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A sociologia e a moderna teoria dos sistemas

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

A sociologia e a moderna teoria dos sistemas

Franklin Lee Feder

A Sociologia e a Moderna Teoria dos Sistemas

Por Walter Buckley. São Paulo, Editora Cultrix, Editora da Universidade de São Paulo, 1971, 307 p.

O impacto da teoria geral de sistemas nas ciências, tanto naturais como sociais, ultrapassou em muito as ambições do biólogo Ludwig von Bertalanffy quando da publicação, em 1950, do The theory of open systems in physics and biology, obra básica e fundamental para os teóricos sistêmicos, onde se concebeu o modelo do "sistema aberto" entendido como um "complexo de elementos em interação e em intercâmbio contínuo com o ambiente". A necessidade de se dar um tratamento metodológico semelhante às diversas áreas da ciência provocou, em algumas destas, histeria coletiva na aplicação da teoria geral de sistemas, especialmente de seu vocabulário característico. No entanto, ficou logo evidente a imaturidade desta abordagem algo "revolucionária"; os que se tinham mantido céticos acabaram por devorar e, praticamente, destruir as potencialidades do modelo sistêmico, fazendo-lhe críticas praticamente irrefutáveis no então estágio de formulação.

A miscigenação da cibernética e da teoria da informação ou comunicação com a pesquisa geral dos sistemas veio dar uma nova vitalidade do modo de tratar o assunto, especialmente nas suas aplicações no campo das ciências sociais. A introdução do conceito de elos de informação caracterizando as relações entre as "partes" ao invés de elos de energia, deram possibilidades aos investigadores de aplicarem o modelo de análise a fenômenos e situações que não se prestavam ao estudo sob a égide da abordagem preliminar.

Walter Buckley penetra por baixo da superficialidade que caracteriza a maioria dos estudos que empregam os conceitos amplamente difundidos de input, output, feedback, etc, mas que não se preocupam em caracterizar mais especificamente os termos utilizados. Muito mais do que isso, Buckley faz um apelo aos cientistas sociais para aplicarem os instrumentos analíticos fornecidos pela teoria geral de sistemas, instrumentos estes bastante diversos daqueles que pertenciam à teoria quando da sua formulação inicial.

A sociologia, que sofreu o impacto da abordagem sistêmica quando da sua "apresentação" por von Bertalanffy, apresenta hoje um quadro metodológico bastante complexo e confuso. O funcionalismo parsoniano impregna a maioria dos trabalhos de cunho sociológico, dizendo abranger dentro da sua perspectiva a abordagem sistêmica. Assim, muitas das críticas dirigidas ao funcionalismo (críticas que podem ser classificadas em lógicas, substantivas e ideológicas) são utilizadas inadvertidamente para desmoralizar estudos sistêmicos já realizados. A alegação de que o funcionalismo não pode explicar a mudança social, pois dá ênfase à persistência e à estabilidade, talvez não seja aplicável a uma teoria geral de morfogênese apresentada por Buckley. Trata-se, portanto, de distinguir entre a sistematicidade da perspectiva funcionalista e a teoria geral de sistemas propriamente dita.

O apelo, portanto, feito por Walter Buckley, professor-adjunto de sociologia da Universidade da Califórnia, surge da crítica, apresentada aos modelos mecanicista e organicista (holística) que predominaram e predominam ainda na sociologia. O primeiro capítulo, modelos de sistemas sociais, é dedicado a um resumo crítico destas duas metodologias básicas, seguido de uma comparação também crítica das estruturas teóricas de Homans e de Parsons.

O segundo capítulo é talvez o mais importante em termos de uma elaboração teórica de uma abordagem sociológica. O autor não se propõe a fazer uma extensa conceituação de "sistema" mas, apenas, elucidar as características inerentes aos sitemas adaptativos complexos que lhes dão a capacidade de "elaborar ou mudar a estrutura como pré-requisito para permanecerem viáveis como sistema operantes". Nesse sentido, Buckley elabora um modelo abstrato de morfogênese, o qual utiliza conceitos como "meio", "variedade" e "coerção" para caracterizar os "processos que tendem a elaborar ou mudar a forma, a estrutura ou o estado de um sistema".

Em seguida, o Professor Buckley distingue "sistema" de "estrutura", procurando diferenciar os dois conceitos que não raro se confundem na abordagem funcionalista. "Sistema" é entendido como sendo uma "relação contínua, mantenedora de limites e variamente relacionada", enquanto a "estrutura pode assumir seus componentes em qualquer momento determinado". Assim, o quarto capítulo é dedicado ao exame da natureza particularmente fluída da estrutura dos sistemas sócio culturais e à tênue linha divisória conceptual entre essa "estrutura" e o que se denomina "processo". Procura-se também discutir o "ato social" e o processo básico de interação examinando os modelos de Newcomb (modelo A-B-X) , a teoria interpessoal da personalidade de Secord e Backman, e a teoria comportamental da comunicação de Ackoff.

Com este quadro conceptual de interação humana já definido, o quinto capítulo trata da contínua estruturação, desestruturaçõo e reestruturação característica do sistema sócio cultural. Enquanto que no capítulo anterior a ênfase era sobre os microprocessos de relações interpessoais, no capítulo subseqüente o prisma principal é a organização social, seus papéis, e instituições. Buckley insere o modelo abstrato do processo morfogênico, que constitui, segundo o autor, um "quadro de referência muito geral, dentro do qual se podem organizar inúmeras conceptualizações correntes da gênese, da manutenção ou da mudança da estrutura social", com o intuito de caracterizar o desenvolvimento das instituições, ou então, das estruturas sócio-culturais. Durante toda a exposição teórica, o autor preocupa-se em demonstrar a "superioridade" do modelo de sistema adaptativo complexo, em contraste com a fragilidade do modelo de sistema homeostático ou de equilíbrio, pois aquele vê o sistema sócio cultural como um complexo sistema adaptativo que continuamente gera, elabora e reestrutura padrões de significados, ações e interações.

O modelo atual de "consenso" é brevemente exposto e criticado, pois Buckley alega que este mantém uma visão relativamente estática de "instituição", "controle social", e "ordem" e "desordem" social. Portanto, o sexto e último capítulo é dedicado ao exame de uma possível abordagem cibernética a estes mesmos conceitos, atribuindo-lhes, assim, uma natureza mais dinâmica. A discussão engloba problemas referentes ao poder, à legitimidade, e à autoridade, como também trata de aspectos da inter-relação entre o poder e a burocracia.

A sociologia e a moderna teoria dos sistemas é muito mais do que uma mera aplicação da teoria geral dos sistemas a um campo específico do conhecimento. As críticas dirigidas às abordagens mecanicista e organicista (isto é, funcionalista), e a exposição clara e lógica do modelo sistêmico adaptativo ultrapassam, em muito, as fronteiras, ainda que fluidas, da ciência sociológica. O apelo do Professor Buckley para que haja uma significativa revisão da teoria sociológica deve ser atendido pelos demais cientistas sociais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1972
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