Acessibilidade / Reportar erro

Deuses da administração, transformando as organizações

RESENHAS

Fernando C. Prestes Motta

Professor Titular do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da EAESP/FGV

DEUSES DA ADMINISTRAÇÃO, TRANSFORMANDO AS ORGANIZAÇÕES

CHARLES HANDY

São Paulo,Vértice, Editora dos Tribunais, Biblioteca da Gerência e Administração, 1987,245 páginas.

Charles Handy é conhecido na Europa, sobretudo, por programas de rádio e televisão. De fato, seu estilo lembra esses veículos, mais que os livros acadêmicos. Mesmo assim, é possível que ouvintes de rádio e telespectadores pouco acostumados à leitura tirem proveito de Deuses da Administração, tanto quanto profissionais e schollars. É pena que poucos especialistas em análise organizacional tenham tomado conhecimento de sua publicação em nosso país há quatro anos. Também, infelizmente, a tradução deixa a desejar. De qualquer modo, a originalidade do texto deve ser reconhecida e a iniciativa da publicação brasileira, aplaudida.

Nascido na cidade de Dublin, capital da República da Irlanda, o autor teve uma escolarização do melhor nível, em instituições de reconhecida excelência, como Oxford e MIT. Sua produção intelectual revela tanto a influência britânica quanto a norte-americana, tanto quanto uma preocupação didática evidente e o anseio de atingir uma faixa muito ampla de pessoas, através do esmero na comunicação teórica, a partir de imagens atraentes, provenientes de campos erroneamente tidos como distantes demais do mundo dos negócios, como a mitologia grega. Usa profudamente as metáforas, analogias e exemplos. São muitos os casos reais que relata, a dar conta de uma variedade de setores e países diversos. Naturalmente, é essa variedade que leva à tese central, segundo a qual determinados estilos de administração associam-se aos traços principais dos perfis dos antigos deuses gregos. Essa associação é feita de forma inteligente, revelando insights que certamente irão interessar aos leitores, muitas vezes levados à leitura de textos indigestos e nada criativos.

A utilização dos deuses da Grécia Antiga como símbolo de certas culturas não é nova. Ela está presente na obra de Nietzshe e de Ruth Benedict, para recordar apenas a filosofia e a antropologia. De fato, existem até mesmo adjetivos que traduzem essa associação. Expressões como apolíneo e dionisíaco são freqüentemente usadas para expressar traços de personalidade e comportamento que parecem delinear determinados perfis culturais. Todavia, Charles Handy foi provavelmente o primeiro a fazer tal uso, primeiramente, em um capítulo de Compreendendo Organizações, e, posteriormente, em Deuses da Administração. Transformando Organizações, para o universo das instituições empresariais. Para os que se interessam por administração geral e, de modo especial, por cultura organizacional, além de apreciar os mitos gregos com seus deuses criados à imagem e semelhança do eterno humano, o livro de Handy é algo a ser conferido.

Ele inicia por lembrar as teias de aranha que muitos líderes criam à sua volta, nas quais o que mais conta são as relações pessoais, conformando um patriarcalismo que se expressa em ação impulsiva e emocional, fato comum nos emprendimentos novos ou em fase de retomada de atividades, especialmente na área de pequenos e médios negócios e nos escritórios de corretagem, bancos de investimentos e movimentos políticos e religiosos. Essas culturas são grupais, o líder, ou executivo principal, agindo de forma semelhante àquelas que os gregos antigos associam ao maior de seus deuses. Zeus, pela chuva de ouro, manifesta seu amor e ternura diversos e, pelo raio e trovão, seu divino ódio e violência. O líder, assim pensando, desconhece o formal e o unipessoal; fala através da relação direta, geralmente face a face, não precisando, em muitos casos, sequer de muita escolarização. Há líderes desse tipo que escrevem e lêem mal. Agem num mundo fundado em relação de empatia, necessariamente pessoal, que extravasa o profissional. Parentescos e amizades são bases para o exercício de sua liderança, na medida em que possibilitam, embora não garantam, a empatia e a confiança. Uma vez perdida esta última, é comum que a fúria do grande deus se manifeste, mas também não é incomum a dádiva divina de seu perdão. Entretanto, mesmo este último, revela-se incapaz de restaurá-la.

