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Balanço social das empresas

NOTAS E COMENTÁRIOS

Balanço social das empresas

Jorge Oscar de Mello Flores

Vice-presidente do Conselho Diretor da Fundação Getúlio Vargas

1. OBJETIVO

1.1 O objetivo do balanço social de uma empresa é avaliar o benefício social líquido que o funcionamento da empresa acarreta ao meio em que atua.

1.2 Foi mencionado o benefício líquido porque, sempre que em sua ação social a empresa recebe um retorno em seu proveito, este deve ser excluído, para que se leve em conta apenas a parte do benefício desinteressada.

Poder-se-ia acrescentar ao balanço social, ainda, a eventual eliminação de prejuízos sociais acarretada pela ação da empresa.

2. FORMAS DE BENEFICIAR A SOCIEDADE

2.1 De início, pode-se enquadrá-las em dois grupos:

2.1.1 O dos microbenefícios resultantes direta ou indiretamente do funcionamento da empresa, ou das disponibilidades que esse funcionamento permite aplicar em proveito da sociedade.

2.1.2 O dos macrobenefícios derivados da participação da empresa no conjunto da atuação global de seu setor em proveito da sociedade, ou, eventualmente, os conseqüentes a alguma idéia criativa que venha a ter utilidade generalizada.

2.2 Por sua vez, os microbenefícios são suscetíveis de classificação em quatro tipos principais:

2.2.1 O decorrente das relações internas com integrantes das atividades da empresa, como empregados, dirigentes, acionistas ou quotistas, debenturistas e colaboradores autônomos.

2.2.2 O conseqüente às relações externas com pessoas físicas ou jurídicas de certa forma vinculadas às atividades da empresa', seja societariamente (subsidiárias, coligadas, parceiras emjoint-ventures), comercialmente (fornecedores, prestadores de serviços, clientes), financeiramente (financiadores, investidores, financiados, investidos) ou profissionalmente (associações de classe patronais, de empregados e de autônomos).

2.2.3 O resultante das relações externas com pessoas físicas ou jurídicas (estas geralmente de direito privado) inteiramente independentes da atividade da empresa, tais como entidades de ensino (de quaisquer níveis ou campos profissionais), culturais (intelectuais, artísticas, musicais), assistenciais (maternidade, infância, excepcionais, velhice, invalidez), esportivas (estímulo e difusão de modalidades esportivas, favorecimento de valores novos), de defesa do patrimônio (ecológico, cultural, histórico) e de preservação de princípios político-ideológicos (democracia, livre iniciativa, economia de mercado).

2.2.4 O proveniente das relações externas com entidades ou autoridades governamentais, seja as que originam obrigações (impostos, taxas, contribuições de melhoria), seja as que se traduzem em convênios (arrecadação de tributos e outros serviços), seja ainda as que propiciam colaborações espontâneas (em recursos, utilidades, planos e trabalhos). As contribuições previdenciais e trabalhistas, como INPS, FGTS, PIS/Pasep, por beneficiarem os servidores, situam-se no item 2.2.1.

2.3 Quanto aos macrobenefícios proporcionados à vida da sociedade como um todo, pelo setor em que atua a empresa, transcendem ao somatório dos microbenefícios individuais prestados pelo conjunto setorial considerado. A parte de cada empresa, em primeiro exame, seria a que corresponde à percentagem de seu faturamento na totalidade das congêneres.

2.4 Por outro lado, os macrobenefícios originados pelo desenvolvimento de uma idéia criativa que origine um novo instrumento, equipamento, processo operacional, software ou qualquer forma de contribuição para um efeito benéfico social generalizado, são raros, de modo que rotineiramente não precisam ser cogitados e, quando necessariamente o forem, seu tratamento deverá ser específico de cada caso.

