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Mercado interno e desenvolvimento econômico

ARTIGOS

Mercado interno e desenvolvimento econômico

Ary Bouzan

Professor-Adjunto da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Departamento de Ciências Sociais

"O planejamento não significa mera coleção de projetos ou esquemas, mas uma atitude refletida comvistas ao fortalecimento da base e do ritmo de progresso para que a comunidade avance em todas as frentes."

JAWAHARLAL NEHRU

Para que um país de economia subdesenvolvida possa iniciar seu processo de crescimento econômico é preciso que. além de medidas conduzentes ao aproveitamento efetivo de seus recursos, disponha de elementos ativos que sejam capazes de alimentar e acelerar o complexo de atividades que caracterizam a fase inicial dêsse processo. Nos países de estrutura econômica capitalista, tais centros propulsores são representados pelo mercado internacional e pelo mercado interno.

A despeito da sua grande importância, o mercado internacional tem capacidade limitada de atender às necessidades de crescimento de boa parte dos países subdesenvolvidos, já que êstes, no mais das vêzes, são exportadores de matérias-primas ou de produtos agrícolas, cujas demandas se têm revelado bastante inelásticas nos mercados alienígenas. Impossibilitados de colocar quantidades crescentes de seus produtos e tendo, não raro, a relação internacional de preços evoluindo contra si, passam a ter suas receitas cambiais sèriamente comprometidas. Se a oferta de divisas, por essa razão, vê-se limitada, o mesmo não acontece com a procura, que é particularmente intensa nas etapas iniciais do processo de desenvolvimento econômico. Cria-se, assim, um descompasso na evolução dessas duas forças, com resultados negativos, que se expressam na forma de inflação, limitação de importações essenciais etc.

Ainda que formas especiais de auxílios e empréstimos internacionais sejam concedidas a êsses países para que possam superar a inflexibilidade do comércio exterior, é necessário que ganhem um nôvo ponto de apoio: um ponto mais dinâmico, que seja capaz de deslocar-se à medida que a economia adquira uma estrutura mais poderosa e que, por isso mesmo, exija uma atividade ainda mais intensa.

A IMPORTÂNCIA DO MERCADO INTERNO

É nesse momento que o mercado interno passa a ter papel fundamental porque, ao contrário do que ocorre com o mercado exterior, a capacidade de compra nativa deriva, quase exclusivamente, da atividade econômica que se exerce no próprio país. Dessa forma, na medida em que a produção interna se vai ampliando, o mercado interno ganha maiores dimensões e, assim, constitui-se em bases mais atraentes para que a atividade econômica continue a se exercer.(1 (1 ) Essa relação entre produção e capacidade de compra do mercado foi chamada, por Myrdal, de "processo acumulativo". O economista e sociólogo sueco procurava demonstrar que o "ciclo vicioso da pobreza" a que se referira anteriormente Ragnar Nurkse não traduzia uma situação real, pois os¡ países subdesenvolvidos se encontram sempre num processo acumulativo que poderá ser positivo ou negativo. Vide Gunnar Myrdal, Teoria Econômica e Regiões Subdesenvolvidas, publicação do ISEB, Rio de Janeiro, 1960, págs. 26 e seguintes. ) Naturalmente, a vigorar um regime cambial e tarilário que permita ao produto estrangeiro entrar no país em condições vantajosas, essa capacidade de compra poderá beneficiar a atividade econômica dos países que exportam tais produtos. De outra parte, se a regulamentação sôbre a remessa dos ganhos do capital alienígena para os países de origem fôr também liberal, parte da atividade econômica exercida internamente não beneficiará o mercado nativo.

Muitos países desenvolvidos e outros em fase avançada de desenvolvimento, a partir de determinado momento, passaram a ter parcelas cada vez mais substanciais de sua renda geradas por atividades que visavam o mercado interno, enquanto que a contribuição da renda diretamente resultante das exportações foi-se tornando percentualmente decrescente.(2 (2 ) É o caso dos Estados Unidos, por exemplo, em que a soma de importações e exportações baixou de 20, 8% da renda nacional em 1880 para 8, 0% em 1950. Vide W. S. Woytinrky e E. S. Woytinsky, World Commerce and Governments: Trends and Outlook, the Twentieth Century Fund, New York, 1955, pág. 62. ) É claro que, apesar de percentualmente decrescente, o quantum oriundo do exterior assume grande importância estratégica para a produção nacional, pois, iniciado o esforço de desenvolvimento econômico, as importações vão cedendo lugar a matérias-primas, equipamentos destinados à produção etc. No cômputo geral da renda, porém, as atividades relacionadas com o mercado nativo vão ganhando maior expressão percentual, ao passo que aquelas que dizem respeito ao mercado exterior vão perdendo substância, em têrmos comparativos. No Gráfico n.º 1, onde se vê a relação exportações/produto nacional bruto do Brasil no período 1947/1959, pode-se constatar a queda relativa das exportações brasileiras nesse período.


