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Matemática e administração (réplica e tréplica)

FÓRUM DF OPINIÕES

Matemática e administração (réplica e tréplica)

Chamou-me a atenção, na publicação do n.º 11, volume 4, junho de 1964, da Revista de Administração de Emprêsas a inserção dos comentários do Sr. Fúlvio Carlos Mennocchi na seção "Fórum de Opiniões", às páginas 13 a 28, referentes à utilização de fórmulas matemáticas na solução de problemas administrativos.

Permito-me, todavia, juntar os comentários abaixo, resultados da análise de três dos problemas apresentados pelo referido senhor.

1) Pressuposições Verdadeiras e Pertinentes (págs. 16 à 18)

No exemplo apresentado à página 17 o preço orçado é Cr$ 160.000,00, do qual Cr$ 100.000,00 corresponde à matéria-prima e à mão-de-obra. O lucro seria, então, a diferença (Cr$ 60.000,00), conforme consta da página 18, e não e-taria sujeito a reajustamento.

O reajustamento sugerido é de 100% que, aplicado a Cr$ 100.000,00, equivalerá a um total de (100 + 100) Cr$ 200.000,00.

Adicionando-se a êsse total o lucro de Cr$ 60.000,00 sôbre o preço orçado, teremos Cr$ 260.000,00. não Cr$ 304.000,00 como sustenta o Sr. Mennocchi.

Por outro lado, a fórmula do Prof. Wolfgang Schoeps está correta e para o exemplo acima seria:

onde:

(2) 0,375 + a + b = 1, sendo 0,375 a taxa de lucro sôbre o preço total orçado.

Substituindo-se os valores, teremos:

sendo que

a + b = 1 - 0,375 ou

a + b = 0,625.

Se = 1,5 , b, ou

temos que a + b = 1,5 b + b, ou

a + b - 2,5 b ou

b = = 0,250, donde

a = 0,250 X 1,5 = 0,375.

Substituindo-se os valores de a e ò ria fórmula, teremos finalmente:

Pr = 160

Pr = 160 (0,375 + 0,375 X 2 + 0,250 X 2),

Pr = 160 X 1,625 ou

Pr = 260.000,00.

A não ser que tenha havido êrro de impressão na edição do problema, não consigo compreender o resultado da análise do Sr. Mennocchi.

2 ) Desdobramento Desnecessário dos Dados do Problema (págs. 20, 21 e 22)

O comentário que faço é baseado na suposição de que o Sr. Mennocchi inicia a apresentação de sua alternativa para o problema a partir da frase: - "Daí tiramos a equação:".

As fórmulas de estoque final e vendas pressupõem, em meu entender, o conhecimento do estoque final a preço de custo ou de venda, e êsse dado não consta do problema formulado pelo Prof. Ivan de Sá Motta. Para melhor compreensão, vejamos:

Estoque Final = Estoque Inicial + Compras - Vendas

a) Pelo custo: x - 50 + 100 - ? (custo das vendas)

b) Pelo preço de venda: x - 80 170 - 200

O desenvolvimento da fórmula acima (b) poderia dar-nos o estoque a preço de venda (CrS 50.000,00), faltando, todavia, o estoque a preço de custo e o custo das vendas. O mesmo é válido para a análise da fórmula de apuração de vendas.

Não encontro identidade entre a fórmula do Prof. Ivan de Sá Motta e a caracterização do problema como "desdobramento desnecessário dos dados do problema".

3) Má definição matemática do problema (págs. 22 e 23)

Parece-me que escapou ao Sr. Mennocchi um aspecto importante do problema apresentado no livro Linear Programming Fundamentals and Applications e confirmado em sua própria exposição. Sucede que as 84 unidades do segundo produto, consumindo 5 horas de cada uma das máquinas A e B, correspondem a 420 horas de trabalho de cada máquina e à equação n.º 2 proposta pelos autores do livro.

Aliás, no primeiro parágrafo da página 77 do livro citado os autores previnem (tradução livre): "Em segundo lugar, nada há de implícito numa solução algébrica que forneça uma solução ótima ou a melhor solução".

Volto a repetir, salvo melhor juízo ou qualquer engano de redação, os exemplos comentados são, no meu entender, perfeitamente adaptáveis à realidade administrativa na forma pela qual foram apresentadas pelos autores objeto da análise do Sr. Mennocchi.

"São Paulo, SP

WANDERLEY C. DE MATTOS

Resposta:

Foram objeto de nossa melhor atenção os comentários do Sr. Wanderley C. de Mattos a respeito dos assuntos que ventilamos, nesta seção, no n.º 11 da RAE. Reconhecemos, com efeito, que certos pontos de nossa exposição não ficaram suficientemente claros. Procuraremos apresentar nesta oportunidade os esclarecimentos faltantes. Em que pese, no entanto, à consideração que dispensamos às críticas do Sr. de Mattos, não nos parece sejam elas procedentes quanto ao mérito. Os motivos di-los-emos por partes.

