Acessibilidade / Reportar erro

A conversão de empréstimos externos em investimentos diretos

NOTAS E COMENTÁRIOS

A conversão de empréstimos externos em investimentos diretos

Paulo Nogueira Batista Jr

Economista do Centro de Estudos Monetários e de Economia Internacional do IBRE/FGV

1. INTRODUÇÃO

O objetivo desta nota é examinar a viabilidade de uma das soluções propostas para o problema da dívida externa: a conversão de empréstimos externos em investimentos diretos. Trata-se, na verdade, de uma idéia já bastante antiga que tem sido apresentada com o argumento de que seria possível enfrentar o problema da dívida externa pela transformação do padrão de financiamento externo e/ou da composição do estoque de ativos estrangeiros no País. Por razões mencionadas em nota anterior,1 1 Batista Jr., Paulo Nogueira. Nota sobre a conversão de empréstimos externos em capital de risco. FGV/IBRE/Cemei, jun. 1981. p. 1-3. mimeogr. as empresas estrangeiras com investimentos no Brasil preferem transferir capital a suas filiais brasileiras sob a forma de empréstimos ou financiamentos, o que provavelmente distorce a estrutura do passivo dessas empresas2 2 Trabalho divulgado pelo IPEA em 1975 chegou à conclusão, considerada surpreendente pelos autores da pesquisa, de que o grau médio de endividamento (relação dívida/capital próprio) das subsidiárias de empresas multinacionais era superior ao das empresas privadas nacionais. Este resultado foi obtido a partir da análise da estrutura financeira de 318 grandes empresas industriais no período 1970-73. Doellinger, Carlos von & Cavalcanti, Leonardo C. Empresas multinacionais na indústria brasileira. Rio de Janeiro, 1975. p. 79-82. (Relatório de Pesquisa n.º 29, IPEA/ Inpes.) e contribui para acelerar o crescimento da dívida brasileira.

A proposta da conversão apresenta duas variantes básicas. A primeira recomenda a adoção de medidas e incentivos que possam induzir as filiais de empresas estrangeiras (ou as empresas brasileiras com participação do capital estrangeiro) a transformar parte de suas dívidas externas em capital direto (equity capital). Esta recomendação baseia-se na hipótese, já referida, de que uma parte significativa da dívida externa brasileira corresponde, na verdade, a uma forma velada de investimento direto.3 3 Doellinger, Carlos von & Cavalcanti, Leonardo C. op. cit. p. 96-8. Um trabalho recente do IPEA traz uma discussão mais detalhada dos motivos da preferência das empresas multinacionais por capitais de empréstimo. Guimarães, Eduardo Augusto & Malan, Pedro Sampaio. A Opção entre capital de empréstimo e capital de risco. Versão preliminar, set. 1981. Cap. III. mimeogr. Uma variante desta proposta seria a tentativa de influenciar a composição dos influxos futuros de capital externo, com o objetivo de aumentar a participação dos investimentos diretos na conta de capitais autônomos.

Estas duas variantes são, evidentemente, incompatíveis entre si. Mas esta nota irá concentrar-se na possibilidade de influenciar a composição futura da conta de capital do balanço de pagamentos, por acreditar que este caminho talvez seja de implementação mais fácil do que a tentativa de reverter decisões tomadas no passado.

2. COMPOSIÇÃO DA CONTA DE CAPITAL E EXPANSÃO DA DlVlDA EXTERNA

A proposta de alteração no padrão de financiamento e\ terno teria como finalidade central levar a que uma parcela maior do déficit em transações correntes fosse financiada por investimentos diretos, o que contribuiria para reduzir o ritmo da expansão da dívida externa.

De fato, quanto maior o ingresso líquido de investimentos diretos (investimentos estrangeiros no País menos investimentos brasileiros no exterior), menor o crescimento da dívida externa líquida associada a um dado déficit em transações correntes. Como se sabe, um déficit em conta corrente pode ser financiado basicamente de três maneiras: a) por uma entrada líquida de empréstimos e financiamentos; b) pela redução das reservas internacionais do País; e/ou c) pelo ingresso líquido de investimentos diretos. Tanto a entrada líquida de capital de empréstimo como a redução das reservas resultam em aumento da dívida externa em termos líquidos. Isto significa que o crescimento da dívida externa líquida em determinado período corresponde basicamente à diferença entre o déficit em transações correntes e o investimento direto.4 4 Deve-se observar, entretanto, que as variações do estoque da dívida e das. reservas registradas pelo Banco Central não correspondem precisamente aos fluxos observados. Há vários fatores que podem introduzir divergências entre os fluxos e estoques do setor externo. A própria conversão de dívidas externas em capital direto pode constituir uma exceção à identidade referida no texto. A menos que o Banco Central efetue registros simbólicos na conta de capital (entrada de capital direto contrabalançada por amortização de valor equivalente), a conversão reduz o estoque da dívida sem afetar os fluxos de balanço de pagamentos. Conseqüentemente, o crescimento da dívida externa pode ser contido de duas formas: a) controlando o desequilíbrio do balanço de pagamentos em transações correntes; b) modificando a composição da conta de capital.

