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Quem tem poder na empresa?

COMENTÁRIOS

Quem tem poder na empresa?

Julio Lobos

Ph.D. Cornell University; ex-professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas; professor do Centro de Pós-Graduação em Administração da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG e professor do Centro de Desenvolvimento em Administração da Fundação João Pinheiro

Meia dúzia de engenheiros e eu tínhamos sentado para almoçar junto à única mesa disponível no restaurante da empresa X, onde já se encontrava o diretor-financeiro, iniciando sua refeição. Como estávamos na última semana do mês de novembro do ano passado, a conversação encaminhou-se rapidamente para a espetacular demolição do prédio "Mendes Caldeira", verificada recentemente em São Paulo. Aos poucos, o admirável evento passou a ser comentado por todos os presentes sob os ângulos mais inacreditáveis (por exemplo: "Vocês sabiam que com os restos do prédio poder-se-ia construir a décima parte da ponte Rio-Niteroi? ") .

Ostensivamente impassível, no meio do ruidoso grupo, nosso diretor-financeiro, só uma hora mais tarde, pediu licença para deixar a mesa.

Surpreso com tão estranha demonstração de impassibilidade, perguntei a um dos meus acompanhantes se aquela atitude do diretor-financeiro era habitual. Sua resposta: Sem dúvida! É que aquele homem tem poder, sabe?

1. O QUE SE SABE SOBRE O PODER ORGANIZACIONAL

Acredite-se ou não, o comportamento do diretor-financeiro no exemplo citado é uma das tantas formas pelas quais é possível a uma pessoa influenciar interessadamente o comportamento de outras, isto é, exercer poder, dentro de uma organização. O nosso diretor-financeiro bem sabia que uma forma elementar de manipulação de poder organizacional é a de "manter as distâncias sociais". Quanto mais distante ele se mantiver das conversações banais dos subalternos, maior será a reafirmação de seu poder feita por aqueles.

O exercício do poder, seja na forma descrita ou mesmo estando apenas implícito, em muitas outras, é mais determinante na vida de uma empresa que o mais suculento empréstimo bancário. Aliás, existe razoável evidência científica apontando o fato de que as empresas crescem, se diversificam e até se auto-eliminam, como resultado de ferozes lutas internas, cuja causa é, obviamente, o poder. (Qualquer gerente com "educação superior e mais de três anos de experiência" sabe disso. Aliás, ele também participa da luta para conseguir sobreviver aos outros colegas gerentes e, se possível, viver sobre eles.)

Surpreendentemente, há muito pouco tempo os acadêmicos dedicaram-se apenas a estudar o poder exercido pelo ambiente sobre as corporações, e vice-versa. (Incidentalmente, descobriram que o "vice-versa" não era nada desprezível.) O poder organizacional, na sua dimensão interna, ficou então apenas classificado como "legal" ou "carismático". Expressa dessa forma, no entanto, a contribuição acadêmica demonstrou ser completamente inútil para o gerente de empresa. Muitos homens poderosos, em toda empresa, não são carismáticos, nem ocupam posições formais de alto nível. De fato, eles têm "algo" que os fazem poderosos.

A falta de interesse dos acadêmicos e a inabilidade dos práticos, quanto a desvendar o fenômeno do poder organizacional, no entanto, se justifica pelas seguintes razões:

1. O poder é matéria intangível. A primeira condição para o conhecimento científico de um fato é que ele seja passível de se medir. Esta é também uma condição geral para melhor entender quase tudo na vida. O poder organizacional, entretanto, se expressa sob formas extremamente difusas (ou até não se expressa), o que faz a sua medição particularmente difícil.

2. O poder é um fenômeno de causa múltipla. Não há nada mais confortável para o raciocínio humano que o estabelecimento de relações causa-efeito (exemplo: dado A, acontece B). No entanto, entendido como "um efeito", o poder organizacional não tem causa aparente ... ou tem muitas. (Por exemplo, o filho do dono da empresa quase nunca é desprovido de qualidades gerenciais, a tal ponto que a relação existente entre sua condição filial e sua parcela de poder organizacional seja perfeita.)

