Acessibilidade / Reportar erro

Em busca de uma tipologia de projetos: notas sobre a adaptabilidade do enfoque e dos conceitos da administração de projetos

ARTIGO

Em busca de uma tipologia de projetos: notas sobre a adaptabilidade do enfoque e dos conceitos da administração de projetos

Jorge Luiz B. Nóbrega

Professor no Centro de Planejamento e Desenvolvimento da Escola Interamericana de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas

1. INTRODUÇÃO

"Quando eu uso uma palavra - disse Humpty Dumpty em tom de escarninho - ela significa exatamente aquilo que eu quero que signifique... nem mais nem menos.

A questão - ponderou Alice - é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes." (Lewis Carrol, Alice no pais das maravilhas).

O setor público vem utilizando cada vez mais intensamente o conceito de projeto para caracterizar alguns tipos de ação governamental. A consequüência óbvia pareceria ser a utilização da administração de projetos, suas técnicas e seu enfoque, para tomar mais eficiente e eficaz a ação do Estado. Ocorre que entre o contexto em que surge a administração de projetos e aquele em que o Estado utiliza o conceito de projeto parece existir uma larga distância. A análise a seguir pretende mapear (ainda que em linhas gerais) essa distância, discutir o que é, afina de contas, um projeto do Estado e verificar a validade da utilização da administração de projetos nesse contexto.

Quando procuramos uma definição precisa para o termo "projeto", encontramos inicialmente dois enfoques claramente distintos.

O primeiro, um enfoque técnico-administrativo, que privilegia a execução, e que normalmente se volta para ações do setor privado, ainda que vinculadas a demandas do setor público;1 1 "... A diferença dos processos não-repetitivos é que eles nunca foram executados antes e não o serão depois: por razões óbvias eles são denominados projetos" (Lock, Dermis L. Project management. London, Grower Press, 1968). "... trabalhos únicos são considerados projetos" (Martino, R. Project management. Wayne, Penn., 1968. Trad. do autor). "... projetos são meios pelos quais novos produtos são concebidos, desenvolvidos e trazidos ao mercado" (Archibald, Russell D. Managing high-tecnology program and projects. Bendix Corporation, JohnNiley, 1976. trad. do autor). "... um projeto tem um conjunto único de objetivos: atingilos representa completar o projeto... um projeto tem um ciclo de vida finito e bem defmido. Não é uma atividade que se repetirá como parte da existência normal da organização" (Martin, Charles C Project management - how to make it work. Amacom, 1976. trad. do autor).

O segundo, um enfoque económico, que acentua a avaliação, e que em geral refere-se ao projeto como etapa do processo de planejamento (seja aquele executado pelo setor público ou privado).2 2 "Projeto é um conjunto de elementos que permite avaliar, qualitativa e quantitativamente, as vantagens ou desvantagens da aplicação dos recursos, de qualquer natureza, para a produção de bens ou serviços (... ) o projeto, como documento que traduz um processo de planejamento, deve apresentar exequibilidade técnica, viabilidade econômica, conveniência social e aceitação política" (Belchior, Procópio G. Planejamento e elaboração de projetos. Editora Americana, 1974). "... o projeto objetiva o estudo do uso mais racional dos recursos econômicos (escassos) para a produção de um bem ou serviço, em todos os detalhes econômicos e técnicos" (Carvalho, Horácio. Introdução ao planejamento. Editora Brasiliense, 1978). "... o projeto corresponde ao conjunto de informações, sistemática e racionalmente ordenadas, que nos permite estimar os custos e benefícios de um determinado investimento ... " (Holanda, Nilson. Planejamento e projetos. APEC/MEC. 1975). Essa diferença de ênfase, aparentemente pouco relevante porque complementar, vai-se tomar um complicador adicional, como veremos, da confusão conceituai que atinge a administração de projetos como área de conhecimento.