No Olimpo, porém, o deus da perfeição formal, da ordem e da regra, é Apolo. Tido como o mais belo dos deuses, não é, todavia, feliz em suas tentativas amorosas. Sua beleza e perfeição não se fazem acompanhar de sentimentos, emoções, sensações e prazer. Ele parece condenado a uma existência ritualizada, governado pela razão finalística, que, guiada pelo critério da eficiência, desconhece as relações pessoais informais, referindo-se tão somente ao desempenho de papéis organizacionais, entendidos como contrapartida da dinâmica dos cargos. E, por definição, um estilo gerencial que mais se adapta às situações de estabilidade interna e externa e à exigência de estabilidade. Apolo reina numa cultura centrada na função, muito próxima do universo burocrático descrito e analisado por Max Weber. Nele os seres humanos lembram engrenagens de uma grande máquina, como parece ter sonhado Henry Ford e, bem antes, Frederico, o Grande, da Prússia, ao criar seu poderoso exército. De qualquer forma, porém, a cultura de Apolo é incapaz de enfrentar o volúvel, o mutável, o flexível e o imprevisível que destroem as relações de meios e fins a governar a imensa rede de funções diligentemente planejadas, organizadas, dirigidas, coordenadas e controladas.

Atena, nascida da cabeça de Zeus, é uma deusa racional, corajosa e guerreira. Odisseu, seu protegido, por sua vez, é um astuto solucionador de problemas. Atena preside a cultura da tarefa, na qual toda a organização parece uma grande rede de solução de problemas. É esse tipo de organização que aprendemos a nomear matricial, onde uma série de projetos reúne especialistas e seu staff, para a solução de determinados problemas. Nos anos sessenta do nosso século, quando a corrida espacial estava em seu apogeu, as empresas, estruturadas de acordo com o estilo de Atena, floresceram principalmente na indústria aeroespacial. Entretanto, não é uma cultura caracterizada pelo apego à rotina e nem mesmo por sua valorização. Assim, dificilmente tem vida longa, por não se adequar às situações de crise.

Finalmente Dionísio, deus da música e do vinho. Ele preside uma cultura organizacional que Handy designa existencial. As organizações que reúnem profissionais, que assumem caráter de cooperativas ou federações, desde que isso não seja apenas um outro nome, geralmente são desse tipo e nelas o respeito à autonomia individual é a base ética de toda sua cultura. As funções administrativas correntes constituem apenas a estrutura auxiliar para o trabalho profissional. Professores e pesquisadores em universidades e centros de investigação científica e filosófica, médicos em hospitais e laboratórios, arquitetos e outros artistas geralmente preferem esse tipo de cultura, que percebem como mais adequado à natureza de seu trabalho. Aqui, o que mais importa é a consecução dos fins daqueles que compõem a organização e não o contrário, como ocorre em muitas outras culturas, inclusive na da tarefa, mencionada anteriormente.

Há indícios de que a cultura organizacional experimenta, em nossos dias, um incremento das preferências e opções individuais dionisíacas. Surgem muitos nossos profissionais no mundo empresarial, como publicitários, comunicadores visuais, mercadólogos, financistas, relações públicas, analistas de sistemas, engenheiros nucleares, físicos etc., que parecem exibir traços semelhantes aos anteriormente encontrados nos profissionais já citados, no que se refere às preferências quanto ao estilo de vida organizacional. A cultura dionisíaca relaciona-se com os talentos individuais e implica em riscos e responsabilidades compatíveis com eles. Da mesma forma, implica em qualidades humanas que favoreçam as relações de parceria e a vida associativa em geral.

É com base nessa tipologia que Handy irá então estudar as transformações por que passam as organizações e as próprias sociedades organizacionais. Boa parte do livro volta-se para a identificação, reflexão e análise daquilo que se pode chamar crise da organização apolínea, que não é outra senão a crise do homem e da sociedade apolíneos, isto é, da razão instrumental que norteia o desenvolvimento da civilização ocidental, pelo menos a partir do Renascimento, com a emergência do capitalismo comercial. Isto feito, o autor irá voltar-se para o exame das novas formas de vida associativa e para as perspectivas de seu desenvolvimento. Numa linguagem muito simples, o livro de Handy acaba, assim, por discutir as questões mais candentes do homem ocidental nessa passagem de século. Vale a pena investir em sua leitura, mesmo que, por vezes, possa parecer ingênua para leitores acostumados a textos mais elaborados, do ponto de vista filosófico, científico, teórico e metodológico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1991
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br