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Greve dos sapateiros de 1906 no Rio de Janeiro notas de pesquisa

ARTIGOS

Greve dos sapateiros de 1906 no Rio de Janeiro notas de pesquisa* * Este trabalho se beneficiou enormemente do apoio e interesse do Prof. Edgard Carone, a quem sinceramente agradeço.

Maria Cecília Baeta Neves

Mestranda em Ciência Política no Instituto de Pesquisas do Rio de Janeiro e bolsista do Conselho Nacional de Pesquisas

1. Introdução

0 movimento sindical brasileiro tem sido muito pouco estudado, tanto por historiadores, quanto por sociólogos e cientistas políticos. Exceto alguns trabalhos de natureza ideológica como Socialismo e sindicalismo no Brasil, de Edgar Rodrigues, e alguns estudos clássicos como O sindicato único no Brasil, de Evaristo de Morais Filho, a literatura científica sobre sindicalismo e classe operária reduz-se, aproximadamente, a uma dezena de livros e 20 artigos. No mais, uma enorme quantidade de fontes primárias dispersas e, muitas vezes, de difícil acesso.

Considerando o sindicalismo fenômeno essencial ao conhecimento e estudo das relações entre as classes operária e empresarial e entre estas e o Estado, iniciamos uma pesquisa sobre a greve dos sapateiros que se estendeu de 28 de agosto a 16 de novembro de 1906, no Rio de Janeiro. Escolhemos este tema, porque trata-se de uma das primeiras greves gerais (de um só ofício), relativamente longa, verificada no Rio de Janeiro, sendo ademais bastante rica como objeto de análise, em função do debate travado a sua margem.

Este, portanto, é um estudo monográfico, sincrónico e, como tal, nos impõe uma série de limites, pois nos atém somente aos elementos que aparecem nas fontes estudadas. Assim, não nos preocuparemos nem com os antecedentes e conseqüências históricas da greve, nem com a elaboração de um modelo que explique o movimento sindical como um todo, naquele período. Pretendemos apenas analisar um caso concreto, procurando ganhar em profundidade o que perdemos em generalidade.

As fontes primárias consultadas foram basicamente o Jornal do Comércio e o Correio da Manhã. Escolhemos estes dois periódicos porque, sendo o Jornal do Comércio conservador, situacionista, lido pela elite agrária e industrial, pelos políticos e funcionários graduados, e o Correio da Manhã um jornal da oposição, simpatizante da "questão social" agitada pelos operários, nos pareceram fontes de certo modo representativas das forças sociais que constituem objeto de nosso estudo. Desses jornais, foram pesquisados todos os números entre 1.º de agosto de 1906 e 20 de novembro de 1906, inclusive, período no qual foram publicadas notícias sobre a greve.

Nossos projetos de acompanhar o movimento grevista através do jornal anarquista Novos Rumos tiveram que ser abandonados, porque deste periódico não encontramos um só exemplar. Da chamada imprensa operária conseguimos localizar apenas os números dos dias 17 de novembro, 1.º e 8 de dezembro de 1906, do jornal A Gazeta Operária, do qual extraímos alguns dados importantes.

Finalmente, fizemos uma pequena consulta ao Diário Oficial do dia 10 de outubro de 1906, porque nele haviam sido publicados os estatutos do Centro dos Industriais de Calçado e Classes Correlativas, órgão surgido em conseqüência da greve.

2. A indústria de calçados

A indústria de calçados do Rio de Janeiro é, em 1906, predominantemente artesanal. Dos 127 estabelecimentos industriais por nós computados, mais da metade é constituída de oficinas, que empregam aproximadamente 20 operários, tendo-se verificado a existência de apenas uma fábrica com mais de 100 operários. Já existe, entretanto, um processo de concentração de capital nas mãos de alguns industriais, que começam a mecanizar suas fábricas e a absorver aqueles que dependem de seu crédito.

Característico de uma época de transição é a nítida superposição e ambivalência no emprego das categorias, no discurso dos atores: o trabalhador é visto ora como operário, ora como artífice, ou mesmo como artista; o patrão, isto é, todo aquele que emprega mão-de-obra assalariada, é sempre encarado como industrial, mas sua unidade de produção pode ser indistintamente chamada de fábrica ou de oficina, embora muitas vezes o termo fábrica seja reservado às maiores unidades de produção.

A produção tem um caráter individual, na medida em que o operário trabalha a seu modo e com relativa independência dos outros trabalhadores. As ferramentas são utilizadas como extensão de si próprio, pois a produção depende diretamente de sua inteligência e qualificação profissional. Não existe qualquer forma de adequação das atividades humanas aos ritmos e movimentos do processo mecânico, própria da indústria moderna. O trabalho se dá "por processos paralelos e atomísticos de unidades individuais, e não como atividades interdependentes que precisam ser integradas num organismo, se quiserem funcionar".1 1 Dobb, Maurice. A evolução do capitalismo. Rio de Janeiro, Zahar, 1965. p. 318.

Apesar da relativa especialização da mão-deobra, a mecanização dá seus primeiros passos, o trabalhador das máquinas constituindo uma categoria específica ao lado de pespontadores, montadores, canadores, acabadores, chineleiros, empregados de corte, etc. Além do mais, permanecem relações de produção características da produção artesanal anterior e/ou contemporânea à Revolução Industrial do início do século XIX : são admitidos aprendizes na oficina ou fábrica, para que estes aprendam o ofício; o contra-mesfre é o elemento de mediação entre patrão e empregado; o trabalho caseiro é largamente utilizado, existindo inclusive algumas especializações, como o pesponto e as obras viradas, que por sua natureza são quase sempre manufaturadas fora da oficina. A mão-de-obra domiciliar é constituída basicamente de mulheres, artesãos mais idosos, adolescentes e crianças. Não encontramos, aliás, quaisquer referências a mulheres que trabalhassem em oficinas ou em fábricas, mas sim evidências de que isso, se acontecia, não era fato corriqueiro: "querem os sapateiros que as mulheres de uma família se apresentem na oficina, deixando a casa entregue às crianças?"2 2 Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 17 de setembro de 1906.

Característico também de uma época de transição para a sociedade de mercado é o fato da separação entre capital e trabalho não estar definitivamente feita. Como a mecanização apenas começava a ser introduzida e a indústria de calçados requeria u'a mão-de-obra altamente especializada, os "artesãos" que nela trabalhavam, embora assalariados, eram donos de seus instrumentos de produção, como se pode claramente deduzir da nota seguinte, publicada em todos os jornais da cidade, pelos industriais: "... os operários que houverem faltado aos trabalhos por motivo da "greve" e nela persistirem deverão retirar das fábricas e oficinas os bancos e ferramentas que lhes pertencem até o dia..." Além do mais, freqüentemente os operários forneciam, também, parte da matéria-prima. Por exemplo, os aviamentos, isto é, a linha e a agulha, corriam por conta da pespontadora ou pespontador que trabalhava em casa.

As pressões visando a reduzir os custos da produção, e conseqüentemente o aumento do lucro através da compressão salarial, eram muito fortes. Os acordos salariais entre patrões e empregados não eram respeitados; impunham-se salários muito mais baixos do que os previstos nas tabelas aos operários que trabalhavam em casa; pagavam-se quantias irrisórias pelo trabalho da mulher, e menos ainda pelo do menor. A ocorrência e relevância dessas pressões podem ser vistas claramente através dos documentos contemporâneos: "... muitas tabelas têm sido por nós (operários) apresentadas e pelos mesmos senhores (industriais) aceitas e firmadas... e no entanto todas ficam sem efeito!"3 3 Idem, 13 de setembro de 1906. "Há ... certas obras de pesponto, geralmente feitas por moças, e pagas a 3$ por dúzia, que estragam o organismo mais forte, e rara é a operária que se conserva sem interrupção no trabalho durante três anos. Há patrões que têm coragem de estabelecer as bancas de palmilhado, só ocupadas por crianças, sob regime de correiadas, ganhando cada aprendiz, durante um ano ou mais tempo, de 300 a 500 réis".4 4 Idem, 11 de outubro de 1906.

A exploração do trabalho do menor está, por outro lado, intimamente relacionada à introdução de maquinaria nas oficinas. Para trabalhar nas máquinas o operário não precisava ser um sapateiro - bastava conhecer a máquina. Algumas fábricas passaram a substituir, então, empregados adultos, ganhando 6$ diários, por crianças de 12 a 13 anos, que trabalhavam nove horas por dia para ganhar apenas 1$ ou 1$500 - tendência que começou a se generalizar com a freqüência das greves.

As condições de vida e de trabalho do operariado não podiam ser piores. "... foi dito pelos industriais que os cadernos demonstrariam com facilidade que muitos operários obtêm por semana férias de 50$ e 60$000. O que eles não expuseram foi a tristíssima situação a que fica reduzida toda uma família para conseguir essas ou outras elevadas férias semanais. Olhai... para uma habitação de sapateiros. Em geral é ela colocada em uma rua de mísero aspecto ou em afastado subúrbio, quando não consiste em mesquinho cômodo em uma dessas enormes colmeias que tanto mal causam à higiene social. Ali, naquele espaço estreito e mal alumiado, mourejam cinco ou seis pessoas; só se consentindo inatividade às crianças menores de cinco ou seis anos. Os demais trabalham, vendo-se o velho operário de 50 ou 60 anos ao lado da pespontadora de 12 ou 14 e do aprendiz de 10 anos. O levantar da cama é pela madrugada.... E todos, à porfia, atiram-se à labuta, desde 5 ou 6 horas da manhã. Nem sempre a tarefa profissional, a dura escravidão da máquina, concede à dona da casa o tempo necessário para cuidar dos arranjos domésticos e dos filhos menores. O serviço perturba, assim, a alimentação das crianças, o zelo pelo corpo e pela saúde... No sábado, havendo labutado incessantemente... se descansa afinal, alta noite; e então, é bem possível aparecer no caderno uma soma de féria na importância de 60$ ou mais..."5 5 ld. ibid.

A tudo isto, acrescentavam-se as vicissitudes do desenvolvimento do processo industrial. Dependei te de capitais gerados pela agricultura de exportação, a industrialização brasileira se deu por fases que correspondiam a maior ou menor valorização dos produtos agrícolas no mercado internacional. A inexistência de um genuíno processo de acumulação, a instabilidade do mercado industrial, os problemas advindos da concorrência estrangeira afetavam diretamente as relações de trabalho. Resistindo por exemplo ao aumento salarial proposto pelos grevistas, os industriais argumentavam que a indústria de calçados não poderia suportar salários mais altos, pois com a elevação dos custos do processo produtivo não poderiam lutar contra o similar estrangeiro que "penetra à sombra de tarifas benevolentes". A dificuldade de colocação dos produtos manufaturados num mercado interno demasiadamente restrito também pode ser vista pela leitura dos jornais da época: "os industriais muitas vezes não têm necessidade de fabrico, porque suas prateleiras estão cheias de obras que não têm saída..." 6 6 Idem, 15 de setembro de 1906.

