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A reestruturação petroquímica: causas e conseqüências

ARTIGOS

A reestruturação petroquímica: causas e conseqüências

Marcus Alban Suarez

Professor do Mestrado em Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

RESUMO

A petroquímica brasileira vive hoje um novo ciclo de crescimento que representa um investimento de quatro bilhões de dólares, envolvendo a duplicação do Pólo Petroquímico da Bahia e a implantação de um novo pólo no Rio de Janeiro. Este processo, entretanto, não pode ser entendido como uma mera estratégia de adequação da oferta à demanda. Ao contrário, ele reflete um profundo processo de reestruturação empresarial, em curso no setor, que poderá significar um pesado ônus para a economia do país.

Palavras-chave: Petroquímica, estatais, joint-ventures.

ABSTRACT

The brazilian petrochemical industry is beginning a new growth cycle with investments of about four billions dollars, to be applied on the duplication of the present capacity of Bahia Petrochemical Complex, and on a new complex in Rio de Janeiro. This process cannot be considered to be just an adjustment between supply and demand. On the contrary, it reflects a deep process of entrepreneurial reestructur ing, which may have a high cost for the country's economy.

Key words: petrochemical, public enterprises, joint-ventures.

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A petroquímica brasileira vive hoje um novo ciclo de crescimento que representa um investimento da ordem de quatro bilhões de dólares, envolvendo a duplicação do Pólo Petroquímico da Bahia e a implantação de um novo pólo no Rio de Janeiro. Este processo, entretanto, ocorre, curiosamente, num momento em que o mercado interno vive uma de suas piores crises, paralelamente a um mercado externo também prestes a entrar em crise, em função do insustentável déficit comercial americano.

É neste contexto que se insere o presente trabalho, buscando lançar alguma luz sobre a lógica desses investimentos (1 1 . Além das fontes citadas, este trabalho foi desenvolvido basicamente a partir de dados primários, coletados em entrevistas efetuadas com membros da cúpula do Sistema PETROQUISA, realizadas entre janeiro e fevereiro de 1988. Muito úteis também foram as opiniões de Francisco Teixeira do NACIT-ISP/UFBA, reconhecido analista do setor. ). Como se espera demonstrar, este novo ciclo de crescimento não pode ser entendido como uma mera estratégia de adequação da oferta à demanda. Ao contrário, ele reflete um profundo processo de reestruturação empresarial, em curso no setor, que poderá significar um pesado ônus para a economia do país.

A FORMAÇÃO DO SISTEMA PETROQUISA(2 2 . Este item e o seguinte são resumos introdutórios baseados em trabalho anterior sobre o mesmo tema. Ver: ALBAN SUAREZ, Marcus. Petroquímica e Tecnoburocracia: capítulos do desenvolvimento capitalista no Brasil. São Paulo, HUCITEC, 1986. )

O surgimento da petroquímica no Brasil se dá numa disputa entre as empresas multinacionais da área química, aliada a alguns grupos privados nacionais, versus uma tecnoburocracia estatal oriunda da PETROBRÁS e do BNDES (3 3 . Em linhas gerais, o conceito de tecnoburocracia equivale ao de cúpula das grandes empresas, no caso, estatais. Para uma análise mais detalhada, ver: ALBAN SUAREZ, Marcus. Op. cit., pp. 19-26; e BRESSER PEREIRA, Luis Carlos. A sociedade estatal e tecnoburocracia. São Paulo, Brasiliense, 1981. ). Num primeiro momento, logo após o golpe de 64, a coligação privada sai na frente, implantando o que viria a ser o Pólo de São Paulo, graças ao apoio do comandante da economia de então - Ministro Roberto Campos. Ainda na década de 60, porém, a correlação de forças muda radicalmente com a saída de Roberto Campos e a entrada, em seu lugar no novo Governo, de Hélio Beltrão, antigo Diretor da PETROBRÁS.

Hélio Beltrão, com a sua Reforma Administrativa (Decreto Lei 200), adota uma política de liberação das estatais, no bojo da qual irá surgir a PETROBRÁS QUÍMICA S/A - PETROQUISA. Com a nova estatal, a tecnoburocracia volta à carga, penetrando no próprio Pólo de São Paulo e (através de uma grande articulação político-empresarial) implantando um novo Pólo em Camaçari, na Bahia, sob seu comando através do modelo tripartite.