O intenso crescimento da dívida externa brasileira nos últimos anos resulta não apenas dos déficits sem precedentes em transações correntes, mas também da forma pela qual estes déficits foram financiados, isto é, do fato de que a contribuição cambial líquida do investimento direto foi claramente secundária no período recente. Como se vê nas tabelas 1 e 2, a participação do investimento direto no movimento líquido de capitais foi dc apenas 15,9% no período 1968-73 e 14,4% no período 1974-79. Em 1980, a sua participação reduziu-se a 12,1%, o que equivale a menos da metade da entrada líquida de capitais a curto prazo e outros capitais naquele ano.

3. AS VANTAGENS REAIS DA CONVERSÃO

Qualquer tentativa de promover alterações na estrutura da conta de capital (ou do estoque de ativos estrangeiros) deve partir, entretanto, de uma visão realista dos benefícios que se poderia alcançar por esta via e dos limites a que está sujeita a ação do Governo neste campo.

É duvidoso, por exemplo, que a substituição de empréstimos por investimentos possa ter um efeito concreto em termos de redução das despesas cambiais do País. Pode não haver economia cambial líquida se o pagamento de juros for simplesmente substituído pela remessa de lucros e dividendos ou por outras formas de transferência (pagamentos a título de assistência técnica, royalties por marcas e patentes, superfaturamento de importações, subfaturamento de exportações, etc). Na verdade, as diferentes formas de pagamento ao exterior constituem canais intercambiáveis de remessa, o que dificulta consideravelmente o controle das despesas cambiais associadas à presença do capital estrangeiro na economia.5 5 Guimarães, Eduardo A. & Malan, Pedro S. op. cit. p. 26-27 e 41-42. Neste contexto, o efeito da conversão de empréstimos em investimentos seria provavelmente apenas contábil, sem qualquer repercussão concreta sobre a situação de balanço de pagamentos.

Cabe lembrar ainda que a participação das empresas estrangeiras na dívida externa e nos movimentos de capital é menor do que às vezes se imagina.6 6 Batista Jr., Paulo N. op. cit. p. 3-5. Segundo informação obtida diretamente no Departamento de Fiscalização e Registro de Capitais Estrangeiros (Firce) do Banco Central, em junho de 1979, o saldo devedor de empresas com participação estrangeira direta representava 32% do total da dívida correspondente a empréstimos no regime da Lei n.º 4.131. Em junho de 1979, a dívida direta em moeda das empresas com participação estrangeira representava apenas 16% da dívida total do País.

Por esses motivos, deve-se abandonar a esperança de que a modificação do padrão de financiamento externo das subsidiárias de empresas estrangeiras possa ter um efeito decisivo sobre a evolução da dívida externa brasileira nos próximos anos.

De qualquer forma, embora não se possa esperar que esquemas desse tipo sejam capazes de reverter a situação do setor externo da economia brasileira, parece válido supor que algumas medidas de estímulo à substituição de empréstimos e financiamentos por investimentos diretos possam contribuir de alguma forma para a solução do problema.

Deve-se observar, em primeiro lugar, que uma redução do ritmo de expansão da dívida externa teria impacto favorável para o Brasil. Não há por que descartar a hipótese de que os credores externos sofram de uma certa ilusão contábil. A redução da taxa de crescimento da dívida, ainda que resultasse apenas de mudanças na composição dos ativos estrangeiros ou dos fluxos de capital, poderia contribuir para estimular a oferta de empréstimos externos e reduzir o custo financeiro da dívida.

