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Capital em giro: instrumento de avaliação patrimonial

ARTIGOS

Capital em giro: instrumento de avaliação patrimonial

Américo Matheus Florentino

Professor Catedrático da Universidade do Brasil e da Universidade do Estado da Guanabara. Presidente do "Instituto Superior de Contabilidade"

Sòmente quando banqueiros, empresários e contabilistas atentarem para os mesmos conceitos, poderá ser compreendida a função do capital em giro como principal portador do risco financeiro.

Os estabelecimentos bancários distribuem, comumente, questionários que deverão ser preenchidos pelas emprêsas e que se destinam à atualização do cadastro bancário, ou para aquilatar a posição patrimonial da emprêsa em face de um pedido de empréstimo.

Nesses questionários, o banco costuma insistir em conhecer a cifra que compõe o total de capital em giro, ou capital de exploração da emprêsa (que o americano chama de working capital).

Dada a superficialidade dos questionários geralmente apresentados pelos bancos, o quesito não é respondido com a exatidão necessária e isto porque nem os bancos, nem os contabilistas e empresários, de modo geral, mantêm uma idéia muito uniforme sôbre o que constitui capital em giro. Por outro lado, o estudo do comportamento do capital em giro, em uma emprêsa, deveria despertar maior interêsse entre os empresários, se êsses administradores aquilatas sem a riqueza do instrumento de análise que possuem.

Nas explanações que faremos a seguir, demonstraremos a utilidade prática do conceito de capital de giro, tanto para o banqueiro, quanto para o empresário. Para o banqueiro é importante conhecer a relação entre os recursos dos proprietários e os recursos de terceiros, entre os quais figuram os próprios bancos. Para o empresário, uma noção clara de capital em giro é útil na análise dos diversos valores que compõem os seus balanços, pois facilita o estudo do equilíbrio e das tendências na evolução de seus patrimônios.

NOÇÃO GERAL DE CAPITAL EM GIRO

A maior parte dos que se dedicam à determinação do capital em giro julga que êle é simplesmente representado pelos componentes do ativo circulante. Mas a simples se paração dos valores em ativo fixo e ativo circulante nada representará de útil, se concluirmos pela existência, nesse último grupamento, de cifras de difícil ou lenta recuperação, como, por exemplo, as que se alinham nas contas de prejuízos a amortizar (lucros e perdas transitoriamente no ativo), contas correntes de recuperação duvidosa, títulos e ações de difícil negociação, despesas antecipadas e outras.

Temos, então, que distinguir do ativo circulante global ou bruto um ativo circulante depurado, que se constituirá, a rigor, exclusivamente dos valores alinhados nas seguintes contas:

a) - produção em marcha e estoques;

b) - contas a receber (excluídas as irrecuperáveis);

c) - disponibilidades em caixa e em bancos.

Como o ativo espelha exatamente de que modo foram aplicados os capitais, conclui-se que o capital em giro real, ou efetivo, ou depurado, é o representado pelos va lores acima descritos nas alíneas (a), (b) e (c).

As demais parcelas representativas do capital podem apre sentar-se contabilizadas na parte do ativo circulante (gru po disponível, realizável e pendente) mas não represen tar realmente um capital em giro. Por defeito de conta bilização, ou por circunstâncias especiais, embora registradas nos grupamentos do ativo circulante, podem constituir-se em imobilizações operacionais ou financeiras, ou até mesmo em valores já perdidos para a emprêsa e registrados provisoriamente ou "pro forma" no balanço.

CONFUSÃO ENTRE CAPITAL EM GIRO E CAPITAL CIRCULANTE

Outro ponto de confusão - em que incidem inclusive os bancos em seus questionários distribuídos aos seus clientes - é o de admitir que capital em giro seja sinônimo de capital circulante. Nada mais errado.

Capital circulante, por definição, é o que entra na emprêsa para não permanecer, uma vez que tem prazo certo para ser devolvido, como no caso de empréstimos ou de créditos de fornecedores. É antônimo de capital fixo, êste constituído pelo capital social, pelas reservas patrimoniais e pelos lucros incorporados.

Alguns analistas costumam considerar o capital de empréstimos a longo prazo (empréstimos hipotecários, financiamentos para instalações etc.) como capital fixo, com o que entretanto não se pode concordar. Nesses casos, o ideal será agrupar o capital circulante por prazos de resgate, para fins de análise mais detida.

Continuando, porém, com o raciocínio, o capital circulante pode estar representado no ativo fixo ou no circulante (êste último, ainda, por sua vez, depurado dos itens irrecuperáveis), conforme demonstram os histogramas A, B, e C da Figura 1.