Este modelo consistia na adoção de joint-ventures para os projetos de segunda e terceira gerações, que se constituíam em associações entre a PETROQUISA, um sócio privado nacional e um multinacional (aportando a tecnologia), cada qual com um terço da capital votante. Paralelamente, a PETROQUISA implantava e controlava diretamente a central de matérias-primas (no caso, a COPENE), juntamente com a participação minoritária dâs joint-ventures na mesma.

Em meados dos anos 70, com o crescimento da demanda provocado pelo milagre, optou-se pela implantação de um novo pólo petroquímico, desta feita no Rio Grande do Sul, onde também se adotou o modelo tripartite. Ao final deste processo, o país passaria a ter um importante parque petroquímico (o sétimo do mundo ocidental), constituindo o que veio a ser chamado Sistema PETROQUISA, síntese maior do modelo tripartite. (Veja quadro I.)


A estrutura empresarial deste sistema consistia, no final do processo, num grande número de pequenas empresas (relacionadas ao setor) projetos, formadas por um capital privado pulverizado, associado à poderosa PETROQUISA. A PETROQUISA, por sua vez, além de participar em praticamente todas as empresas, deteria o controle das matérias-primas via centrais e, através do CDI-GEIQUIM, administraria cartorialmente o processo de concessão das expansões no setor.

Este sólido quadro construído ao longo do processo de implantação irá, no entanto, sofrer fortes transformações com a chegada dos anos 80 e o advento da Nova República, mudando outra vez a correlação de forças no setor.

A VERTICALIZAÇÃO PRIVADA DO SISTEMA

A primeira grande transformação do Sistema PETROQUISA ocorrerá no final dos anos 70, começo dos anos 80, em resposta ao processo de busca de um maior controle por parte da cúpula do Governo sobre as estatais. Esse processo, iniciado na gestão Simonsen, será concluído pelo seu sucessor Delfim Neto, com a criação da SEST - Secretaria Especial de Controle das Estatais, um organismo central da nova política recessiva.

O Sistema PETROQUISA, percebendo esse processo, inicia, em 1978, sua privatização através da COPENE (maior empresa do Sistema) valendo-se para tanto do PROCAP, um programa de capitalização subsidiado pelo BNDE. A privatização será concluída em 1980 com a criação da NORQUISA, uma grande holding que assume as ações das joint-ventures na própria COPENE. (Veja quadro II.)


Com a NORQUISA, presidida pelo ex-presidente Geisel, a tecnoburocracia não só privatiza o controle da COPENE (que se transforma numa cash cow), como também, inicia sua verticalização para outros setores, especialmente a química fina, à margem do controle da SEST. Este processo, no entanto, embora de fundamental importância para a dinâmica do Sistema, deixa ainda intacta a estrutura básica do modelo tripartite.

OS PROBLEMAS DO MODELO TRIPARTITE

Quando da adoção originai do modelo tripartite, numerosas críticas foram feitas à incapacidade do mesmo em gerar a massa crítica (financeira, tecnológica e gerencial) necessária à dinâmica do setor petroquímico. A PETROQUISA, entretanto, nunca deu muita atenção a essas críticas. Afinal, ela era a própria massa crítica, e o modelo atendia perfeitamente à sua estratégia de dividir para reinar. Por outro lado, atuando exclusivamente num mercado interno cativo, não havia porque se preocupar com a dinâmica da concorrência internacional.

A chegada dos anos 80, contudo, levou a PETROQUISA a rever sua posição, em razão de dois fatos novos. O primeiro deles é a entrada no mercado internacional em função da queda da demanda interna, dada a política recessiva instaurada no país a partir de 1981. Tendo de enfrentar uma realidade competitiva, a PETROQUISA foi obrigada a reconhecer as deficiências do modelo tripartite e sua estrutura pulverizada. Só para se ter uma idéia do que isto significa, enquanto a petroquímica internacional gasta cerca de 2% a 3% de seu faturamento com pessoal, a petroquímica brasileira, em decorrência de sua pesada estrutura administrativa, gasta por volta de 10%.

Além da constatação da ineficiência da estrutura, a entrada no mercado internacional provocou também o acirramento do conflito com os sócios multinacionais que, na sua maioria, acabaram abandonando as joint-ventures e hoje, em muitos casos, se recusam a negociar novas tecnologias para os projetos de ampliação (4 4 . O exemplo maior desse processo é o da DSM, originalmente sócia multinacional da NITROCARBONO, que, após sair da empresa, se negou recentemente a fornecer tecnologia para um projeto de ampliação. ). Em outras palavras, a entrada no mercado internacional demonstrou a necessidade de uma base tecnológica mais autônoma. A consecução desta, porém, mostra-se também inviável em razão da mesma estrutura pulverizada do modelo, que não gera os recursos concentrados na escala necessária aos programas de P&D químicos e petroquímicos, que exigem sempre vultosas somas.