Em segundo lugar, a conversão de empréstimos em investimentos poderia diminuir a instabilidade da rubrica rendas de capitais do balanço de pagamentos, à medida que reduzisse o montante da dívida contratada a taxas de juros flutuantes.7 7 Guimarães, Eduardo A. & Malan, Pedro S. op. cit. p. 40. O Banco Central não divulga informações sobre a participação dos contratos com taxas de juros flutuantes na dívida externa. A julgar pelos dados disponíveis, o esquema de taxas flutuantes aplica-se atualmente a mais de 2/3 da dívida brasileira. Em dezembro de 1981, os empréstimos em moeda e os suppliers' credits, a quase-totalidade dos quais contratados a taxas de juros flutuantes, representam nada menos que 83% da dívida total do Brasil (exclusive dívida de curto prazo). Banco Central do Brasil. Relatório-1981, p. 104.

4. MEDIDAS RDENTES DE ESTIMULO À CONVERSÃO DE EMPRÉSTIMOS EM INVESTIMENTOS DIRETOS

Este tipo de consideração é que deve ter motivado o Governo brasileiro a adotar nos últimos anos algumas medidas esparsas de incentivo à conversão de dívidas externas em capital de risco ou de estímulo ao ingresso de recursos externos na forma de investimento direto.

Deve-se ressaltar, porém, que as decisões tomadas não envolveram alterações nos instrumentos jurídicos que definem o estatuto básico para os capitais estrangeiros no Brasil. As normas fundamentais continuaram a ser definidas pela Lei n.º 4.131, de 1962 (com as modificações introduzidas pela Lei n.º 4.390, de 1964) e pelo Decreto n.º 55.762, de 1965.

Dentre as medidas recentemente adotadas, pode-se destacar as seguintes:

a) incentivos fiscais à conversão de empréstimos ou financiamentos externos em investimerítos diretos;

b) a regulamentação de investimentos estrangeiros no mercado acionário interno;

c) a exigência de contrapartida sob a forma de aportes de investimento direto para o lançamento de debêntures e ações de empresas estrangeiras.

No que se refere à transformação de dívidas externas em capital direto, o primeiro passo concreto parece ter sido a decisão de introduzir incentivos fiscais em favor de empresas que realizassem a referida conversão. O Decreto-lei n.º 1.598, de 26 de dezembro de 1977, estabeleceu que poderiam ser deduzidos do lucro real os dividendos fixos de ações pertencentes a pessoas residentes ou domiciliadas no exterior, desde que as ações tivessem sido criadas pela capitalização de financiamento ou empréstimo externo registrado até 31 de dezembro de 1977 pelo Banco Central.8 8 Art. 59 do Decreto-lei n.º 1.598. Decireto posterior estendeu por mais um ano o prazo de aplicação do incentivo fiscal.9 9 Decreto-lei n.º 1.654 de 29 de dezembro de 1978.

Ainda no que se refere à conversão de empréstimos em investimentos, deve-se mencionar a decisão de liberar, para transformação em capital direto, empréstimos retidos compulsoriamente no Banco Central. Quando foi decretada a maxidesvalorização de dezembro de 1979, o Governo decidiu "congelar" os empréstimos em moeda (Lei n.º 4.131) depositados no Banco Central, na forma da Resolução n.º 432, com a intenção de evitar o impacto monetário da provável retirada de um volume substancial de depósitos em moeda estrangeira. Abriu-se, entretanto, uma exceção para as empresas dispostas a converter os recursos "congelados" em investimentos diretos.10 10 Conjuntura Econômica, jan. 1981. p. 41.

A entrada de investimentos estrangeiros no mercado de capitais é regulamentada pelo Decreto-lei n.º 1.401, de 7 de maio de 1975, que permite a captação de recursos externos para aplicação em ações e debêntures. Estes recursos são administrados por sociedades de investimento especialmente destinadas à captação de recursos externos para aplicação no mercado de capitais. Os investimentos ingressados por este mecanismo estão sujeitos a uma regulamentação específica, que inclui normas fixando prazo mínimo de permanência do capital estrangeiro no País, normas de registro do capital e seus rendimentos, regras fiscais, etc.11 11 Decreto-lei n.º 1.401 e Resolução n.º 323. Veja também Resolução n.º 519, de 14 de março de 1979.