2.5 Enfim, deverão também ser avaliados casuisticamente os prejuízos sociais cessantes pela atuação benéfica da empresa, como, por exemplo, uma zona insalubre que é saneada para a edificação de uma fábrica ou uma área inundável que deixa de sê-lo pela construção do reservatório de uma usina hidrelétrica.

3. A VALIAÇÃO DOS BENEFÍCIOS SOCIAIS BRUTOS

3.1 No tocante ao tipo decorrente das relações internas com integrantes das atividades da empresa, alguns dos quais (empregados e a maioria dos diretores) recebem desta meios para toda a sua subsistência, previdência ou assistência, e outros (certos diretores, conselheiros, acionistas ou quotistas, debenturistas ou colaboradores autônomos) apenas os recebem completamente, os benefícios sociais são traduzidos pela totalidade dos gastos da empresa para com eles, como:

3.1.1 Salários, gratificações e outros adicionais, percentagens de produção, ajudas de custo, prêmios por eficiência ou antigüidade, participação nos lucros e outras quaisquer formas de remuneração.

3.1.2 Contribuições previdenciais, assistenciais e trabalhistas, sejam obrigatórias (INPS, FGTS, PIS/Pasep, acidente de trabalho e outras), sejam espontâneas (complementação de aposentadoria, seguro de vida, acidente pessoal e saúde, serviços médicos próprios ou contratados etc).

3.1.3 Cursos de formação, aperfeiçoamento, especialização e reciclagem (embora revertam em parte em proveito da empresa, essa circunstância será levada em conta globalmente mais adiante).

3.1.4 Fornecimento de utilidades (moradia, carro, combustível, ajuda para transporte e alimentação, vestuário etc).

3.1.5 Dividendos e novas ações distribuídos aos acionistas minoritários, remunerações de quotas e novas quotas atribuídas aos quotistas minoritários (o que é recebido pelos majoritários não pode ser considerado como favorecimento a terceiros).

3.1.6 Juros pagos aos possuidores de debêntures conversíveis em ações (os proprietários de debêntures não conversíveis são meros financiadores).

3.2 No que tange ao tipo conseqüente a relações externas com pessoas físicas ou jurídicas vinculadas às atividades da empresa, há vários casos a considerar:

3.2.1 Relativamente às subsidiárias, coligadas e parceiras trajoint-ventures, é de supor que, estando elas ligadas a uma empresa que elabora seu balanço social, sigam orientação semelhante e também o façam; nessa hipótese, o saldo positivo de sua ação social se refletiria no balanço da empresa, na proporção da participação societária desta em cada uma das companheiras de conglomerado. Se estas últimas não elaborarem balanço social, a empresa, com base na experiência própria e no conhecimento que possui das subsidiárias, coligadas e parceiras em joint-ventures, estimará as repercussões da atuação destas em seu balanço social.

3.2.2 No que diz respeito às vinculações comerciais, isto é, aos fornecedores de materiais ou prestadores de serviços, aos revendedores de produtos e aos clientes dos bens produzidos pela empresa ou serviços por ela oferecidos, o efeito social é desprezível para as pessoas físicas e também o é, na grande maioria dos casos, para as pessoas jurídicas; somente na hipótese de grandes fornecedores de matérias-primas para indústrias, importantes revendedores de produtos, subempreiteiros de parcelas vultosas de contratos ou, de um modo geral, detentores de percentagens substanciais dos negócios da empresa, poder-se-ia considerar que esta, como compradora de bens ou serviços ou como vendedora de elementos essenciais para o sucesso de terceiros, pudesse contribuir indiretamente para a expansão do benefício social destes. A estimativa dessa contribuição, em primeira aproximação, se o parceiro comercial também fizesse seu balanço social, seria um percentual do saldo deste igual ao do negócio de ambos no cômputo geral dos desse parceiro; sem balanço, ficaria bem mais precária a avaliação, mas sempre poderia ser tentada.