O segundo fato novo que ocorre; nos anos 80, modificando a posição da PETROQUISA, é de natureza política e decorre do advento da Nova República. Com o fim do regime autoritário, a PETROQUISA perdeu sua hegemonia sobre o MIC-CDI, que foi politizado, transformando-se numa arena onde os grupos privados nacionais disputam, numa guerra cega, os novos projetos do setor. Isto, naturalmente, aumenta o nível de conflito interno do Sistema, levando a uma perda de legitimidade da própria PETROQUISA e sua tecnoburocracia.

Paralelamente a este processo, também com o advento da Nova República, a PETROQUISA deixou de ser uma estatal intocável. Hoje é tanto possível a sua privatização, a partir de um Governo mais liberal, quanto a politização de sua cúpula, a partir de um Governo mais populista(5 5 . Uma primeira tentativa de privatização iá foi efetuada, embora sem sucesso, por João Sayaa quando Ministro do Planejamento. A politização da cúpula, por outro lado, já se iniciou de fato, com a nomeação de Tarciso Maia, ex-governador do Rio Grande do Norte, para a vice-presidencia da empresa. ).

A partir desta análise, pode-se compreender porque a PETROQUISA é hoje uma ferrenha defensora da reestruturação do Sistema e seu modelo empresarial. Em linhas gerais, esta reestruturação consistiria num processo de fusões e incorporações, que resultaria na constituição de três ou quatro grandes empresas petroquímicas de padrão internacional. Com as grandes empresas, a tecnoburocracia privatizar-se-ia (a exemplo da NORQUISA), viabilizando uma estratégia internacional livre das intempéries políticas e econômicas nacionais.

A DINÂMICA DA REESTRUTURAÇÃO

Embora já exista um consenso entre a PETROQUISA e os sócios privados quanto à necessidade da reestruturação, não há, contudo, nenhum acordo sobre como esta deverá se dar. A complexidade e a pulverização do capital privado, decorrentes do modelo tripartite, são tão grandes que acabam emperrando qualquer processo de concentração mais dinâmico. Este, entretanto, é inexorável e, apesar de lento, já começa a se desenvolver.

É a partir desta concepção de inexorabilidade do processo que se pode compreender a acirrada disputa pelos novos projetos. O fato é que a única regra já definida para a reestruturação é a de que "quem está fora não entra" (6 6 . Esta regra foi definida pelo próprio Programa Nacional de Petroquímica-PND (analisado mais adiante) ao estabelecer que se "buscará o fortalecimento das empresas do setor". ). Isto, entretanto, é muito pouco, já que quem está dentro também não quer sair. Desta forma, todos tentam crescer, almejando uma fatia maior no bolo das futuras grandes empresas. Caso a fusão se desse hoje, a parcela dos sócios privados nacionais não seria, na maioria dos casos, suficiente sequer para a contabilização da equivalência patrimonial em seus resultados.

Como se pode perceber, a disputa pelos novos projetos é, na prática, um primeiro passo do processo de reestruturação, que se desenrola de forma objetiva neste novo ciclo de investimentos.

O NOVO CICLO DE INVESTIMENTOS

No início de 1985, achava-se que o setor havia encerrado sua fase de grandes projetos. Após quatro anos de recessão interna, a petroquímica brasileira já exportava 40% de sua produção a custos marginais, não havendo porque se preocupar com novos investimentos de vulto. Observava, então, Michel Hartveld, na UNIPAR: "Está encerrada a época dos grandes projetos. Na petroquímica brasileira, não há atrações como as discussões sobre a instalação de um novo pólo ou a duplicação de um já existente, e polêmicas sobre a sua localização. Entramos na fase do low profit e dos projetos complementares que vão trazendo sinergia à petroquímica brasileira" (7 7 . BACCARO, Ana Maria. "Petroquímica chega ao fim". In: Química e derivados. Junho, 1985, p. 16. ). Hartveld, entretanto, estava enganado (ou talvez enganando) pois, ainda em 1985, embora já no seu final, as perspectivas do setor mudariam radicalmente.

O fim do regime autoritário e a chegada da Nova República com suas esperanças reverteram, até certo ponto, as expectativas dos agentes econômicos, provocando, assim, um reaquecimento do mercado interno. Isto, ao que parece, passou a legitimar os cenários da economia "cor de rosa", que o BNDES começara a fazer a partir de 1984. Segundo estes cenários, a economia brasileira deveria voltar a crescer com as suas elevadas taxas históricas. Desta maneira, ao findar 1985, já eram muitos os que acreditavam na retomada do desenvolvimento.