Talvez a maior virtude do mercado interno resida no fato de que êle permite o aparecimento da indústria nativa. É evidente que sua existência somente não seria condição suficiente para o nascimento dessa indústria. Na eventualidade da adoção de uma política exterior baseada no laissez-iaire, êsse mercado interno transferiria seu poder de compra para o exterior, para as indústrias estrangeiras, portanto, já que a nascente indústria nacional, por não possuir os padrões necessários de qualidade e preço, não poderia instalar-se em concorrência aberta com a produção de origem estrangeira.

Contudo, grande parte dos países subdesenvolvidos não dispõe de divisas com abundância, o que os leva, normalmente, a adotar práticas protecionistas, consubstanciadas em política cambial e tarifária seletiva. Estabelecida a barreira de proteção ao longo das fronteirasj a industrialização encontra no mercado interno o necessário ponto de apoio para que possa evoluir, pois, como ressaltamos, os países que iniciam seu desenvolvimento industrial não podem concorrer com a produção alienígena nos mercados internacionais.

Podendo dispor dêsse mercado, a industrialização tem assegurada a sua evolução. Esta constitui a viga-mestra para o desenvolvimento econômico dos países pobres, pois, se bem que haja alguns exemplos de países que lograram vencer o subdesenvolvimento através do setor primário, na época atual dificilmente os países pobres alcançarão a melhoria da sua condição econômica, a não ser pelo desenvolvimento de suas indústrias.

ECONOMIAS REFLEXAS E ISOLADAS

Outro problema bastante importante relacionado com a evolução do mercado interno diz respeito à facilidade com que os países subdesenvolvidos "importam" as evoluções cíclicas internacionais. Na medida em que os países compradores atravessam fases de depressão ou de expansão, êles passam a refletir tais evoluções, o que representa ter seus níveis de emprêgo e de renda ditados pelas condições vigentes na vida econômica de seus clientes.

Quando o eixo da atividade econômica vai-se voltando para o mercado interno, as flutuações da conjuntura internacional passam a afetar comparativamente menos a economia interna. Isso não quer dizer que os países subdesenvolvidos se livrem, de flutuações, porque ao mesmo tempo que se vão tornando menos afetados pelos ciclos de negócios internacionais, vão também ampliando sua própiia capacidade de gerar crises.

A diferença entre os dois tipos de flutuações está em que sôbre as primeiras - as internacionais - o país pràticamente não tem gerência, ao passo que nas segundas a sua possibilidade de ação é muito mais ampla, pois terá à sua disposição tôda a política fiscal e monetária. A diferença entre os dois tipos de flutuações está, portanto, na amplitude da ação do govêrno para enfrentá-las, a qual, indiscutivelmente, é muito maior nas oscilações do mercado interno que naquelas do mercado exterior.

Por outro lado, em muitos países subdesenvolvidos que dependem altamente do mercado externo, os setores, ligados a êsse mercado constituem verdadeiros núcleos isolados do restante do país, estando suas atividades voltadas para o exterior, praticamente sem vínculos com os setores internos. Êste é o tipo de economia que caracterizou a fase colonial brasileira em que predominou o açúcar(3 (3 ) Segundo Caio Prado Júnior, "a orientação da economia brasileira, orientada em produções regionais que se voltavam para o exterior, impedira a efetiva organização do país e o estabelecimento de uma estreita rêde de comunicações, que as condições naturais já tornavam por si muito difíceis. Os poucos milhões de habitantes espalhavam-se ao longo de um litoral de quase 6.000 quilômetros de extensão e sôbre uma área superior a 8 milhões de quilômetros quadrados, agrupando-se por isso em pequenos núcleos largamente apartados uns dos outros, e sem contactos apreciáveis." Vide Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil, Editora Brasiliense, 6.º edição, 1961, pág. 264. ) e que tem sido bastante comum nos países latino-americanos.

