Acessibilidade / Reportar erro

Estudo sobre o proletariado brasileiro

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Estudo sobre o proletariado brasileiro

Volia Regina Costa Kato

Estudo sobre o Proletariado Brasileiro

Por M. Vinhas. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1970. 279 p.

São escassas as pesquisas a respeito da estrutura de classes no Brasil. Devemos a Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso e outros sociólogos, análises sobre o comportamento de classe na sociedade atual. Poderíamos incluir o livro de Maurício Vinhas nesta relação, apesar de um tratamento diferente e de seu enfoque restringir-se à classe proletária.

Num extenso levantamento empírico a respeito do assunto, o autor preocupa-se em caracterizar o proletariado brasileiro, baseando-se em pressupostos básicos, e salientando a análise marxista de classes.

Dentro deste ponto de vista, procura mostrar a inconsistência da idéia defendida por muitos sociólogos, economistas, teóricos políticos etc, de que o proletariado estaria perdendo sua importância na atual fase de desenvolvimento econômico, acrescentando, para tanto, informações novas e significativas.

Para ele, o proletariado abrangeria não só o operariado industrial urbano, mas todas as camadas sociais que, desprovidas dos meios de produção, vendem sua força de trabalho. Vale dizer, uma classe composta de operários, empregados e trabalhadores rurais e urbanos, ou sejam, assalariados dos setores primários, secundário e terciário. "Sua composição inclui assalariados: empregados, operários e trabalhadores do mundo rural; operários, empregados e trabalhadores da indústria, nos transportes e nas comunicações; empregados do comércio e das empresas creditícias; operários, empregados e trabalhadores dos diversos tipos de serviços; empregados domésticos, operários, empregados e trabalhadores dos serviços estatais; e pessoal do mundo técnico-científico e cultural."

Apesar de não aceitarmos um conceito assim abrangente, vejamos como o autor desenvolve a análise da estrutura e composição social de cada um destes setores:

O SETOR AGRÁRIO

O autor relaciona a estrutura de propriedade com as camadas sociais do meio rural e as conseqüências da penetração capitalista no sistema agrário. A estrutura agrária atual estaria afetada por uma situação dicotômica: por um lado existe a concentração de terras nas mãos de uns poucos latifundiários e, por outro lado, muitos minifúndios compostos de populações pobres e exploradas. Neste processo aparecem, então, as características antieconômicas e anti-sociais do latifúndio, onde áreas insignificantesdestinadas à lavoura, marcadas pela monocultura exportadora. Este processo de concentração de terras se faz com recursos não só nacionais, mas também estrangeiros.

Paralela à esta situação tradicional, processa-se a penetração crescente de elementos modernos na agricultura, manifestados pela diversificação da produção em maiores áreas, voltada para o mercado interno, a presença de assalariados e o emprego de meios mecânicos e químicos.

A estrutura de classes estaria ligada intrinsecamente a esta situação econômica:

a) latifundiários. Donos de grandes propriedades, mantendo relações de produção atrasadas, com poderes econômicos e extra-econômicos;

b) burguesia rural. Proprietários de terras, em geral entre 200 e 500 ha, onde predominam relações de produção capitalistas e uma policultura voltada para o mercado interno. Classe heterogênea, em estruturação e ascensão, conta com poder econômico e político, além de grande prestígio;

c) pequena burguesia rural. Constituída de indivíduos que exploram propriedades menores, das quais podem ser proprietários ou arrendatários. Caracteriza-se por um nível de renda mais baixo e por conflitos com os latifundiários, burguesia, investidor estrangeiro e com o poder constituído;

d) a nova camada média rural. Mais numerosa, mais explorada, com menores rendas, situa-se entre a burguesia rural e o minifúndio. Os indivíd uos desta categoria recorrem predominantemente ao trabalho familiar e geralmente não fazem uso de implementos agrícolas;

e) lavradores pobres. Proprietários de minifúndios (arrendatários, parceiros e assalariados rurais);

f) classe proletária rural. Constituída essencialmente de assalariados e outros trabalhadores que, não dispondo dos meios de produção, oferecem-se como força de trabalho. É o caso dos empregados "permanentes" e "temporários", uma parte dos administradores, agrônomos, veterinários e semi-assalariados.