A partir deste processo, e com o advento do cruzado em 1986, a conclusão de que o país precisava, mais uma vez, de um novo programa de investimentos petroquímicos foi praticamente imediata. Já em fevereiro deste ano, a ABIQUIM encaminharia ao então Ministro da Fazenda Dilson Funaro, uma proposição de investimentos para os próximos dez anos, que variava de 3,4 a 5,2 bilhões de dólares (veja quadro III).


Em termos físicos, isto equivale basicamente à duplicação de dois pólos, ou à implantação equivalente de novos pólos. Embora o programa da ABIQUIM não seja explícito nesta questão, ele observa que "as estimativas do valor dos investimentos por unidade foram feitas, em geral, para expansões de capacidades existentes, e não para unidades novas, que podem custar até 50% mais" (8 8 . ABIQUIM. Visão atual e prospectiva da indústria química brasileira. São Paulo, 1986, pp. 32-33 (mimeo). ). Na verdade, já se pretendia, àquela altura, duplicar o Pólo de Camaçari até 1990 e, a partir daí, caso os cenários "cor de rosa" se confirmassem, partir-se então para a duplicação do Pólo Sul.

A escolha do pólo baiano como locus de novo processo de investimentos decorre, além de algumas vantagens técnicas que, sem dúvida, Camaçari possui(9 9 . Para uma análise dessas montagens ver: ALBAN SUAREZ, Marcus. Bahia: uma proposta integrada de desenvolvimento capitalista. Bahia, CENPES-SEPLANTEC, 1986, pp. 35-39 (mimeo). ), de dois fatores básicos:

- em primeiro lugar, a duplicação de Camaçari implica na duplicação da NORQUISA, que é (como se viu anteriormente) o grande núcleo privado da tecnoburocracia comandado por Geisel;

- em segundo lugar, a expansão na Bahia significa um novo gozo dos incentivos fiscais (tais como a isenção do imposto de renda) administrados pela SUDENE.

Paralelamente a estas vantagens, a duplicação de Camaçari selava, praticamente, os destinos dos grupos privados que dele não participavam. Ou seja, com a duplicação, os sócios privados das joint-ventures baianas aumentariam em muito sua participação no market share do setor, passando, a partir daí, a comandar o processo de reestruturação, engolindo os demais. Este processo, entretanto, não se desenrolaria de forma tranqüila, uma vez que a UNIPAR (um dos grupos prejudicados), notando o que estava acontecendo, passa a implementar a estratégia alternativa da opção Rio(10 10 . A UNIPAR embora sendo um dos grupos pioneiros da petroquímica no país, nunca chegou a se integrar plenamente ao Sistema, pois durante muito tempo se contrapôs à PETROQUISÁ com estratégias autônomas traçadas a partir de sua base privada em São Paulo. Para uma análise mais detalhada ver: ALBAN SUAREZ, Marcus. Petroquímica e Tecnoburocracia: capítulos do desenvolvimento no Brasil. Op. cit., pp. 99-103; e EVANS, Peter. "Colletivized Capitalism: integrated petrochemical complexes and capital accumulation in Brasil". In: BRUNEAU, I.C. & FAUCHER, P. Authorita rian Capitalism. Boulder, Co: Westview Press, 1979. ).

A OPÇÃO RIO E A VITÓRIA DE CAMAÇARI

Em setembro de 1986, realizar-se-ia, na Bahia, o 1º Seminário Nacional de Comércio Exterior de Produtos Químicos e Petroquímicos. Este evento constituía-se, na verdade, no mis-en-scène necessário para o lançamento oficial do programa de expansão da petroquímica brasileira através da duplicação de Camaçari. Nos plenários, entretanto, Michel Hartveld surpreenderia a todos defendendo em sua palestra a estratégia alternativa da opção Rio.

Em princípio, a estratégia da UNIPAR não era defendida como uma alternativa regional. A nível do discurso, pelo menos, a opção Rio decorria da escolha de uma nova rota de processo. Assim, em contraposição à via liqüída (nafta e gasóleo) proposta para Camaçari, defendia-se a via gás, a partir das novas reservas de gás natural descobertas na bacia de Campos. Este argumento acabou dando origem a toda uma polêmica técnica que se prolongou por vários meses (11 11 . Para uma visão geral desta polêmica, ver nos próprios anais do seminário anteriormente referido: FUNDAÇÃO CENTRO DE ESTUDOS DO COMERCIO EXTERIOR. Anais do 1º Seminário do Comércio Exterior de Produtos Químicos e Petroquímicos. Salvador, 4 e 5 de setembro de 1986 (edição própria); e CANDAL, Arthur & OLIVEIRA, José Clemente. Análise e projeções da petroquímica brasileira. Bahia, SIMPER, 1986 (edição própria). ).