1) Pressuposições Verdadeiras e Pertinentes

Generalizando a fórmula

Pr = Po ,

substituamos 0,1 por f e teremos:

Pr = Po ,

onde o valor de f pode variar de zero até m, entendendo-se por m a relação entre o lucro e o preço de venda inicialmente calculados.

Da fórmula assim estruturada podemos inferir que a é igual a

(1 - f) e b é igual a (1 - f)

O valor de f deverá satisfazer a relação a + b + f= 1, porquanto:

(1 - f) + (1 - f) + f =

= (1 - f) + f = 1 + f - f = 1.

Exemplo:

Façamos uma discussão numérica na qual arbitramos estabelecer os seguintes valores:

Cr$ 60,000,00 = Mo (custo do lote de materiais);

Cr$ 40,000,00 = Ro (custo da mão-de-obra);

Cr$ 160.000,00 = Po (preço);

Cr$ 200,00 - So (salário médio por hora, na data da leitura do pedido).

Supondo-se que Mo, So e Ro sejam todos reajustados à razão de 100%, pede-se determinar em que base deve a emprê&a vendedora reajustar os preços de seus produtos.

Solução:

Preliminarmente, calculemos o lucro inicial: lucro inicial = Po - (Mo + Ro) = 160.000 - 60.000 + 40.000) = Cr$ 60.000,00.

Porém, o lucro inicial em relação ao preço de venda é:

Cumpre-nos, em seguida, calcular as seguintes relações;

Os valores de f, como já dissemos, podem variar de zero a m.

Na Tabela 1 atribuímos a f vários valores (arbitrários, é claro) compreendidos dentro dessa faixa, isto é, de zero a 0,375.

Com os dados da Tabela 1 organizamos a Tabela 2 para saber quais seriam, respectivamente, os preços reajustados e os lucros obtidos na hipótese de que a emprêsa gastasse efetivamente conforme o aumento verificado no mercado de mão-de-obra e no de matéria-prima. Leve-se em conta, pois, que a expressão Mr + Rr que encabeça a terceira coluna da Tabela 2 representa o custo total orçado e reajustado, sempre igual, portanto, a Cr$ 200,000,00, ou seja, à soma do dobro de Cr$ 60.000,00 (2 X Mo) ao dobro de Cr$ 40.000,00 (2 X Ro).

Observando a Tabela 2, verificamos que na primeira linha o lucro permanece o mesmo (Cr$ 60.000,00) após o reajustamento, enquanto que na última linha o que se não modifica é a relação entre o lucro obtido com o preço reajustado e o nôvo preço de venda (Pr), ou seja, 37,5%. Ao primeiro preço de venda (Cr$ 260.000,00) o produto é colocado com maior facilidade, mas poderão surgir problemas oriundos da baixa percentagem de lucro em relação ao próprio preço de venda reajustado. Ao último preço corresponde problema exatamente oposto, devido ao alto preço de venda (Cr$ 320.000,00) que fatalmente acarretará resistência ou má vontade por parte de eventuais compradores, mas tem a vantagem de proporcionar alta percentagem de lucro em relação ao preço de venda (37,5%).

Foi com o objetivo de sanar essas restrições que desenvolvemos o estudo acima, destinado a estabelecer, proporcionalmente a vários valores de f, os reajustamentos de preços.

Considerando agora o problema sob o ponto de vista da emprêsa compradora, devemos insistir que, quanto maior fôr o valor de f, tanto menor será a parte reajustada do preço. Por outro lado, só acidentalmente poderá f coincidir com o lucro da emprêsa vendedora por unidade de produto vendido, tal-qualmente afirmamos na parte final dos comentários que fizemos a propósito da pressuposição do Prof. Wolfgang Schoeps.

Tudo nos faz crer, portanto, que o resultado (Cr$ 304.000,00) por nós achado seja perfeitamente correto. Aliás, uma emprêsa poderá "jogar" não só com os preços extremantes - no nosso caso, Cr$ 320,000,00 e Cr$ 260.000,00 - como com qualquer valor intermediário ditado por suas conveniências de ordem financeira ou mercadológica.

2 ) Desdobramento Desnecessário dos Dados do Problema

A menos que não tenhamos sabido interpretar ajuizadamente o comentário do Sr. Wanderley C. de Mattos, cremos que S. Sa. se equivoca quando sugere insuficiência dos dados por nós apresentados no tocante ao custo das vendas (que representa, numa das equações, pelo sinal curioso de um ponto de interrogação). Em nosso trabalho havíamos determinado êsse valor - Cr$ 120.000,00 - e o denominamos CMV (custo da mercadoria vendida). Donde se segue que sua equação x = 50 + 100 - ? deve ser entendida como sendo x = 50 + 100 - 120 = 30 (estoque final pelo custo).