Decisão recente do Conselho Monetário Nacional estabelece também que as empresas estrangeiras estarão obrigadas a trazer um aporte de investimento direto como contrapartida, quando desejarem emitir debêntures ou realizar chamadas de capital no mercado acionário. No caso da emissão de debêntures, para cada cruzeiro captado deve haver a contrapartida de dois cruzeiros em investimentos diretos.12 12 A decisão do CMN não foi abertamente divulgada. Segundo informações publicadas na imprensa, recursos externos investidos nos seis meses anteriores à data de registro podem ser considerados, em princípio, como contrapartida à captação no mercado interno de capitais. Jornal do Brasil, 29.9.81, p. 16. Toda emissão de debêntures deve ser registrada pela Comissão de Valores Mobiliários. Emissões não autorizadas são consideradas irregulares, sujeitando os responsáveis pela emissão a multas e outras sanções.

5. SUGESTÕES DE POLÍTICA

Apesar de o Governo brasileiro ter demonstrado interesse pelo assunto no passado recente, não se pode afirmar que tenha havido esforço sistemático para estimular a conversão de empréstimos em investimentos. As medidas implementadas até agora não parecem ter produzido efeitos significativos sobre a composição dos fluxos de capital e do estoque de ativos estrangeiros no Brasil.

Neste contexto, talvez valha a pena considerar a possibilidade de introduzir medidas adicionais de incentivo à substituição de empréstimos ou financiamentos por investimentos diretos.

Afirma-se, freqüentemente, que uma alteração na Lei n.º 4.131 seria condição sim qua non para a ampliação dos investimentos diretos no Brasil. Um dos argumentos mais utilizados é o de que as restrições fiscais à remessa de lucros (previstas no art. 43 da Lei n.º 4.131) não seriam compatíveis com as taxas de juros atualmente praticadas no mercado financeiro internacional.

Entretanto, não se pode dizer que sejam evidentes as vantagens de uma alteração na Lei n.º 4.131. Cabe observar, em primeiro lugar, que a legislação brasileira de capital estrangeiro não pode ser considerada das mais restritivas. Além disso, ao contrário do que ocorre em outros países, a legislação brasileira oferece ao investidor estrangeiro a vantagem da estabilidade no que se refere ás regras fundamentais em vigor há mais de 17 anos.

É verdade que são muito freqüentes as queixas contra os aspectos restritivos da legislação e freqüentes as sugestões de alteração na lei. Sugere-se, por exemplo, o aumento do limite para remessas, a modificação de regras referentes ao registro de capital, etc.13 13 Propostas deste tipo foram encaminhadas ao Governo, em 1981, pela Fiesp e pelo Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos.

Deve-se observar, entretanto, que a tentativa de alterar a Lei n.º 4.131 pode produzir o efeito oposto ao que se deseja. A alteração de regras básicas, que vigoram há mais de 17 anos, pode aumentar as estimativas de risco associadas à possibilidade de mudança no estatuto do capital estrangeiro. Tampouco deve ser desprezada a repercussão interna no plano político. Um afrouxamento das restrições à remessa de lucros seria inevitavelmente explorado do ponto de vista político e interpretado como concessão ao capital estrangeiro.

Por outro lado, pode haver dúvida quanto a se a mera modificação dos aspectos fiscais (o aumento ou a indexação do limite para remessa, por exemplo) teria efeito apreciável sobre os fluxos de investimento.

Os dados disponíveis revelam que a remessa total de lucros e dividendos jamais alcança 12% do estoque de capital registrado. Entre 1970 e 1980, a remessa de lucros ficou em torno de 5% do capital (tabela 3), isto é, bem abaixo do limite além do qual incide o imposto suplementar previsto no art. 43 da Lei n.º 4.131. Estes dados parecem indicar que as filiais de empresas estrangeiras não encontram dificuldade para evitar as restrições fiscais à remessa de lucros e dividendos. Como se sabe, uma das maneiras de contornar a barreira fiscal é o registro de capital direto sob a forma de empréstimos ou financiamentos.