Para enfrentar a concorrência estrangeira, para superar a insuficiência do capital, era preciso diminuir o custo da produção, o que está intimamente ligado à compressão salarial, analisada anteriormente. Por outro lado, a instabilidade do desenvolvimento da indústria tinha efeitos diretos sobre a vida do operário, que de uma hora para outra podia se ver sem trabalho: "mas os senhores industriais... sabem que não ganhamos esses fabulosos ordenados... pois não quiseram dizer que na maioria das vezes estamos - como se diz - às moscas; pois não podem negar que o nosso trabalho é de épocas... "7 7 Idem, 13 de setembro de 1906. ou então: "Junte-se a essas verídicas e insofismáveis observações a consideração de não ser cerío, garantido diariamente o trabalho do sapateiro, podendo diminuir a quantidade da sua tarefa, por muitas causas estranhas a sua vontade - e ter-se-á elementos para bem ajuizar qual pode ser, no fim de um ano ou de um mês, o produto de tamanhos e tão cuidadosos esforços".8 8 Idem, 10 de outubro de 1906.

A baixa capitalização e o grau incipiente da concentração da indústria de calçados no Rio de Janeiro não permitem aos industriais a formulação de uma política agressiva de defesa de seus interesses. A possibilidade de uma organização duradoura e da adoção de políticas a longo prazo eram dados do futuro e não, realidade contemporânea. Para defender seus interesses, os industriais de calçado contavam apenas com a Associação Comercial, órgão que lutava conjuntamente pelas reivindicações de comerciantes e industriais (que, no entanto, eram muitas vezes contraditórias) e servia de mediador entre estes grupos e o Estado. Suas tentativas, até então abortadas, de organização independente haviam sido feitas visando resistir aos movimentos grevistas dos trabalhadores, e esmoreciam quando a razão que as determinara desaparecia. Assim, com a greve dos sapateiros de 1906, nasceu o Centro dos Industriais de Calçado e Classes Correlativas, que analisaremos posteriormente.

Acomodados à situação político-econômica existente, os industriais de calçado não reivindicam mais do que uma posição secundária em relação ao pólo dinâmico da estrutura social vigente, ou seja, o setor agrário. Referindo-se, por exemplo, ao baixo nível salarial do operário, assim se exprimiu um porta-voz dos industriais: "Neste país, onde só duas indústrias odiosamente privilegiadas (tecidos e fósforos) conseguem resultados financeiros, pode ser vantajosa a posição do operário?"9 9 Idem, 14 de setembro de 1906. - e poderíamos acrescentar: do industrial? - pois a idéia subjacente a esta questão é a de que se a agricultura está em crise, que dizer da indústria? Para fazer frente a esta situação de crise, não encontramos referências a qualquer programa concreto, mas encontramos trechos que, como este, são mais uma afirmação conformista do que um protesto: "Numa fábrica de calçados o industrial tem o seu capital e o seu trabalho. Hoje em dia dá-se ele por muito feliz se tira os recursos para a sua subsistência do trabalho próprio. O capital, esse não dá de si coisa muito apreciável".10 10 Idem, 15 de setembro de 1906. Além do mais, desorganizados politicamente, os industriais de calçado só conseguem lamentar a política de tarifas baixas (ditada pelos interesses agrários) que permite a entrada de similares estrangeiros com os quais não podem competir.

Afirmando que "o poder público há de acordar um dia", os industriais pedem a repressão do movimento grevista, sem, no entanto, consegui-la, pelo menos com a intensidade que desejavam. "Temos pedido, sim, por nossos direitos... Temos pedido pela nossa propriedade... Não inventamos coisa estranha. Aí vai o que está passando no Rio Grande do Sul". 11 11 Idem, 11 de outubro de 1906. Transcrevem então um telegrama de Porto Alegre, noticiando a repressão violenta de uma greve, numa insinuação clara de que o chefe de polícia do Rio de Janeiro estava agindo como devia. O mesmo pode ser deduzido de uma mensagem dirigida, agora, ao Presidente da República: "Queira o Sr. Presidente da República ler os jornais... Vê o Sr. Presidente da República que os industriais não têm manejado a menor violência... Apenas exigem que se respeitem os direitos de sua propriedade... Não será possível obter isso na capital da República? Fazendo esta exposição dos fatos, deixamos aqui a expressão da nossa confiança no ânimo do ilustre Sr. Presidente da República".12 12 Idem, 10 de outubro de 1906.

A posição fria e distante do Estado e dos poderes públicos em relação à questão trabalhista agitada pelos industriais só pode ser explicada pela inexpressividade da indústria de calçados para a economia nacional, e mesmo estadual, o que, logicamente, limita a margem de atuação política dos industriais, que não dispunham de meios políticoadministrativos para enfrentar as tensões geradas pela industrialização.

A estrutura da indústria de calçados também limita a ação dos trabalhadores, na medida em que a produção artesanal e domiciliar enfraquecem o movimento operário. A posse de uma técnica manual mais desenvolvida é o suficiente para assegurar a possibilidade de ascensão social, permitindo que o individualismo do artesão e mestre, com pretensões a se transformar num pequeno empregador, se torne um obstáculo sério ao sindicalismo. Durante a greve que estamos analisando, parecem ter sido freqüentes os atentados aos mestres e contramestres, identificados com os interesses do patrão. No dia 7 de setembro, por exemplo, é noticiada uma tentativa de assassinato do mestre da fábrica Condor, por não ter aderido à greve com os demais empregados.

Entretanto, a dispersão da mão-de-obra, agravada pela permanência do trabalho caseiro, constituiu talvez o maior empecilho à organização do operariado. Trabalhando isoladamente, atomizado, o trabalhador domiciliar não se interessava pelo sindicato. Além do mais, desorganizado e sem poder de barganha, aceitava trabalhar por muito menos do que os operários regularmente empregados nas oficinas. Estes, sem trabalho, acabavam por ceder, fazendo com que as tabelas salariais nunca fossem respeitadas. "... Um dos meios mais eficazes para a não execução das tabelas era o trabalho para fora, pois... dava-se a entender aos operários que havia pouco trabalho até para os que estavam (na oficina); que os preços da mão-de-obra estavam puxadinhos na tabela, mas que se eles quisessem trabalhar por menos (por fora), então teriam trabalho, o quanto pudessem fazer.13 13 Idem, 13 de setembro de 1906.

A relevância do problema pode ser abalizada pela freqüência com que se desenrolavam cenas como esta: "Às 9 horas horas da manhã de ontem, em plena praça da cidade, na parte entre a ponte das barcas de Niterói e a Secretaria da Viação, um grupo de grevistas atacou o operário... que trazia dessa cidade dois volumes de obra. Foi esta apreendida e queimada. Lá estão 50 a 60 pares de botinas reduzidos a torresmos".14 14 Idem, 10 de outubro de 1906.

Representados, no entanto, pela União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros, os trabalhadores apresentavam um grau de organização muito superior ao dos industriais, como procuraremos demonstrar pela análise subseqüente das formas de organização das classes industrial e trabalhadora. Isto talvez possa ser explicado pela elevada taxa de estrangeiros existente no seio do operariado brasileiro, fruto da política imigratória do Estado, e pelo movimento operário nacional que crescia e se fortalecia nas principais cidades do país.

"Os imigrantes vinham imbuídos de idéias e, mais do que isso, de técnicas desenvolvidas simultaneamente, na época fértil do industrialismo europeu... agitando não só os meios operários mas, direta e indiretamente, os meios intelectuais de classe média, sobretudo jornalistas, estudantes, alguns setores do funcionalismo e mesmo dos meios militares."15 15 Rodrigues, José Albertino. Sindicato e desenvolvimento no Brasil. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1968. p. 32.

Apesar de não termos dados a respeito da percentagem de estrangeiros existentes entre os sapateiros, pudemos observar sua presença pelas referências ocasionais a trabalhadores portugueses e italianos e pelos sobrenomes estrangeiros como: Rossi, Lantancio, Noro, Cocharale, Scola, Casa Motes etc. de sapateiros citados nos jornais por nós pesquisados.

Do I Congresso Operário Brasileiro, realizado de 15 a 20 de abril de 1906 no Rio de Janeiro, participaram organizações do Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará, Pernambuco, Bahia, Alagoas, Estado do Rio, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A delegação do Rio de Janeiro contava com representantes de 23 sindicatos, entre os quais a União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros. A organização dos sapateiros num órgão de classe atuante não é, portanto, fenômeno isolado. Sabemos, por exemplo, que durante a greve os sapateiros receberam apoio de diversos sindicatos do Rio de Janeiro e se corresponderam com entidades de outros estados. Assim podemos levantar a hipótese de que a politização decorrente da militância de operários estrangeiros e a solidariedade existente entre as organizações operárias do Rio de Janeiro contribuíram para contrabalançar s limites impostos aos sapateiros pela produção artesanal e domiciliar.

É preciso, no entanto, não superestimar o papel do trabalhador estrangeiro. Somente na medida em que tenha havido uma redefinição social das experiências individuais dos emigrados em função da nova realidade econômico-social na qual estavam inseridos, é que sua prática política pode ser considerada positiva. Além do mais, como o próprio ato de emigrar traduz, em geral, expectativas polarizadas no sentido da ascensão social, muitos europeus devem ter-se mantido alheios à luta sindical, esforçando-se para enriquecer e muitas vezes voltar ao país natal. O grande número de pequenas unidades de produção e de nomes estrangeiros entre os industriais de calçado (Seves, Gambero, Cortez, Baldessarini, Catriz, Spier, Robalinho, Peres, Lassinesta etc.) parece indicar que a ascensão econômico-social não era, para os sapateiros do Rio de Janeiro, um eldorado muito difícil de ser conquistado.

3. Formas de organização das classes industrial e trabalhadora

3.1 O CENTRO DOS INDUSTRIAIS DE CALÇADO E CLASSES CORRELATIVAS

Ao estourar a greve dos sapateiros a 28 de agosto de 1906, os industriais de calçado do Rio de Ja neiro não estavam organizados num órgão de classe. Assim, no dia 7 de setembro, os industriais da fábrica de calçados Condor procuraram a Associação Comercial e pediram que esta interviesse junto aos poderes públicos a fim de conseguir garantias contra os sapateiros em parede. Mais tarde, com a persistência da greve, fundou-se o Centro dos Industriais de Calçado e Classes Correlativas "o terceiro que se forma por ocasiões de greves".16 16 Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1906.

Este seria portanto um órgão de vida intermiten te: nascia com as greves e desaparecia com a solução das mesmas. Fundado como resposta ime diata à luta econômica dos trabalhadores, o Centro dos Industriais tinha como objetivo "o congrassamento das diversas classes congêneres, que dela farão parte, e a defesa, em qualquer emergência e perante qualquer autoridade, dos interesses da indústria e profissão exercida pelos seus membros".17 17 Diário Oficial, ano 45, n. 235, 10 de outubro de 1906. O caráter imediatista dos seus objetivos pode ser visto pela análise de alguns artigos de seus estatutos:

Art. 4.º - A associação organizará um arquivo dos cadastros que se tornarem necessários, a juízo de sua diretoria.

Comentando o artigo correspondente dos estatutos do Centro fundado por ocasião da greve de 1903 (a associação organizará um escritório de informações, com seu arquivo especial e os cadastros que julgar necessários) pergunta Evaristo de Morais, advogado da União dos Sapateiros, num artigo escrito pela União, no Jornal do Comércio do dia 13 de outubro: "a respeito de quem seriam prestadas informações pela polícia secreta industrial?... O espírito menos arguto percebe que só operários independentes seriam objeto de tais prejuízos e só para eles se estabelecera o registro". De fato, este artigo visava a impedir que "os elementos perturbadores que são, na classe, atualmente, de incomparável importância... agitem por agitar... e que por mais fortemente repelidos que sejam pela maioria, não deixam de conquistar espíritos menos capazes de resistência".18 18 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 9 de setembro de 1906.

