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Aumento previsto e abatimento possível: um tratamento quantitativo formal e simplificado

NOTAS E COMENTÁRIOS

Aumento previsto e abatimento possível - um tratamento quantitativo formal e simplificado

Kurt Ernst Weil

Professor titular no Departamento de Administração de Produção e Operações Industriais (POI) da EAESP/FGV

1. CONTEÚDO

A grande maioria dos livros de administração de material dedica suficiente espaço ao problema da compra com abatimento, maior que a quantia calculada pelo lote econômico. Resulta daí uma equação de segundo grau. O autor procura simplificar essa fórmula e usá-la para qualquer quantidade previamente comprada, diferente do lote, e com abatimento ou sem aumento. O autor encontrou uma fórmula simples para responder à pergunta: "Em caso de aumento previsto, em época inflacionária, quanto devo comprar acima da compra normal?"

Livros de administração de material e de finanças procuram, no Brasil, implantar a crença de que o "lote econômico de compra" ou "de produção" é a maneira certa e consagrada de comprar ou fabricar. Em dois anos de pesquisa, em mais de 100 empresas, o autor verificou aquilo que todo mundo já suspeitava - o lote econômico do Brasil é raramente empregado, talvez em 2 a 3% das empresas. Os motivos são vários: em 1980, com uma taxa de juros (incluindo correção monetária) pré-fixada ao redor de 45%, e a inflação sendo visivelmente de 100%, não havia necessidade de gênios administrativos para ver que quanto maior o estoque maior o lucro com a desvalorização. Seria o caso de uma raiz imaginária de lote econômico, pois a taxa real de custo de manter estoque, na fórmula, estava com valores negativos - o estoque se "valorizava" mais do que custava entre juros, deterioração, seguro, armazenagem etc.

Já em 1981 e em 1982, falta dinheiro para comprar pelo lote econômico. Uma das maiores empresas que estavam usando o lote econômico o abandonou em fins de 1980 e início de 1981. De outro lado, muitas empresas compram por outros sistemas, por exemplo, pela "estimativa do consumo", "sob chamada", em "cargas completas" de transportes rodoviários ou ferroviários etc.

Assim, qualquer fórmula de compra deveria ser formulada para mais ou para menos daquilo que normalmente é comprado, e não um lote calculado. O problema brasileiro sempre foi o da quantidade que deveria ser comprada, quando o vendedor avisa que o preço vai subir. Essa quantidade é maior do que a normalmente adquirida. Numa economia inflacionária o aumento é tão certo quanto a morte ou os impostos, para usar um dito norte-americano. Como no caso da morte, a única dúvida é "quando" o preço vai aumentar, o quanto é previsível pelo aumento dos insumos do fornecedor. Durante algum tempo, também o Conselho Interministerial de Preços (CIP) facilitou a possibilidade de adivinhar o "quando", pois só permitia aumentos de seis em seis meses (de 1979 a 1981) dando ensejo à "compra defensiva", por parte do consumidor. Aí conseguiu tornar cíclica a venda de certos produtos que tinham vendas máximas de um mês antes do aumento, caindo, quase a zero no mês seguinte; tal qual os "passes" de ônibus da CMTC, em São Paulo, que valiam "uma passagem" mesmo após o aumento da tarifa.

Durante a sua pesquisa, o autor recebeu diversos pedidos para apresentação de uma fórmula simples que resolvesse o problema de quanto a mais comprar, isto é, acima da quantidade normalmente adquirida. Escapa ao âmbito deste artigo achar a fórmula para se ter o dinheiro para pagar tal compra adiantada. No entanto, precisa ser, na maioria das vezes, dinheiro emprestado à taxa inflacionária. Portanto, o lucro da transação será o ganho da valorização sobre o custo de arranjar o dinheiro, isto é, juro ou uso alternativo do dinheiro.

Suponhamos que o estoque a mais, criado pela compra do usual, valoriza-se com a mesma velocidade e com os mesmos valores do aumento da inflação. Assim, a taxa de juros real é a quantia acima da inflação, ou seja, a diferença entre o juro bancário anual e a inflação anual. Mais uma vez, devemos supor um juro bancário que inclua a "reciprocidade" (se tal existir), ou melhor, um intervalo dentro do qual o juro bancário se move. Para uma inflação de 100% e um juro bancário de 150% ao ano, o juro real será considerado igual a 50% e para transformação em meses emprega-se, não um juro composto, mas linear; no caso acima, 4,16% ao mês. Nem sempre o juro bancário será escolhido, pois, dentro da teoria moderna de estoque, este é tratado como um investimento que deve concorrer com os demais investimentos da empresa na escala de retorno. Um dos pressupostos de qualquer hipótese é a recuperação da inflação.