O conjunto de conhecimentos mostrado sob a denominação geral de "administração de projetos" surge sob o enfoque técnico-administrativo, na década de 50, nos EUA. Apesar de o setor público ter desencadeado o surgimento da administração de projetos, é o setor privado que o desenvolve e dissemina a sua utilização.3 3 "... no começo e em meados dos anos 60, uma implementação excessivamente complexa de suas técnicas pelo Departamento da Defesa, que forçou a complexidade de seus contratados ..." (Martin, Charles, op. cit). Esse comentário demonstra a indução à utilização da administração de projetos pelo setor privado através do estímulo do setor público. Na verdade, técnicas e enfoques isolados surgiram quase que concomitantemente em empresas eno governo após a II Guerra Mundial, como exemplificam os casos já clássicos da Dupont e do Projeto Náutilus. Nessa ótica, o projeto é entendido como um conjunto de atividades que têm, cada uma e no seu conjunto, uma duração estimável"e finita, visando oferecer determinado produto. Esse produto é bem definido e a preocupação da organização privada é secundariamente com os impactos e resultados do oferecimento do produto e primordialmente com sua sobrevivência, através do lucro obtido com sua comercialização.4 4 Observe-se que não estamos caracterizando a existência de um mercado para o produto. A comercialização, então, pode aqui ser entendida como o funcionamento do mercado, no estilo clássico, e o produto tem características que o individualizam e o diferenciam de outros produtos oferecidos pela organização, requerendo procedimentos particulares, técnicos, administrativos e comerciais, de modo a podermos conceituá-lo como projeto. Num sentido menos ortodoxo, a comercialização pode aqui ser entendida também como o oferecimento dos serviços que possibilitam a obtenção do produto, como é o caso da construção de grandes obras de engenharia para o governo. Tal conjunto de atividades, na maior parte dos casos, se constitui em investimentos em capital fixo, em pesquisa e desenvolvimento de produtos ou no oferecimento de serviços que possibilitem a criação de infra-estrutura física. Olhando um pouco mais para trás, observamos que essa visão técnico-administrativa surge na engenharia. O projeto é, nessa concepção inicial, o detalhamento de todos os elementos que constituirão o produto final, de forma gráfica, pictória, descritiva ou matemática, e o estabelecimento de relações físicas entre esses elementos.

É, assim, uma simulação da realidade de forma a que se possa viabilizar o produto final enquanto obra de engenharia, respeitando suas regras técnicas, e otimizar a utilização dos recursos, minimizando os custos de construção e sua duração total. O projeto é, então, um modelo, conforme a concepção de Ackoff.5 5 "... Modelos são representações de sistemas que sirvam (... ) à experimentação necessária para se conseguir conhecimentos e controles de tais sistemas..." (Ackoff, RusseL Planejamento empresarial Rio de Janeiro, Editora LTC, 1981. p. 9. Ele atuará como marco referencial, como memória, instrumento de controle e direcionamento da sua implantação, e usará as informações concretas da execução para, através de comparação com a concepção original, gerar conhecimentos que possibilitem,, no futuro, o delineamento de melhores soluções. Dessa maneira, o projeto também impessoaliza o conhecimento, a experiência, o acompanhamento e o controle, ditando uma linguagem comum aos indivíduos envolvidos no processo.

2. O PROJETO NO SETOR PÚBLICO

O projeto surge no setor público através dessa ligação com a engenharia. Nesse sentido, as denominadas "obras públicas" passam a se constituir em projetos para as empresas privadas delas encarregadas. Em geral, todos os itens de investimento público em infra-estrutura começam a receber a denominação de projeto também pelos membros da burocracia do Estado encarregada de planejá-los, aprová-los, contratá-los e fiscalizá-los. Dessa maneira, o projeto passa a ser o instrumento concreto da ação governamental não rotineira antes mesmo que se delineassem as estruturas de planejamento que viriam tentar conjugar a ação do Estado em tomo de objetivos mais amplos e integrados. Com a intensificação da ação do Estado, o termo vai-se tomando corriqueiro no dialeto particular da burocracia governamental.