Art. 14 - No caso de paredes parciais em uma ou mais fábricas de calçado, os colegas co-associados se obrigam a prestar-lhes todo o auxílio, inclusive fornecer os operários de que eles careçam para acorrer às exigências do fabrico, ou a suspender o trabalho em suas fábricas, se os operários se recusarem a substituir os que se tiverem declarado em parede.

Parágrafo único - Para os efeitos deste artigo, precederá convocação imediata de assembléia geral, para tomar conhecimento do motivo que determinou a greve e resolver sobre as medidas a tomar, incidindo a sua deliberação no disposto no art. 11, § 5.º.

Art. 11 - § 5.º - Incorrerá na multa de 5$000 o associado que faltar ao cumprimento de qualquer deliberação, aprovada em assembléia geral extraordinária por dois terços dos membros presentes.

Os sapateiros reagiram violentamente a esta medida que visava claramente a enfraquecer e dividir seu movimento reivindicativo: a) procurando evitar que as fábricas fossem paralisadas pela greve, minando a solidariedade existente entre os operários, ao deixar sem trabalho aquele que se recusasse a substituir um grevista; b) o grito de alarma foi dado por um libelo publicado no Corre/o da Manhã: "Greve dos sapateiros. O art. 14 moderno. Os paladinos da liberdade operária. Graças a Deus! Descobriram-se finalmente as nobres intenções dos nossos protetores. Quem leu o Diário Oficial de ontem? Pois quem não leu, leia". Cita então o art. 14 e comenta: "De forma que o operário sapateiro passa a ser uma coisa que se empresta a um vizinho? ... Mas por que é que os sapateiros fazem greve? Por que não lhes pagam o preço combinado? ... Mirem-se neste espelho os tais operários livres, porque quem não.vai na onda são...

Os ex-escravos."19 19 Idem, 11 de outubro de 1906.

Uma análise mais fria e cuidadosa foi publicada depois, pela União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros no Jornal do Comércio: "De uma parte, este dispositivo dos Estatutos do novo 'Centro' implica a escravização dos trabalhadores, ou, pelo menos, pressupõe que ela se pode estabelecer, conferindo aos patrões o direito de mandarem os salariados para oficinas em que outros trabalhadores hajam declarado greve. Em tal situação seria o operário como um escravo, sem vontade própria, condenado à defesa dos interesses contrários, obrigado a abandonar e a combater seus companheiros em luta. ... De outra parte, os industriais cujos operários tivessem a necessária dignidade para se recusarem à substituição dos companheiros em greve, seriam castigados com a obrigação de fechar suas fábricas (sob pena da multa de 5:000$...".20 20 Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1906.

A tática de luta dos industriais visava basicamente a conquistar a opinião pública e a simpatia da polícia, e dividir os operários, criando antagonismos que tornassem a manutenção da greve impossível. Para tanto desenvolveram uma intensa campanha jornalística em torno dos seguintes pontos:

a) atacar as reivindicações descabidas dos sapateiros;

b) caracterizar a greve como violenta;

c) defender os interesses dos operários prejudicados pela greve (trabalhadores domiciliares);

d) pedir enfaticamente, mas de um modo um tanto velado, a repressão da greve. Além disso, ameaçaram despedir definitivamente todos os grevistas, falaram em interromper temporariamente suas atividades (o que atingiria os operários que não haviam aderido à greve) e procuraram subornar os soldados que guardavam suas fábricas, fato que foi denunciado pelo Corre/o da Manhã... "os soldados se alimentam, na sua maioria, nas fábricas à sua guarda, sentando-se à mesa dos industriais. Para tais fatos chamamos a atenção... a fim de não suceder o que se deu outrora, quando uns industriais disseram à polícia que muito e muitos contos lhes havia custado a regressão de uma greve".21 21 Correio da Manhã, 6 de outubro de 1906.

O Centro dos Industriais de Calçado e Classes Correlativas, todavia, não tem condições para implementar uma política de resistência sequer a curto prazo. Fundado a 14 de setembro de 1906, cinco dias depois já enunciava asperamente a covardia da classe: "A o que se diz, há hoje em dia uma fábrica sob a gerência da União dos Sapateiros. É de se crer que estejam satisfeitas as duas partes; os que se agacharam e os que cavalgaram".22 22 Jornal do Comércio, 19 de setembro de 1906. Além do mais, formado a poder de medidas coercitivas e controlado pelos grandes industriais, não consegue manter-se coeso - enfrenta a oposição dos pequenos industriais. As dissensões internas aumentam com o arrastar da greve e começam a transbordar pelos jornais: "Meus companheiros andam errados, mais errados do que os próprios sapateiros... Eu, se não fosse a coação em que me encontro no Centro, já teria desde muito proposto outro acordo sério, e nas minhas condições estão muitos colegas. O colega Eduardo Baldessarini deu o fora porque sentiu que ali dentro do nosso Centro há verdadeira tirania da opinião de uns tantos que só cuidam das suas fábricas".23 23 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 21 de outubro de 1906. , As relações de poder dentro do Centro e o conflito de interesses entre as pequenas oficinas e as fábricas de maior capital e mão-de-obra são claramente explicitados neste artigo publicado no Corre/o da Manhã, no dia 24 de outubro de 1906 por "um industrial pequeno aos seus iguais: Lamento seriamente que até hoje não tenhamos visto o único fim do Centro para conosco, os pequenos fabricantes. Não sabeis que já antes de todas as 'greves', os grandes industriais faziam ver aos próprios operários a necessidade do desaparecimento dos pequenos fabricantes? Pois como os operários não deram atenção a isso... são os próprios grandes industriais que querem aniquilar-nos, e como? Pela 'greve'! Pois não vedes os meios de que se têm servido para nos impedir de trabalhar? Caçam-nos os créditos e outras perseguições... e nós resistindo... Mas, amanhã, quando eles mesmos forem obrigados a trabalhar, o que será de nós? Eles em pouco tempo reaverão os seus prejuízos, mas alguns de nós teremos infalivelmente de fechar as portas, porque se contais com o auxílio de colegas para lhes fazerdes concorrência na venda, estais enganados. E assim seremos liquidados e, o que é mais triste, - por nós mesmos - que por um capricho mal entendido não queremos abrir os olhos à verdade. Vale mais tarde do que nunca, é melhor prevenir do que remediar!... - Madrileno".

Assim, "o acordo dos industriais de calçado, grandes fábricas e pequenas oficinas, no movimento de defesa comum, com o amparo da briosa classe dos negociantes de couro, também interessados nos problemas fabris da indústria de calçado"24 24 Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1906. é apenas a imagem idealizada de um acordo fictício. O Centro é o resultado da liderança de alguns grandes industriais que, apoiados pelos comerciantes de couro, forçam a adesão daqueles que dependem de seu crédito. Os grandes industriais não têm força, no entanto, dado o grau ainda muito baixo de concentração, para enfrentar a concorrência que lhes fazem duas ou quatro fábricas e a maioria das pequenas oficinas, que paulatinamente haviam aceitado as reivindicações dos sapateiros e reiniciado os trabalhos. Como não possuem, também, junto aos poderes públicos, grande poder de pressão, não conseguem impor uma política de repressão violenta ao movimento grevista, acabando por capitular depois de dois meses e 19 dias de resistência.

3.2 A UNIÃO AUXILIADORA DOS ARTISTAS SAPATEIROS

A descontinuidade que, como vimos, marca o desenvolvimento do Centro dos Industriais de Calçado também parece ter sido uma característica comum às entidades sindicais operárias até aproximadamente 1930. Isto porque o desenvolvimento industrial brasileiro neste período é muito instável, sendo constante a ocorrência de crises sérias que limitam o crescimento do operariado urbano: pelo recenseamento do Rio de Janeiro, de 1906, numa população de 811.443 habitantes, apenas 118.770 são operários.25 25 Carone, Edgard. A República Velha - instituições e classes sociais. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1970. p. 189. É preciso entretanto olhar estes dados com certo cuidado; nesses 118.770 operários, provavelmente, estão incluídos artesãos, trabalhadores domiciliares, empregados em restaurantes etc. Além do mais, fruto das sérias resistências estatais ao sindicalismo operário, a repressão policial é constante, o que reflete a rigidez do sistema institucional de poder que "negava aos operários qualquer possibilidade de definir interesses autônomos e de agir ou reagir diante dos problemas seus ou nacionais".26 26 Cardoso, Fernando Henrique. O proletariado brasileiro - situação e comportamento social. Sociologie du Travail, n. 4, 1961.

Apesar destes fatores que atingem o movimento operário como um todo, débilitando-o, a União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros apresenta um grau de organização superior ao dos industriais. Fundada em 1899, tinha 1.248 sócios em 1903,27 27 Barbosa, Luiz, Serviços de assistência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Tipografia Luzeiro, 1908. Apêndice estatístico. ano em que dirigiu uma greve por aumentos salariais. De 1903 a 1906, manteve-se viva e atuante, constituindo o único canal de participação significativa na vida social e política, aberto aos trabalhadores. Assim é à União que os sapateiros se dirigem para conseguir auxílio material (ajuda mútua), em casos de necessidade;28 28 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 1,º de setembro de 1906. é à União que levam suas queixas e reivindicações, em vista do não cumprimento, pelos industriais, do acordo salarial de 1903; e é a União que prepara, articula e dirige o movimento grevista que é o nosso objetivo de análise.

Refletindo o caráter artesanal da indústria de calçados, a União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros obedece ao princípio da arregimentação por ofício: é um sindicato profissionalmente diferenciado do qual participam apenas operários de uma mesma atividade econômica (ofício). Embora não tenhamos dados específicos a respeito do corpo de associados da União, é possível determinar sua composição com certo rigor, a partir das reivindicações específicas dos sapateiros e da polêmica que se desenvolve paralelamente à greve.

A maioria dos operários sindicalizados trabalham como assalariados em oficinas ou fábricas. Destes, número significativo é constituído por operários mensalistas, como fica evidenciado por essa crítica feita pelos sapateiros a uma das tabelas salariais proposta pelos industriais. - "O plano de não incluir na tabela os empregados de mês tendia a diminuir o prestígio da União, à qual pertenciam muitos dessa seção, causando a cisão na classe e estabelecendo odiosas distinções".29 29 Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1906. Como os trabalhadores mais especializados (montadores, canadores, acabadores etc.) eram, de modo geral, empreiteiros, isto é, recebiam pelo número de obras (peças) realizadas, podemos levantar a hipótese de que a mão-de-obra mensalista era constituída principalmente de operários menos qualificados, como por exemplo os trabalhadores das máquinas e os cortadores. Estes, facilmente substituídos, estavam muito mais à mercê dos industriais do que os artesãos mais especializados, voltando-se, portanto, com maior intensidade para atividade sindical como forma de luta e defesa de seus interesses. (A atitude dos industriais parece reforçar nossa hipótese: logo no dia 5 de setembro decidem dispensar os empregados de corte e máquinas que se mantivessem em greve, mas só no dia 18 tomam medidas semelhantes contra os operários mais especializados).