3.2.3 Raciocínio semelhante seria suscetível de aplicação relativamente à área financeira, onde apenas os grandes financiadores (os grandes financiados são proibidos por lei) estariam passíveis de consideração, feita preferentemente através do balanço social.

3.2.4 Quanto às ligações profissionais com órgãos de classe, em sua grande maioria trazendo benefícios sociais, conquanto muitas vezes de relevo qualitativo, são quantitativamente pouco significativas, mas, como são mensuráveis com precisão e facilidade, convém calculá-las e adicionar seu resultado ao balanço social. Envolvem em geral contribuições periódicas sistemáticas, algumas contínuas para manutenção e estudos, outras intermitentes para congressos, seminários, cursos, pesquisas especiais etc., a maioria em proveito da classe ou das classes de empregados, mas outras em benefício direto do país.

3.3 No que se refere ao tipo resultante das ações externas com pessoas físicas ou jurídicas independentes da atividade da empresa, se esta é criteriosa, em geral só desvia recursos utilizáveis em seu funcionamento corrente ou acumuláveis para aproveitamento futuro, quando o faz cônscia de sua responsabilidade social e em decorrência desta. Nesse pressuposto, os gastos feitos com o tipo em causa enquadram-se como benefícios sociais, quer se refiram a contribuições para estabelecimentos de ensino, para patrocínio de eventos intelectuais, artísticos, musicais, esportivos, para auxílio a entidades assistenciais, para ajuda a instituições de defesa do patrimônio histórico, cultural, artístico e natural ou, ainda, para o custeio de iniciativas político-ideológicas em proveito do país e da democracia. Na maioria das empresas, esses dispêndios são pequenos, mas, em virtude da sua significação e da facilidade de sua inferência, convém calculá-los e explicitá-los no balanço.

3.4 No que concerne ao tipo proveniente das relações externas com órgãos ou autoridades governamentais, em se admitindo que os recursos por estes arrecadados sejam adequadamente aplicados, bem como assim suceda com os bens a eles fornecidos e os serviços a eles prestados, tudo o que for pela empresa relativamente a esse grupo, sempre de fácil determinação, terá sido um benefício social.

3.5 Cabe aqui uma alusão especial à rede bancária comercial, que presta serviços em função de relações incluídas nos quatro tipos configurados; uma parte é remunerada diretamente, outra indiretamente, com a aplicação dos depósitos transitórios, mas ainda fica uma parcela a descoberto, particularmente elevada no que respeita à área governamental; esse resíduo, que não pode ser calculado precisamente, mas é suscetível de razoável estimativa, constitui certamente uma contribuição de cunho social.

3.6 Passando agora aos macrobenefícios setoriais, dos quais se infere a participação de cada componente do setor, uma das formas de quantificá-los seria através do lucro cessante global que resultaria de sua paralisação; trata-se de avaliação específica de cada categoria econômica, cujo cálculo é semelhante ao que se faz para determinar o prejuízo da imobilização de um setor pela eclosão de uma greve. Quanto a esse aspecto, algumas atividades têm repercussão bastante ampla, como as de fornecimento de energia elétrica, suprimento de combustíveis, transporte de gêneros alimentícios e prestação de serviços bancários.

3.7 Finalmente, os ocasionais macrobenefícios sociais de idéias criativas e eventuais prejuízos sociais cessantes teriam de ser estudados e estimados casuisticamente.

4. AVALIAÇÃO DOS BENEFÍCIOS SOCIAIS LÍQUIDOS

4.1 Muitos dos benefícios sociais abordados no que precede trazem um retorno para a empresa.

4.1.1 Os do tipo de relações internas, pelo bom ambiente de trabalho, com melhoria e reconhecimento profissional, proteção assistencial presente, segurança previdencial futura, traduzindo-se em tranqüilidade e emulação dos dirigentes e empregados.

4.1.2 Os do tipo de relações externas com clientes e parceiros de negócios de um modo geral, pela boa convivência e preferência comercial.