Embora não se possa afirmar que a UNIPAR previsse os desdobramentos a que esta polêmica levaria, o fato é que se acabou extrapolando em muito a esfera técnica. Em torno da rota gás, ou melhor, da opção Rio, acabou-se unindo toda uma frente empresarial carioca que, naquele momento, se articulava politicamente com o PMDB, o PFL e o Planalto, numa estratégia de derrubada do PDT de Brizola. Ou seja, a opção Rio transforma-se na opção anti-Brizola, construindo em torno dela toda uma frente suprapartidária, à altura da frente nordestina, também suprapartidária, que então apoiava a opção Camaçari.

Paralelamente a este processo, a opção Rio ganhou também fortes aliados nos escalões intermediários do BNDES e da própria PETROQUISA. Com isso, quebrava-se, pela primeira vez, a estrutura monolítica da tecnoburocracia petroquímica. Na prática, os tecnoburocratas de meia carreira viam na opção Rio a oportunidade de galgarem escalões superiores. Diria um importante membro da cúpula do Sistema: "na duplicação de Camaçari, só haverá cargo de reator; já no Rio, haverá de diretor".

A reação inicial do Sistema PETROQUISA à estratégia da UNIPAR foi (como se viu) tentar contestá-la tecnicamente para, assim, inviabilizá-la. Rapidamente, contudo, percebeu-se que a polêmica técnica havia sido engolida pela disputa política e institucional, na qual a coligação de forças em torno da opção Rio começava a ficar muito forte. Nesse sentido, pressentindo o risco de ver inviabilizada sua estratégia de duplicar Camaçari, a cúpula do Sistema mudou radicalmente sua postura, seguindo os ensinamentos de um velho ditado: "se você não pode com o inimigo, una-se a ele".

Já a partir de 1987, não mais se questionava a opção Rio. Argumenta-se, então, que, na verdade, existia espaço para os dois projetos. Mais que isto, passa-se a defender, também, um pólo bem maior para o Rio, concebido a partir de cargas mistas, o que agradava plenamente aos cariocas. Esta posição, aparentemente salomônica, veio a ser encampada pelo Governo, que a transformou no seu Programa Nacional de Petroquímica - PNP(12 12 . O PNP veio a ser aprovado pelo Presidente Sarney em 06 de agosto de 1987. ).

Com o PNP, a Bahia consegue sair na frente; afinal, sua ampliação dar-se-á numa área já infraestruturada e a partir de empresas consolidadas. Com isto, deixa-se para o Rio um grande projeto de viabilidade duvidosa, superior à capacidade de investimento da UNIPAR. A UNIPAR, por outro lado, receberia uma espécie de prêmio de consolação, ganhando através da POLIOLEFINAS (sua coligada) um projeto de polietileno linear na Bahia.

A REAÇÃO CARIOCA

Embora a UNIPAR tenha se aliado finalmente à estratégia do Sistema, a história da opção Rio não seria esquecida, ou mesmo arquivada, como muitos chegaram a pensar. Derrotando Brizola, o eleito Governador Moreira Franco colocou como uma de suas prioridades a implantação do pólo. Para isto constituiu, já nos primeiros meses de sua gestão, a Companhia Petroquímica do Rio de Janeiro-COPERJ, um organismo voltado exclusivamente para a articulação do empreendimento.

A COPERJ, ao que tudo indica, logo percebeu que não contaria com o apoio da cúpula do Sistema PETROQUISA. Iniciada a duplicação de Camaçari e tendo a crise econômica voltado ao país, esta já não se preocupava com novos projetos. Partiu-se, então, para uma nova estratégia alternativa, qual seja, fazer o novo pólo totalmente independente do Sistema PETROQUISA.

A nova estratégia passava, é claro, pela entrada, em bases autônomas, das grandes multinacionais petroquímicas que aparentemente chegaram a ser sondadas pela COPERJ. As multinacionais sempre tiveram, e continuavam tendo, interesse no mercado brasileiro que, a longo prazo, se mostrava como uma boa opção. Além disso, com o processo em curso da conversão da dívida, esta seria, sem dúvida, uma alternativa bastante interessante.