O foco de resistência à sindicalização está entre os trabalhadores domiciliares. Dispersos, desorganizados, trabalham por salários aviltantes, tornando-se terríveis concorrentes da mão-de-obra regularmente empregada e sindicalizada, e anulando as possibilidades do sindicato vir a regulamentar e normalizar as relações entre patrões e empregados. A gravidade do problema é claramente revelada pelas reivindicações dos grevistas: o art. 3.º do regulamento que acompanha a tabela salarial exigida pelos sapateiros proíbe que os industriais mantenham entre seu pessoal operários que trabalhem fora da oficina.

Isto não quer dizer, no entanto, que todos os trabalhadores das fábricas pertençam à União e que todos os operários domiciliares lhe sejam hostis. Os grevistas conseguem, por exemplo, a adesão dos trabalhadores domiciliares residentes em Niterói, e têm que lutar contra a resistência de alguns operários regularmente empregados nas fábricas e oficinas, liderados, em geral, por mestres ou contra-mestres. Como entidade de classe, a União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros também parece ser mais representativa que o Centro dos Industriais de Calçado e Classes Correlativas. Embora não arregimente todos os sapateiros, consegue paralisar praticamente todas as indústrias de calçado da cidade: em carta à Associação Comercial os industriais declararam, por exemplo, que a fábrica Condor era a única que ainda permanecia em atividade, estando os trabalhos interrompidos em todos os estabelecimentos congêneres.30 30 Idem, 7 de setembro de 1906. Isto parece indicar que quase todos os operários regularmente empregados nas oficinas e fábricas eram sindicalizados ou apoiavam a política da União. Durante a greve, uma assembléia marcada para comemorar a "grande união de toda a classe" contou com a presença de 3.115 associados quites,31 31 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 27 de setembro de 1906. o que para a época é uma cifra bastante alta, mesmo levando-se em conta que em períodos de greve o número de sócios dos sindicatos tende a aumentar.

O período histórico compreendido pelas duas primeiras décadas do século XX e caracterizado por todos quantos estudaram o movimento operário brasileiro como predominantemente anarquista, sendo os sapateiros freqüentemente destacados como categoria profissional profundamente dominada pelo anarquismo. "Um lugar semelhante (ao dos gráficos) era ocupado pelos sapateiros, devido, igualmente, a um nível de qualificação acima da média dos operários da época. Nesse setor, igualmente politizado, sobressaía justamente um considerável número de imigrantes italianos e espanhóis, justamente os que se notabilizaram, com os portugueses em menor escala, como os maiores propagandistas de anarquismo".32 32 Rodrigues, José Albertino, op. cit. p. 36.

Caraterizar a União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros segundo sua filiação ideológica nos parecia uma tarefa quase impossível, quando apenas dispúnhamos de dados relativos a uma greve por ela dirigida. No entanto, depois de juntar todas as peças do quebra-cabeça e comparar as mais diversas notícias publicadas pelos dois jornais pesquisados, durante o período da greve, conseguimos encontrar elementos que nos permitem afirmar que a União não é um sindicato anarquista, nem do ponto de vista de sua organização interna, nem quanto aos objetivos finais de sua prática efetiva.

Uma das principais características do sindicato anarquista é a flexibilidade de sua estrutura interna, ou seja, a inexistência de estruturas hierárquicas rígidas. "Considerando que a ação operária constante, maleável e pronta, sujeita às diversas condições de tempo e lugar, seria grandemente embaraçada por sua centralização;... o Primeiro Congresso Operário considera como único método de organização compatível com o irreprimível espírito de liberdade e com as imperiosas necessidades de ação e educação operária, o método - Federação - da mais larga autonomia do indivíduo no Sindicato, do Sindicato na Federação e da Federação na Confederação, e como unicamente admissíveis simples delegações de função sem autoridade, e delibera..." "Considerando que o Sindicato é a coesão de operários que se unem para a ação contra o capital; que, portanto, essa ação deve ser de todos, pois, do contrário, seria insubsistente; e que as delegações do poder ou mando levam os operários à obediência passiva e prejudicial nas lutas operárias; o I Congresso Operário Brasileiro aconselha os sindicatos a procurarem substituir as suas diretorias por simples comissões administrativas unicamente com delegação de funções."33 33 Documentos do Movimento Operário, Resoluções do I Congresso Operário Brasileiro. Estudos Sociais, n. 16, p. 387-97, 1963.

A estrutura sindical preconizada pelos anarquistas é a expressão de uma visão de mando individualista e igualitária. Sua prática, justamente porque a ação individual não pode ser apagada ou dirigida por uma liderança ativa, é marcada pelo espontaneísmo: a existência de uma diretoria, de uma vanguarda, "impediria o desenvolvimento da iniciativa e da capacidade do operariado se emancipar", levando os trabalhadores "à obediência passiva e prejudicial para a luta dos trabalhadores". A União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros afasta-se bastante deste modelo - é muito mais centralizada do que os anarquistas considerariam legítimo. O sindicato é presidido por um Conselho Administrativo, que apesar da denominação de caráter nitidamente anarquista, tem um campo de atuação muito mais amplo que o das comissões administrativas previstas pelos anarco-sindicalistas.

No dia 13 de setembro, os sapateiros publicam um artigo em nome da "classe", no qual expõem claramente o papel do sindicato e de sua diretoria, a fim de rebater acusações, de que a greve era imposta por um pequeno grupo representado pela União: começam afirmando que a tabela de preços contendo os aumentos salariais exigidos fora apresentada por uma classe unida, isto é, por um sindicato em trabalho, que assume, assim, a responsabilidade de um contrato comercial. A vigilância deste só pode ser feita pelos operários unidos em sindicato "pois é a quem esse contrato, essa responsabilidade assumida, interessa diretamente". Se os industriais o infringem, perguntam, "quem intervém? Os operários em massa? Um só isoladamente? Não, seria incoerente". A primeira alternctiva apenas causaria confusão e balbúrdia, a segunda seria totalmente ineficaz, fazendo (ambas) com que fossem facilmente subjugados. Concluem, então:

"Homens que entenderam ser preciso unirem-se para conseguir um fim, viram também que necessitam entre si alguém que, representando o seu todo, ouça as suas vontades e as exponha a quem deve, e é assim que não povo sem governo, casa sem chefe, nem sociedade, centro, grêmio ou união sem uma diretoria. A diretoria tem o dever de manter a boa ordem dos seus dirigidos, ouvir-lhes as vontades, escutar suas opiniões, esclarecer pontos obscuros, tornando-se centro ou coração da classe que representa".34 34 Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 13 de setembro de 1906.

A União é portanto um órgão representativo a quem cabe zelar, através da mediação de sua diretoria, pelos interesses da classe, e a diretoria é a conseqüência natural da organização em sindicatos, pois toda ação coletiva implica liderança.

A União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros não é um sindicato revolucionário, mas uma entidade reformista, ou seja, uma entidade que luta muito mais pela melhoria das condições sociais e materiais dos operários sob o regime capitalista, do que pela destruição da ordem burguesa. Aqui, uma vez mais, a distância existente entre o anarquismo e a União é muito grande. Para o anarquista, o sindicato é uma organização revolucionária que, através de seus métodos de ação direta - organização no campo econômico, greve, boicote, sabotagem, piquete, propaganda oral e escrita etc. - torna-se o principal meio para a fundação de uma nova ordem social sem governo e sem leis, formada pelo acordo mútuo, com base na solidariedade humana e na liberdade perfeita. Isto porque para ele o Estado, fruto da sociedade de classes, só tem sentido como defensor dos privilégios gerados pela propriedade privada. "Matai o Estado, deixando de pé o monopólio econômico: os proprietários... reconstituirão o poder político, a violência organizada, para se manterem na sua posse. Do mesmo modo, matai a propriedade particular, mas conservai um governo, e esse criará uma classe interessada na sua conservação... "35 35 Vasco, Neno. Estado e propriedade. In.: Rodrigues, Edgar. Sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro, Editora Laemmert, 1969. É preciso, portanto, destruir o Estado juntamente com a propriedade privada, para que se possa edificar, em seu lugar, uma sociedade livre e igualitária, organizada numa federação de associações de produção e consumo. Para tanto, é legítimo lançar mão da violência, mas não é legítimo utilizar as instituições vigentes como meio de luta. O sindicato anarquista rejeita os princípios da participação política, não aceitando qualquer tipo de colaboracionismo (com o poder central, governos estaduais, partidos políticos etc), nem mesmo para fins de reforma social: o sindicato anarquista postula meios de ação próprios, antiestatais e inteiramente alheios à ordem jurídica vigente.

A União, pelo contrário, move-se no quadro institucional existente, sem questioná-lo com maior profundidade. Suas críticas são periféricas: não atingem nunca o valor das instituições republicanas, pelas quais aliás parece demonstrar profundo respeito. Assim, clama por uma Justiça "clara, evidentemente correta", aquela "que não distingue o potentado do miserável, aquela que se estriba na lei, não olhando para a condição social do indivíduo",36 36 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1906. sem elaborar, como o anarquista, uma teoria que, ao apresentar a Justiça como o poder constituído de uma classe, a questiona como um valor em si mesmo - pelo menos enquanto existir a sociedade de classes. Procura legitimar sua ação perante o Governo e a Justiça, declarando seu respeito às prescrições legais e às autoridades em geral, e procurando demonstrar que durante toda a greve ninguém invadiu, a mando ou conselho seu, os limites da liberdade individual, atacando a propriedade privada ou ferindo os preceitos democráticos nos quais se baseia a ordem republicana.

Como tática de luta a União defende a resistência pacífica, pois a única arma que empregou "e que sempre deu efeito foi a palavra, e esta é livre". A União nega, portanto, qualquer responsabilidade pelos atentados contra os operários que não aderiram à greve, pois "ninguém tem o direito de impedir por meio da violência que este ou aquele trabalhe".37 37 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1906. Nega também participação nos atentados contra a propriedade privada levados a efeito pela queima de obras confeccionadas por trabalhadores domiciliares. Já dissemos e repetimos: a União nada tem a ver com delitos porventura praticados a pretexto de greve, não podendo responsabilizar-se pelas paixões alheias, mais ou menos excitadas".38 38 Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 14 de outubro de 1906.

A Constituição Republicana dá a todos os cidadãos brasileiros o direito de reunião, de formar associações, de lutar pelos seus interesses, e é em função deste direito que a União declara que sua prática não transgride os limites que lhe facultam as leis constituídas. A greve só é aceita como instrumento de luta, depois que todos os recursos legais foram esgotados, embora ainda lhe fazendo restrições: "O respeito às prescrições legais e à consideração pública e particular que nos merece as autoridades não nos levam até à desistência da greve, embora tenhamos consciência de que ela dá muita canseira e perturba mais de um bom negócio",39 39 Idem, 14 de outubro de 1906. ou seja, perturba a ordem e as atividades da indústria capitalista.