Para deduzir a fórmula usamos o seguinte quadro de símbolos:

Ai = quantidade do item i comprada por ano;

Ci = custo unitário do item i antes do eventual aumento;

V = "valorização por unidade", em dinehiro, pelo aumento do preço iminente, ou diminuição por desconto do custo unitário em percentagem;

S = despesas reais de uma compra realizada, excluindo, o custo fixo departamental e incluindo, por exemplo, o controle de qualidade, despesas de pagamento etc. Esse valor é idêntico ao economizado com uma compra que se deixa de realizar;

Ni = quantidade em unidades compradas na compra normal, do item i;

Qi = quantidade do item i, acima da compra normal, exclusivamente comprado porque os preços vão aumentar;

Ni + Qi = total da compra constante do pedido;

ni = número de compras anuais da quantidade normalmente comprada Ni;

segue: ni =

I = taxa, já apurada da inflação, de manter o estoque, base anual (em %);

I12 = taxa de manter o estoque por mês (observe que não se usa juro composto).

O método de dedução da fórmula da compra adicional será procurar o momento no qual a economia feita pela compra adiantada se iguala à despesa adicional de estocagem e custo de dinheiro. Na realidade, a economia deve ser maior que a despesa, mas uma vez encontrada a solução para a igualdade é fácil a satisfação da condição:

economia > despesa adicional.

De sua parte, a economia será igual à soma das duas parcelas:

Economia do ato de comprar de compras não feitas

+

Economia do valor correspondente ao aumento de preço previsto.

Para a dedução partimos de certas formulações:

. 12 = duração da compra normal em meses;

.12 = duração da quantidade acima da compra normal medida em meses;

Ni + Qi = quantidade total comprada devido ao aviso de aumento iminente.

A economia da compra Ni + Qi é composta de dois somandos, como já explicado:

Economia do valor correspondente ao aumento previsto = Qi . v . Ci;

Economia do ato de comprar de compras não feitas =

. S.

A soma será:

O custo adicional será constituído de duas parcelas, também:

a) o juro e/ou custo oportunidade do tempo do consumo de Ni, onde Qi fica sem utilização;

b) o mesmo durante o tempo do consumo de Qi- será de um estoque médio de Qi/2.

a) Qi . 12 . Ci . = Ni = Qi .

onde Ni / Ai é a fração do ano, para a qual Ni é suficiente no consumo corrente, que é multiplicada por 12 para dar a fração expressa em meses. Da mesma maneira, I/12 é o juro mensal expresso linearmente.

b) o consumo é supostamente realizado de tal maneira, que o valor do estoque decresce linearmente, sendo o estoque médio Qi / 12. Então:

12 = Qi . Ci . 1/2 . Ai

onde, outra vez Qi / Ai é uma fração do ano, que multiplicando por 12 passa a ser dada em meses.

Então, a soma dos custos adicionais será:

Agora, como caso extremo de desigualdade igualamos (1) e (2) e teremos:

dividindo ambos os lados da equação por Qi temos:

v . Ci + = (I . Ci / Ai). (Ni + Qi/2)

daí

isolando Qi resulta:

Podemos, agora, resolver o seguinte exemplo:

Uma empresa compra normalmente 2 mil unidades de uma peça, que custa Cr$ 100, com um custo variável direto de Cr$ 1 mil, para o ato de comprar e receber. O vendedor comunica que o preço vai aumentar de 10%. As compras anuais são 12 mil peças e a taxa de custo de manter estoque (acima da inflação) é 0,25%, isto é, 25%. Quantas peças acima da quantidade normal compraria?

Portanto:

v = 10%= 0,1 Ci = Cr$ 100 Ni = 2.000 unidades

i = 25% = 0,25 S = Cr$ 1.000 Ai = 12.000 unidades

Solução, pelo emprego da fórmula (I):

Portanto, devemos comprar 6.086 unidades a mais, isto é, um total de 8.086 unidades. Este resultado corresponde a, aproximadamente, oito meses de necessidades cobertas.

2. ANÁLISE DE SENSIBILIDADE

Como o autor tem demonstrado em diversos exercícios de classe, os resultados obtidos em cálculos com o custo da aquisição de um item, variando por suposição em intervalos relativamente muito grandes, são praticamente constantes.

Assim, colocando S = Cr$ 2.000 o resultado será:

Portanto, devemos comprar 8.566 unidades, ou seja, para aproximadamente 8,5 meses.

Diminuindo, por absurdo, o custo variável da compra realizada para Cr$ 200 temos:

Neste caso, a compra será realizada para sete meses e 20 dias, aproximadamente.

3. MANEIRA SIMPLIFICADA DE CÁLCULO

Para uma maneira simplificada de cálculo da quantia a mais que deve ser comprada de um certo material, temos o incentivo da decisão rápida - o comprador deve tomar a decisão em presença do vendedor que avisa o aumento, na maioria das vezes. Os resultados acima variaram de 7,5 a 8,5 meses de uso, e isso nem sempre pode ser realizado financeiramente, mesmo se desejável do ponto de vista de economia. Frisa-se, então, que o limite máximo que pode ser adquirido é 7,5 meses.

O juro no caso acima (linear) é 2% ao mês (na realidade 2,08%). Esse juro se aplica ao estoque médio desejado. De maneira alguma o juro dos meses de estocagem pode ultrapassar o aumento previsto v. No entanto, do aumento previsto de v% devemos subtrair a quantidade (expressa em juros por meses) que normalmente seria comprada.