Neste caso, a falta de ligação entre os diversos setores internos impossibilita o crescimento harmônico, pois ao lado de núcleos altamente desenvolvidos, encontram-se áreas econômicas desvinculadas dos centros maiores, que deixam de beneficiar-se das melhores condições vigentes nestes últimos.(4 (4 ) No caso brasileiro, por exemplo, a expansão do mercado interno experimentada na zona centro-sul criou condições para a articulação dêsse mercado, primeiro com a região sul-riograndense, depois com o nordeste e norte do país. Vide Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, Editora Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1.ª edição, 1959, pág. 273. )

Com a ampliação do mercado interno, os núcleos desenvolvidos tendem a estreitar suas ligações, absorvendo paulatinamente as áreas econômicas marginais e permitindo uma atividade interior mais acentuada e integrada.

EVOLUÇÃO DO MERCADO INTERNO BRASILEIRO

A primeira manifestação expressiva do mercado interno brasileiro ficará clara se estabelecermos uma comparação entre os ciclos do açúcar e do café, nos moldes da análise efetuada por Celso Furtado.(5 (5 ) Vide Celso Furtado, op. cit., págs. 179 e seguintes. ) Indiscutivelmente êsses foram os ciclos econômicos mais significativos para a economia brasileira, não somente pela renda que foram capazes de gerar, mas também por sua contribuição para a fixação de tipos de cultura nas regiões nordeste e centro-sul.

Todavia, nas características dêsses dois ciclos constatam-se algumas diferenças fundamentais. Um a delas, por exemplo, diz respeito à natureza da mão-de-obra. Enquanto a atividade cafeeira viveu seu apogeu baseada na mão-de-obra assalariada, a indústria do açúcar baseou-se no trabalho escravo.

Em conseqüência, durante o ciclo do açúcar, a parte da renda auferida nessa atividade que permanecia no país (parte dela parece ter ficado no exterior, talvez em mãos dos distribuidores, que eram também financiadores) concentrava-se nas mãos do proprietário do engenho. O trabalho - baseado na mão-de-obra escrava - era pago em espécie. A renda assim concentrada tinha normalmente duas destinações: a primeira traduzia-se em investimentos de capital, daí ter sido essa economia particularmente favorável à capitalização;(6 (6 ) Segundo C. Furtado, que baseou sua estimativa nas pesquisas de Roberto Simonsem, já ao final do século XVI o montante do capital investido em engenhos (capital fixo) girava ao redor de 1.800.000 libras esterlinas. A êsse montante somavam-se 375.000 libras investidas em escravos e outras 75.000 em animais de tração. Op. cit., pág. 57. ) a segunda era utilizada para a aquisição de bens de consumo no exterior. A falta de remuneração da mão-de-obra impossibilitava a formação de um mercado interno, já que a população obreira não dispunha de poder de compra. As ligações econômicas faziam-se com o Exterior, na forma de pagamentos e rece bimentos. Cada engenho constituía um centro isolado, com ligações econômicas mantídás com o Exterior, mas sem contacto maior com o próprio País.

Já com o ciclo cafeeiro a situação era bem diferente. A atividade ligada a êsse produto só ganhou expressão no fim do século passado, ocasião em que se abolia a escravidão e a mão-de-obra assalariada, representada principalmente pêlo emigrante europeu, substituía a mão-de-obra escrava. Êsses emigrantes, que passaram a entrar no Brasil em grandes quantidades nos dois últimos decênios do século XVIII(7 (7 ) Nos últimos 25 anos do século passado, somente o Estado de São Paulo recebeu 800 mil emigrantes europeus. Para que se tenha idéia do significado dêsse algarismo, convém lembrar que, por ocasião da abolição da escravatura, girava em tôrno de 100 mil o número de escravos utilizados no setor cafeeiro. ) tinham seu trabalho regulado por um contrato, o qual lhes assegurava um rendimento monetário fixo.(8 (8 ) Segundo Augusto Ramos, o trabalho do emigrante europeu empregado nas fazendas de café em São Paulo regia-se por um contrato de trabalho denominado "colonato", segundo o qual a remuneração dêsse trabalhador era fixada em função das diversas operações necessárias à cultura do café. Daí serem fixas as remunerações do colono. Augusto Ramos, A Intervenção do Estado na Lavoura Cafeeira, Edição Dep. Nacional do Café, Rio de Janeiro, 1934, pág. 506, citado em Antônio Delfim Netto, O Problema do Café no Brasil, Ed. Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1959. ) A renda gerada pela atividade, que, no primeiro caso, se concentrava nas mãos do senhor de engenho, passava agora a ser distribuída entre 0 fazendeiro e o trabalhador agrícola.