O que eram, mais especificamente, até esse momento, os projetos públicos? Não eram necessariamente projetos de pequeno porte. Não eram, em muitos casos, soluções de engenharia fáceis, principalmente considerando que as tecnologias no setor tiveram evolução acentuada. O que os diferenciava de muitos projetos contemporâneos era, primeiro, a simplicidade dos objetivos: o objetivo era normalmente bastante localizado e simples, já que o planejamento econômico era uma atividade restrita e pouco complexa e o Estado atuava principalmente na criação de infra-estrutura. Em segundo lugar (e bastante relacionada com a primeira diferença), a natureza pouco integrada desses projetos enquanto instrumentos de indução do desenvolvimento econômico. Uma certa integração setorial poderia se dar, ao nível da infra-estrutura: as obras públicas de transportes, por exemplo, estavam relacionadas entre si, bem como a construção de açudes no Nordeste no início do século.6 6 Ver Souza, João Gonçalves. O Nordeste brasileiro: uma experiência de desenvolvimento regional. FGV/BNB, 1979. p. 116. Entretanto, nada havia de parecido com os grandes programas de desenvolvimento levados a cabo pelo Estado, que pretendem executar ações sistêmicas, intersetoriais que observem os efeitos cruzados de cada ação individual, atuando de forma integrada.7 7 O Nordeste é um bom exemplo, em termos de experiência do planejamento regional, para caracterizar essa evolução. A fase denominada "hidráulica", inicial da intervenção (por volta de 1880), surge com a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), que realizava obras físicas e obrigava, em seus estatutos, que seus cargos de direção fossem ocupados somente por engenheiros, como a definir sua filosofia de trabalho. A evolução gradativa da forma de intervenção vai torná-la bastante mais complexa após a seca de 1958, com a adoção das propostas do GTDN que visavam a execução de um conjunto de medidas que assegurassem o desenvolvimento da região eomo um todo. (Ver Souza, João Gonçalves, op. cit; e Barros, José Roberto Mendonça. A experiência regional de planejamento. In: Planejamento no Brasil. Betty Mindlin Lafer, Editora Perspectiva, 1975.)

A utilização do orçamento-programa veio consolidar o projeto na administração pública como terminologia corrente. Unindo-se a tradição técnico-administrativa do conceito-projeto à função do orçamento-programa como elemento integrador e realizador do processo de planejamento, o projeto passa a ser "o instrumento de ação sobre um conjunto de elementos que se combinam para obtenção de metas precisamente quantificadas, as quais realizadas normalmente não se repetem em outro exercício financeiro e permitem ou facilitam a execução, ou melhoria de execução, de uma ou mais atividades".8 8 Machado Jr., J. Teixeira. O orçamento-programa no Brasil. Revista do Serviço Público, DASP, jan./abr. 1973, p. 104. Vai diferenciar-se da atividade normal, permanente, que contribui para o atingimento dos objetivos do programa, exclusivamente pela variável tempo. Na verdade, a própria literatura específica de orçamento-programa discute a validade técnica da distinção projeto-atividade.9 9 "... na prática, não seria melhor fundir os dois conceitos? (...) na dura realidade, é através da atividade que o Governo realiza sua missão e, talvez, por isto é que muitos países, como França e Canadá, falem tão-somente em um programa-atividade" (Machado Jr., J. Teixeira, op. cit).

O que observamos, no momento atual, é a convivência de diversos tipos de ação governamental não-rotineira: algumas se enquadram na concepção ortodoxa de projeto - obras viárias, hidrelétricas, portos, etc. Outras ações, no âmbito do Estado que existiam ou não anteriormente, mas que passam a ser executadas com maior ênfase, tomam emprestada para si a nomenclatura de projeto, seja pela influência do orçamento-programa, seja por um fenômeno de mimetismo. Ações de desenvolvimento rural integrado, ações de preparação e melhoria qualitativa e quantitativa de recursos humanos, ações de pesquisa e desenvolvimento a fundo perdido (muitas vezes com objetivos mais difusos, como é o caso da pesquisa acadêmica pura), ações de promoção social em geral e outras. A maioria desses "novos projetos" inclui a execução de obras físicas e investimentos específicos, mas vai bem além disso. Alguns pressupostos e condições de surgimento do conceito de projeto vão se modificar, impedindo a transposição do conceito ortodoxo de projeto para esses "novos projetos", o que vai afetar a utilização do conjunto de conhecimentos conhecido como "administração de projetos" por esses projetos não-ortodoxos.10 10 Dilema semelhante se observa na utilização dos conceitos de planejamento estratégico pelas organizações públicas. (Ver Motta, Paulo Roberto. Planejamento estratégico em organizações sem fins lucrativos: considerações sobre dificuldades gerenciais. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, FGV, 13(3), juL/set. 1979.

Nesse contexto, as questões a serem discutidas são:

- Que tipos de ação não-rotineira desenvolve o Estado e como elas se relacionam ao conceito tradicional de projeto?

- Que diferenças são intrínsecas ao loco do projeto, isto é, ao fato de ser ele executado por uma organização pública ou privada?

- Que especificidades são criadas por essas diferenças e que tipos de influência elas têm no modus operandi tradicional da administração de projetos?