Sem ter acesso aos estatutos da União, às atas das assembléias, aos manifestos distribuídos durante a greve, é impossível, np entanto, garantir ser este o real perfil ideológico da União. Todas essas posições poderiam ser defendidas pelos jornais apenas como efeito de retórica. Não existindo no país um aparelho sindical suficientemente forte para resistir à ação repressiva do Estado, a União poderia estar simplesmente jogando com palavras, a fim de encobrir seus verdadeiros objetivos revolucionários. Contudo, alguns dados parecem desmentir esta hipótese:

a) Evaristo de Morais, jurista republicano, pioneiro da legislação trabalhista no Brasil, simpatizante da "causa operária", mas decididamente não um revolucionário, era o advogado e o principal mentor intelectual da União. Durante a greve, participou de várias assembléias, escreveu todos os artigos que a União publicou em seu debate com o Centro dos Industriais de Calçado, participou da passeata feita pelos sapateiros, onde discursou e foi delirantemente aclamado pelos grevistas. Num sindicato anarquista, nunca conseguiria ter tal margem de atuação.

b) No dia 28 de setembro, numa assembléia-geral que contou com a presença de Evaristo e de uma comissão de acadêmicos e 3.115 associados, foi aprovada a criação do Livro 115 "para o nome do pequeno número de exaltados". Se a União apoiasse a prática destes "exaltados" e estivesse interessada apenas em camuflá-la, não se preocuparia em arquivar os seus nomes.

c) A imprensa operária da época não escondia suas posições, pelo contrário, defendia suas idéias abertamente, sem procurar esconder os objetivos finais da sua prática. As leis, o Estado, a propriedade privada e os privilégios burgueses eram sistematicamente atacados, principalmente pelos anarquistas, que não deixavam nunca de afirmar de público seus objetivos revolucionários.

d) A Gazeta Operária, único jornal operário ao qual tivemos acesso, publicou um artigo de Evaristo de Morais, no qual a greve dos sapateiros continuou a ser caracterizada como um movimento pacífico e respeitoso da ordem legal.

Assim, mantemos nossa afirmação de que a União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros é um sindicato reformista, que luta por reformas sociais de cunho trabalhista, sem pretender grandes transformações estruturais. Ela se diz socialista, não por exigir a abolição da propriedade privada, e sim por ser partidária da teoria sindical (expressão que nunca define ou se quer explicita melhor); mas socialista, na época, era uma denominação geral que abrangia desde positivistas e socialistas utópicos até marxistas e anarquistas.

Finalmente, é preciso caracterizar melhor o papel dos "exaltados" dentro do sindicato. Enquanto a diretoria da União e a maioria dos associados adotam a resistência pacífica como tática de luta ("O fracasso do acordo que demos notícia não produziu os efeitos que foram anunciados..., pois os operários, obedientes à voz da associação de classe, confiam na sua causa e se obstêm de violências"),40 40 Idem, 6 de outubro de 1906. procurando, através de passeatas ordeiras e do debate travado com o Centro dos Industriais, legitimar o movimento grevista perante o público e as autoridades; alguns operários partem para a ação violenta (apedrejamento de fábricas, queima de "obras" feitas por trabalhadores domiciliares, ataques a operários dissidentes) visando ampliar a greve ou simplesmente impedir que algumas fábricas continuem funcionando parcialmente com a entrega de mercadorias feitas pelo sistema do trabalho caseiro. Este choque de tendências ideológicas, revelado pelo exame da tática de luta da União, se deve à penetração de alguns elementos anarquistas e marxistas entre os sapateiros.

A Gazeta Operária do dia 17 de novembro publica um artigo do sapateiro Antonio Rossi, de conteúdo claramente marxista: "Demonstraremos ao nosso carrasco que sabemos impor o direito à força; que nossa luta é maior e mais nobre, porque é a luta para a emancipação do proletariado..., o triunfo do trabalho sobre o egoísmo capitalista e destruição de todos os privilégios burgueses. Companheiros! Sejamos unidos e tenhamos sempre na memória a frase sublime, consciente e imorredoura do grande mestre do socialismo, Carlos Marx: '- Proletários de todo o mundo, uni-vos!'" O Jornal do Comércio do dia 30 de setembro transcreve uma matéria da Última Hora comentando a agressão feita por um grupo de trabalhadores aos operários que saíam de uma fábrica, e a prisão de apenas dois libertadores (isto é, libertário, anarquista), pois o grupo se dispersara com a chegada da polícia e os outros haviam conseguido fugir. Marxistas ou anarquistas, esses operários constituíam uma minoria sem forças para impor aos sapateiros e à União Auxiliadora sua ideologia revolucionária. Minoria que precisava ser controlada, como a criação do Livro 115 nos faz supor.

4. Manifestações ideológicas dos industriais e sapateiros

Nesta parte do trabalho foram utilizados como objeto de análise os textos publicados pelo Centro dos Industriais e Classes Correlativas e pela União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros, assim como duas entrevistas, feitas por um jornalista do Correio da Manhã, com um sócio do Centro e um membro da diretoria da União. Como nos propomos a estudar manifestações ideológicas, vários problemas imediatamente se apresentam: como definir ideologia? quais as relações existentes entre ideologia e prática? como dizer que as representações e valores identificados, por exemplo, no discurso dos industriais constituem imagens ideológicas da classe burguesa, distintas, portanto, das imagens próprias do operariado? Nossos objetivos são, no entanto, muito limitados: resolver tais questões não está dentro do escopo deste estudo. Pretendemos apenas explicitar as representações e valores subjacentes no discurso dos atores, na medida em que estes indicam uma determinada forma de apreensão do social.

A análise do discurso dos industriais aponta para uma visão idealizada do Brasil como um país possuidor (provavelmente pela sua grandeza territorial) de uma relação extremamente favorável entre a oferta e a demanda de oportunidades: aqui, "o trabalho é oferecido a todos quantos busquem nele a fonte de subsistência";41 41 Idem, 10 de setembro de 1906. aqui não há miséria, não há escassez, nem concorrência: os industriais de calçado "estão conscientes de que não exploram o trabalho do operário, porque este vive na folgança relativa em que vivem as classes trabalhadoras neste país".42 42 Idem, 14 de setembro de 1906. Se existe trabalho para todos e se os salários pagos ao sapateiro são até "superiores aos de muitos trabalhadores públicos", a greve não tem sentido, pois, na verdade, a "questão social" agitada pelos operários não existe, o que é uma forma de negar a existência de um potencial real de conflito entre patrões e empregados. Os grevistas são, portanto, elementos "desordeiros", "violentos", de cuja influência e ação os operários "de boa-fé", os operários "de boa vontade" precisam ser defendidos.

Fica explicitada, assim, uma das mais persistentes apropriações ideológicas das relações entre as classes em nossa sociedade - a imagem paternalista de relações entre patrão e empregado, imagem que freqüentemente se apresenta articulada com uma concepção idealizada do homem brasileiro. Presente em toda a campanha jornalística empreendida pelo Centro dos Industriais de Calçado está a imagem do industrial como defensor dos direitos e interesses dos trabalhadores. Assim, contra as práticas exclusivas da União, que pretende eliminar o trabalho caseiro, levanta-se a voz do industrial: "impõem os grevistas que não se dê trabalho às famílias operárias que não sejam sócias da União. A isso não podemos sujeitar-nos porque temos consciência do auxílio indireto que prestamos à família operária".43 43 Idem, 10 de setembro de 1906. Sua resistência à greve é apresentada, então, como um ato de defesa, dos trabalhadores oprimidos pela União: os patrões não podem capitular, porque, se o fizerem, o operário "diligente" e que lhe é "fiel" não terá outro remédio senão submeter-se ao "poder violento" da União.

A caracterização da União Auxiliadora como um poder necessariamente violento ancora-se numa concepção ideológica da natureza do homem brasileiro: as categorias "de boa fé", "de boa vontade", "ordeiro", empregadas para qualificar o trabalhador, traduzem a apropriação do homem brasileirc como um ser pacífico e cordial. E é justamente porque o operário é "bom" e "fiel" a quem o protege, que ele não se revolta - aliás, não existem razões para tanto: a apropriação paternalista da relação patrão/operário, imprimindo-lhe uma dimensão personalizada de "deveres" mútuos - o operário serve com fidelidade ao patrão e este em troca o protege e ampara - dissolve, no nível da ideologia, e portanto da consciência inconsciente dos atores, a possibilidade da eclosão de conflitos agudos entre os mesmos. Neste contexto, a União só pode ser encarada como um corpo estranho, violento e discricionário que "sacrifica os artistas à sanha truculenta de uma solidariedade forçada",44 44 Idem, 12 de setembro de 1906. a fim de arrastá-los à greve.

Essas mesmas categorias, "de boa fé", "diligente", revelam também uma forma atomizada de apreensão do social. Os operários não são vistos, nem como um grupo que tem unidade e características próprias, e que por isso mesmo se distinguiria de outros grupos existentes na sociedade, nem como parte integrante de uma totalidade maior constituída pelo operariado brasileiro. Os operários são percebidos individualmente e o grupo por eles formado nada mais é do que uma soma de indivíduos - daí a adjetivação psicologizante: "ordeiro", "fiel", própria para qualificar pessoas e não grupos, classes ou camadas sociais.

Embora estejamos analisando noções ideológicas sem qualquer pretensão de explicá-las em função de relações sociais concretas, gostaríamos de ressaltar que a atitude paternalista dos industriais se imbrica na existência de relações pessoais entre patrões e empregados alimentada pelo caráter ainda artesanal da indústria de calçados. Estas relações, gerando laços de fidelidade pessoal e um sistema de autoridade/submissão definido em torno do "chefe da oficina", sancionam uma relação de dominação direta do industrial sobre o trabalhador. O reconhecimento de um sindicato é, portanto, inaceitável, porque implica a legitimação de um poder intermediário que solaparia as formas de controle direto exercidas pelos industriais sobre os operários: "... não será possível a manutenção de disciplina e ordem em uma fábrica onde um poder estranho possa levantar conflitos a todas as horas. (... ) O que se repele é a investidura de um poder reconhecidamente infenso à ordem e à disciplina".45 45 Idem, 19 de setembro de 1906. Com isso não queremos dizer, no entanto, que os industriais manipulem conscientemente o paternalismo com o objetivo de dominar os trabalhadores. Isto seria conferir à ideologia uma instrumental idade grosseira que consideramos inteiramente improcedente.

Tal como aparece implícito no discurso dos industriais, o paternalismo aponta, por fim, para a idealização da existência de uma identidade de interesses entre patrão/empregado, só perturbada por fatores externos - a União, a greve. A relação paternalista passa a significar, assim, unidade, comunhão, o que, entretanto, não pressupõe uma noção de igualdade: existe união, mas com ascendência e liderança do "chefe". Se o industrial protege seus operários, é porque ele é o mais forte, o mais capaz, e, conseqüentemente, o líder natural daqueles que dele dependem - a ele cabe a manutenção da disciplina e da ordem na fábrica, a ele cabe zelar pelos interesses dos empregados, a ele cabe lutar contra as ameaças e os perigos externos representados pela União.

No material analisado, tanto os industriais quanto os sapateiros revelam uma série de noções ideológicas calcadas nos princípios postulados pelo liberalismo, tal como fora inicialmente formulado e defendido pela burguesia inglesa do século XIX . Assim a pretensão dos grevistas de uniformizar os salários pela imposição de uma tabela geral é rejeitada como um atentado à liberdade individual e ao direito do livre contrato de trabalho, como "uma coação aos princípios da liberdade do comércio", e sobretudo como "um erro perante a ciência econômica" ... ,46 46 Idem, 25 de setembro de 1906. pois - poderíamos completar - atrapalharia os movimentos da mão invisível da economia, contrariando os princípios sagrados do laissez faire. Também a caderneta da União (na qual, segundo o Regulamento proposto, deveriam ser lançadas todas as quantias pagas pelas tarefas executadas pelos operários) é repudiada em nome da liberdade individual e profissional: "uma das faces do argumento contrário à instituição da caderneta oficial é que ninguém tem o direito de proteger alguém contra sua vontade".47 47 Idem, 9 de outubro de 1906. É interessante notar, no entanto, a inexistência de qualquer correspondência entre o liberalismo defendido verbalmente e a prática efetiva dos industriais: os Estatutos do Centro, traduzindo a necessidade imediata de resistência ao movimento grevista, invadem tanto quanto as reivindicações feitas pela União, "os princípios consagrados no código das liberdades humanas".