4.1.3 Os do tipo de relações externas com estranhos, que vimos serem os benefícios sociais propriamente ditos, de seleção volitiva, pelo que encerram de certa dose de propaganda.

4.1.4 Os do tipo de relações externas com órgãos e autoridades governamentais, pelo bom conceito a que dão lugar, facilitando a eficiência e o sucesso dos contatos oficiais.

4.1.5 Os macrobenefícios podem repercutir de qualquer das formas anteriores, porém mais particularmente nas do subitem 4.1.3.

4.2. A avaliação individualizada de cada um desses retornos é impossível, mas se pode ter uma estimativa global de seu efeito por dois fatores, aferíveis com maior precisão dos balanços anuais ou semestrais e com precisão satisfatória dos balancetes mensais:

4.2.1 O resultado econômico.

4.2.2 O aumento percentual da participação da empresa no faturamento do mercado.

4.3 Trata-se de fatores heterogêneos, que, entretanto, se podem combinar com um raciocínio simples: admitindo-se que o ganho de "fatia" no mercado tenha sido feito a custo marginal, ele só envolveria os gastos diretamente ligados à quantidade do bem produzido, como matéria-prima necessária, energia consumida e comissão de venda; assim, nesse faturamento adicional, que aumentará o lucro, haveria uma economia de custos, que deveria ser adicionada ao resultado do balanço ou balancete, para exprimir a vantagem global da empresa.

4.4 A diferença entre os benefícios sociais líquidos e sua repercussão favorável sobre a empresa, tal como foi definida nos itens 4.2 e 4.3, mediria o benefício social líquido global por ela originado.

5. CONCLUSÕES

5.1 No que precede, apresentamos uma forma de inferir o balanço social da empresa, cujo resultado é um indicador de como ela traduz objetivamente sua responsabilidade social para com o meio em que atua.

5.2 Alguns países já tornam obrigatório esse balanço em alguns casos, como a França, que exige sua elaboração pelas pessoas jurídicas com mais de 200 empregados.

5.3 Em estudo que fizemos sobre as bases do sócio-capitalismo, fomos mais longe e sugerimos sua obrigatoriedade para as companhias abertas e para as empresas em geral que excedam determinado número de servidores, ou montante de faturamento ou, ainda, percentagem de resultado sobre o patrimônio líquido.

5.4 Conforme foi visto no presente artigo, entre os microbeneficios sociais dos quatro grupos, há alguns decorrentes do própria funcionamento da empresa e outros espontâneos, sendo os do terceiro grupo praticamente todos volitivos; um índice interessante de calcular seria o "índice de atuação social espontânea" (Iase), relação entre os microbenefícios sociais que fizer voluntariamente e a totalidade dos micro e macrobenefícios globais, volitivos ou não, que decorrerem de seu funcionamento e da participação de seu setor como um todo em proveito da sociedade. Com ele se distinguiriam as empresas que tenham elevado saldo social, por força exclusiva das atividades que desenvolvem, mas sem nenhuma contribuição voluntária, daquelas que, embora com saldo menor, tenham apreciável ação espontânea.

5.5 Mais tarde, quando se expandir o balanço social, poder-se-á criar o "índice de participação social da empresa em seu setor" (Ipses), percentagem entre seu saldo social e o saldo social global do setor em que atua.

5.6 E, quando se generalizar o uso do balanço social, será interessante conhecer, setorialmente, o "índice nacional de participação social específica do setor" (Inpses), relação entre o saldo social global do setor e do país, ou, talvez mesmo, os "índices regionais de participação específica do setor" (lrpses), cuja significação é óbvia.

5.7 Por enquanto, porém, a cogitação de tais índices constitui mero sonho de um defensor do capitalismo socializado ou sócio-capitalismo. do qual já existe uma experiência nos países escandinavos e o qual, provavelmente, será o único tipo viável de democracia no futuro.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1987
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