3. A CONCEPÇÃO DE PROJETO E A FASE DE OPERAÇÃO

Na sua concepção ortodoxa, ou do ponto de vista privado (como é o caso das empreiteiras que executam obras físicas para o Estado), o projeto termina quando se implanta fisicamente, ou, no máximo, na fase pré-operação, quando o funcionamento do mesmo é testado. A partir daí, o conceito de projeto se dilui, passando-se a operar continuamente o sistema criado - estruturas de gerência para operação do sistema são criadas (ou se aproveitam as estruturas anteriores da organização que implanta o projeto para geri-lo), recursos humanos para a operação são alocados, orçamentos de custeio são definidos para operá-la Em muitos projetos públicos essa fase se incorpora ao projeto. O projeto passa a ter uma definição temporal que antecede a estimativa de sua duração de implantação; após a implantação do projeta a fase de operação segue como conseqüência imediata, até que se esgote a duração orçamentária do projeto; a gerência passa a confundir implantação do projeto com operação de projeto implantado, etapas em que os enfoques administrativos tendem a ser bastante diferentes. Exemplos típicos dessa situação são projetos ligados a programas de saúde e educação e projetos de desenvolvimento rural integrado.

Caracterizam uma distorção ainda maior os projetos não-ortodoxos que se subordinam a programas especiais, e que se utilizam totalmente de estruturas, recursos físicos e humanos existentes e executam atividades rotineiras e permanentes com pequenos objetivos estilísticos próprios ou ênfases particulares; eles são projetos tãosomente no orçamento. Através desse tipo de projeto o Estado teria, teoricamente, flexibilidade para modificar e complementar algumas de suas ênfases e prioridades sem afetar a execução de suas atividades consideradas normais. Assim é que, no setor educacional, o ensino de 1.º e 2.º graus é considerado atividade normal e permanente do Estado, independente das prioridades governamentais ou das mudanças de enfoque político do Governo. Os programas especiais, que se materializam em projetos, passam a ser prioridades do Estado em determinado periodo, com a flexibilidade necessária para que as mudanças ambientais permitam sua adaptação ou extinção. O que ocorre é que muitos programas se eternalizam enquanto tal, mudando de roupagem, e os projetos têm seus orçamentos recompostos periodicamente, cristalizando e institucionalizando aquele tipo de ação governamental. Concorre para isso o fato de que as organizações públicas (e o próprio Estado enquanto estrutura organizacional) procuram a continuidade, a coerência e a estabilidade. A pressão interna de seus membros, cuja sobrevivência institucional não aparece tão intimamente ligada à eficiência e à eficácia da organização (de resto, bastante difíceis de serem observadas em organizações públicas)11 11 Motta, Paulo Roberto, op. cit e que adotam um comportamento conservador ou imobilista como mecanismo de defesa, aliada à pressão externa que reprime ambigüidades, fazem com que as organizações públicas devam transparecer ordenamento e estabilidade. Por outro lado, como sua clientela e estrutura de poder na sociedade não mudam a médio prazo, mantém as demandas pelas ações corporificadas nesses projetos não-ortodoxos que, portanto, se arrastam no tempo.

Na prática, os indivíduos contratados via projetos de programas especiais tendem a lutar pela manutenção dos mesmos para garantir sua permanência na organização. Essa distorção chega ao extremo quando os programas especiais e projetos são utilizados como mecanismo de operação, gerência financeira e financiamento: o programa e o projeto passam a ser forjtes financeiras que não necessariamente vinculam seus dispêndios aos gastos necessários para atendimento de seus objetivos. Funcionários são contratados por um "projeto" para trabalhar em atividades rotineiras da organização ou em outros projetos, existindo até "projetos-fantasma", cuja razão de ser é financiar outros itens de custeio. Essa prática toma-se mais comum nos momentos de escassez, quando os cortes orçamentários descendentes inviabilizam muitas vezes as atividades contínuas da organização. A aderência ao objetivo do projeto com isso perde consistência12 12 Os dispositivos administrativos e legais que regem os programas especiais conferem-lhes mais flexibilidade e agilidade. Isso estimula esse tipo de distorção mesmo fora dos momentos de escassez.

4. OBJETIVOS DA ADMINISTRAÇÃO DE PROJETOS E VALIDADE EM DIFERENTES CONTEXTOS

A administração de projetos, em sua ótica privada, busca três diferentes objetivos. Tais objetivos muitas vezes não são compatíveis com a administração de projetos públicos, ou enfrentam dificuldades adicionais. Esses objetivos são a melhor programação e otimização de recursos, a minimização da duração temporal da fase de implantação e a flexibilidade organizacional que permita adaptação.

