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Tipologias e teoria organizacional

ARTIGOS

Tipologias e teoria organizacional

Carlos Osmar Bertero

Professor do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos, da EAESP/FGV

I

O uso de tipologias não pode deixar de merecer atenta consideração de todos aqueles interessados no aprimoramento da teoria organizacional ou da teoria e comportamento organizacional, como também é entre nós designada a área em referência.

O estudo de organização teve o seu começo através do estudo de casos, onde se podia sentir o forte impacto de uma tradição antropológica. O caso da fábrica de Hawthorne da Western Eletric, que tanta importância teve para a área, foi feito por G. Élton Mayo, que pessoalmente tivera uma formação em antropologia. O estudo organizacional ainda registra casos interessantes como a TVA, feito por Selznick1 1 Selznick, Philip. TVA and the grass roots. New York, Harper Torchbooks, 1966. , a linha de gesso estudada por A. Gouldner,2 2 Gouldner, Alvin W. Patterns of industrial bureaucracy. New York, the Free Press, 1954. o monopólio estatal do tabaco na França, feito por Crozier,3 3 Crozier, Michel. The Bureaucratic phenomenon. Chicago, The University of Chicago Press, 1964. o sindicato dos tipógrafos nos EUA, estudado por Lipset, Trow e Coleman e muitos outros.4 4 Lipset, Seymour M.; Trow, Martin A. & Coleman, James S. Union democracy. New York, the Free Press, 1956. Paradoxalmente, o caso, como método de pesquisa e forma de registrar conhecimento organizacional, ao mesmo tempo que era louvado pelas contribuições trazidas tinha suas limitações apontadas. Estas estavam centradas no problema de agregação de conhecimento ou de generalização, tópico central ao próprio conhecimento científico. Da crítica ao estudo de casos em organização surgiu a alternativa da análise comparativa. Vários autores se dedicaram à crítica do método do caso e propuseram alternativas, mas aquele que maior influência exerceu em prol do desenvolvimento de uma ciência organizacional apoiada na análise comparada da organização foi P. M. Blau. O trabalho de comparar organizações implica conhecer menos de cada organização em particular, mas, por outro lado, leva ao conhecimento de um determinado aspecto ou variável em número grande de organizações, que pode ser tanto um universo como uma amostra. Evidentemente a análise comparativa levanta uma série de problemas de operacionalização de aspectos ou variáveis organizacionais que não se colocavam no estudo de casos. Todavia, imagine-se que a análise comparativa é mais adequada do que o estudo de casos ao desenvolvimento de uma ciência das organizações e do conseqüente acúmulo de conhecimentos científicos sobre organizações.

A tradição científica propõe que ciência é o conhecimento do geral, ou seja, o objeto da ciência é o universal. O particular, na sua singularidade, não pode satisfazer à necessidade do absoluto que o sujeito cognoscente busca dadas suas próprias limitações. A inferência, a indução e a dedução são caminhos da inteligência que buscam a mesma finalidade, que é um conhecimento universal. A colocação feita tem inegavelmente um caráter epistemológico, mas perfeitamente compatível com o projeto de uma ciência organizacional, como formulado por Peter M. Blau, quando afirma que "uma teoria das organizações, qualquer que seja sua natureza específica, e independentemente das sutilezas dos processos organizacionais estudados, tem como seu objetivo central o estabelecimento de constelações de características que ocorrem em organizações de vários tipos. O estudo comparativo de muitas organizações é necessário, não apenas para verificar hipóteses levantadas por qualquer teoria, mas para fornecer uma base para explorar e refinar a teoria, indicando as condições em que relações inicialmente propostas universalmente possam ser contigentes."5 5 Blau, Peter M. On the nature of organizations. New York, John Willey, 1974. p. 121-2.

Portanto, a análise comparativa, em que um número razoavelmente grande de organizações é estudado, corresponde à adequação dos estudos organizacionais não só à concepção de ciência como também à maneira pela qual as ciências tradicionalmente se vêm desenvolvendo no Ocidente, desde as chamadas revoluções científicas do Renascimento e do século XVII. É claro que a busca do universal nas ciências sociais apresenta problemas diversos daqueles encontrados nas ciências de natureza ou de tipo físico-matemático. Sem querer retomar o debate entre "ciências naturais" e "ciências do espírito", uma palavra de cautela fica registrada, pois mais adiante voltaremos a explorar o tópico.

Se a teoria organizacional quiser se consolidar cientificamente, não lhe restará outro caminho senão o de estudar comparativamente diversas organizações, possivelmente muito diversas entre si sob vários aspectos, muito parecidas sob outros. Porém o que se fará em tal situação com o estudo de caso? Certamente não será eliminá-lo. O estudo de caso mantém intacta sua posição entre os estudos organizacionais na medida em que fornece informações inestimáveis sobre as peculiaridades organizacionais. É fato que uma análise comparativa pode vir a propor relações entre variáveis em organizações, como as possíveis relações entre tamanho e diferenciação horizontal. Porém tais relações nunca substituirão ou deslocarão do universo do conhecimento organizacional a experiência com processos organizacionais, a intimidade com determinada organização que é propiciada pelo estudo de caso.