Então, no nosso caso, onde as compras são feitas para dois meses, o juro é 4% durante esse tempo. O aumento real será então 6% (pois 6 = 10 - 4).

O estoque médio terá m meses a 2%/2 (pois se trata de um juro médio, em lugar do estoque médio), então:

m . 2/2 = 6, portanto, m = 6 meses e devemos comprar para oito meses no máximo.

Resumindo, então mais uma vez a regra prática para saber para quantos meses mais se deve comprar, quando está previsto um aumento de v% e quando o juro mensal (ou custo de manter estoque) é de p%.

Seja m o número de meses a mais que se procura ter.

Então:

onde . 12 é a fração do ano para a qual se compra normalmente N/A (multiplicando por 12, para dar os meses que duram a compra normal).

Portanto,

no nosso caso, aplicando (II):

6 meses mais 2 meses = 8 meses - um valor médio idêntico ao chegado pela fórmula mais complexa (I).

4. OBSERVAÇÕES GERAIS SOBRE A TAXA DE JUROS REAIS I

A observação da fórmula (I) mostra que a quantia a mais que deve ser comprada é inversamente proporcional à taxa de juros (ou custo de manter estoque). Para reforçar esse fato, ainda entra a mesma taxa I no parêntesis como elemento proporcional subtrativo. Conseqüentemente, como aliás a lógica manda, quanto maior o custo do dinheiro menos pode ser comprado para o futuro. Quando a taxa é igual a zero a expresso tende para o infinito, fato que no Brasil, durante muitos anos, e pela última vez em 1980, levou à crença: "ninguém perde com estoque". É importante frisar que tal fato sempre se deu ao artificialismo das taxas administradas de juros, inferiores à inflação, ou à fixação de uma correção monetária irreal.

Outro problema como exemplo:

A = 3.000

N = 1.000

v = 20%

I = 40%

S = 200

C = 50

P =

= 3,33

Q= 300 . 3,5 = 1.050 = 4 meses adicionais

pelo método abreviado (II):

portanto, também, 4 meses.

5. DESCONTO CONCEDIDO

Tratando a valorização v como o lucro de um desconto concedido, nota-se que também a quantia N deve ser incluída no desconto. A fórmula fica, então, sendo:

Economia:

Custo adicional

pois o preço Ci é multiplicado por (1 - v).

(1) custo de manter o estoque normal no tempo

. 12 meses

(2) Consumo do estoque médio

Observa-se que estamos em presença de uma equação do 2º grau:

Resolvendo:

sendo

Então, se no nosso problema (1) fosse oferecido um desconto de 5% para compras superiores a 8 mil unidades, qual seria a solução a tomar?

V = 5%

Ai = 12.000

Ni = 2.000

S = 1.000

Ci = 100

I = 0,25

No entanto, é visível que 4.075 a mais dos 2 mil normais, ou seja, 6.075 por vez, ainda está abaixo de 8 mil. Deve haver, portanto, negociação, uma técnica tão importante quanto a capacidade de cálculo.

Em lugar disso, podemos usar o método do quadro de custo de compras custo total anual (CTA).

Realmente,

Ora, o quadro 1 nos dá para 12 mil unidades/ano:

Ora, por ano são compradas 12 mil unidades.

O custo da aquisição anual é de 12.000 . Cr$ 100 = Cr$ 1.200.000,

Portanto, 5% de desconto são:

0,05 . 1.200.000 = Cr$ 60.000

Cr$ 60 mil correspondendo a uma economia de duas compras por ano (Cr$ 46 mil). Portanto, podemos comprar duas vezes 6 mil unidades em lugar de seis vezes 2 mil unidades, o que mostra que a compra de 4.075 unidades (adicionais aos 2 mil, calculadas pela fórmula (2), está certa.

OBSERVAÇÕES

1. O lote econômico são 980 unidades. Portanto, compramos 2 mil unidades por vez, o que praticamente não aumenta os custos percentuais, relativos a 1 mil vez, pois.

Assim, em lugar do lote econômico de compra, o autor colocou o valor Ni , quantia normalmente adquirida (ou produzida) nas suas fórmulas. Além disso, o valor do lote econômico de compra deveria ser calculado com correção para o reaproveitamento do ICM e do IPI.

As fórmulas ficam independentes do lote.

O valor de S usado é o incremental por pedido, pois o departamento nem aumenta nem diminui com a variação do total de pedidos/mês.

2. O autor prefere fórmulas simplificadas àquelas deduzidas em (1) e (2) principalmente a (2). Fórmulas complicadas dão complexo de inferioridade aos chefes ou servem para espantar colaboradores e forçá-los a cometer erros.

BIBLIOGRAFIA

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  • Ammer, Dean S. Administração de material. Livros Técnicos e Científicos, 1979.
  • Baily & Farmer. Compras: princípios e técnicas. Saraiva, 1979.
  • England, W. B. O sistema de compra. MacGraw-Hill.
  • Fernandes, José Carlos de F. Administração de material Livros Técnicos e Científicos, 1981.
  • Gonçalves & Schwember. Administração de estoques. Interciência, 1979.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1983
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