4.1 Melhor programação e otimização de recursos

Estamos falando aqui do critério de eficiência econômica do projeta Dado determinado conjunto de recursos, a relação produto/insumo deve ser maximizada A observação desse fenômeno é bastante mais simples quando o critério de aferição da eficiência do produto é simplesmente o valor econômico gerado, ou quando isso pode ser percebido pelas especificações técnicas e físicas (especificações de engenharia) definidas anteriormente na elaboração do projeto. Nesse caso, a minimização do custo passa a ser o principal critério de eficiência econômica do projeto.

Como essa relação vai gerar a margem de lucro da organização, esse passa a ser o elemento mais importante na garantia de sua sobrevivência Entretanto, a sobrevivência da organização pública não é garantida pela sua capacidade de gerar recursos, mas principalmente pela sua aderência à missão institucional definida em centros de decisão externos. Assim, a otimização dos recursos é aqui um elemento menos vital, e qualquer controle nesse sentido (naturalmente desejável) é de implantação bastante mais difícil.

Esse ponto não se refere apenas a eficiência na implantação do projeto, mas à própria escolha do projeto a ser executado, isto é, a avaliação ex-ante ou análise do projeto. Os projetos privados (mesmo quando têm seus financiamentos analisados pelo setor público, no caso dos bancos de fomento), são vistos por uma ótica mais simples. A organização (ou o banco que a financiará) está interessada em conhecer a capacidade de gerar recursos do projeto e a oportunidade relativa em executá-lo.13 13 A viabilidade social do projeto é geralmente examinada considerando três fatores nessa ordem: a) avaliação da capacidade empresarial; b) análise de mercado do produto final do projeto; c) analise de mercado dos insumos necessários ao projeto. (Ver Contador, Cláudio Roberto. Avaliação social de projetos. Atlas, 1981. )

4.2 Minimização da duração da implantação

Outro critério de eficiência (nesse caso, eficiência gerencial diretamente ligada à eficiência econômica) é o da minimização da duração total da execução do projeto. Mesmo entre diferentes projetos ortodoxos, o grau de incerteza associado à duração varia intensamente. Obviamente, atrasos poderão causar lucros adiados e diminuídos, custos maiores e penalidades, além de possíveis prejuízos estratégicos. Adiantamentos poderão ter efeitos contrários. Nos projetos não-ortodoxos, essa minimização da duração enfrentará dificuldades adicionais:

- a lentidão da dinâmica organizacional, o grau excessivo de controle, o atraso na liberação de recursos serão restrições irremovíveis a dificultar o atendimento desse objetivo;

- a administração do processo tem menor domínio sobre variáveis importantes da organização e do projeto, com menor autonomia relativa;

- a minimização da duração total não é tão claramente um objetivo da administração do projeto, porque não se materializa em custos ou lucros. Teoricamente, a implantação mais rápida de um projeto, no mesmo nível de qualidade, significará que seus objetivos finais estarão sendo alcançados mais cedo, e com isso a administração (de qualquer tipo de projeto) estará sendo mais eficiente. Entretanto, o ponto de vista da "cultura organizacional" nos projetos públicos pode ser exatamente o contrário. Terminar cedo o projeto não significa necessariamente recompensa, mas uma carga adicional de trabalho ou um novo projeto (em épocas de abundância), ou um maior risco de demissão (em momentos de escassez) por causa da "ociosidade eficiente".

4.3 O objetivo da flexibilidade organizacional

A organização privada, ao implantar um projeto ortodoxo, pode ter um comportamento adaptativo que a permite buscar uma estrutura adequada, eventuais modificações on going e voltar (ou não) à estmtura tradicional no término do projeto. Organizações privadas que se estruturam por projetos, como as empreiteiras, obtêm uma estmtura flexível através de uma administração descentralizada. Além disso, a flexibilidade permitirá à gerência financeira otimizar seus recursos através de fluxos de caixa adequados. As organizações públicas não têm essa flexibilidade organizacional tão acentuada, observandose uma tendência à institucionalização de grupos reunidos para execução de atividades temporalmente limitadas.