No histograma A, por hipótese, os tipos de capitais se aplicam em igualdade de valores em tipos correlatos de ativo.

No histograma B, entretanto, o capital fixo atende integralmente às necessidades do ativo fixo e as estende também para o ativo circulante. Em outras palavras, o ativo circulante se origina em parte de capitais fixos e em parte de capitais circulantes.

No histograma C, o capital circulante é que se estende em parte para constituir também o ativo fixo. Esta situação não é das mais desejáveis para a emprêsa, porque o ativo fixo é de lento ou improvável reembolso e quando da época do resgate do capital circulante que o origina os valores não se encontram mobilizáveis para êsse fim. Nesses casos, a emprêsa tende para uma situação de insolvência.

Sabendo-se que o capital em giro (conforme definido) deve ser considerado como uma parcela depurada do ativo circulante, encontraremos a situação ilustrada pelo histograma D, do qual se conclui que o capital circulante, em um determinado momento, pode encontrar-se aplicado simultaneamente em:

a) - ativo fixo:

b) - ativo circulante depurado ("capital em giro");

c) - outros valores de ativo circulante e de ativo pendente.

Demonstra o acima exposto que o capital em giro deve ser considerado como uma parcela do capital circulante.

Dado o fato de que os estudos atuais de analistas contá beis têm-se firmado em conceituação mais racional, convém deixar bem claras as seguintes definições:

Capital circulante é o que entra na emprêsa para não permanecer, podendo ser próprio, ou alheio. É sinônimo, portanto, de passivo exigível.

Capital em giro está representado pelo cômputo de valores existentes no ativo circulante de conversibilidade ou de destinação rotativa peculiar aos ciclos produtivos da emprêsa.

CAPITAL PRÓPRIO, CAPITAL ALHEIO E CAPITAL EM GIRO

A noção comum de que o capital circulante somente pode provir de não proprietários da emprêsa é errônea, porque os acionistas ou sócios podem entregar à emprêsa suprimentos por tempo determinado, ou podem deixar também por certo tempo uma parcela de lucros (lucros a distribuir). Assim, em um determinado momento, os capitais próprios (de sócios ou acionistas) podem ser representados em fixos e circulantes.

Os bancos, credores, ou fornecedores deveriam sempre levar em consideração (embora muitas vêzes não o façam) que se deve proceder a uma análise das proporções entre o volume dos capitais próprios e alheios.

Será sempre desejável que os capitais próprios (fixos ou circulantes) participem de modo substancial na formação do capital em giro da emprêsa. Êsse fato significará para os credores (ou futuros credores) que os proprietários tam bém põem em risco os seus capitais no empreendimento.

O capital em giro é o que corre maior risco, uma vez que os capitais empregados em imóveis, máquinas ou instalações poderão ser recuperados pela venda dêsses itens, após a perda do mercado ou a paralisação do negócio; e o capital em giro pode, nessas épocas, estar representado por custos ainda não componentes definitivos de utilidades (produção inacabada) e, por conseguinte, ser irrecuperável. Ora, se os credores observam que os proprietários também arriscam capital em giro, melhores se lhes afiguram as perspectivas de êxito do empreendimento, já que em caso de fracasso os empresários também serão atingidos.

Respostas dadas em questionários bem planejados, ou análises efetuadas por peritos, na base de solicitação de dados adicionais ou exames contábeis locais, distinguirão perfeitamente em quais itesis do ativo foram aplicados particularmente os valores dos capitais próprios e dos capitais aUxeios. Na impossibilidade, entretanto, de distinguir na composição do capital em giro a aplicação dos capitais próprios ou alheios, obtém-se de modo amplo o valor da participação do capital próprio, subtraindo-se do total do capital em giro o total do capital circulante.

A figura 3 ilustra três situações distintas sôbre a relação entre capitais próprios, alheios e o capital em giro.


O histograma E revela uma situação ideal para os credores, pois fica evidenciado que os capitais próprios também participam da área perigosa do ativo, representada pelo capital em giro. Ao solicitar a emprêsa novos créditos ou empréstimos, êsses valores solicitados terão que ser somados ao volume anterior dos capitais alheios para que se estabeleça a nova proporção, se concedidos êsses novos recursos. Um nôvo empréstimo requerido diminuirá a área de participação dos capitais próprios e até mesmo poderá afastá-los de seu desenvolvimento no risco do capital em giro.