Entre os operários, as noções ideológicas calcadas na doutrina liberal referem-se principalmente ao papel reservado ao Estado, e por extensão à polícia, embora o seu discurso também esteja eivado de expressões como liberdade individual, liberdade de trabalho etc. O Estado não é encarado como adversário ou opositor, nem é identificado a quaisquer grupos ou camadas da sociedade brasileira. O Estado é o árbitro imparcial e democrático das situações de conflito. Ele não toma partido, ele não protege grupos, ele paira acima das contendas sociais, procurando intervir o mínimo possível. A polícia é vista, então, não como aparelho repressivo, mas principalmente como mediadora das partes litigantes. É a ela que os operários primeiro se dirigem para comunicar sua decisão de fazer greve, e é por seu intermédio que se fazem grande parte dos contatos entre o Centro e a União. Mesmo criticando o "decidido apoio dado aos industriais por parte das autoridades, atendendo a queixas sempre fundadas...", a União contraditoriamente insiste em elogiar a atuação da polícia e em proclamar sua crença na imparcialidade do "íntegro Dr. Chefe de Polícia". Existe, além do mais, uma identidade perfeita entre a idéia de democracia - imparcialidade, justiça - e a de regime republicano - a República Brasileira é a reificação do ideal liberal-democrático, como pode ser visto neste trecho: "Na turalmente lhes seria agradável (aos industriais) ter à disposição uma polícia parcial e anti-republicana que, traindo seu dever, se transformasse em servidora fiel do capitalismo e atendesse a todos os seus caprichos... " 48 48 Idem, 12 de outubro de 1906. (Os grifos são nossos).

A resistência patronal à uniformização dos salários ancora-se, também, numa percepção atomizada de força de trabalho. O caráter artesanal da indústria de calçados da época confere à produção uma dimensão individual que dificulta a percepção da mão-de-obra como um todo homogêneo. Cada operário é visto como uma unidade autônoma e seu trabalho julgado individualmente: "...o cálculo de um salário não é e não pode ser tomado sobre o trabalho de um artífice que seja assíduo e perito... Pretender a União que um oficial de segunda ordem realize a mesma féria de um perito é de certo modo atentar contra os direitos do operário caprichoso e sabedor no seu ofício. . ," 49 49 Idem, 10 de outubro de 1906.

Analisemos agora este trecho publicado pelos sapateiros: "O emprego do papelão é formalmente condenado pela arte cujos ideais cumpre à União defender. Além de estragar a ferramenta do operário, o papelão exige mais tempo para a conclusão da obra....A este respeito nem é bom falar no Sr. Kratz de Catumby, cuja fabricação vence pela 'matacão artística'. Ali não há aprendizes de qualquer sexo inaproveitável: basta que sejam capazes de 'armar' um par de botas; se ficam de pé sobre o balcão, está o trabalho aceito e aprovado. Em verdade poucas fábricas deixam de empregar o papelão. Nós, tendo redigido a observação citada, somente tivemos a marcada intenção de defender o povo consumidor contra a ganância e a astúcia de nossos adversários".50 50 Idem, 9 de outubro de 1906. Estas linhas, além de mais uma vez apontarem para o caráter individualizado da produção, revelam claramente o investimento ideológico do artesão em relação a seu ofício. O sapateiro identifica-se pessoalmente com o produto manufaturado, considerando-o como uma obra artística que pode enaltecer ou denegrir seu confeccionador e toda a classe. Esta identificação traduz-se, então, num comprometimento total com os ideais da "arte"; ideais de perfeição, de honestidade, de defesa e de preservação do ofício; ideais que colocam o artesão/operário numa situação de oposição ao industrial/dono de oficina, porque este teria em relação à mercadoria/objeto artístico apenas o interesse mesquinho do lucro.

Finalmente, a análise dos textos publicados pelos sapateiros revelou vários traços ideológicos que podem ser perfeitamente articulados com os valores e imagens próprios ao que Bolívar Lamounier chama, em seu artigo Ideologia conservadora e mudanças estruturais,51 51 Lamounier, Bolivar. Ideologia conservadora e mudanças estruturais. Dados, n. 5, Rio de Janeiro. de "tradição política brasileira de conciliação ou compromisso". Segundo este autor, a ideologia política difusa por toda a estrutura social do país reluta em aceitar a violência coletiva, na medida em que procura legitimar apenas a violência defensiva, ou seja, a violência necessária para a preservação de um determinado sistema de relações sociais. Neste contexto, o compromisso designa toda a gama de situações "em que ações alternativas (inclusive a protelação de toda a ação) vêm a ser consideradas preferíveis à violência".52 52 Ibid. P. 7.

Ora, durante toda a greve, os sapateiros abstêmse de ações coletivas violentas, embora as duras condições de vida e de trabalho a que estavam expostos pudessem configurar uma situação em que a violência defensiva fosse legítima. Já vimos como, em nome do pacifismo da classe, a União negou e condenou as manifestações violentas de elementos "exaltados" e minoritários. Negando legitimidade ao emprego da violência, os sapateiros preparam o terreno para as soluções de compromisso - a greve só foi decretada depois que todas as alternativas foram esgotadas; e mesmo depois de deflagrada, ela não implica a negação da conciliação, nos termos acima definidos: os sapateiros preferem mudar de profissão e, portanto, abandonar qualquer ação no sentido de impor seus interesses, a agir violentamente.

A valorização do compromisso como sucedâneo sempre preferível à violência combina-se, no universo ideológico dos sapateiros, com uma percepção de si mesmos como seres pacíficos, dotados de uma propensão conciliadora natural. Assim, o movimento grevista estoura esvaziado de todo e qualquer potencial de conflito violento - a greve não representa um corte que evidencia a existência de campos de interesse estruturalmente contraditórios; a greve é como uma pausa que interrompe apenas momentaneamente um diálogo quebrado pela deslealdade de uma das partes: "única arma que empregamos e que sempre deu efeito foi a palavra... ; só há uma arma a empregar contra nós, é a lealdade. Usem delas, senhores industriais, e assim terminará a pendência de comum acordo, tendo em vista o princípio sagrado de direito, a que têm jus as duas partes litigantes".53 53 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1906. (Os grifos são nossos)

Podemos agora explicitar melhor o reformismo da União. Entre a maioria dos sapateiros não parece existir nem uma consciência de ruptura ao nível das relações com seus opositores, nem uma vontade de ruptura ao nível social, tanto por exclusão, marginalidade, como por oposição, luta. O que existe é uma orientação voltada para a integração. O reconhecimento explícito dos direitos do patrão ("a classe quer voltar ao trabalho respeitando os interesses dos industriais"), a possibilidade de conciliação das relações com o adversário (para tanto, basta haver lealdade) apontam para uma ideologia que, ao desconhecer a existência de tensões estruturais profundas entre patrão/empregado, torna viável a comunicação entre ambos, isto é, torna possível a solução de compromisso.

A recusa em aceitar a violência como legítima, a ênfase nas soluções de compromisso, a visão do caráter pacífico do brasileiro são elementos que se articulam num mesmo universo, cujos valores, imagens e representações atuam como poderoso mecanismo ideológico de manutenção da ordem social: mecanismo que antecipa problemas (o mito de um Brasil em que há trabalho para todos e onde, por extensão, a "questão social" não tem sentido) para negá-los e neutralizá-los, dificultando a emergência de atitudes violentas; mecanismo que suaviza, amortece, desintegra as linhas de conflito, esvaziando, para os atores, as possibilidades de uma ação coletiva de caráter revolucionário.

5. As reivindicações dos grevistas

As reivindicações dos sapateiros na greve de 1906 podem ser explicadas por um dos modelos de ação sindical - o sindicato de ofício - construído por Daniel Vidal54 54 Vidal, Daniel. Essai sur l'idéologie - le cas particulier des idéologies syndicales. Paris, Editions Anthopos, 1971. a partir do estudo das relações entre três campos teóricos distintos: a) o campo de formulação das reivindicações; b) o campo de definição do adversário, patrão ou Estado; c) o campo de atuação concreta, que legitima as políticas desenvolvidas pelo sindicato.

Segundo Daniel Vidal, o sindicalismo de ofício volta-se para a defesa dos valores que tradicionalmente qualificam de modo positivo o trabalho operário, na medida em que tais valores legitimam o núcleo central das reivindicações do sindicato, isto é, o ofício, a "arte". É em função deste referencial (o ofício) que se articula todo o conjunto de relações sociais existente no interior da fábrica/oficina, relações sobre as quais versará quase toda a política sindical. A melhor arma do operário é sua qualificação profissional, seu "apuro artístico", qualificação que não é apenas um ponto numa escala de especialização técnica, mas sim, ponto a partir do qual se definem relações entre parceiros econômicos, isto é, as relações entre mestre/artesão, artesão/aprendiz, patrão/empregado, relações que podem ser valorizadas ou contestadas em função do parceiro em questão. Assim, ao defender seu ofício, o operário defende muito mais do que uma posição numa escala socioprofissional, "ele defende todo um conjunto de orientações que explicita um determinado sistema de ação. Esse sistema de ação caracteriza-se pela presença repressora e direta do adversário patronal. É com ele que se negociam as reivindicações, é nele que se projeta a responsabilidade pela gestão econômica da empresa e a iniciativa em matéria de organização".55 55 Ibid. p. 71.

No modelo referente ao sindicalismo de oficio, o primeiro campo é, portanto, representado pela defesa da "arte" - regulamentação e controle do mercado de trabalho; o segundo, pelo patrão, que além de adversário é também encarado como árbitro, e o terceiro, pelo próprio mercado de trabalho, o qual se procura controlar por relações de força.

As reivindicações dos sapateiros do Rio de Ja neiro em 1906 consistem numa tabela geral de preços estabelecendo aumentos salariais, e em seu regulamento forçando a aceitação do sindicato, isto é, da União, no interior das fábricas e oficinas. Embora não tenhamos tido acesso a todos os pontos do regulamento, não é difícil concluir, pelos artigos que foram publicados, a importância do ofício, não só como matéria-prima para a formulação de reivindicações, mas como área de intervenção e luta:

Art. 1.º - Reconhecer a Comissão do Sindicato e só com esta resolver qualquer dúvida sobre os preços da tabela.

Como não existia uma legislação trabalhista, na qual pudessem apoiar-se, e sendo freqüentes os desrespeitos aos acordos salariais estabelecidos, o regulamento é encarado como o único meio para a fiscalização e controle da tabela proposta: os operários de uma fábrica delegariam a dois ou três companheiros o direito de verificar se as quantias lançadas eram as estabelecidas pela tabela. Estas quantias deveriam ser registradas numa caderneta fornecida e carimbada pela União. Art. 3.º - Não coser obras de outras fábricas, nem ter em sua fábrica operários fora da oficina, salvo acordo feito com a União.

Art. 4.º - Só dar trabalho aos sócios da União, de acordo com a Comissão do Sindicato.