Quanto à "preferência" das empresas estrangeiras por capital de empréstimo, é importante ressaltar que este comportamento não se verifica apenas no caso do Brasil. Um trabalho de 1975 sobre as empresas transnacionais na indústria mexicana, por exemplo, indicou que no tocante a recursos externos as vinculações das filiais mexicanas com os mecanismos financeiros internacionais se intensificaram em detrimento das relações com as matrizes.14 14 Fajnzylber, Fernando & Tarrago, Trinidad Martinez. Las Empresas transnacionales. Expansión a nivel mundial y proyección en la industria mexicana. México, DF, 1975.p. 258. (Apud Alfredo E. Calcagno. Informe sobre las inversiones directas extrangeras en América Latina. Cuadernos de la CEPAL. Santiago de Chile, 1980. p. 64. ) Dados do Banco Mundial revelam que a participação do investimento direto privado no fluxo líquido de capitais para os países subdesenvolvidos importadores de petróleo reduziu-se de forma marcada na década de 70, passando de 19% em 1970 para apenas 10% em 1980.15 15 Banco Mundial. World Development Report 1981, p.49. Comparando estes dados do Banco Mundial com os dados brasileiros (veja tabela 2), verifica-se que a importancia relativa de investimento direto é maior no caso do Brasil. Observe-se também que os dados do Banco Mundial não incluem empréstimos de curto prazo, o que de certa forma exagera a participação do investimento nos fluxos líquidos de capital para os países subdesenvolvidos importadores de petróleo. O Relatório de 1981 do Banco Mundial observa: (. . .) "after 1975 foreign equity investment did not even keep up wifh inflation. However, with the expansion of commercial bank lending, the form of foreign investment in developing countries itself changed. Intra-company loans supplemented equity participation. The financing needs of transnational companies were covered increasingly from sources other than the parent company, such as borrowing from local banks or the Eurocurrency market."16 16 Banco Mundial, op. cit. p. 51-2. A tendência a investir sob a forma de empréstimos e financiamentos é, portanto, geral e não específica do caso brasileiro.

Na verdade, as características particulares da legislação tributária brasileira não devem ser consideradas a única causa da "preferência" por capitais de empréstimo. Para além do fato conhecido de que as regras fiscais brasileiras privilegiam a remessa de juros vis-à-vis da remessa de lucros e dividendos, é preciso levar em conta que a composição dos recursos externos reflete também características gerais da legislação tributária do Brasil e dos países investidores, em particular os créditos fiscais associados a acordos de bitributação e o fato de os juros pagos pelas subsidiárias serem computados como custo e deduzidos do imposto pago no Brasil.17 17 Guimarães, Eduardo A. & Malan, Pedro S. op. cit. p. 30, 31 e 35. Como observa trabalho recente do IPEA, os aspectos tributários mais relevantes para a explicação da preferência por capitais de empréstimos talvez sejam antes aqueles comuns a qualquer legislação tributária do que características específicas do caso brasileiro.18 18 Id. ibid. p. 50. Neste sentido, pouco adiantaria aumentar o limite para remessas, indexá-lo à taxa de juros internacional ou redefinir as regras de registro do capital estrangeiro.

Além disso, não se deve ignorar o fato de que as empresas consideram a remessa de lucros e dividendos mais vulnerável à imposição de controles e restrições governamentais, o que as leva a limitar o capital transferido sob a forma de investimentos diretos a países sujeitos à possibilidade de crises de liquidez cambial.19 19 Id. ibid. p. 30-3. Documento recente encaminhado à Fiesp por um grupo de diretores de subsidiárias de empresas estrangeiras observa que um dos fatores responsáveis pela tendência dessas empresas de "preferir enviar recursos na forma de empréstimos e não de capital de risco" é o fato de que "os contratos de empréstimo são geralmente estabelecidos segundo normas internacionalmente aceitas, cuja estabilidade confere maior segurança ao investidor estrangeiro".20 20 Documento publicado na íntegra na Gazeta Mercantil, 11 e 13 abr. 1981, p. 6. A "preferência" por empréstimos também pode estar de alguma forma relacionada com questões de controle interno da corporação transnacional. Como observa o documento encaminhado à Fiesp, "o empréstimo tem renda preestabelecida - independentemente dos resultados econômicos obtidos - e prazo certo de retorno, permitindo que os recursos possam ser aplicados sucessivamente em outras atividades". Investindo sob a forma de empréstimos, a matriz assegura fluxos de remessa independentes dos resultados operacionais da filial.

Por todos esses motivos, parece bastante discutível a idéia de que o simples aumento ou flexibilização do limite para remessas de dividendos possa modificar significativamente a composição dos fluxos de capital. Não é evidente, portanto, que o afrouxamento das restrições à remessa de lucros e dividendos possa ser efetivado com proveito para o Brasil. A alteração da lei teria custos políticos elevados e benefícios duvidosos.

Ainda que não pareça recomendável alterar o estatuto básico do capital estrangeiro, o Governo pode considerar a possibilidade de introduzir medidas adicionais de estímulo ao ingresso de investimentos diretos.