Percebendo este processo e o momento político do país, onde a dinâmica da dívida externa se sobrepuja ao nacionalismo interno, o Sistema PETROQUISA teve de capitular. O Pólo do Rio voltou então a ser considerado como um novo projeto de fato, pela cúpula do Sistema. Assim, após vários adiamentos, realizar-se-ia finalmente em abril de 1988, no próprio Rio, o seminário "Pólo Petroquímico: Momento de Decisão", solenemente encerrado pelo ex-presidente Geisel.

O pólo petroquímico do Rio, entretanto, não será apenas mais um novo complexo produtivo incorporado ao Sistema PETROQUISA. A julgar pelas palestras e debates ocorridos no seminário, o novo pólo servirá como um palco para o conflituoso processo de reestruturação. Cria-se com ele um novo espaço para acomodação, superando-se, assim, a falta de legitimidade da PETROQUISA, bem como do Governo atual, para implementação de um processo mais racional.

CONSEQÜÊNCIA MACROECONÔMICA

A partir da análise efetuada, podemos concluir que o novo ciclo de investimentos petroquímicos desenvolve-se de maneira quase que independente da demanda prevista. Isto, até certo ponto, caracteriza o setor como um oligopólio, que se antecipa à demanda, criando uma capacidade ociosa planejada. Deve-se notar, entretanto, que, no caso, esta capacidade está sendo em muito superdimensionada.

Os dois projetos e mais alguns desengargalamentos previstos significam, na prática, uma ampliação da ordem de 1,1 milhão de toneladas de eteno/ano (13 13 . A capacidade de eteno é, por convenção, um padrão de medida da capacidade petroquímica como um todo. Os números do PNP são, na verdade, um pouco menores. Entretanto, como a COPENE deverá ultrapassar suas metas, a ordem 1,1 milhão de toneladas é bastante provável. ). Assim, caso sejam cumpridos os atuais cronogramas, o país terá, em 1993, uma capacidade produtiva em torno de 2,5 milhões t/ano. O país, no entanto, ainda que retome sua taxa histórica de crescimento (o que é pouco provável), estará consumindo, neste mesmo ano, apenas 1,58 milhão t/ano (14 14 . Para chegar a estes números, adotamos por base uma demanda interna atual de 980 mil t/ano, crescendo a uma taxa de 10% ao ano. ). Desta forma, haverá uma sobra de quase 40% da capacidade instalada, a ser exportada (15 15 . É interessante observar que a ABIQUIM, em seu programa original, planejava uma folga de apenas 20% para exportações. ).

E interessante observar, paralelamente, que (conforme as próprias análises realizadas no Seminário do Rio) o mercado internacional não deverá manter, nos próximos anos, um nível de preços satisfatórios como o atual. Ao contrário, em função do esperado reajuste da economia americana e do processo de integração em curso na petroquímica mundial, os preços internacionais deverão cair. Assim, o Brasil, caso não paralise um dos seus pólos, terá de voltar a exportar a preços marginais, ou seja, cobrindo apenas seus custos variáveis. Desta maneira, é muito provável que a petroquímica brasileira volte a atuar como um agente inflacionário da economia, já que, enquanto oligopólio, buscará elevar o seu preço interno, como variável de ajuste para manutenção da rentabilidade do setor(16 16 . Este processo já foi defendido de forma explícita por Carlos Mariani, presidente da ABIQUIM. Sobre este ponto, ver a coluna de "Química e Petroquímica" do Jornal do Brasil de 25.05.87. ).

Esse processo, embora possa parecer um absurdo, já aconteceu uma vez ao longo da primeira crise dos anos 80, principalmente, a partir de 83, quando entrou em operação o Pólo Sul. Com a entrada do Pólo Rio em 93, estaremos, portanto, repetindo o mesmo erro dez anos depois.

O erro desta vez, entretanto, será um pouco maior. Na verdade, o Pólo Rio não está só adiantado no tempo. Isto porque, ao se optar pela implantação de um novo pólo agora, desconsidera-se a possibilidade de obter-se a mesma expansão através da duplicação do Pólo Sul que requereria um investimento bem menor. Em termos médios, a mesma capacidade que no Pólo Rio custará algo em torno de 2,2 bilhões de dólares, poderia ser alcançada no Sul por apenas 1,5 bilhão (17 17 . Para chegar a este valor, tomamos por base o parâmetro da ABIQUIM (anteriormente referido) que considera as novas unidades, em média, 50% mais caras. ).