A luta contra o trabalho domiciliar é, aqui, claramente explicitada. Os sapateiros pretendem simplesmente suprimi-lo, agindo diretamente sobre o mercado de trabalho: a) procurando diminuir o volume de obras feitas fora da fábrica; b) forçando a sindicalização do operário domiciliar que, como já mostramos, constituía o principal foco de resistência à União. O problema da concorrência entre a mão-de-obra domiciliar e a mão-de-obra regularmente empregada é evidente. Que os industriais lançavam mão deste "exército de reserva" para aviltar os salários também já foi demonstrado. É lógico, portanto, a tentativa dos sapateiros de procurarem forçar a sindicalização da mão-de-obra domiciliar ou mesmo o seu desaparecimento. Não temos elementos, contudo, para responder a uma questão que imediatamente se coloca a partir desta problemática. Tanto o art. 3.º quanto o art. 4.º do regulamento propõem medidas que, pelo controle que exerceriam sobre as relações de trabalho, visam a defender e evitar o aviltamento da "arte". É impossível, entretanto, desconhecendo as formas de sindicalização, as qualificações exigidas pela União (grau de qualificação do associado, quantia exigida como mensalidade etc), avaliar até que ponto tais medidas, justamente por serem exclusivas, poderiam agir sobre o mercado de trabalho no sentido de se criar ou não um grupo de "oficiais privilegiados" que detivessem em suas mãos as vantagens e os meios de acesso à posição de "artista sapateiro".

Também os outros artigos do regulamento referem-se a problemas surgidos a partir das relações de trabalho: reivindicar a determinação de multas pelas faltas cometidas pelos trabalhadores na execução da tabela, o que logicamente, visava a impedir que os operários trabalhassem por menos, desobedecendo à mesma. Evitar que o industrial burlasse o operário lançando no respectivo caderno os preços das obras posteriormente à sua entrega pelo trabalhador. Evitar que se empregasse sem autorização da União, por exemplo, aprendizes no corte, especialmente sendo pessoas estranhas à "arte". Por outro lado, a própria tabela geral é justificada, não só como forma de acabar com as greves parciais determinadas pelo não cumprimento dos acordos salariais, mas também como meio de eliminar a possibilidade de alguns sapateiros virem a ser favorecidos por tabelas parciais, ou seja, acordos salariais válidos apenas para determinadas fábricas, e, portanto, para determinados grupos de operários.

Para a União, o adversário é claramente o industrial. É interessante notar, no entanto, que o industrial é visto não como um homem que desempenha um determinado papel social explicado pela própria relação de trabalho existente na fábrica, papel que o coloca sempre numa situação de oposição aos interesses do operário, mas como um homem em si mesmo, como o árbitro que pode ser bom ou mal, compreensivo ou injusto; o industrial torna-se o adversário da União por recusar-se a ouvir e atender às reivindicações justas do trabalhador. Daí toda a campanha de denúncia contra certos industriais considerados "baixistas"; daí terem eliminado, durante o desenrolar da greve, a possibilidade de mediação de outros grupos ou pessoas: "...atendendo que os mesmos senhores industriais só procuram intermediários e mediadores da polícia com o único fim de nos esconderem suas intenções duvidosas, coagindo-nos na nossa defesa; ...a União resolve: agradecer as comissões maçónicas e os últimos chefes de polícia; que a datar de hoje a diretoria da União só poderá resolver ou aceitar propostas que partam diretamente dos senhores industriais para a classe..."56 56 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 8 de outubro de 1906. Tal atitude só é possível porque, para o sapateiro, seus problemas nascem e morrem na fábrica. Não existe outro campo de atuação política: suas dificuldades surgem a partir das atitudes tomadas pelo industrial e é com ele, portanto, que, em última instância, elas devem ser resolvidas.

Assim, o referencial da política sindical da União é claramente a fábrica, o ofício: todas as reivindicações nascem da situação de trabalho - condições de vida, status profissional, salários, defesa do mercado de trabalho etc. É por isso que um de seus deveres é lutar pelos ideais e valores da "arte": ideais de perfeição, qualidade de mercadoria, defesa e valorização da obra do artesão frente ao mercado consumidor. Segundo Vidal, é este núcleo central de problemas que, finalmente, dá sentido a reivindicações que podem referir-se até a sociedade como um todo - "o sindicalismo de ofício é ininteligível como movimento social se não se leva em consideração sua realização histórica: o anarco-sindicalismo".57 A União, no entanto, parece não ter conseguido efetuar esta passagem. Não encontramos, em nenhum dos textos estudados, menções a um referencial mais amplo: a indústria brasileira como um todo, os problemas criados pelo tipo de desenvolvimento industrial do país, o Estado, a concorrência estrangeira. Tudo, em suma, é um problema do ofício, que deve ser pensado e resolvido a partir e dentro da unidade de produção - a oficina, a fábrica - e diretamente com o adversário real do artista - seu patrão.

6. O desenvolvimento histórico da greve

Em decorrência da greve de 1903, os industriais de calçado assinaram tabelas parciais que fixavam os preços do "acabado" e da "montagem", mas que deixavam a critério do patrão o estabelecimento do preço dos "pespontos". Assim, havia, mesmo logo após a greve, grande disparidade de salários (segundo o operário entrevistado pelo Correio da Manhã, um mesmo trabalho de pesponto podia ser pago a 16$000 ou a 9$000), disparidade que aos poucos foi aumentando porque a maioria dos industriais não cumpriu o acordo salarial estabelecido.

A questão que se colocava para os sapateiros não era tanto reivindicar novos aumentos salariais, mas principalmente encontrar meios que assegurassem a efetivação de suas reivindicações. Era preciso defender a "classe", controlar o mercado de trabalho, garantir a manutenção do "ofício". A inexistência de uma legislação trabalhista, ou melhor, de qualquer apoio jurídico-político ao trabalhador, parece apenas reforçar a visão que o sapateiro tem de sua prática política - sua luta é na fábrica, pelo "ofício", contra o patrão. O operário não combate o Estado, que permanece surdo às suas reclamações e alheio aos seus problemas, e nem mesmo o critica. Em contraposição, também não tenta usálo para implementar seus interesses - pede apenas que ele se mantenha à margem do conflito, como o árbitro imparcial que só intervém para controlar as regras do jogo. Toda a sua atenção está voltada para o que se passa no interior da unidade de produção: é preciso conseguir um aumento salarial que atinja igualmente a todos, eliminando as diferenças salariais existentes no seio da classe, o que só pode ser obtido pela imposição de uma tabela geral, É preciso forçar o industrial (seu adversário) a reconhecer a União Auxiliadora e a aceitar a caderneta oficial do sindicato que uniformizaria a escrituração e controlaria o pagamento dos trabalhadores. São essas as reivindicações centrais dos grevistas e é por elas que vão se bater durante toda a greve. Os outros pontos do regulamento (veja item anterior) foram abandonados e esquecidos.

A greve foi articulada em fins de julho e princípios de agosto, período em que foram elaborados a tabela geral e o regulamento por uma comissão especial de sócios da União. Encontramos, aliás, vários anúncios na seção "Vida operária" do Correio da Manhã, chamando os operários, por especialização, para prestarem esclarecimentos à comissão. Depois de pronta, a tabela foi discutida em várias assembléias-gerais, nas quais participavam apenas os operários que estavam em dia com os seus pagamentos - para participar da assembléia era preciso ter um recibo de entrada. Durante este período houve, também, reuniões periódicas do Conselho Administrativo.

Aprovada, a tabela foi submetida a mais de 40 industriais (os mais importantes) para que estes a discutissem ou apresentassem uma contraproposta. Como não encontraram qualquer forma de diálogo com seus patrões, que nem ao menos se dignaram a responder à União, os sapateiros reuniram-se em assembléia, no dia 27 de agosto, e decidiram iniciar a greve geral no dia seguinte. A União Auxiliadora passou, então, a coordenar o movimento grevista da seguinte maneira:

a) nomeou uma comissão para comunicar ao Chefe de Polícia a decisão dos trabalhadores;

b) nomeou um delegado para cada fábrica, a fim de zelar pela política da União;

c) formou várias comissões para entregar em todas as fábricas e oficinas da cidade a tabela geral e o regulamento;

d) colocou a classe em sessão permanente;

e) procurou, por meio de intermediários, conseguir a adesão dos companheiros;

f) lançou, no dia 30 de agosto, um manifesto explicando os motivos da greve.

Embora a greve atingisse logo grandes proporções, e imenso número de operários acatasse as ordens da União, alguns estabelecimentos continuaram funcionando. Todavia, o movimento prosseguiu alastrando-se e a União conseguiu depois adesões importantes como a dos operários da fábrica de Madureira (em número superior a 100), a 5 de setembro; e, após várias reuniões, a de todos os operários residentes em Niterói, no dia 25 do mesmo mês. O período inicial da greve foi, entretanto, relativamente violento, porque alguns grupos de trabalhadores, contrariando a política oficial da União, procuraram conseguir adesões pelo emprego da força. Durante todo o mês de setembro foram freqüentes as notícias de choques e atentados (principalmente contra mestres), assim como de apreensões e queima de obras feitas por operários domiciliares.

Ao estourar a greve, os industriais reagiram de forma um tanto desordenada. Alguns aceitaram de pronto as reivindicações dos sapateiros e assinaram a tabela geral e o regulamento. A maioria, contudo, voltou-se para a Associação Comercial com o objetivo de organizar a resistência, iniciando imediatamente uma campanha jornalística contra a União e logo depois os contatos necessários para a criação do Centro dos Industriais e Classes Correlativas, cujos estatutos foram assinados no dia 14 de setembro. No dia 6 de setembro tomam a primeira medida concreta contra os grevistas: é publicado um anúncio convidando os operários a voltarem ao trabalho no dia 10; os empregados de corte e máquinas que não se apresentassem no dia marcado seriam dispensados.

A resposta dos sapateiros é imediata. No dia seguinte é publicada uma nota de esclarecimento à classe, exortando-a à resistência e denunciando a desonestidade do Centro que colocara ao final do documento assinaturas de industriais que haviam entrado em acordo com a União. Publicam, também, dias depois, um longo artigo rebatendo todas as acusações feitas pelos industriais em sua campanha pela imprensa. O prazo acaba expirando e, apesar de todo o aparato policial colocado nas ruas "para defender aqueles que quisessem trabalhar", ninguém se apresentou e a greve continuou.

No dia 18 de setembro o Centro dos Industriais dá mais um passo na tentativa de conter a greve. Decide em assembléia-geral despedir todos os grevistas que persistissem no movimento: se até o dia 24 os trabalhadores não retirassem seus instrumentos das fábricas e oficinas, estes seriam recolhidos ao Depósito Público. Acontece, então, a primeira interferência de pessoas estranhas à indústria de calçados visando ao apaziguamento das partes litigantes. Um grupo de maçons das Lojas Capitulares Amor ao Trabalho e União Escocesa vai à União e se oferece como mediador junto aos industriais. Os operários desistem de grande parte de suas reivindicações fixando as bases para um acordo nos seguintes pontos: a aceitação do aumento salarial proposto e da caderneta oficial da União, o que implicava o reconhecimento do sindicato. O Centro os Industriais suspende por 48 horas a entrega das ferramentas dos sapateiros, mas sua posição inflexível quanto à tabela geral e à caderneta torna o acordo impossível. Numa assembléia em que participam mais 3 mil operários, decide-se prosseguir a greve.