3. O poder constitui um tema "tabu" na nossa cultura. A cultura ocidental está evidentemente dividida em termos geoeconômicos. Nos países desenvolvidos o poder é o objetivo declarado de políticos, empresários e gerentes. Nos países sul-americanos menos desenvolvidos, pelo contrário, o fato de que o poder seja "bem-vindo" não significa que ele seja "bem-visto". Assim, enquanto um tipo de gerente adverte seu concorrente de que vai prejudicá-lo, se ousar atrapalhar as suas ambições, um outro tipo, ainda que pretendendo o mesmo, diz qualquer outra coisa, sem expressar suas verdadeiras intenções.

Apesar das dificuldades mencionadas, alguns trabalhos científicos e pseudocientíficos têm sido publicados recentemente sobre o tema do poder, a nível de grupo do indivíduo. As observações centrais desses trabalhos são objeto do presente artigo.

2. O PODER DOS GRUPOS

A distribuição de poder, entre os grupos pertencentes a uma organização, pode ser hierárquica (vertical) ou funcional (horizontal). Obviamente, a distribuição hierárquica é muito mais estável e previsível que a funcional. Por isso nos concentraremos, aqui, nesta última.

Há tempos, o Gerente de Manufatura de uma das maiores empresas automobilísticas do país me dizia:

"Faz algum tempo que esta empresa vem sendo dominada pelo pessoal de finanças. Eles controlam tudo: custos, metas de produção, contratações etc. Nós, que somos quem faz os carros, temos de nos subordinar a essa gente. Isso é como o rabo mexendo o cachorro. Você não acha? "

Aquele gerente tinha razão, ao apontar a crescente influência do grupo financeiro nos destinos da sua empresa. Aliás, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, a maioria das empresas automobilísticas estão comandadas por homens saídos da área financeira. Mas ele se mostrava incapaz de entender por que isso estava acontecendo. Definitivamente, aquela gente tinha "algo" que a fazia poderosa.

Vejamos, agora, a opinião coletada, na mesma época, do gerente-financeiro de uma grande empresa petroquímica sediada em São Paulo:

"Olha, aqui eu não existo. Não existo, mesmo! Oitenta por cento dos nossos custos operacionais correspondem ao preço de matérias-primas, o qual é estabelecido pelo gerente de suprimentos com o fornecedor. Os 20% restantes (dos custos operacionais) são um problema do gerente de fábrica, e não meu. Ele pode fazer o que bem entender, dentro do orçado. Eu apenas tomo conhecimento e contabilizo. Francamente, às vezes eu me pergunto como é que pagam tanto para se fazer tão pouco."

As opiniões anteriores fazem parte de uma pesquisa maior, por mim desenvolvida recentemente, com apoio do núcleo de Pesquisas e Publicações da EAESP/FGV.1 Assim, foi possível relacionar estas diferenças na influência dos diversos grupos funcionais a diferenças tecnológicas e de mercado existentes entre as empresas pesquisadas.

Nas empresas automobilísticas, por exemplo, a tecnologia é complexa (julgando pelo número de operações manuais efetuadas na montagem do carro) e os preços de venda ao consumidor estão sob controle governamental. A complexidade da tecnologia implica a possibilidade de incorrer em ineficiência operacional que, conforme o controle de preços, incide negativamente sobre a margem de contribuição por unidade de produto. Não é surpreendente, então, que a atenção gerencial, nestas empresas, esteja preferencialmente voltada para a racionalização dos custos. Explica-se, assim, o predomínio do grupo financeiro dentro da sua estrutura de poder.

Comparada com as das empresas automobilísticas, a complexidade da tecnologia nas empresas petroquímicas (sempre julgando pelo número de operações manuais envolvidas no processamento do produto) é muito pequena. Além disso, o controle governamental sobre os preços, nesta área, é, na realidade, uma iniciativa recente. Assim, a preocupação gerencial se focaliza mais no controle das incertezas inerentes a um mercado imaturo do que em qualquer outra coisa. Em conseqüência disso, o grupo de marketing é o mais poderoso, seguido pelo de pesquisas (R&D) e manufatura.