A renda do proprietário da fazenda encontrou um a destinação que não diferiu muito da que lhe imprimia o dono do engenho: foi utilizada parcialmente para a aquisição de bens de consumo no Exterior e para a inversão em bens de capital (aquisição de casas para colonos, implementos agrícolas etc.) Os rendimentos do trabalhador rural, contudo, foram em grande parte utilizados no próprio País, constituindo, indiscutivelmente, o primeiro acontecimento significativo para a formação do mercado interno brasileiro.

POLÍTICA DE DEFESA E CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO

O segundo fato significativo para a formação dêsse mercado está ainda ligado à cultura cafeeira: trata-se da política de defesa dêsse produto implementada pelo governo. Consistiu tal política na compra pelo govêrno - com o objetivo de controlar a oferta - dos estoques de café não colocados no mercado internacional, através de financiamento estrangeiro, posteriormente amortizado pela própria exportação do produto. Dessa forma, a produção brasileira não sofreu interrupção, preservando-se o nível do emprêgo e da renda do setor. Essa atuação do govêrno em defesa do café constituiu não somente uma defesa da sua produção, mas uma verdadeira preservação de nosso mercado interno que, naquela altura, ganhava corpo.

Já nas últimas décadas, a industrialização, que a princípio encontrara no incipiente mercado interno brasileiro o ponto de apoio para seu aparecimento, constituiu-se em elemento intensificador dêsse mercado. Indiscutivelmente, grande parte do crescimento que a renda per capita no Brasil tem experimentado se deve ao nosso processo de industrialização, porque na indústria o trabalho do homem produz mais que na agricultura, em média, de 2.1/2 a 3 vêzes. Ademais, é êsse um processo acumulativo, em que o desenvolvimento industrial cria condições para seu próprio desenvolvimento ulterior, já que, desde 1949, nosso sistema cambial e tarifário tem sido altamente protecionista, o que impede que a capacidade de compra interna se transfira para o Exterior, ficando reservada para a produção nacional.

O Gráfico n.º 2 demonstra a evolução dos índices de produção real no setor industrial e no setor agrícola, mostrando também, para efeito de comparação, o índice do produto total. Vê-se que o crescimento do setor industrial é bem mais acentuado que o do setor agrícola, ganhando, cada vez mais, expressão percentual no total do produto interno, como demonstra o Gráfico n.º 3.



O crescimento da população constituiu outro fator positivo para o crescimento de nosso mercado interno. Trata-se de assunto complexo, porqué, pára afirmar-se que o crescimento da população redunda em acréscimo na capacidade do mercado interno, seria necessário que se efetuasse uma análise demonstrativa dos setores que absorvem os aumentos populacionais. Ainda assim, cremos poder afirmar que os aumentos de população verificados no Brasil têm-se refletido favoravelmente na ampliaçao de nosso mercado interno porque sabemos que, de maneira geral, as migrações do setor primário para o setor secundário (indústria) continuam processando-se em índice elevado e porque os aumentos verificados na renda per capita têm sido superiores àqueles apresentados pelo crescimento demográfico. No Quadro n.º 1 pode-se verificar o crescimento da população e do produto interno bruto total e per capita.


A RENDA PROVENIENTE DO EXTERIOR

Nas últimas décadas» o Brasil conseguiu, em diversas ocasiões, sensíveis contribuições para o aumento da renda interna, devido ao comportamento dos nossos produtos no mercado internacional. O café, por exemplo, experimentou diversos aumentos nos preços externos, particularmente a partir de 1948. É bem verdade que a relativa diminuição ocorrida nas quantidades exportadas contribuiu para a anulação parcial dos benefícios advindos da melhora dos preços. De qualquer forma, o setor exportador benefíciou-se de maneira geral da melhor cotação do produto.