Como se observa, embora esse desperdício de 700 milhões de dólares possa também parecer um absurdo e de fato o seja em termos macroeconômicos, é isto que está sendo proposto em prol do desenvolvimento do país. A racionalidade microeconômica, entretanto, deverá ser mantida, em função do BNDES, que pretende participar do empreendimento com cerca de um bilhão de dólares, principalmente através de capital de risco (18 18 . É curioso observar que, neste momento em que o BNDES se lança em um vigoroso processo de privatização, se lance também à participação, com um capital de risco de um bilhão de dólares, em um empreendimento que, sabidamente, teria condições de captar poupança privada via bolsas. ).

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Naturalmente, existe uma razão para tantos absurdos macroeconômicos que, em última análise, acabam constituindo a lógica microeconômica do setor. Na verdade, eles decorrem da própria estrutura de capital e poder do Sistema PETROQUISA. Constituindo, através do modelo tripartite, uma estrutura de controle privado (por parte da tecnoburocracia e seu sócios) mas de capital basicamente público (por parte da PETROQUISA e do BNDES), o Sistema acaba, na prática, atuando com a estratégia da expansão máxima, a qualquer custo. Com a expansão, garantem-se novos aportes de capital público, ampliando-se, assim, o patrimônio dos sócios privados e o status, bem como os ordenados da tecnoburocracia.

Como se observa, o modelo tripartite que viabilizou o processo de implantação da petroquímica, num momento fundamental para o desenvolvimento do país, mostra-se hoje deturpando este mesmo desenvolvimento. Por outro lado, a reestruturação em curso, como vimos anteriormente, visa apenas a adequar a indústria à dinâmica internacional, o que não basta para o país. É preciso que a reestruturação seja mais profunda e isto passa, é claro, pela privatização do Sistema PETROQUISA. Não a privatização apenas de direito, como se fez no caso da COPENE via NORQUISA e se pretende fazer agora no caso da PQU para implantação do Pólo Rio, mas a privatização de fato do capital, ou seja, a privatização total da própria PETROQUISA.

A petroquímica já é uma indústria plenamente implantada e consolidada no país. Desta forma, não existe mais por que a PETROQUISA continuar existindo enquanto empresa pública. Ela já cumpriu o seu papel, e a sua privatização poderia servir como um excelente catalisador da reestruturação. A PETROBRÁS poderia, por exemplo, quebrar a PETROQUISA em quatro ou cinco holdings menores, que deteriam suas participações nas empresas operativas (agrupadas a partir de uma adequada base tecnológica e mercadológica) para, desta forma, privatizá-las, desencadeando o processo de fusões. Como se vê, saídas com racionalidade econômica existem. Resta saber, agora, se existem também vontade e coragem política para implementá-las.