A conclusão geral da pesquisa comentada confirma outras descobertas já feitas sobre o tema, nos Estados Unidos. Assim: a) a distribuição de poder organizacional, entre os grupos funcionais, varia de empresa para empresa (exemplo: o grupo de finanças é mais poderoso numa empresa automobilística do que numa empresa petroquímica); b) a posição de poder de cada grupo funcional é proporcional a seu relativo controle sobre as incertezas ambientais que ameaçam a sobrevivência da organização (exemplo: finanças e Marketing controlam as forças que influem mais fortemente sobre a margem de contribuição por unidade de produto nas empresas automobilísticas e petroquímicas, respectivamente); e c) a estrutura de distribuição de poder organizacional, entre os grupos funcionais, tende a variar com o tempo (exemplo: se o CIP deixasse de existir, o grupo de finanças provavelmente perderia grande parte do seu poder nas empresas automobilísticas).

Porém, a noção de que a estrutura de poder de uma empresa é, em boa parte, uma reação às suas particulares incertezas ambientais ainda não consegue desvendar a lógica que existe por trás do assunto. O poder tanto pode ser "extraído" do ambiente (como no exemplo anterior) quanto manipulado pelo grupo, na direção de seus próprios interesses. Tomemos, por exemplo, o caso da gerência de administração de pessoal de uma das empresas automobilísticas incluídas na pesquisa anterior.

Neste caso, o gerente estava consciente, desde o início, da sua fraca posição de poder (enfim, ele não tinha participação da manufatura do carro, na racionalização dos custos de produção, etc). Dessa forma, sua estratégia para melhorar esta situação foi criar artificialmente algum tipo de incerteza ambiental passível de ser enfrentado exclusivamente pelo pessoal de sua área.

Assim, o nosso homem exagerou, perante a direção da empresa, as dificuldades inerentes à captação oportuna de recursos humanos do mercado externo de trabalho. Criada a incerteza, ele passou a controlá-la de três formas: a) montando uma incompreensível maquinaria burocrática para o recrutamento e seleção; b) condicionando todas as decisões sobre contratações e salários à sua própria assinatura; e c) informando diretamente o diretor-gerente da empresa sobre qualquer transgressão a estas regras. Dessa forma, ele obrigou os gerentes de linha a consultá-lo sobre um problema de fato inexistente! Atrapalhando a vida dos outros, também é possível conseguir poder numa empresa.

Até aqui, o leitor provavelmente tem a impressão de que o poder alcançado por um grupo depende tanto da medida em que este controla monopolisticamente as incertezas ambientais, quanto de seus esforços manipulativos neste sentido. Essa impressão, porém, ainda é incompleta. Nas empresas, os grupos raramente operam sozinhos. Muito pelo contrário, estabelecem coalizões e alianças, preferencialmente a partir de seu próprio relacionamento de trabalho.

Lawrence e Lorsch,2 da Universidade de Harvard, estudaram três tipos de indústrias manufatureiras: de plásticos, de recipientes (containers) e de alimentos processados, descobrindo que quando o serviço ao cliente era crítico para a sobrevivência da empresa, como no caso da empresa manufatureira de recipientes, era requerida uma forte integração entre os grupos de produção e de vendas. Isso, para manter o planejamento da produção sob controle e orientado de forma a satisfazer os pedidos do cliente. Por outro lado, quando o aspecto crítico era a inovação do produto, como nas empresas manufatureiras de plásticos e de alimentos processados, a interdependência era maior entre os grupos de vendas e de pesquisas, e entre este último grupo e o de produção. Isso era necessário para controlar o lançamento de novos produtos e a influência de mudanças tecnológicas sobre a fabricação, respectivamente.

A pesquisa dos profs. Lawrence e Lorsch também complementa outra importante descoberta feita anteriormente pela Prof.ª Joan Woodward,3 do Imperial College (ENG). Segundo ela, as coalizões entre os grupos funcionais mais poderosos não só variam entre as empresas, mas também se relacionam ao desempenho econômico-financeiro das mesmas. Isso significa, simplesmente, que certas coalizões são mais coerentes com o "caráter" de uma determinada empresa. Quando a coalizão "certa" é a dominante, isso parece ajudar a empresa a obter melhor nível de desempenho e vice-versa.