No dia 26 de setembro os sapateiros fazem uma manifestação de agradecimento ao Correio da Manhã. Cerca de 2 mil operários vão à sede do jornal para agradecer o apoio que este órgão lhes estava prestando. Vários trabalhadores e jornalistas discursam e a manifestação termina com vivas à causa operária, à justiça e aos jornalistas.

A greve atinge então o seu ponto crítico. A 27 de setembro os industriais começam a depor as ferramentas dos grevistas no Depósito Público, e no mesmo dia os sapateiros fazem uma grande assembléia em que participam representantes de várias associações operárias do Rio de Janeiro, uma comissão de acadêmicos, 3.115 sapateiros e Evaristo de Morais, advogado da União. Nesta assembléia é aprovado o livro 115, numa tentativa para conter os atos de violência praticados por alguns trabalhadores, e decide-se nomear uma comissão para agradecer o apoio moral e material que outros sindicatos operários estavam dando à greve.

No dia 2 de outubro, Evaristo de Morais entra em contato com o Chefe de Polícia e por seu intermédio propõe ao advogado do Centro um encontro para discutir as reivindicações dos sapateiros. No dia 3 de outubro, uma comissão do Centro e outra da União, acompanhadas de seus respectivos advogados, reúnem-se no Gabinete da Chefia de Polícia para discutir os termos da proposta do acordo, com base na caderneta oficial da União e da tabela geral, mas a atitude inflexível dos industriais corta, uma vez mais, qualquer possibilidade de entendimento entre as partes. Este será o último passo dado pelos grevistas no sentido de alcançar uma solução de compromisso com os seus adversários. Os operários decidem continuar a greve e numa reunião realizada no Centro Galego, no dia 7 de outubro, resolvem agradecer aos maçons e ao Chefe de Polícia e não mais aceitar intermediários em seus contatos com o Centro - as futuras propostas de acordo teriam que partir diretamente dos industriais para a classe.

A partir daí os industriais começam a perder terreno. O número de oficinas que assina a tabela geral e admite a caderneta cresce assustadoramente, tornando muito difícil a posição do Centro. No dia 10 de outubro, 49 estabelecimentos industriais pequenos e a fábrica Globo haviam aceitado as condições dos grevistas - no dia 15 esse número havia subido para 60. Os sapateiros, por sua vez, continuavam resistindo, aparentemente sem maiores problemas. O fundo de greve do sindicato recebia ajuda de várias organizações operárias da cidade: Associação dos Trabalhadores em Trapiche e Café, União dos Estivadores, União dos Foguistas, União dos Artistas Alfaiates, União Operária do Engenho de Dentro, Resistência dos Marinheiros e Remadores, União Auxiliadora dos Chapeleiros etc.58 58 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1906. Muitos sapateiros mudaram temporariamente de profissão, trabalhando como ajudantes de pedreiro, carregadores de café, vendedores de bilhetes de loteria, empregados nas obras do porto etc. Outros formaram grupos de três ou quatro e passaram a trabalhar em casa, por conta própria, obtendo materiais por, crédito pessoal ou da União.59 59 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 26 de outubro de 1906.

No dia 11 de outubro os sapateiros realizam uma enorme passeata, numa evidente demonstração de força. Os jornais calcularam em 4 mil o número de manifestantes (cerca de 3 mil pessoas assinaram os livros de presença da União) e embora deva haver exagero nestas cifras, o número de manifestantes deve ter sido realmente muito elevado, primeiro porque durante o trajeto os sapateiros ridicularizaram várias vezes as acusações do Centro de que a União era apenas um pequeno grupo repressor; segundo porque os industriais não escreveram uma linha sequer sobre a passeata, e desistiram de afirmar que o movimento se restringia a um pequeno número de pessoas. Os sapateiros percorreram todas as ruas onde se achavam as fábricas de calçado fechadas, as redações de todos os jornais e as repartições do Ministério da Justiça e da Chefatura de Polícia passando depois em frente ao Palácio do Catete.

No dia 16 de outubro, Evaristo de Morais recebe uma carta do advogado do Centro propondo a discussão de uma tabela organizada pelos industriais. No dia 17, numa assembléia convocada especialmente para deliberar sobre o assunto, a referida tabela foi minuciosamente estudada e rejeitada por votação nominal. As razões da recusa foram expostas numa série de artigos publicados pela União sob 0 título "A tabela da fome", artigos que a partir de um dado momento não foram mais respondidos pelo Centro. A argumentação dos sapateiros baseava-se nos seguintes pontos:

a) a tabela da União era geral e a do Centro só se referia a quatro seções de trabalho;

b) os salários, principalmente os do pesponto, eram inaceitáveis, tendo em vista que já se pagava mais na maioria das fábricas antes da greve em questão;

c) a tabela proposta pelos industriais visava a dividir a classe, separando os operários em grupo de interesses contrários, conforme as especialidades;

d) a proposta repelia o sistema fiscalizador da caderneta oficial da União.

As dissenções entre os sócios do Centro começam a tornar-se cada vez mais sérias. Artigos são publicados pelos próprios industriais, condenando a política de seu órgão representativo. Além do mais, aumentava o número daqueles que cediam aos sapateiros e recomeçavam seus trabalhos. No dia 16 de novembro, depois de mais uma tentativa frustrada, o Centro dos Industriais capitula, assinando um acordo definitivo pelo qual aceita finalmente a tabela geral e a caderneta oficial da União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros.

  • 1 Dobb, Maurice. A evolução do capitalismo. Rio de Janeiro, Zahar, 1965. p. 318.
  • 2Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 17 de setembro de 1906.
  • 15 Rodrigues, José Albertino. Sindicato e desenvolvimento no Brasil. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1968. p. 32.
  • 16 Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1906.
  • 17 Diário Oficial, ano 45, n. 235, 10 de outubro de 1906.
  • 18 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 9 de setembro de 1906.
  • 20 Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1906.
  • 21 Correio da Manhã, 6 de outubro de 1906.
  • 22 Jornal do Comércio, 19 de setembro de 1906.
  • 23 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 21 de outubro de 1906.
  • 24 Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1906.
  • 25 Carone, Edgard. A República Velha - instituições e classes sociais. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1970. p. 189.
  • 26 Cardoso, Fernando Henrique. O proletariado brasileiro - situação e comportamento social. Sociologie du Travail, n. 4, 1961.
  • 27 Barbosa, Luiz, Serviços de assistência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Tipografia Luzeiro, 1908. Apêndice estatístico.
  • 28 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 1,ş de setembro de 1906.
  • 29 Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1906.
  • 31 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 27 de setembro de 1906.
  • 33 Documentos do Movimento Operário, Resoluções do I Congresso Operário Brasileiro. Estudos Sociais, n. 16, p. 387-97, 1963.
  • 34Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 13 de setembro de 1906.
  • 36 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1906.
  • 37 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1906.
  • 38 Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 14 de outubro de 1906.
  • 51 Lamounier, Bolivar. Ideologia conservadora e mudanças estruturais. Dados, n. 5, Rio de Janeiro.
  • 53 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1906. (Os grifos são nossos)
  • 54 Vidal, Daniel. Essai sur l'idéologie - le cas particulier des idéologies syndicales. Paris, Editions Anthopos, 1971.
  • 56 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 8 de outubro de 1906.
  • 58 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1906.
  • 59 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 26 de outubro de 1906.
  • *
    Este trabalho se beneficiou enormemente do apoio e interesse do Prof. Edgard Carone, a quem sinceramente agradeço.
  • 1
    Dobb, Maurice.
    A evolução do capitalismo. Rio de Janeiro, Zahar, 1965. p. 318.
  • 2
    Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 17 de setembro de 1906.
  • 3
    Idem, 13 de setembro de 1906.
  • 4
    Idem, 11 de outubro de 1906.
  • 5
    ld. ibid.
  • 6
    Idem, 15 de setembro de 1906.
  • 7
    Idem, 13 de setembro de 1906.
  • 8
    Idem, 10 de outubro de 1906.
  • 9
    Idem, 14 de setembro de 1906.
  • 10
    Idem, 15 de setembro de 1906.
  • 11
    Idem, 11 de outubro de 1906.
  • 12
    Idem, 10 de outubro de 1906.
  • 13
    Idem, 13 de setembro de 1906.
  • 14
    Idem, 10 de outubro de 1906.
  • 15
    Rodrigues, José Albertino.
    Sindicato e
    desenvolvimento no Brasil. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1968. p. 32.
  • 16
    Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1906.
  • 17
    Diário Oficial, ano 45, n. 235, 10 de outubro de 1906.
  • 18
    Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 9 de setembro de 1906.
  • 19
    Idem, 11 de outubro de 1906.
  • 20
    Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1906.
  • 21
    Correio da Manhã, 6 de outubro de 1906.
  • 22
    Jornal do Comércio, 19 de setembro de 1906.
  • 23
    Correio
    da Manhã, Rio de Janeiro, 21 de outubro de 1906.
  • 24
    Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1906.
  • 25
    Carone, Edgard.
    A República Velha - instituições e classes sociais. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1970. p. 189. É preciso entretanto olhar estes dados com certo cuidado; nesses 118.770 operários, provavelmente, estão incluídos artesãos, trabalhadores domiciliares, empregados em restaurantes etc.
  • 26
    Cardoso, Fernando Henrique. O proletariado brasileiro - situação e comportamento social.
    Sociologie du Travail, n. 4, 1961.
  • 27
    Barbosa, Luiz,
    Serviços de assistência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Tipografia Luzeiro, 1908. Apêndice estatístico.
  • 28
    Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 1,º de setembro de 1906.
  • 29
    Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1906.
  • 30
    Idem, 7 de setembro de 1906.
  • 31
    Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 27 de setembro de 1906.
  • 32
    Rodrigues, José Albertino, op. cit. p. 36.
  • 33
    Documentos do Movimento Operário, Resoluções do I Congresso Operário Brasileiro.
    Estudos Sociais, n. 16, p. 387-97, 1963.
  • 34
    Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 13 de setembro de 1906.
  • 35
    Vasco, Neno. Estado e propriedade. In.: Rodrigues, Edgar.
    Sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro, Editora Laemmert, 1969.
  • 36
    Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1906.
  • 37
    Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1906.
  • 38
    Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 14 de outubro de 1906.
  • 39
    Idem, 14 de outubro de 1906.
  • 40
    Idem, 6 de outubro de 1906.
  • 41
    Idem, 10 de setembro de 1906.
  • 42
    Idem, 14 de setembro de 1906.
  • 43
    Idem, 10 de setembro de 1906.
  • 44
    Idem, 12 de setembro de 1906.
  • 45
    Idem, 19 de setembro de 1906.
  • 46
    Idem, 25 de setembro de 1906.
  • 47
    Idem, 9 de outubro de 1906.
  • 48
    Idem, 12 de outubro de 1906.
  • 49
    Idem, 10 de outubro de 1906.
  • 50
    Idem, 9 de outubro de 1906.
  • 51
    Lamounier, Bolivar. Ideologia conservadora e mudanças estruturais.
    Dados, n. 5, Rio de Janeiro.
  • 52
    Ibid. P. 7.
  • 53
    Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1906. (Os grifos são nossos)
  • 54
    Vidal, Daniel.
    Essai sur l'idéologie - le cas particulier des idéologies syndicales. Paris, Editions Anthopos, 1971.
  • 55
    Ibid. p. 71.
  • 56
    Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 8 de outubro de 1906.
  • 57
    Vidal, Daniel, op. cit., p. 78.
  • 58
    Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1906.
  • 59
    Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 26 de outubro de 1906.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1973
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