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MULHERES NA CIÊNCIA

Em março de 2018, mais de um século após as primeiras manifestações por igualdade de gêneros, observamos que, na ciência, os números ainda deixam a desejar.Moschkovich e Almeida (2015)Moschkovich, M., & Almeida, A. M. F. (2015). Desigualdades de gênero na carreira acadêmica no Brasil. Dados, 58(3), 749-789. doi: 10.1590/00115258201558
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, ao pesquisarem dados da carreira docente na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostraram que, embora o ingresso por concurso permita uma seleção supostamente igualitária de professores, as mulheres estão presentes em menor proporção nas posições mais altas da universidade. Há, ainda, uma concentração das mulheres em algumas áreas da instituição, enquanto os homens estão espalhados por diferentes áreas. As mulheres também levam mais tempo para chegar ao topo da carreira.

Valentova, Otta, Silva e McElligott (2017)Valentova, J. V., Otta, E., Silva, M. L., & McElligott, A. G. (2017). Underrepresentation of women in the senior levels of Brazilian science. PeerJ, (5), e4000. doi: 10.7717/peerj.4000
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, numa pesquisa que envolveu dados de bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), mostraram que a presença de mulheres seniores na ciência no Brasil ainda está abaixo da média encontrada em outros países. Ao analisarem 13.625 bolsistas de produtividade e 3.836 pesquisadores que obtiveram fundos do Edital Universal do CNPq, os autores mostraram que as mulheres têm menos chance de chegar ao topo da carreira, e a velocidade com que isso acontece é também menor comparativamente aos homens, sendo o menor índice encontrado em Ciências da Vida e Biomédicas, com indicadores um pouco melhores para Humanidades e Ciências Sociais. As razões para essa sub-representação têm lugar em nossas raízes culturais e institucionais. Esses dados sobre a realidade brasileira também são observados em outros países, ainda que a meritocracia pareça organizar o desenvolvimento das carreiras acadêmicas (ver, por exemplo, Cech & Blair-Loy, 2010Cech, E. A., & Blair-Loy, M. (2010). Perceiving glass ceilings? Meritocratic versus structural explanations of gender inequality among women in science and technology. Social Problems, 57(3), 371-397. doi: 10.1525/sp.2010.57.3.371
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; Morley & Walch, 2002Morley, L., & Walch, V. (Eds.) (2002). Feminist academics: creative agents for change, London, UK: Taylor and Francis.; Settler et al., 2006Settler, I. H., Cortina, L. M., Malley, J., Stewart, A. J. (2006). The climate for women in academic science: The good, the bad, and the changeable. Psychology of Women Quartely, 30(1), 47-58. doi: 10.1111/j.1471-6402.2006.00261.x
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). Embora as mulheres estejam concentradas nas áreas de Humanidades e Ciências Sociais, essa desigualdade revela-se também na área de Administração (Vicenza, 2007Vincenza, P. (2007). Being female doing gender: Narratives of women in education management. Gender and Education, 19(1), 21-40. doi: 10.1080/09540250601087728
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).

Apesar de existirem várias revistas Qualis A2 no campo de Administração no Brasil, apenas para uma conversa inicial, selecionamos dados preliminares de alguns periódicos da área e que também apontam para uma diferença significativa na publicação de artigos acadêmicos entre homens e mulheres. Observa-se que as mulheres ainda são minoria na autoria de artigos científicos da área, conforme Tabela 1:

Tabela 1
Distribuição de autoria em periódicos de Administração - 2017

A RAP-Revista de Administração Pública teve o maior número de autores: foram 134 em 2017. Destes, 89 (66%) são do sexo masculino e 45 (34%) do sexo feminino. Dos 119 autores da RAE-Revista de Administração de Empresas, 80 (67%) são do sexo masculino e 39 (33%) são do sexo feminino. A RAC-Revista de Administração Contemporânea teve um total de 118 autores, sendo 70 (59%) do sexo masculino e 48 (41%) do sexo feminino, apresentando a menor distância entre os gêneros em 2017. A RAUSP-Management Journal teve a participação de 115 autores, dos quais 71 (62%) são do sexo masculino e 44 (38%), do sexo feminino. A revista RBGN-Review of Business Management tem menos edições ao longo do ano em comparação com as demais revistas: são quatro edições e um total de 87 autores, sendo 52 (60%) do sexo masculino e 35 (40%) do sexo feminino.

Ainda que a foto aqui apresentada traga apenas números de 2017, para um grupo restrito de publicações no campo da Administração, os resultados apontam para uma predominância de autores do sexo masculino e seguem as tendências apontadas pelo estudo de Valentova et al. (2017)Valentova, J. V., Otta, E., Silva, M. L., & McElligott, A. G. (2017). Underrepresentation of women in the senior levels of Brazilian science. PeerJ, (5), e4000. doi: 10.7717/peerj.4000
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. Seria necessário aprofundar o conhecimento sobre a participação das mulheres na academia brasileira de Administração.

Para concluir: muitos questionam por que tanta insistência na discussão sobre a presença das mulheres na ciência ou nas empresas, mas nunca é demais lembrar que o direito das mulheres e sua participação em todas as áreas de conhecimento trata-se de uma questão de direitos humanos e democracia.

Dentro da abordagem pluralista da RAE, esta edição conta com artigos de diferentes áreas de conhecimento (Marketing, Finanças, Gestão de Pessoas, Estudos Organizacionais, Empreendedorismo, Operações e Logística), além da seção Perspectiva, em que Eduardo H. Diniz e Fábio Frezatti debatem o tema “Plágio na academia de Administração”. Completam esta edição as resenhas dos livros “Avaliação econômica de projetos sociais”, de Naercio Menezes Filho, e “Cultura do consumo: Fundamentos e formas contemporâneas”, de Isleide Arruda Fontenelle, além das indicações bibliográficas “Governance & charity: Os benefícios da associação governança corporativa e caridade”, escritas por Grazielle Rigotti da Silva.

REFERÊNCIAS

  • Cech, E. A., & Blair-Loy, M. (2010). Perceiving glass ceilings? Meritocratic versus structural explanations of gender inequality among women in science and technology. Social Problems, 57(3), 371-397. doi: 10.1525/sp.2010.57.3.371
    » https://doi.org/10.1525/sp.2010.57.3.371
  • Morley, L., & Walch, V. (Eds.) (2002). Feminist academics: creative agents for change, London, UK: Taylor and Francis.
  • Moschkovich, M., & Almeida, A. M. F. (2015). Desigualdades de gênero na carreira acadêmica no Brasil. Dados, 58(3), 749-789. doi: 10.1590/00115258201558
    » https://doi.org/10.1590/00115258201558
  • Settler, I. H., Cortina, L. M., Malley, J., Stewart, A. J. (2006). The climate for women in academic science: The good, the bad, and the changeable. Psychology of Women Quartely, 30(1), 47-58. doi: 10.1111/j.1471-6402.2006.00261.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1471-6402.2006.00261.x
  • Valentova, J. V., Otta, E., Silva, M. L., & McElligott, A. G. (2017). Underrepresentation of women in the senior levels of Brazilian science. PeerJ, (5), e4000. doi: 10.7717/peerj.4000
    » https://doi.org/10.7717/peerj.4000
  • Vincenza, P. (2007). Being female doing gender: Narratives of women in education management. Gender and Education, 19(1), 21-40. doi: 10.1080/09540250601087728
    » https://doi.org/10.1080/09540250601087728

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2018
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