3. O PODER DOS INDIVÍDUOS

Como indicado anteriormente, as explicações acadêmicas sobre o poder individual são extremamente áridas. Esta situação apresenta graves conseqüências para o próprio desempenho gerencial, especialmente no caso de gerentes mais jovens. Não poucos destes jovens foram doutrinados em escolas de administração de empresas na idéia de que o sucesso profissional está ligado quase que exclusivamente às habilidades adquiridas em marketing e finanças. Assim, o ambicioso jovem luta durante anos por abordar mistérios, tais como a "aplicação das cadeias de Markov à comercialização de cuecas coloridas" ou "à interpretação bayesiana do empréstimo bancário sem juros". Ao término de sua carreira acadêmica, entretanto, se tiver sorte, ele será contratado por alguma empresa de verdade, onde, no primeiro dia de emprego, receberá uma mesa de trabalho e uma máquina de calcular (que, com ainda maior sorte, até poderá ser elétrica). E, daí em diante, ele irá somando, quitando e, às vezes, multiplicando.

Aos poucos, então, o nosso jovem gerente percebe que as cadeias de Markov ou a teoria bayesiana não o levarão a lugar nenhum naquela empresa. O nome do jogo é poder. De qualquer forma e a qualquer custo. E ele agora terá de competir por uma parcela de poder com outros colegas mais avisados ou superiores mais experientes.

Há, no entanto, certas táticas (já testadas com algum sucesso) de apropriação de poder, que o jovem gerente pode utilizar para garantir, pelo menos, a sua sobrevivência.

Korda,4 por exemplo, identifica a tática da "fraqueza aparente". Esta tática, que apresenta a limitação de estar só ao alcance de quem já tem algum poder, consiste em parecer impotente em relação aos próprios problemas. O Cel. Gamal Abdel Nasser, segundo Korda, era um mestre no uso desta tática. "Ele estava sempre disposto a ameaçar desencadear uma guerra, porém, quando atacado, ele simplesmente advertia aos países poderosos do mundo que teria que se render catastroficamente - forçando-os, assim, a apressarem-se a ajudá-lo. Quando o Egito foi atacado pelos britânicos, franceses e israelistas em 1956, Nasser bloqueou o Canal de Suez, automutilando-se dessa forma, da sua maior fonte de poder material, e anunciou que seu país entraria em colapso, caso ele não fosse resgatado pelos 'poderes' mundiais. Todos, inclusive os seus triunfantes inimigos, correram a prestar-lhe ajuda. Afinal, ninguém pode conduzir uma heróica campanha militar contra um regime que se declara indefeso desde o começo!"

Korda recomenda o uso desta tática para vetar um aumento salarial solicitado por um subordinado, evitando que este fique magoado (exemplo: "Puxa, eu concordo! Como não iria concordar, conhecendo o seu ótimo desempenho? Mas o faturamento está baixo e qualquer aumento nos custos poderia ser fatal. Eu mesmo não me atrevo a pleitear o meu aumento à diretoria. Inclusive, confidencialmente, eu soube que há um plano para mandar 10% do pessoal embora). A mesma tática, no entanto, pode ser aprimorada com vistas a uma aplicação mais sorrateira. Vejamos um outro exemplo.

Após ter elaborado um Programa de Desenvolvimento Gerencial para a empresa X, o gerente de administração de pessoal e eu nos reunimos para discutir o orçamento.

Depois de ouvir os nossos argumentos, no entanto, o diretor-presidente começou a lamentar-se de um problema recentemente detectado no último inventário. Em suma, enquanto os livros contábeis registravam Cr$ 10 milhões, a contagem física indicava apenas Cr$ 8 milhões. Como se explicava aquela diferença? Alguém o estava roubando? O pessoal do almoxarifado era ineficiente? Os registros foram adulterados? Que poderia fazer ele, ali, sozinho na sua sala? Com que cara ele poderia explicar essa situação, na próxima reunião da diretoria?

Seria demais dizer que ninguém voltou a falar a respeito do orçamento para o Programa de Desenvolvimento Gerencial. Aliás, enquanto o gerente de AP prometeu fervorosamente contratar pessoal qualificado para trabalhar no almoxarifado, a minha consultoria quase partiu para o estudo de um novo sistema de controle de estoques. Claramente, o diretor-presidente tinha exercido o seu poder ou, para melhor dizer, utilizado da sua "fraqueza aparente", a fim de vetar o Programa de Desenvolvimento Gerencial, com a complascência dos maiores interessados em sua implementação.

Outra técnica de apropriação de poder consiste simplesmente em aparentar extrema sabedoria... A melhor forma de aplicar esta técnica é permanecer de boca fechada a maior parte do tempo. O exemplo que segue é ilustrativo neste sentido.

Em meados do ano passado, uma das maiores empresas manufatureiras de maquinaria agrícola contratou um novo diretor-administrativo. Os mistérios que envolveram aquela contratação jamais foram desvendados, pois o homem escolhido, um destacado acadêmico no campo do direito, não apresentava experiência nenhuma no ambiente empresarial. Em todo caso, começou a assistir às reuniões da equipe gerencial, indiferente aos receios de seus colegas mais experientes. Passou um mês e ele não abriu a boca (aliás, só o fez para aspirar reflexivamente seu cachimbo). Outro mês e a mesma coisa. Na terceira reunião, os ânimos se esquentaram quando a discussão centralizou-se no dilema de se incluir, ou não, a depreciação nos custos das máquinas, para efeitos de cálculo da eficiência das mesmas. A discussão, comandada pelo gerente de engenharia, tornou-se irritantemente técnica.

No meio da sua intrincada exposição, no entanto, este último foi interrompido pelo diretor-administrativo com a seguinte pergunta: "O senhor me desculpe, mas o que é que o senhor entende conceitualmente por depreciação? " A pergunta, absolutamente elementar, pegou o gerente de engenharia totalmente desprevenido. Assim, enquanto ele balbuciava alguma resposta evasiva, a discussão derivou rapidamente para outros tópicos.

O problema da depreciação não foi resolvido, mas sim aquele do diretor-administrativo. Porque, desse momento em diante, ele foi tido como uma eminência capaz de abordar os problemas mais complexos, pelos ângulos mais insondáveis. A ninguém passou pela cabeça, naquela reunião, que o sujeito realmente não entendesse nada sobre o que se estava falando e, através da sua ingênua pergunta, apenas tentasse pegar o fio do começo. E, como ele também não falou mais nas reuniões seguintes, ninguém pôde descobrir nada em contrário.

Há uma terceira técnica de apropriação de poder que podemos chamar, simplesmente, de "colonialismo". A organização clássica pressupõe a ascensão progressiva do indivíduo através da pirâmide hierárquica, isto é, um degrau de cada vez. Esse trajeto, no entanto, é extremamente demorado. No final, não adianta muito chegar ao degrau mais alto da pirâmide, quando se está apenas a três anos da aposentadoria. O "colonialismo" acelera a ascensão propiciando a expansão lateral, isto é, a absorção sistemática do maior número de funções possíveis, de forma que novas posições superiores venham a ser necessariamente criadas para lidar com a nova situação.

Numa fábrica de produtos alimentícios sediada no sul do País, para citar um caso, qualquer pessoa ficaria surpresa com o tremendo número de funções que o gerente de processamento de dados tinha acumulado em apenas dois anos, desde a sua chegada à empresa. Inicialmente, aquele indivíduo fora contratado especialmente para implantar sistemas mecanizados de contabilidade com apoio dos serviços alugados de um computador eletrônico. Aos poucos, a empresa resolveu comprar um computador de primeira geração. Paralelamente, alegando falta de controle sobre alguns procedimentos a serem mecanizados, o gerente de processamento de dados criou o setor de organização e métodos e se apropriou daquele da contabilidade geral já existente.

Logo após a mecanização da folha de pagamentos, ele recebeu também todo o setor de documentação e registros de pessoal. E, como o sistema mecanizado, por ele planejado para o controle de estoques, não funcionasse direito, foi assumindo cada vez mais o controle das atividades de compras. (Incidentalmente, a essa altura, o "velho" computador já tinha sido substituído por um outro computador de segunda geração, duas vezes melhor e 10 vezes mais caro.)

O golpe de mestre do gerente de processamento de dados, no entanto, foi aplicado quando (utilizando-se das atribuições de seu próprio setor de organização e métodos ele mudou todo o layout do escritório central da empresa, de forma que todos os seus "troféus" ocupassem ostensivamente dois andares completos.