Talvez seja possível, por exemplo, reforçar alguns dos instrumentos existentes. Neste sentido, cabe garantir o cumprimento das normas do Conselho Monetário Nacional referentes ao lançamento de ações e debêntures de empresas estrangeiras. O Governo pode inclusive examinar a possibilidade de aumentar a contrapartida de investimentos diretos exigida às empresas estrangeiras que participam do mercado interno de capitais. Esta medida ajudaria a reservar o mercado financeiro interno às empresas de capital nacional, ao mesmo tempo em que induziria as empresas estrangeiras a captar recursos externo para financiar, sem aumento da dívida, as necessidades cambiais do País.

É verdade que as dimensões do mercado nacional de capitais ainda são bastante reduzidas se comparadas ao fluxo de empréstimos bancários, o que leva a crer que medidas deste tipo dificilmente terão impacto significativo sobre a conta de capital e o estoque de ativos externos a curto prazo. Não obstante, cabe observar que a emissão de debêntures apresentou crescimento extremamente expressivo. Não se pode excluir a hipótese de que este mercado venha a constituir fonte importante de financiamento num futuro não muito distante.

Ainda no que se refere aos instrumentos existentes, talvez possa ser reexaminada a estrutura legal que regulamenta os investimentos externos nas bolsas de valores do País. O Decreto-lei n.º 1.401 não parece ter surtido os efeitos esperados, não tendo se constituído em mecanismo importante de atração de recursos externos. Esta modalidade de captação encontra-se, ao que parece, praticamente desativada no momento, fato atribuído por alguns ao caráter excessivamente restritivo da regulamentação em vigor. Tendo em vista um possível aumento dos investimentos externos no mercado acionário nacional, foram apresentadas sugestões no sentido de que sejam reduzidos os impostos ou o prazo mínimo de permanência dos recursos aplicados pelo mecanismo previsto no Decreto-lei n.º 1.401. Mas propostas deste tipo devem ser consideradas com cuidado num país que opera com câmbio controlado e não deseja atrair capitais especulativos.

No que diz respeito à participação de capitais estrangeiros no mercado acionário, tem sido sugerido também que o Governo estimule uma modificação no modo como ingressam os investimentos diretos no País. O Prof. Bulhões, por exemplo, recomenda que os acionistas estrangeiros de empresas instaladas no Brasil, ao invés de enviar equity capital de forma direta às filiais brasileiras, realizem a transferência de fundos através do mercado acionário brasileiro, abrindo quando necessário o capital da empresa. Desta forma, a empresa receberia o aporte de capital desejado e ajudaria, ao mesmo tempo, a elevar a cotação de suas ações em bolsa e a reforçar a expansão do mercado de capitais no Brasil.

De um modo geral, ao conceder incentivos fiscais e creditícios a atividades e regiões consideradas prioritárias, o Governo também poderia examinar a possibilidade de vincular a aportes de investimento direto, em proporção a ser discutida caso a caso, o acesso de empresas estrangeiras aos incentivos concedidos.

Este tipo de vinculação foi sugerido, por exemplo, em documento encaminhado ao Governo pela Fiesp em setembro de 1981. A principal recomendação deste documento, que reúne sugestões do Prof. Bulhões e da própria Fiesp, é de que as empresas privadas não-financeiras possam computar como despesa os valores correspondentes aos dividendos distribuídos de ações novas lançadas e subscritas entre outubro de 1981 e março de 1982. No caso de empresas estrangeiras, o documento sugere que este benefício só seja concedido se pelo menos metade do valor da nova subscrição seja integralizado com recursos estrangeiros em moeda, registrados como investimento direto pelo Banco Central.21 21 As propostas do documento foram reproduzidas na Gazeta Mercantil, de 11 set. 1981, p. 1.

Dentro desta linha de atuação - que associa a concessão de incentivos ou vantagens a aportes de capital de risco - cabe lembrar que uma das principais reivindicações das empresas estrangeiras instaladas no Brasil é que o Governo defina critérios explícitos para a desvalorização cambial.22 22 Esta é uma das reivindicações apresentadas no documento encaminhado à Fiesp por um grupo de diretores de empresas estrangeiras instaladas no Brasil. De fato, desde 1979, a incerteza em relação ao movimento futuro da taxa de câmbio parece constituir uma das preocupações centrais das filiais brasileiras de empresas estrangeiras, dado o seu forte envolvimento nos fluxos de comércio e financiamento internacionais. Caso o Governo brasileiro venha a decidir-se no futuro pela implantação de algum esquema de seguro cambial, pode-se considerar a possibilidade de contingenciar a participação, neste esquema, das empresas estrangeiras a aportes de investimentos diretos, em proporção a ser discutida.