Além do mencionado, o estudo de caso pode fornecer excelente material para a análise comparativa, e da reflexão sobre casos podem ser abstraídas características, traços que permitam a formulação de hipóteses e a operacionalização de variáveis a serem verificadas comparativamente em várias organizações. A proposta de análise organizacional comparada como caminho prioritário ao amadurecimento de uma ciência organizacional não eliminará jamais a riqueza de conhecimentos aportada por estudos de casos, cuidadosa e imaginativamente bem feitos. Acredito inclusive que a análise comparativa de organizações e os estudos de casos chegam a resultados que satisfazem necessidades intelectuais diversas e que não são mutuamente exclusivas. A constatação da relação entre tamanho e verticalização obtida na verificação de uma amostra que pode conter uma centena de organizações diferentes, não dispensa o estudioso de organizações de conhecer os meandros pelos quais, numa determinada organização, se desenvolveram mecanismos de coordenação a fim de permitir a verticalização. Porém, no presente trabalho, não estamos preocupados com estudos de caso, mas com análise comparativa e com os problemas envolvidos em operacionalizar variável, elaboração de teorias e acumulação de conhecimentos.

II

O uso de tipologias ou taxonomias desempenhou papel importante no estudo comparativo de organizações. É fato que o objetivo dos vários autores que formularam tipologias organizacionais freqüentemente variou. Por vezes a tipologia é um esquema que o autor propõe como forma de ordenar o conhecimento existente sobre organizações. Pode ainda ser um instrumento que objetive o aprimoramento da análise organizacional. Por vezes a tipologia pode ser o resultado de um percurso empírico. De qualquer forma não se pode negar que o estudo de organizações testemunhou o aparecimento simultâneo do esforço de classificação. Apenas para relembrar, temos as tipologias de Talcott Parsons,6 6 Parsons, Talcott. Structure and process in modern society. New York, the Free Press, 1960. Amitai Etzioni,7 7 Etzioni, Amitai. A Comparative analysis of complex organizations. New York, the Free Press, 1961. Peter Blau e W. R. Scott8 8 Blau, Peter M. & Scott, W. Richard. Formal organizations. San Francisco, Chandler, 1962. e de Haas, Hall e Johnson.9 9 Haas, Eugene; Hall, Richard H. & Johnson, Norman J. Toward an empirical derived taxonomy of organizations. In: Bowers, Raymond V., ed. Studies on behavior in organizations. Athens, Ga., University of Georgia Press, 1966. p. 157-80. além destas tipologias há outras, de desenvolvimento mais recente que procuram classificar organizações em função de variáveis específicas. Assim é que a tecnologia serviu a Joan Woodward,10 10 Woodward, Joan. Industrial organization: theory and practice. London, Oxford University Press, 1965. Charles Perrow e Diana Pheysey.11 11 Perrow, Charles. A Framework for the comparative analysis of complex organizations. American Sociological Review, 32: 194208, Apr. 1967. Hospitals: technology, structure and goals. In: March, James G., ed. Handbook of organizations. Chicago, Rand McNally, 1965. p. 810-971; ______. Organizational analysis: asociological view. Belmont, Calif., Wodsworth, 1970; Hickson, David J.; Pugh, D. S. & Pheysey, Diana C. Operations technology and organization structure: an empirical appraisal. Administrative Science Quarterly, 14: 378-97, Sept. 1969. O grupo de Aston retomou variáveis estruturais de origem weberiana e submeteu-as a sofisticado tratamento estatístico, após evidentemente coletar dados em aproximadamente 50 organizações diversas.12 12 O Grupo de Aston divulgou extensamente e em várias publicações os resultados de suas pesquisas. Mais pertinentes ao assunto tratado nesse artigo há os seguintes: Pugh, D. S.; Hickson, A. J. & Hinings, C. R. An Empirical taxonomy of structure of work organizations. Administrative Science Quarterly, 14: 115-25, Mar. 1969. Outro tópico que a partir de um passado recente vem fornecendo elementos para formulação de tipologias são os estudos sobre ambientes organizacionais. Assim é que F. E. Emery e E. L Trist propõem uma tipologia de meios ambientes organizacionais13 13 Emery, F. E. & Trist, E. L. Causal texture of organizational environments. Human Relations, 18: 21-32, Feb. 1965. e Howard Aldrich igualmente sugere tipologias ambientais que podem ser construídas ao longo de um contínuo que incluiria dimensões diversas.14 14 Aldrich, Howard. An Organization environment perspective on cooperation and conflict between organizations in the manpower training system. In: Negandhi, Anant R. ed. Inteorganisational theory. Kent. Ohio, Kent State University Press, 1975. p. 49-70.

Um autor que exerceu e ainda exerce marcante influência sobre os estudos organizacionais, Max Weber, chegou à formulação do "tipo ideal" burocrático, como resultado de uma tipologia sobre os modos de dominação legítima.15 15 Weber, Max. Economia y sociedad. México, D. F., Fondo de Cultura Econômica, 1974. p. 170-3.

As tipologias podem desempenhar papel diverso em teoria organizacional, seja mapeando parte da realidade organizacional, e assim tornando mais claros os aspectos organizacionais que se querem estudar, seja como forma de agregar resultados de pesquisa empírica. No primeiro caso encontramos tipologias como as de Blau-Scott, apoiadas na idéia de "principal beneficiário" e a de A. