabilizar a criação do mencionado sistema, não só fazia reverter a alta dos preços contra o saldo devedor das empresas12 12 Reconhecendo esse fato, as autoridades monetárias introduziram, em 1975, para vigorar a partir de 1976, uma série de modificações no cálculo da correção monetária. Estabeleceu-se, para todos os financiamentos a pequenas e médias empresas produtoras de bens de capital, a taxa mínima de correção de 20% ao ano. Além disso, a partir de 1976, alterou-se a metodologia dos índices de preços por atacado, bem como modificou-se o prazo e modo de cálculo dos coeficientes de correção. como também, e principalmente, criava as condições para o deslanche do mencionado processo especulativo. Como observam M.C. Tavares e Luiz G. Belluzzo: "A emissão de títulos da dívida pública, em particular letras de tesouro, tinha o propósito de criar um mecanismo de open-market capaz de regular a liquidez da economia (...) No entanto, o risco nulo e a proteção contra a inflação (por meio da correção monetária) tornam os papéis emitidos pelo governo um ativo financeiro de primeira linha. Em função disso, esses títulos servem de garantia para todas as operações dé curtíssimo prazo. Ao mesmo tempo, a taxa de remuneração implícita destes títulos (deságio mais correção monetária e juros) regula a taxa de rentabilidade para as aplicações financeiras em geral, e conseqüentemente o custo do dinheiro".13 13 Notas sobre o processo de industrialização recente no Brasil. Revista de Administração de Empresas, 79(1) jan./fev. 1979.

Por outro lado, não parece haver dúvida de que a elevação da taxa de juros decorrente deste processo também é, em parte, responsável por um grande afluxo de dólares acima das necessidades reais da economia,14 14 Sobre este ponto, veja Wells & Sampaio. Eurodólares, dívida externa e o Milagre Brasileiro. Estudos CEBRAP, 6; Lima, L. A. de O. A Crise do petróleo e o fim do milagre. RAE, jan./fev. 1978. o que por seus efeitos sobre a política monetária constitui outro mecanismo de realimentação inflacionário. Deste modo, como observa Alkimar Moura: "O aumento das dívidas externa e interna é, em certo sentido, fenômeno interdependente. A elevação das reservas internacionais derivada dos empréstimos externos provoca uma expansão monetária na economia brasileira. A fim de evitar a emissão de dinheiro, o Banco Central se vê compelido a vender títulos de curto prazo no mercado, o que, além de exercer pressão para cima sobre as taxas de juros nos papéis do Tesouro, provoca um aumento líquido no saldo de LTN em poder do setor privado. Assim, o crescimento da dívida pública interna decorre, em parte, do próprio endividamento externo. Quando a entrada de empréstimos em moeda se revela anormalmente alta, nem a venda de LTN é capaz de reduzir a liquidez do mercado".15 15 Quem tem medo da dívida. EAESP/FGV, mimeogr.

2. Consideremos agora uma situação hipotética em que, por força da existência de sindicatos livres, os salários reais pudessem crescer, absorvendo aumentos de produtividade. Tal elevação salarial não teria afetado a taxa de exploração vigente em 1972, que já propiciava lucratividade satisfatória; implicaria, apenas, uma redistribuição na margem do acréscimo da taxa de exploração ocorrido em 1973. Para falar em uma linguagem que os economistas oficiais entendem melhor: haveria uma distribuição diferente, não do bolo existente em 1972, mas da parte dele que cresceu em 1973. Considerando-se o período 72/75, tal situação, provavelmente teria reduzido o impulso à acumulação de ativos financeiros, com finalidade especulativa e a pressão sobre o balanço de pagamentos, fatores que, como sugerimos, encontram-se por trás dos problemas decorrentes do alto grau de endividamento, tanto externo como interno.

Assim, não haveria uma redução da demanda global, mas uma alteração de seu perfil, que abrandaria o auge econômico tornando-o mais duradouro, pois, como observam Joan Robinson e John Eatwell: "Quando os salários reais se elevam na mesma proporção que o produto por trabalhador, o problema de absorção de poupanças crescentes é muito menos sério. A participação dos lucros no valor da produção é, então, mais ou menos constante, e uma razão constante entre investimento e renda é suficiente para permitir que os lucros sejam realizados e o nível de emprego, mantido".16 16 Introdução à economia. Livros Técnicos e Científicos. Além do que, muito provavelmente, haveria um aumento na demanda dos bens de consumo de massa (wage-goods), estimulando a atividade dos setores tradicionais (têxteis, alimentos, vestuário, etc), setores que, normalmente, têm maior capacidade ociosa e menos poder monopolístico na determinação de seus preços, comparados com o poder dos setores oligopolísticos que atendem à demanda por bens de luxo. Da mesma forma, seria menor o efeito sobre o balanço de pagamentos, uma vez que os setores tradicionais têm menores coeficientes de importação por unidade produzida, podendo, inclusive, ter suas necessidades mais facilmente atendidas pela indústria nacional. Além disso, a expansão de tais setores permitiria uma maior absorção de mão-de-obra menos qualificada, o que seria uma contribuição positiva para a política de emprego e para um melhor perfil da distribuição de renda.

Desta maneira, a pressão sindical permitiria que, na época do boom, houvesse uma redistribuição do aumento de produtividade. Tal pressão se manifestaria quase como um mecanismo compensatório, automático - capaz de abrandar as oscilações do ciclo e tornar menos aguda a reivindicação salarial na fase descensional daquele.

A simples programação econômica capitalista não tem condições de realizar tal redistribuição, na medida em que ela não se atribui objetivos de regulação generalizada do circuito produção-distribuição-consumo. Desta maneira, a programação tem uma sorte singular: quando o ciclo se encontra na fase do boom, e a produção e as vendas se encontram em situação favorável, ninguém sente a necessidade dela porque parece que, por si, as "forças do mercado" são capazes de satisfazer as exigências de vida da população trabalhadora; quando advém uma crise, no entanto, a programação e a reforma aparecem como prematuras e são afastadas para serem realizadas em tempo melhor.17 17 Conforme D'Antonio, Mário. Sviluppo e crise de! capitalismo Italiano. Donato, 1973.

Não se deve inferir destas observações que seja tecnicamente impossível a realização de reformas que possam levar a uma melhor redistribuição da renda, sem prejudicar o crescimento. "No caso brasileiro, pode-se imaginar um conjunto de políticas econômicas que garantam tal objetivo. Consistiriam no seguinte: a) fortalecimento do núcleo estatal; b) eficiência na utilização dos recursos disponíveis; c) reforma e moralização do sistema financeiro."18 18 Bacha, E. Política econômica e distribuição da renda. Paz e Terra, 1978. Quer-me parecer, no entanto, em função do que já foi exposto no parágrafo anterior, que dada a correlação de forças existentes, a natureza e as limitações do próprio estado, é pouco provável que essa estratégia reformista tenha sucesso, e que a alternativa seria a aceitação por parte da própria sociedade - o que parece já vir ocorrendo tanto ao nível da sociedade civil como da política - da inevitabilidade do surgimento, ou do ressurgimento, dos canais institucionais, isto é, sindicatos livres e representativos, por meio dos quais a classe trabalhadora possa se manifestar como uma das forças básicas da sociedade industrial moderna.

  • 1 Bacha, E. Os mitos de uma década. Paz e Terra.
  • 2 Simonsen, M. H. & Campos, Roberto. A Nova economia brasileira.
  • 7 Minsky, H. John Maynard Keynes. Columbia University Press, cap. 4.
  • 13 Notas sobre o processo de industrialização recente no Brasil. Revista de Administração de Empresas, 79(1) jan./fev. 1979.
  • 14 Sobre este ponto, veja Wells & Sampaio. Eurodólares, dívida externa e o Milagre Brasileiro. Estudos CEBRAP, 6; Lima, L. A. de O. A Crise do petróleo e o fim do milagre. RAE, jan./fev. 1978.
  • 15 Quem tem medo da dívida. EAESP/FGV, mimeogr.
  • 16 Introdução à economia. Livros Técnicos e Científicos.
  • 18 Bacha, E. Política econômica e distribuição da renda. Paz e Terra, 1978.
  • 1
    Bacha, E.
    Os mitos de uma década. Paz e Terra.
  • 2
    Simonsen, M. H. & Campos, Roberto.
    A Nova economia brasileira.
  • 3
    Malan, Pedro S. & Luz, José Alfredo. O desequilíbrio do balanço de pagamentos: retrospecto e perspectivas. In:
    Brasil: Dilemas de política econômica. Campus.
  • 4
    Tal argumento está baseado ua análise de Syllos-Labini, e o seu
    rationale foi claramente exposto por Franco Mondigliani: "especificamente, ele (Syllos) sugere que onde o princípio do
    full-cost é utilizado como critério de determinação de preços, pode ser interessante para as grandes firmas elevar o preço dos fatores que compõem o custo direto de produção; de fato, admitindo-se que a curva de demanda tenha elasticidade suficientemente baixa, tal política aumentará o total de lucros da indústria. Onde as grandes firmas são também importantes produtoras de matérias-primas estratégicas, elas podem atingir melhor esse propósito, elevando tais preços (...) Entretanto, a vantagem no aumento do
    full-cost vigora de maneira generalizada, a despeito do excesso de capacidade (...)".
  • 5
    Valores obtidos a partir de dados do
    Anuário Estatístico 1975 - IBGE-Deicom.
  • 6
    Uma análise mais detalhada deste ponto pode ser encontrada em Rangel, Inácio.
    A inflação brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1978.
  • 7
    Minsky, H. John Maynard Keynes. Columbia University Press, cap. 4.
  • 8
    Cf.
    Conjuntura Econômica, dez. 1975.
  • 9
    Id. ibid. cap. 6.
  • 10
    Conforme
    Conjuntura Econômica, n. 11 nov. 1976.
  • 11
    Alguns dados podem ilustrar a importância dos lucros não operacionais de algumas empresas multinacionais, para o período 74/75.
  • 12
    Reconhecendo esse fato, as autoridades monetárias introduziram, em 1975, para vigorar a partir de 1976, uma série de modificações no cálculo da correção monetária. Estabeleceu-se, para todos os financiamentos a pequenas e médias empresas produtoras de bens de capital, a taxa mínima de correção de 20% ao ano. Além disso, a partir de 1976, alterou-se a metodologia dos índices de preços por atacado, bem como modificou-se o prazo e modo de cálculo dos coeficientes de correção.
  • 13
    Notas sobre o processo de industrialização recente no Brasil.
    Revista de Administração de Empresas, 79(1) jan./fev. 1979.
  • 14
    Sobre este ponto, veja Wells & Sampaio. Eurodólares, dívida externa e o Milagre Brasileiro.
    Estudos CEBRAP, 6; Lima, L. A. de O. A Crise do petróleo e o fim do milagre.
    RAE, jan./fev. 1978.
  • 15
    Quem tem medo da dívida. EAESP/FGV, mimeogr.
  • 16
    Introdução à economia. Livros Técnicos e Científicos.
  • 17
    Conforme D'Antonio, Mário.
    Sviluppo e crise de! capitalismo Italiano. Donato, 1973.
  • 18
    Bacha, E. Política econômica e distribuição da renda. Paz e Terra, 1978.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Set 1979
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