Essa maior remuneração ao setor, que constituiu uma contribuição direta para a ampliação do mercado interno já que aumentava a capacidade de compra dos exportadores - gerou também outros benefícios indiretos para êsse mercado, pois, como frisamos anteriormente, o sistema cambial seletivo impedia que êsse acréscimo de renda se transferisse para o Exterior. Permanecendo no País, êle alimentava a atividade interna através de um processo multiplicador, ainda que apresentasse efeitos inflacionários, porque a capacidade de produção nativa era incapaz de crescer no mesmo ritmo em que crescia o poder de compra.

Nos últimos anos, todavia, os preços das nossas exportações têm evoluído desfavoravelmente, particularmente o do café. Em 1960, por exemplo, a cotação média do tipo 4 alcançou apenas US$ cents 36, 69 por libra-pêso, o que nos permitiu obter uma receita total de apenas 713 milhões de dólares para 16.819.000 sacas, correspondendo a US $ 423, 92 por saca.

Comparando-se êsses algarismos com aquêles relativos à média dos sete anos compreendidos no período de 1951/ 1957 (US $ cents 59.11 por libra-pêso, com a receita total média de US $ 980, 00 e US $ 662.871 por saca), podemos constatar a acentuada perda de valor do nosso principal produto no mercado internacional.

É verdade que o período utilizado como base incluiu o ano de 1954, que obteve cotações excepcionais. Mesmo que se eliminasse êssé ano, no entanto, a diferença entre o período base e 1960 continuaria acentuada. Se tivermos em mente que o aumento de produção continua a se processar em pràticamente todos os países fornecedores e que a procura não dá mostras de qualquer melhora sensível para os próximos anos, podemos concluir, sem muito esforço, que a possibilidade de os preços reagirem nos próximos anos é muito remota.

Concluindo, cremos poder afirmar que o comércio exterior, que em outras épocas permitiu sensíveis melhoras na renda interna, não apresenta sinais de poder continuar a fazê-lo, já que, no que respeita aos nossos principais produtos, a possibilidade de aumentar as quantidades exportadas é muito pequena e as perspectivas de preço também não são favoráveis.

CONCLUSÕES

As economias subdesenvolvidas de estrutura capitalista necessitam de fôrça propulsora para iniciar e acelerar a atividade econômica. Por serem economias em que a emprêsa privada é o principal agente produtor, o mercado, seja o nativo ou o alienígena, tem nelas um papel fundamental.(9 (9 ) Para uma análise das relações existentes entre o investimento e os limites do mercado vide Ragnar Nurkse, Problemas da Formação de Capitais nos Países Subdesenvolvidos, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1957, pág. 9. )

No Brasil, encontramo-nos na fase em que o incentivo maior para a produção nacional é constituído pelo mercado interno. Vendedores de produtos de limitada aceitação nos mercados exteriores, não nos é dado esperar que nossa atividade econômica seja alimentada pelo mercado internacional, além do ponto permitido pela baixa elasticidade da procura de nossos produtos. Para que nossa atividade produtiva continue evoluindo, é necessário que haja uma outra base, muito mais dinâmica, aquela que é fornecida pelo mercado interno, por estar identificado com o próprio sistema produtivo brasileiro. Assim, enquanto o mercado interno vai ganhando expressão percentual cada vez mais substancial na produção nacional, o mercado externo vai perdendo conteúdo, ainda que se amplie sua importância estratégica.

O fato de nosso mercado interno fornecer o necessário incentivo para que a atividade privada continue na marcha ascendente não resolve, no entanto, todos os problemas. O complexo "mercado interno-produção" encontrará sérias dificuldades para seu desenvolvimento, caso não haja a ação paralela do govêrno, com o objetivo de eliminar as influências apresentadas pela estrutura produtiva à medida que se processa o desenvolvimento econômico. Se o govêrno não cuidar do problema da indústria siderúrgica, por exemplo, tôda a indústria privada de produtos que pressupõe laminados estará comprometida.