O histograma F demonstra uma situação em que todo o capital em giro (exatamente o de maior risco) é originário de terceiros. Aí estamos diante de um empresário eficiente, que obteve uma situação ideal para o seu ponto de vista comercial, qual seja a de poder movimentar o seu comércio ou a sua indústria exclusivamente às custas dos capitais alheios. Êsse empresário reservou o seu capital apenas para a parte fixa de seu ativo, exatamente a que corre menor risco, quer pela sua natural valorização, quer pela possibilidade de recuperação, mesmo que a emprêsa reduza ou paralise os seus negócios.

O histograma G demonstra uma situação de perigo para os credores, os quais emprestaram sem qualquer medida de prudência ou comedimento e isto porque, nessas con dições, a emprêsa tende rapidamente para uma situação de insolvência, eis que não poderá vender o seu ativo fixo (desmantelando, em conseqüência, os bens fixos de produção e o seu equilíbrio produtivo) para poder resgatar em seus vencimentos os capitais circulantes alheios. Na situação descrita por êste histograma, os credores emprestaram também para outros itens do ativo circulante, onde se localiza comumente a área das aventuras e especula ções financeiras do empresário (aplicações fora do âmbito das atividades operacionais normais) e onde se incluem os itens representativos de desperdício ou má administração (prejuízos a amortizar, despesas antecipadas etc.).

A NECESSIDADE DE AVALIAÇÃO DO CAPITAL EM GIRO

Sabendo-se que o capital em giro está representado por "Produção/Estoque", "Contas a receber" e "Disponibilidades", há que se estudar a tendência ou retração dêsses itens. Uma tendência para ampliar cada vez mais a área do item "Produção/Estoque", em detrimento dos demais, revela que a produção ou os estoques não estão sendo vendáveis e, por conseguinte, obrigam a emprêsa a uma imobilização forçada de uma classe de ativo que deveria por excelência ser mobilizável.

Uma tendência para ampliar a área do item "Contas a receber", em detrimento dos demais, revela que as contas não estão sendo cobradas nos prazos, ou que as vendas estão sendo muito dilatadas nos prazos, obrigando a emprêsa a uma imobilização financeira prejudical.

A remuneração obtida do capital em giro é um fator que não deve ser desprezado pela análise, porque revelará se os benefícios obtidos na exploração são suficientes ou não para comportar o pagamento de juros aos capitais alheios envolvidos no capital em giro e o pagamento de dividendos aos capitais próprios também envolvidos no capital em giro.

É claro que se a taxa de rendimento do capital em giro fôr inferior à taxa de juros, o capital fixo deverá ser desfalcado para dêle serem extraídos os juros devidos aos capitais alheios circulantes. A continuidade dessas situações minguará o patrimônio da emprêsa até o seu completo de sequilíbrio. Daí o principio de que somente se deve usar ou abusar do crédito se o resultado operacional comportar o pagamento das taxas de juros.

CONCLUSÕES

O estudo da proporcionalidade das contas individuais que compõem o ativo e o capital de uma emprêsa requer uma conceituação precisa dessas contas. Isto só raras vêzes é observado na elaboração e no preenchimento de questionários que visam a análise de balanços e a investigação financeira de uma emprêsa.

Da confusão que gira em torno dos têrmos técnicos resulta a quase impossibilidade de atribuir créditos alheios de acordo com as reais necessidades da emprêsa e em função da minimização do risco dêstes créditos.

De particular importância para a análise do balanço, conduzida pelo banco, é o capital em giro, pois êste é o que corre o maior risco. Daí a razão de se precisar êste conceito em relação às outras posições do ativo e do capital. É o que procuramos fazer neste artigo.

A título de sugestão, acrescentamos um questionário-modêlo (vide Anexo n.º 1) que parte da conceituação aqui proposta e que visa facilitar a análise do balanço, tanto para o banqueiro, quanto para o empresário.

As cifras preenchidas no modêlo propositalmente figuram um passivo exigível superior a um ativo circulante - situação essa muito comum nos balanços reais - pois, dêsse modo, derruba-se fàcilmente a conceituação já superada de que o capital em giro seria a diferença entre o ativo circulante e o passivo exigível. Pela conceituação superada, a emprêsa figurante no questionário não possuiria "capital em giro", o que evidentemente seria um absurdo. No exemplo dado, desvinculamos também qualquer igualdade entre "capital circulante" e "capital em giro", ficando bem claro que aquêle é o capital exigível e êste representa a parte do ativo empregada realmente em atividades operacionais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1962
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