Outra reclamação freqüente das empresas estrangeiras refere-se às restrições impostas ao seu acesso ao mercado bancário nacional e às linhas oficiais de crédito. Mais uma vez, pode-se recomendar que o Governo permita uma redução ou flexibilização destas restrições, desde que as empresas estrangeiras assumam o compromisso de trazer aportes de investimentos diretos.

Como se vê, mesmo sem alterar o estatuto básico do capital estrangeiro, o Governo dispõe ainda de uma margem de manobra considerável para estimular o ingresso de investimentos diretos. Algumas das medidas sugeridas talvez possam contribuir para reforçar o influxo de capital direto nos próximos anos.

É importante ressalvar, entretanto, que vários aspectos da atual conjuntura nacional e internacional mostram-se claramente desfavoráveis à ampliação do influxo de investimentos diretos. A elevação a níveis sem precedentes das taxas de juros internacionais inibe os investimentos, na medida em que atrai para a órbita financeira os recursos disponíveis para aplicação produtiva. De fato, a taxa de juros internacional pode ser vista como uma espécie de "piso" ou ponto de referência para decisões de investimento de empresas que operam em escala mundial. Salvo circunstâncias especiais, o investimento só se efetivará se a taxa de lucro esperada (inclusive prêmio de risco) for superior à taxa de juros internacional.

No que se refere especificamente ao Brasil, a fraqueza e instabilidade do cruzeiro e a sua tendência à desvalorização acentuada reduzem o valor em dólar dos lucros gerados no País e a rentabilidade esperada do investimento. Por outro lado, não se pode esperar uma recuperação acentuada dos investimentos diretos enquanto perdurar a conjuntura de recessão que atravessa a economia brasileira neste início da década de 80. A ampliação da entrada de investimentos diretos depende fundamentalmente da retomada do crescimento econômico.