5. TENTANDO CONSTRUIR UMA TIPOLOGIA DE PROJETOS

Parece claro que o conceito inicial de projeto foi ao longo do tempo incorporando modificações e assumindo diferentes significados, de tal fornia que temos hoje apenas um termo para identificar diferentes contextos. Logo, a administração de projetos, como campo de saber e conjunto de técnicas, deve estar atenta a essas variações e adaptar-se a cada situação. Vamos tentar isolar cada fator desviante e estabelecer uma classificação embrionária que nos permita perceber o que pode mudar, afinal, na administração de projetos em cada novo caso. Para isso, tomemos como referência o conceito ortodoxo de projeto, ou seja, projeto com duração definida e limitada, visto sob a ótica privada, objetivando maximizar o retomo financeiro do investimento, que se concentra na fase de implantação (ou desenvolvimento) chegando, no máximo, à pré-operação, e executado por apenas uma instituição. Chamemo-lo de projeto ortodoxo.

5.1 Mudança quanto à ótica do projeto: projeto ortodoxo x projeto público14 14 Projeto público é o projeto executado pelo setor público, seja através de seus órgãos da administração direta ou indireta. O que importa aqui é que a maior parte dos recursos utilizados são originários do setor público e este tem a responsabilidade da implantação do projeto apesar de não necessariamente executá-la fisicamente. Projeto privado é um projeto executado pelo setor privado, com maioria de recursos privados (ainda "que esses possam ser originários, por empréstimo, do setor público). A responsabilidade da implantação é de uma organização privada. Essa não é a conceituação jurídica do problema.

Os projetos vistos sob a ótica do setor público devem considerar a complexidade da estmtura organizacional envolvida e a menor autonomia de controle. Devem considerar também a legislação pertinente. Mesmo que sejam projetos que pretendam maximinar o retomo do investimento, devem utilizar critérios sociais de avaliação (preços sociais, na análise benefício-custo, por exemplo). Nesses casos, normalmente, o governo não se envolve direta e fisicamente na implantação do projeto, mas contrata uma organização privada. Assim, a instituição que controla não é a mesma que executa as atividades do projeto. Percebe-se que um mesmo projeto pode ser visto pela ótica do setor público (organização contratante) ou do setor privado (organização executora).

5.2 Mudança quanto à existência da fase de operação: projeto ortodoxo x quase-projeto

Muitos projetos (normalmente projetos públicos) incorporam a fase de operação até um ponto de maturação (ou emancipação). É uma característica distorcida da pré-operação, pois o período é extremamente longo. Como exemplo de quase-projeto podemos citar os projetos de colonização do Incra. O controle das durações toma-se muito difícil e secundária A separação das fases de implantação e operação é muitas vezes impossível, freqüentemente correndo de forma simultânea.

5.3 Mudanças quanto a objetivos: projeto ortodoxo x projetos sociais

Esse desvio quase se confunde com a diferença de ótica do projeto: privada e pública. Entretanto, projetos sociais aqui são projetos cujos produtos e objetivos são muito difíceis de serem mensurados economicamente. Os projetos de educação, saúde, habitação, por exempla Existem projetos públicos sociais e não-sociais, portanto. Esses projetos são avaliados por critérios não diretamente econômicos, mas por indicadores sociais. Suas medidas de eficiência são completamente diferentes. Os fluxos de informação são mais difusos, e a maior separação produto-objetivo alarga a distância entre eficiência e eficácia.

5.4 Mudanças quanto à unicidade institucional da execução: projeto ortodoxo x multiprojeto

O multiprojeto é um projeto executado em várias partes, cada qual sob responsabilidade de uma diferente organização; é quase um programa. Esse tipo de projeto requer uma estmtura organizacional muito flexível, fluxos de informação rápidos e padronizados e requisitos gerenciais maiores. Requer também uma programação mais acurada das atividades e das relações entre atividades das diferentes organizações. Os projetos de desenvolvimento rural integrado são exemplos de multiprojetos.

Tais categorias são unidimensionais, ou seja, são criadas a partir de mudanças em cada aspecto isolado que caracteriza o projeto ortodoxo. Obviamente, a partir daí, teríamos categorias combinadas: existem "projetos" de características tão diferentes dos projetos ortodoxos que a administração de projetos deve incorporar todas essas modificações. Os projetos de desenvolvimento rural integrado, por exemplo, são ao mesmo tempo projetos públicos, quase-projetos, projetos sociais e multiprojetos. Não se pode, então, pensar que a administração de projetos, da forma como foi inicialmente concebida, lhes possa ser útil.

  • 1 "... A diferença dos processos não-repetitivos é que eles nunca foram executados antes e não o serão depois: por razões óbvias eles são denominados projetos" (Lock, Dermis L. Project management. London, Grower Press, 1968).
  • "... trabalhos únicos são considerados projetos" (Martino, R. Project management. Wayne, Penn., 1968. Trad. do autor).
  • "... projetos são meios pelos quais novos produtos são concebidos, desenvolvidos e trazidos ao mercado" (Archibald, Russell D. Managing high-tecnology program and projects. Bendix Corporation, JohnNiley, 1976. trad. do autor).
  • "... um projeto tem um conjunto único de objetivos: atingilos representa completar o projeto... um projeto tem um ciclo de vida finito e bem defmido. Não é uma atividade que se repetirá como parte da existência normal da organização" (Martin, Charles C Project management - how to make it work. Amacom, 1976. trad. do autor).
  • 2 "Projeto é um conjunto de elementos que permite avaliar, qualitativa e quantitativamente, as vantagens ou desvantagens da aplicação dos recursos, de qualquer natureza, para a produção de bens ou serviços (... ) o projeto, como documento que traduz um processo de planejamento, deve apresentar exequibilidade técnica, viabilidade econômica, conveniência social e aceitação política" (Belchior, Procópio G. Planejamento e elaboração de projetos. Editora Americana, 1974).
  • "... o projeto objetiva o estudo do uso mais racional dos recursos econômicos (escassos) para a produção de um bem ou serviço, em todos os detalhes econômicos e técnicos" (Carvalho, Horácio. Introdução ao planejamento. Editora Brasiliense, 1978).
  • "... o projeto corresponde ao conjunto de informações, sistemática e racionalmente ordenadas, que nos permite estimar os custos e benefícios de um determinado investimento ... " (Holanda, Nilson. Planejamento e projetos. APEC/MEC. 1975).
  • 6 Ver Souza, João Gonçalves. O Nordeste brasileiro: uma experiência de desenvolvimento regional. FGV/BNB, 1979. p. 116.
  • 8 Machado Jr., J. Teixeira. O orçamento-programa no Brasil. Revista do Serviço Público, DASP, jan./abr. 1973, p. 104.
  • 10 Dilema semelhante se observa na utilização dos conceitos de planejamento estratégico pelas organizações públicas. (Ver Motta, Paulo Roberto. Planejamento estratégico em organizações sem fins lucrativos: considerações sobre dificuldades gerenciais. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, FGV, 13(3), juL/set. 1979.
  • 13 A viabilidade social do projeto é geralmente examinada considerando três fatores nessa ordem: a) avaliação da capacidade empresarial; b) análise de mercado do produto final do projeto; c) analise de mercado dos insumos necessários ao projeto. (Ver Contador, Cláudio Roberto. Avaliação social de projetos. Atlas, 1981.
  • 1
    "... A diferença dos processos não-repetitivos é que eles nunca foram executados antes e não o serão depois: por razões óbvias eles são denominados projetos" (Lock, Dermis L.
    Project management. London, Grower Press, 1968).
    "... trabalhos únicos são considerados projetos" (Martino, R.
    Project management. Wayne, Penn., 1968. Trad. do autor).
    "... projetos são meios pelos quais novos produtos são concebidos, desenvolvidos e trazidos ao mercado" (Archibald, Russell D.
    Managing high-tecnology program and projects. Bendix Corporation, JohnNiley, 1976. trad. do autor).
    "... um projeto tem um conjunto único de objetivos: atingilos representa completar o projeto... um projeto tem um ciclo de vida finito e bem defmido. Não é uma atividade que se repetirá como parte da existência normal da organização" (Martin, Charles C
    Project management - how to make it work. Amacom, 1976. trad. do autor).
  • 2
    "Projeto é um conjunto de elementos que permite avaliar, qualitativa e quantitativamente, as vantagens ou desvantagens da aplicação dos recursos, de qualquer natureza, para a produção de bens ou serviços (... ) o projeto, como documento que traduz um processo de planejamento, deve apresentar exequibilidade técnica, viabilidade econômica, conveniência social e aceitação política" (Belchior, Procópio G.
    Planejamento e elaboração de projetos. Editora Americana, 1974).
    "... o projeto objetiva o estudo do uso mais racional dos recursos econômicos (escassos) para a produção de um bem ou serviço, em todos os detalhes econômicos e técnicos" (Carvalho, Horácio.
    Introdução ao planejamento. Editora Brasiliense, 1978).
    "... o projeto corresponde ao conjunto de informações, sistemática e racionalmente ordenadas, que nos permite estimar os custos e benefícios de um determinado investimento ... " (Holanda, Nilson.
    Planejamento e projetos. APEC/MEC. 1975).
  • 3
    "... no começo e em meados dos anos 60, uma implementação excessivamente complexa de suas técnicas pelo Departamento da Defesa, que forçou a complexidade de seus contratados ..." (Martin, Charles, op. cit). Esse comentário demonstra a indução à utilização da administração de projetos pelo setor privado através do estímulo do setor público. Na verdade, técnicas e enfoques isolados surgiram quase que concomitantemente em empresas eno governo após a II Guerra Mundial, como exemplificam os casos já clássicos da Dupont e do Projeto Náutilus.
  • 4
    Observe-se que não estamos caracterizando a existência de um mercado para o produto. A comercialização, então, pode aqui ser entendida como o funcionamento do mercado, no estilo clássico, e o produto tem características que o individualizam e o diferenciam de outros produtos oferecidos pela organização, requerendo procedimentos particulares, técnicos, administrativos e comerciais, de modo a podermos conceituá-lo como projeto. Num sentido menos ortodoxo, a comercialização pode aqui ser entendida também como o oferecimento dos serviços que possibilitam a obtenção do produto, como é o caso da construção de grandes obras de engenharia para o governo.
  • 5
    "... Modelos são representações de sistemas que sirvam (... ) à experimentação necessária para se conseguir conhecimentos e controles de tais sistemas..." (Ackoff, RusseL
    Planejamento empresarial Rio de Janeiro, Editora LTC, 1981. p. 9.
  • 6
    Ver Souza, João Gonçalves.
    O Nordeste brasileiro: uma experiência de desenvolvimento regional. FGV/BNB, 1979. p. 116.
  • 7
    O Nordeste é um bom exemplo, em termos de experiência do planejamento regional, para caracterizar essa evolução. A fase denominada "hidráulica", inicial da intervenção (por volta de 1880), surge com a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), que realizava obras físicas e obrigava, em seus estatutos, que seus cargos de direção fossem ocupados somente por engenheiros, como a definir sua filosofia de trabalho. A evolução gradativa da forma de intervenção vai torná-la bastante mais complexa após a seca de 1958, com a adoção das propostas do GTDN que visavam a execução de um conjunto de medidas que assegurassem o desenvolvimento da região eomo um todo. (Ver Souza, João Gonçalves, op. cit; e Barros, José Roberto Mendonça.
    A experiência regional de planejamento. In:
    Planejamento no Brasil. Betty Mindlin Lafer, Editora Perspectiva, 1975.)
  • 8
    Machado Jr., J. Teixeira. O orçamento-programa no Brasil.
    Revista do Serviço Público, DASP, jan./abr. 1973, p. 104.
  • 9
    "... na prática, não seria melhor fundir os dois conceitos? (...) na dura realidade, é através da atividade que o Governo realiza sua missão e, talvez, por isto é que muitos países, como França e Canadá, falem tão-somente em um programa-atividade" (Machado Jr., J. Teixeira, op. cit).
  • 10
    Dilema semelhante se observa na utilização dos conceitos de planejamento estratégico pelas organizações públicas. (Ver Motta, Paulo Roberto. Planejamento estratégico em organizações sem fins lucrativos: considerações sobre dificuldades gerenciais.
    Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, FGV,
    13(3), juL/set. 1979.
  • 11
    Motta, Paulo Roberto, op. cit
  • 12
    Os dispositivos administrativos e legais que regem os programas especiais conferem-lhes mais flexibilidade e agilidade. Isso estimula esse tipo de distorção mesmo fora dos momentos de escassez.
  • 13
    A viabilidade social do projeto é geralmente examinada considerando três fatores nessa ordem: a) avaliação da capacidade empresarial; b) análise de mercado do produto final do projeto; c) analise de mercado dos insumos necessários ao projeto. (Ver Contador, Cláudio Roberto.
    Avaliação social de projetos. Atlas, 1981. )
  • 14
    Projeto público é o projeto executado pelo setor público, seja através de seus órgãos da administração direta ou indireta. O que importa aqui é que a maior parte dos recursos utilizados são originários do setor público e este tem a responsabilidade da implantação do projeto apesar de não necessariamente executá-la fisicamente. Projeto privado é um projeto executado pelo setor privado, com maioria de recursos privados (ainda "que esses possam ser originários, por empréstimo, do setor público). A responsabilidade da implantação é de uma organização privada. Essa não é a conceituação jurídica do problema.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1982
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br