Dissemos que o mercado interno tende a absorver as áreas econômicas periféricas, reduzindo a grande quantidade de mercados isolados. Todavia, a falta de ação decisiva do govêrno no sentido de melhorar os transportes e as comunicações poderá redundar na impossibilidade de integração dos mercados, pois não é suficiente que os grandes centros produtores do País estejam capacitados a suprir os mercados ilhados e que êsses tenham capacidade de compra apta a ser exercitada; é necessário também que as ligações sejam favorecidas pela ação disciplinadora do govêrno.

Poderíamos enunciar aqui algumas dezenas de problemas que se colocam à medida que se processa o desenvolvimento econômico. O que se quer, entretanto, é apenas registrar a existência dêsses "pontos de estrangulamento" que emperrarão a estrutura produtiva, a menos que a ação de estado, consubstanciada no planejamento econômico do processo de desenvolvimento, se apresente clara e segura, propiciando condições para que o país possa usufruir ao máximo de sua limitada capacidade de produção.

Por outro lado, não se deve imaginar que a solução para o problema do subdesenvolvimento econômico será encontrada somente pela ação do govêrno e pela iniciativa privada, quando acionada pelas forças do mercado. É preciso não esquecer que a capacidade do mercado resulta do poder de produção da sua população e da distribuição que a economia dá à renda gerada. Numa economia em expansão, a atividade privada freqüentemente dispõe de condições monopolísticas que lhe asseguram uma situação privilegiada.: Algumas vêzes é a política tarifária que lhe assegura essa situação; Outras ocasiões é a própria procura, particularmente de produtos industrializados, que se diversifica com maior rapidez que a oferta, permitindo a esta - que é relativamente escassa - posição vantajosa.

As emprêsas que, por qualquer razão, se encontrem operando sob essas condições, , não se devem restringir a usufruir delas, simplesmente porque "os lucros são obtidos de qualquer forma". É preciso que se empenhem na melhoria de seus índices de produtividade, pois êstes representam, em última análise, a medida da eficiência da estrutura de produção. Finalmente, é preciso que não se esqueçam que, assim como os lucros são fundamentais para o processo de capitalização (quando são transformados em investimentos), a distribuição da renda na forma de ganhos justos pela participação do trabalho na atividade produtiva, além de ser fundamental para o próprio mercado, porque representa capacidade de compra, é, também, uma questão de justiça social.

