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Novo mundo nos trópicos

RESENHA BIBLIOGRAFICA

Novo mundo nos trópicos

Por Gilberto Freyre. 1. ed., São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1971. (Brasiliana, 348).

O livro do Sr. Gilberto Freyre, publicado atualmente no Sul do País, é um amontoado de equívocos. O primeiro se relaciona com uma questão editorial, pois anuncia-se que a edição é a primeira em português, mas, na verdade, é posterior a uma outra, saída no Recife, aos cuidados do Instituto Joaquim Nabuco. Aparentemente, o equívoco pode parecer ato de boa-fé; no entanto, traduz posição egocêntrica do autor, que, além de querer realçar a importância de sua obra, faz questão de mostrar o interesse dos editores por sua produção: "tomando a iniciativa de publicar, em língua portuguesa, New World in the tropics, a Companhia Editora Nacional - tão cheia de serviços valiosos à cultura brasileira - dá ao autor do livro até hoje, em grande parte, desconhecido no seu próprio País..."

O livro é uma edição refundida de Interpretação do Brasil; é mais amplo e contém novos capítulos adicionais. Sua pretensão é dar aos estrangeiros uma nova visão do mundo da lusotropicalidade, idéia cara ao autor. Partindo da análise e interpretação da cultura da sociedade brasileira, no espaço e no tempo, o autor procura estender seu campo a "maiores audácias: à formulação de uma antropologia do homem situado no trópico, que vá da antropologia biológica à filosófica". Para desenvolver a tese, estuda em diversos capítulos, os temas: antecedentes europeus da história brasileira, fronteiras e plantações, unidade e diversidade, nação e região, condições étnicas e sociais do Brasil moderno, o Brasil como civilização européia nos trópicos, a politica exterior do Brasil e os fatores sociais e étnicos que a condicionam, escravidão, monarquia e o Brasil moderno, por que clima tropical, etc.

Para o autor, sua atitude é suigeneris: "desse modo é que se vêm alongando sua possível ciência de analista e sua possível arte de observador do comportamento humano, em geral, e do brasileiro, em particular, numa também possível filosofia. E essa filosofia - se existe - implicaria já um pequeno conjunto, e até uma suma, se não de sínteses ou de conclusões, de sugestões ou de interpretações". Naturalmente que a sua posição é distante das "antropologías intituladas objetivas, ou com pretensões a estritamente científicas e, como tais, neutras", pois, estas significam "manutenção do status quo ou o desenvolvimento de uma dinâmica que associem objetividade com umas tantas projeções políticas", enquanto a sua posição levanta "novas perspectivas de situações tropicais e, sobretudo, de relações dessas situações, entre si, e com as atuais potências não tropicais".

A lusotropicalidade é tentativa de se formar nova visão de um mundo, mas, na verdade, sua intencionalidade política e social é a criação de equívocos e mitos, baseados em objetivos conservadores.

A posição conservadora aparece claramente em alguns dos traços que o autor desenvolve no prefácio do livro. O retrato que dá do brasileiro - da época colonial até começo do século XIX - é o de homem desinteressado pelos livros, tanto de cultura geral, como científica; falta de ambição pelo ganho material, etc; em compensação, quer desfrutar a vida e o lazer, tem amor ao luxo, etc. Entretanto, a crítica do autor não vai ao fundo de cada questão, não por desconhecer os problemas específicos que trata, mas porque não lhe convém desmascarar toda a política estreita e obscurantista de Portugal. Não é necessária muita pesquisa para se saber que a elite brasileira dos fins do século XVIII está imbuída de literatura "subversiva" francesa, o que se comprova em todos os processos da época - da Independência Mineira até 1817.

Os equívocos prosseguem na análise que faz do comportamento "humano" do brasileiro: "é verdade que a igualdade racial nem é perfeita no Brasil, nem se tornou absoluta com a Abolição da escravidão, em 1888. Mas também é verdade que mesmo antes da Lei de 1888 as relações entre brancos e pretos, entre senhores e escravos, já chamavam a atenção dos observadores estrangeiros por serem particularmente cordiais"; "mas, quanto às relações raciais, a situação brasileira provavelmen te é o que mais se aproxima daquilo que se imagine como um paraíso nesse setor".

Seu "lirismo" é maior quando trata da posição da mulher: "num país onde a mulher vive sempre oprimida pelo homem, alguns hipercríticos estrangeiros consideram pura ficção falar em democracia social. Mas a verdade é que há longos anos, as mulheres brasileiras já se encontram, em muitos casos, em situação igual à dos homens..."

E quando trata do Império, sua posição passa de conservadora a saudosista. O período aparece como o momento alto de nossa evolução, pois o regime "foi uma felicíssima combinação de monarquia com democracia, juntamente com um sistema de seleção aristocrática baseado não tanto nos méritos do nascimento, da raça, de côr ou da classe dos indivíduos, mas sim na sua capacidade individual, ou no seu mérito pessoal. O Império deu ao Brasil uma tradição de qualidade, em oposição ao simples democratismo quantitativo, característico, aliás, tanto das plutocracias como das demagogias eleitorais".

Maior ainda é a confusão que faz quando trata do pretenso espírito pacífico do brasileiro. A criação do mito da bondade aparece como símbolo da nossa história, onde são abolidos costumes bárbaros, como o duelo e a pena capital. Prosseguindo, diz que "os brasileiros detestam particularmente as soluções violentas" e que as "revoluções", seja a da Independência de Portugal, ou a da República, em 1889, foram brancas e não sanguinolentas".

Confundindo conciliação com violência, fatos momentâneos com particularidade, ficção com realidade, Gilberto Freyre tenta impingir estes caracteres românticos como o fundamento do processo brasileiro. Aos mitos expostos, tenta acrescentar a idéia do "exército nio messiânico". Porém, o que o autor consegue é historiar uma realidade parcial e, em parte, inverídica, pois, a história comprova que a nossa realidade é igual a de todas as outras: em todos os momentos radicais, a violência imperou. Canudos e Contestado, Palmares e e Bandeirismo, Revolução Federalista e 1932, são momentos exemplares que se repetem comumente na história brasileira passada e presente.

No entanto, o lusotropicalismo é tentativa de mostrar o caráter "benigno" e falso de uma realidade - realidade que não se traduz na ditadura portuguesa e outras ditaduras, tão decantadas pelo nosso autor.

Edgard Carone

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Set 1971
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