O SETOR URBANO

Nesta parte, o autor destaca a importância do crescimento demográfico e urbano, acompanhado pelo desenvolvimento comercial e o incremento dos meios de transporte e comunicação, principalmente a partir do século XIX.

Em seguida, relaciona a ascensão do setor secundário, em detrimento do primário, onde a indústria funciona como molamestra do dinamismo do desenvolvimento capitalista, com o aumento demográfico, crescimento urbano e desenvolvimento do mercado interno. Devido à política inflacionária e outros fatores, dá-se um processo de proletarização de setores da classe média rural e urbana e uma ascensão de certos grupos nacionais e estrangeiros. Outro traço do nosso desenvolvimento industrial é a introdução da mecanização e automação e a crescente demanda de operários qualificados e pessoal técnico-científico.

As classes e camadas sociais aparecem inseridas neste panorama econômico:

a) classe burguesa urbana. Grupos oriundos da imigração, de comerciantes e de proprietários rurais, cuja camada superior estaria entrosada nos interesses estrangeiros e conservadores agrícolas e a camada inferior poderia ser identificada como nacional ou ligada aos interesses nacionais;

b) pequena burguesia urbana. De formação heterogênea, é composta de pequenos industriais, comerciantes, lojistas, assim como de certos grupos de profissionais liberais e certos funcionários públicos de escala mais elevada;

c) nova camada média urbana. Composta de assalariados e semi-I assalariados, ou seja, profissionais liberais, indivíduos com ocupações culturais-científicas e artesãos. Estaria em conflito com o investidor estrangeiro, o latifúndio, a classe burguesa e com o Estado;

d) proletariado. Vendendo sua força de trabalho, é formado por um vasto contingente de assalariados de todos os setores da economia, explorados e oprimidos, sendo por isso mesmo, uma classe revolucionária.

O exaustivo resumo sobre estrutura de classe foi feito porque, para o autor, existe uma ligação entre as classes descritas e a composição do proletariado, É somente após esta análise que podemos compreender sua crítica às teses daqueles que defendem a sociedade "sem classes". É assim que, combatendo a idéia de que o proletariado estaria perdendo sua importância na fase atual do capitalismo, demonstra:

a) o proletariado, sendo uma classe ainda em estruturação, sofre, conseqüentemente, os efeitos das

b) o processo de concentração do capital reverte-se na instalação de grandes estabelecimentos e concentrdção de mão-de-obra, sendo fator positivo para a estratificação desta classe;

c) existe um aumento acentuado da população economicamente ativa e conseqüente incremento da mão-de-obra assalariada nos diversos setores;

d) ocorre um processo de assalariamento de setores da pequena burguesia e camadas médias, que conduz estas categorias a uma proletarização e não a um aburguesamento;

e) como conseqüência, elevou-se o peso específico dos assalariados e semi-assalariados, no âmbito da população economicamente ativa;

f) ao contrário das previsões dos que defendem uma sociedade "integrada", manifesta-se uma tendência acentuada de crescimento da população assalariada e do proletariado como um todo. Sua importância cresce principalmente nos centros urbanos, do Centro-Sul;

g) portanto, o proletariado é uma classe em ascensão e em processo de sedimentação e estruturação.

Além destes aspectos salientados e que são fundamentais para o autor, existem outros elementos sobre o proletariado como, por exemplo, a proporção de jovens e mulheres no conjunto da mão-deobra assalariada e seus aspectos positivos e negativos para a estruturação da classe; a situação material e cultural do proletariado; algumas características do proletariado de São Paulo, Guanabara, Pernambuco e Minas Gerais etc.

Apesar de sua contribuição, M. Vinhas lança muitas afirmações sem conteúdo mais concreto, ò que nos leva a não compreender bem suas intenções. É assim, por exemplo, quando afirma a contradição ou identificação de interesses entre certos grupos sem fornecer-nos dados mais explícitos ou quando atribui a certas classes, a sua forma de ação social e política. Estas restrições, porém, não invalidam sua obra como um todo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1973
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br