  • 1
    (1) Essa relação entre produção e capacidade de compra do mercado foi chamada, por Myrdal, de "processo acumulativo". O economista e sociólogo sueco procurava demonstrar que o "ciclo vicioso da pobreza" a que se referira anteriormente Ragnar Nurkse não traduzia uma situação real, pois os¡ países subdesenvolvidos se encontram sempre num processo acumulativo que poderá ser positivo ou negativo. Vide Gunnar Myrdal, Teoria Econômica e Regiões Subdesenvolvidas, publicação do ISEB, Rio de Janeiro, 1960, págs. 26 e seguintes.
  • 2
    (2) É o caso dos Estados Unidos, por exemplo, em que a soma de importações e exportações baixou de 20, 8% da renda nacional em 1880 para 8, 0% em 1950. Vide W. S. Woytinrky e E. S. Woytinsky, World Commerce and Governments: Trends and Outlook, the Twentieth Century Fund, New York, 1955, pág. 62.
  • 3
    (3) Segundo Caio Prado Júnior, "a orientação da economia brasileira, orientada em produções regionais que se voltavam para o exterior, impedira a efetiva organização do país e o estabelecimento de uma estreita rêde de comunicações, que as condições naturais já tornavam por si muito difíceis. Os poucos milhões de habitantes espalhavam-se ao longo de um litoral de quase 6.000 quilômetros de extensão e sôbre uma área superior a 8 milhões de quilômetros quadrados, agrupando-se por isso em pequenos núcleos largamente apartados uns dos outros, e sem contactos apreciáveis." Vide Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil, Editora Brasiliense, 6.º edição, 1961, pág. 264.
  • 4
    (4) No caso brasileiro, por exemplo, a expansão do mercado interno experimentada na zona centro-sul criou condições para a articulação dêsse mercado, primeiro com a região sul-riograndense, depois com o nordeste e norte do país. Vide Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, Editora Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1.ª edição, 1959, pág. 273.
  • (8) Segundo Augusto Ramos, o trabalho do emigrante europeu empregado nas fazendas de café em São Paulo regia-se por um contrato de trabalho denominado "colonato", segundo o qual a remuneração dêsse trabalhador era fixada em função das diversas operações necessárias à cultura do café. Daí serem fixas as remunerações do colono. Augusto Ramos, A Intervenção do Estado na Lavoura Cafeeira, Edição Dep. Nacional do Café, Rio de Janeiro, 1934, pág. 506,
  • citado em Antônio Delfim Netto, O Problema do Café no Brasil, Ed. Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1959.
  • (9) Para uma análise das relações existentes entre o investimento e os limites do mercado vide Ragnar Nurkse, Problemas da Formação de Capitais nos Países Subdesenvolvidos, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1957, pág. 9.
  • (1
    ) Essa relação entre produção e capacidade de compra do mercado foi chamada, por Myrdal, de "processo acumulativo". O economista e sociólogo sueco procurava demonstrar que o "ciclo vicioso da pobreza" a que se referira anteriormente Ragnar Nurkse não traduzia uma situação real, pois os¡ países subdesenvolvidos se encontram sempre num processo acumulativo que poderá ser positivo ou negativo. Vide Gunnar Myrdal,
    Teoria Econômica e Regiões Subdesenvolvidas, publicação do ISEB, Rio de Janeiro, 1960, págs. 26 e seguintes.
  • (2
    ) É o caso dos Estados Unidos, por exemplo, em que a soma de importações e exportações baixou de 20, 8% da renda nacional em 1880 para 8, 0% em 1950. Vide W. S. Woytinrky e E. S. Woytinsky,
    World Commerce and Governments: Trends and Outlook, the Twentieth Century Fund, New York, 1955, pág. 62.
  • (3
    ) Segundo Caio Prado Júnior, "a orientação da economia brasileira, orientada em produções regionais que se voltavam para o exterior, impedira a efetiva organização do país e o estabelecimento de uma estreita rêde de comunicações, que as condições naturais já tornavam por si muito difíceis. Os poucos milhões de habitantes espalhavam-se ao longo de um litoral de quase 6.000 quilômetros de extensão e sôbre uma área superior a 8 milhões de quilômetros quadrados, agrupando-se por isso em pequenos núcleos largamente apartados uns dos outros, e sem contactos apreciáveis." Vide Caio Prado Júnior,
    História Econômica do Brasil, Editora Brasiliense, 6.º edição, 1961, pág. 264.
  • (4
    ) No caso brasileiro, por exemplo, a expansão do mercado interno experimentada na zona centro-sul criou condições para a articulação dêsse mercado, primeiro com a região sul-riograndense, depois com o nordeste e norte do país. Vide Celso Furtado,
    Formação Econômica do Brasil, Editora Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1.ª edição, 1959, pág. 273.
  • (5
    ) Vide Celso Furtado, op. cit., págs. 179 e seguintes.
  • (6
    ) Segundo C. Furtado, que baseou sua estimativa nas pesquisas de Roberto Simonsem, já ao final do século XVI o montante do capital investido em engenhos (capital fixo) girava ao redor de 1.800.000 libras esterlinas. A êsse montante somavam-se 375.000 libras investidas em escravos e outras 75.000 em animais de tração.
    Op. cit., pág. 57.
  • (7
    ) Nos últimos 25 anos do século passado, somente o Estado de São Paulo recebeu 800 mil emigrantes europeus. Para que se tenha idéia do significado dêsse algarismo, convém lembrar que, por ocasião da abolição da escravatura, girava em tôrno de 100 mil o número de escravos utilizados no setor cafeeiro.
  • (8
    ) Segundo Augusto Ramos, o trabalho do emigrante europeu empregado nas fazendas de café em São Paulo regia-se por um contrato de trabalho denominado "colonato", segundo o qual a remuneração dêsse trabalhador era fixada em função das diversas operações necessárias à cultura do café. Daí serem fixas as remunerações do colono. Augusto Ramos,
    A Intervenção do
    Estado na Lavoura Cafeeira, Edição Dep. Nacional do Café, Rio de Janeiro, 1934, pág. 506, citado em Antônio Delfim Netto,
    O Problema do Café no Brasil, Ed. Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1959.
  • (9
    ) Para uma análise das relações existentes entre o investimento e os limites do mercado vide Ragnar Nurkse,
    Problemas da Formação de Capitais nos Países Subdesenvolvidos, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1957, pág. 9.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1962
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