Uma última técnica possível de se utilizar para se acumular poder individual consiste em ficar perto das pessoas certas, nos momentos certos. As "panelas" que existem em qualquer empresa, por exemplo, não são outra coisa que a tentativa de muitos para se beneficiar gratuitamente da auréola de poder de alguns. A expressão mais acabada do uso desta técnica, no entanto, é o assistente de gerência.

Tempos atrás, relataram-se o caso de um assistente de gerência excepcionalmente hábil. Para começar, é preciso mencionar que ele fora nomeado para essa posição devido, precisamente, ao fato de ser um jovem aparentemente avisado, sem nenhuma experiência de trabalho em empresa. Presumivelmente, sua função seria apenas a de aliviar o diretor-presidente do acúmulo de pequenos deveres inerentes ao seu cargo.

O jovem assistente, no entanto, se propôs rapidamente a um plano de ação. Sua primeira medida foi acompanhar de perto os passos do diretor-presidente dentro e fora do expediente. Não havia reunião a que ele não assistisse na companhia do diretor-presidente - ainda que fosse para carregar a pasta de papéis de trabalho. Depois de algum tempo, com esta estratégia, o assistente conseguiu atingir três objetivos-chave: a) fazer-se indispensável para seu chefe; b) ser identificado com ele por parte de terceiros; c) aprender cedo que a gerência-geral de uma grande empresa, mais do que de técnica, depende do puro "bom senso".

A segunda medida adotada pelo assistente foi aproveitar-se do instinto colonialista de seu chefe para convencê-lo de que ainda havia muitas outras funções importantes para serem centralizadas na presidência. ("Como é que o setor jurídico vai ficar solto por aí? E o novo setor de planejamento, a quem vai reportar? ") Uma vez que o organograma da presidência adquiriu dimensões comparáveis às de árvore de natal, o assistente realizou sua jogada mais importante: fez com que o diretor-presidente saísse de férias.

O assistente compreendera que a única forma de legitimar definitivamente sua presença no "olimpo" gerencial seria provando para os outros gerentes, muito mais experientes que ele, que a presidência (e a empresa) não iriam afundar na ausência do titular. A esta altura, provar isso já era possível, dada a quantidade de funções acumuladas na presidência. "Perdido no mato", então, o nosso homem foi "tocando" cautelosamente as operações de rotina, decidindo sobre o óbvio, postergando aquilo que era importante etc, tudo na base do "bom senso". Assim, por ocasião da volta do diretor-presidente havia acontecido duas coisas: a) nada de mau (o que legitimava a presença do assistente); e b) algumas funções já tinham sido agrupadas pelo assistente, por assim dizer, "numa gerência informal com possibilidade de se formalizar".

O protagonista da história em questão não foi promovido imediatamente a uma posição de gerência porque não quis. Astutamente, preferiu ficar mais algum tempo como assistente, a fim de "consolidar suas posições". Afinal, quando já se está a nível gerencial, sem um background profissional condizente, não se pode correr riscos, não é?

4. CONCLUSÕES

Existem poucas organizações, nas quais a luta pelo poder não seja a força motora. É um paradoxo, então, que o estudo do poder organizacional não tenha recebido a devida atenção, tanto dos acadêmicos, como dos práticos.

Esta falta de interesse é lamentável, desde que o presente artigo demonstra a utilidade que tem, para esses dois grupos, uma melhor compreensão desta matéria.

Para os acadêmicos, o fenômeno do poder organizacional, ainda que muito difícil de identificar e conceituar, é um elemento básico do caráter organizacional. Não é possível entender aquele caráter sem fazer referência às relações de poder existentes entre os grupos e as pessoas que pertencem à organização. Para os práticos, conhecer mais a respeito da lógica que existe por trás das relações de poder é uma questão de sobrevivência, tanto a nível organizacional como individual. A nível organizacional, isso se explica porque quanto mais "certas" as relações de poder entre os diversos grupos funcionais da organização, maior a possibilidade desta última de alcançar níveis mais altos de desempenho econômico-financeiro. A nível individual, não há outra explicação além da sugerida pela própria natureza do ser humano.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1976
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