  • 3. Em linhas gerais, o conceito de tecnoburocracia equivale ao de cúpula das grandes empresas, no caso, estatais. Para uma análise mais detalhada, ver: ALBAN SUAREZ, Marcus. Op. cit., pp. 19-26; e BRESSER PEREIRA, Luis Carlos. A sociedade estatal e tecnoburocracia. São Paulo, Brasiliense, 1981.
  • 8. ABIQUIM. Visão atual e prospectiva da indústria química brasileira. São Paulo, 1986, pp. 32-33 (mimeo).
  • 9. Para uma análise dessas montagens ver: ALBAN SUAREZ, Marcus. Bahia: uma proposta integrada de desenvolvimento capitalista. Bahia, CENPES-SEPLANTEC, 1986, pp. 35-39 (mimeo).
  • 11 Para uma visão geral desta polêmica, ver nos próprios anais do seminário anteriormente referido: FUNDAÇÃO CENTRO DE ESTUDOS DO COMERCIO EXTERIOR. Anais do 1º Seminário do Comércio Exterior de Produtos Químicos e Petroquímicos. Salvador, 4 e 5 de setembro de 1986 (edição própria);
  • e CANDAL, Arthur & OLIVEIRA, José Clemente. Análise e projeções da petroquímica brasileira. Bahia, SIMPER, 1986 (edição própria).
  • 1
    . Além das fontes citadas, este trabalho foi desenvolvido basicamente a partir de dados primários, coletados em entrevistas efetuadas com membros da cúpula do Sistema PETROQUISA, realizadas entre janeiro e fevereiro de 1988. Muito úteis também foram as opiniões de Francisco Teixeira do NACIT-ISP/UFBA, reconhecido analista do setor.
  • 2
    . Este item e o seguinte são resumos introdutórios baseados em trabalho anterior sobre o mesmo tema. Ver: ALBAN SUAREZ, Marcus.
    Petroquímica e Tecnoburocracia: capítulos do desenvolvimento capitalista no Brasil. São Paulo, HUCITEC, 1986.
  • 3
    . Em linhas gerais, o conceito de tecnoburocracia equivale ao de cúpula das grandes empresas, no caso, estatais. Para uma análise mais detalhada, ver: ALBAN SUAREZ, Marcus. Op. cit., pp. 19-26; e BRESSER PEREIRA, Luis Carlos.
    A sociedade estatal e tecnoburocracia. São Paulo, Brasiliense, 1981.
  • 4
    . O exemplo maior desse processo é o da DSM, originalmente sócia multinacional da NITROCARBONO, que, após sair da empresa, se negou recentemente a fornecer tecnologia para um projeto de ampliação.
  • 5
    . Uma primeira tentativa de privatização iá foi efetuada, embora sem sucesso, por João Sayaa quando Ministro do Planejamento. A politização da cúpula, por outro lado, já se iniciou de fato, com a nomeação de Tarciso Maia, ex-governador do Rio Grande do Norte, para a vice-presidencia da empresa.
  • 6
    . Esta regra foi definida pelo próprio Programa Nacional de Petroquímica-PND (analisado mais adiante) ao estabelecer que se
    "buscará o fortalecimento das empresas do setor".
  • 7
    . BACCARO, Ana Maria. "Petroquímica chega ao fim". In:
    Química e derivados. Junho, 1985, p. 16.
  • 8
    . ABIQUIM.
    Visão atual e prospectiva da indústria química brasileira. São Paulo, 1986, pp. 32-33 (mimeo).
  • 9
    . Para uma análise dessas montagens ver: ALBAN SUAREZ, Marcus.
    Bahia: uma proposta integrada de desenvolvimento capitalista. Bahia, CENPES-SEPLANTEC, 1986, pp. 35-39 (mimeo).
  • 10
    . A UNIPAR embora sendo um dos grupos pioneiros da petroquímica no país, nunca chegou a se integrar plenamente ao Sistema, pois durante muito tempo se contrapôs à PETROQUISÁ com estratégias autônomas traçadas a partir de sua base privada em São Paulo. Para uma análise mais detalhada ver: ALBAN SUAREZ, Marcus.
    Petroquímica e Tecnoburocracia: capítulos do desenvolvimento no Brasil. Op. cit., pp. 99-103; e EVANS, Peter. "Colletivized Capitalism: integrated petrochemical complexes and capital accumulation in Brasil". In: BRUNEAU, I.C. & FAUCHER, P.
    Authorita rian Capitalism. Boulder, Co: Westview Press, 1979.
  • 11
    . Para uma visão geral desta polêmica, ver nos próprios anais do seminário anteriormente referido: FUNDAÇÃO CENTRO DE ESTUDOS DO COMERCIO EXTERIOR.
    Anais do 1º Seminário do Comércio Exterior de Produtos Químicos e Petroquímicos. Salvador, 4 e 5 de setembro de 1986 (edição própria); e CANDAL, Arthur & OLIVEIRA, José Clemente.
    Análise e projeções da petroquímica brasileira. Bahia, SIMPER, 1986 (edição própria).
  • 12
    . O PNP veio a ser aprovado pelo Presidente Sarney em 06 de agosto de 1987.
  • 13
    . A capacidade de eteno é, por convenção, um padrão de medida da capacidade petroquímica como um todo. Os números do PNP são, na verdade, um pouco menores. Entretanto, como a COPENE deverá ultrapassar suas metas, a ordem 1,1 milhão de toneladas é bastante provável.
  • 14
    . Para chegar a estes números, adotamos por base uma demanda interna atual de 980 mil t/ano, crescendo a uma taxa de 10% ao ano.
  • 15
    . É interessante observar que a ABIQUIM, em seu programa original, planejava uma folga de apenas 20% para exportações.
  • 16
    . Este processo já foi defendido de forma explícita por Carlos Mariani, presidente da ABIQUIM. Sobre este ponto, ver a coluna de "Química e Petroquímica" do
    Jornal do Brasil de 25.05.87.
  • 17
    . Para chegar a este valor, tomamos por base o parâmetro da ABIQUIM (anteriormente referido) que considera as novas unidades, em média, 50% mais caras.
  • 18
    . É curioso observar que, neste momento em que o BNDES se lança em um vigoroso processo de privatização, se lance também à participação, com um capital de risco de um bilhão de dólares, em um empreendimento que, sabidamente, teria condições de captar poupança privada via bolsas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Set 1989
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