  • 1 Batista Jr., Paulo Nogueira. Nota sobre a conversão de empréstimos externos em capital de risco. FGV/IBRE/Cemei, jun. 1981. p. 1-3. mimeogr.
  • 10Conjuntura Econômica, jan. 1981. p. 41.
  • 14 Fajnzylber, Fernando & Tarrago, Trinidad Martinez. Las Empresas transnacionales. Expansión a nivel mundial y proyección en la industria mexicana. México, DF, 1975.p. 258. (Apud Alfredo E. Calcagno. Informe sobre las inversiones directas extrangeras en América Latina. Cuadernos de la CEPAL. Santiago de Chile, 1980. p. 64.
  • 15 Banco Mundial. World Development Report 1981, p.49.
  • 1
    Batista Jr., Paulo Nogueira.
    Nota sobre a conversão de empréstimos externos em capital de risco. FGV/IBRE/Cemei, jun. 1981. p. 1-3. mimeogr.
  • 2
    Trabalho divulgado pelo IPEA em 1975 chegou à conclusão, considerada surpreendente pelos autores da pesquisa, de que o grau médio de endividamento (relação dívida/capital próprio) das subsidiárias de empresas multinacionais era
    superior ao das empresas privadas nacionais. Este resultado foi obtido a partir da análise da estrutura financeira de 318 grandes empresas industriais no período 1970-73. Doellinger, Carlos von & Cavalcanti, Leonardo C.
    Empresas multinacionais na indústria brasileira. Rio de Janeiro, 1975. p. 79-82. (Relatório de Pesquisa n.º 29, IPEA/ Inpes.)
  • 3
    Doellinger, Carlos von & Cavalcanti, Leonardo C. op. cit. p. 96-8. Um trabalho recente do IPEA traz uma discussão mais detalhada dos motivos da preferência das empresas multinacionais por capitais de empréstimo. Guimarães, Eduardo Augusto & Malan, Pedro Sampaio. A Opção entre capital de empréstimo e capital de risco. Versão preliminar, set. 1981. Cap. III. mimeogr.
  • 4
    Deve-se observar, entretanto, que as variações do estoque da dívida e das. reservas registradas pelo Banco Central não correspondem precisamente aos fluxos observados. Há vários fatores que podem introduzir divergências entre os fluxos e estoques do setor externo. A própria conversão de dívidas externas em capital direto pode constituir uma exceção à identidade referida no texto. A menos que o Banco Central efetue registros simbólicos na conta de capital (entrada de capital direto contrabalançada por amortização de valor equivalente), a conversão reduz o estoque da dívida sem afetar os fluxos de balanço de pagamentos.
  • 5
    Guimarães, Eduardo A. & Malan, Pedro S. op. cit. p. 26-27 e 41-42.
  • 6
    Batista Jr., Paulo N. op. cit. p. 3-5.
  • 7
    Guimarães, Eduardo A. & Malan, Pedro S. op. cit. p. 40. O Banco Central não divulga informações sobre a participação dos contratos com taxas de juros flutuantes na dívida externa. A julgar pelos dados disponíveis, o esquema de taxas flutuantes aplica-se atualmente a mais de 2/3 da dívida brasileira. Em dezembro de 1981, os empréstimos em moeda e os
    suppliers' credits, a quase-totalidade dos quais contratados a taxas de juros flutuantes, representam nada menos que 83% da dívida total do Brasil (exclusive dívida de curto prazo). Banco Central do Brasil.
    Relatório-1981, p. 104.
  • 8
    Art. 59 do Decreto-lei n.º 1.598.
  • 9
    Decreto-lei n.º 1.654 de 29 de dezembro de 1978.
  • 10
    Conjuntura Econômica, jan. 1981. p. 41.
  • 11
    Decreto-lei n.º 1.401 e Resolução n.º 323. Veja também Resolução n.º 519, de 14 de março de 1979.
  • 12
    A decisão do CMN não foi abertamente divulgada. Segundo informações publicadas na imprensa, recursos externos investidos nos seis meses anteriores à data de registro podem ser considerados, em princípio, como contrapartida à captação no mercado interno de capitais.
    Jornal do Brasil, 29.9.81, p. 16. Toda emissão de debêntures deve ser registrada pela Comissão de Valores Mobiliários. Emissões não autorizadas são consideradas irregulares, sujeitando os responsáveis pela emissão a multas e outras sanções.
  • 13
    Propostas deste tipo foram encaminhadas ao Governo, em 1981, pela Fiesp e pelo Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos.
  • 14
    Fajnzylber, Fernando & Tarrago, Trinidad Martinez.
    Las Empresas transnacionales. Expansión a nivel mundial y proyección en la industria mexicana. México, DF, 1975.p. 258. (Apud Alfredo E. Calcagno.
    Informe sobre las inversiones directas extrangeras en América Latina. Cuadernos de la CEPAL. Santiago de Chile, 1980. p. 64. )
  • 15
    Banco Mundial.
    World Development Report 1981, p.49. Comparando estes dados do Banco Mundial com os dados brasileiros (veja
    tabela 2), verifica-se que a importancia relativa de investimento direto é
    maior no caso do Brasil. Observe-se também que os dados do Banco Mundial não incluem empréstimos de curto prazo, o que de certa forma exagera a participação do investimento nos fluxos líquidos de capital para os países subdesenvolvidos importadores de petróleo.
  • 16
    Banco Mundial, op. cit. p. 51-2.
  • 17
    Guimarães, Eduardo A. & Malan, Pedro S. op. cit. p. 30, 31 e 35.
  • 18
    Id. ibid. p. 50.
  • 19
    Id. ibid. p. 30-3.
  • 20
    Documento publicado na íntegra na
    Gazeta Mercantil, 11 e 13 abr. 1981, p. 6. A "preferência" por empréstimos também pode estar de alguma forma relacionada com questões de controle interno da corporação transnacional. Como observa o documento encaminhado à Fiesp, "o empréstimo tem renda preestabelecida - independentemente dos resultados econômicos obtidos - e prazo certo de retorno, permitindo que os recursos possam ser aplicados sucessivamente em outras atividades". Investindo sob a forma de empréstimos, a matriz assegura fluxos de remessa independentes dos resultados operacionais da filial.
  • 21
    As propostas do documento foram reproduzidas na
    Gazeta Mercantil, de 11 set. 1981, p. 1.
  • 22
    Esta é uma das reivindicações apresentadas no documento encaminhado à Fiesp por um grupo de diretores de empresas estrangeiras instaladas no Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1982
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br