Quanto à caracterização do assunto como "desdobramento desnecessário dos dados do problema" - de que discorda o missivista - fácil ser-nos-á provar, como o faremos a seguir, sem embargo do reconhecimento da competência profissional do articulista, que êste de fato desdobrou desnecessàriamente os dados do problema. Senão, vejamos.

Em seu artigo (RAE, vol. 1, n.º 3, págs. 68 e 69) são apresentados os seguintes dados:

A - compras (Cr$ 100.000,00);

I - estoque inicial avaliado pelo preço de custo (Cr$ 50.000,00);

I' - estoque inicial avaliado pelo preço de vendas (Cr$ 80.000,00);

A' - compras avaliadas pelo preço de vendas (Cr$ 170.000,00);

T' - vendas durante o período (Cr$ 200.000,00).

A êsses dados o autor acrescenta os seguintes símbolos:

T - custo do produto ou da mercadoria vendida;

Δ= I' - I;

ΔA = A' - A;

ΔT = T' - T;

- margem sôbre o valor de venda para o estoque inicial;

- margem sôbre o valor de vendas para as compras;

- margem sôbre o valor de venda para o estoque final do período e as vendas durante o período.

Daí o autor escreve:

ΔT = T'

Donde: T = T - Δ T.

Substituindo-seΔT por T' - T, obtém-se:

T = T' - T'.

E, evidenciando-se T':

T = T'.

Para determinar o valor do estoque final aplica-se a equação I' + A' = F' + T', onde todos os têrmos são conhecidos, exceto F'. Logo, F' = I' + A' - T'.

Por outro lado,ΔF = ΔI + ΔA - ΔT, ondeΔ T pode ser substituído pelo seu valor calculado anteriormente;

ΔF = ΔI + ΔA - T'.

Donde:

Evidenciando-se:

ΔF = (I' + A' - T'), onde a expressão entre parênteses pode ser substituída por F':

ΔF = F'.

Mas,ΔF = F' - F.

Portanto, F' - F = F'.

Donde: F = F' - F'.

Evidenciándose F'; F = F'.

As fórmulas do articulista podem ser resumidas nas seguintes:

1.ª) F' = I' + A' - T;

2.ª)ΔI = I' - I;

3.ª)ΔA = A' - A;

4.ª) F = F' ;

5.ª) T = T'.

A primeira dessas equações ê por nós usada e sua utilidade dispensa comentários. A segunda e a terceira não as adotamos. As que determinam T e F (quarta e quinta), embora distintas, podem ambas ser simplificadas, como demonstraremos adiante.

Dividamos F por T e teremos simplesmente:

, cancelando-se a expressão comum às duas fórmulas, que se encontrava entre parênteses.

Troquemos agora o conseqüente da primeira razão pelo antecedente da segunda:

E somemos os antecedentes das duas razões, bem como seus conseqüentes:

=

É o próprio articulista, no entanto, quem demonstra - por sinal, de maneira assaz convincente (vejam o seu trabalho) - que I + A é igual a F + T e que I' + A' é igual a F' + T'. Portanto,

=

A partir dai não nos foi difícil deduzir as três fórmulas que passamos a adotar para obter, de maneira mais simples, os mesmos resultados. Eis o sumário de nossas fórmulas:

1.ª) F =. F;

2.ª) T =. T;

3.ª) F' = A' + I' - T'.

Como até agora adotamos os símbolos empregados no artigo original, façamos as devidas substituições numéricas para mostrar a perfeita identidade das fórmulas deduzidas acima com as constantes de nossa carta.

Assim, F = 170.000,00 + 80.000,00 - 200.000,00 = 50.000,00;

I + A = 100.000,00 + 50.000,00 = 150.000,00;

I' + A' = 80.000,00 + 170.000,00 = 250.000,00;

F = 50.000,00 = 30.000,00;

T = 200.000,00 = 120.000,00.

3) Má Definição Matemática do Problema

Com relação a êste tópico cabe-nos um esclarecimento especial. Longo e impróprio seria tratar dêle nesta seção da RAE. Já o fizemos alhures, em trabalho intitulado "Programação da Produção com Lucro Máximo", não-publicado até o momento, mas em aguarda de divulgação. Nêle vários problemas análogos são discutidos e resolvidos, sempre a partir de inequações, meio que demonstramos ser válido para chegar à melhor solução.

Finalmente, desejamos consignar ao Sr. Wanderley C. de Mattos não só agradecimentos pela atenção que dedicou à nossa carta, como também as melhores congratulações pelo brilho com que se houve na elaboração de seu ensaio "Planejamento Econômico-Financeiro das Emprêsas", publicado no n.º 11 da RAE (págs. 31 a 81). Trata-se, indubitàvelmente, de uma perfeita demonstração de como usar inteligência, cultura e senso de objetividade a serviço da administração empresária.

São Paulo, SP.

FÚLVIO CARLOS MENNOCCHI

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Set 1964
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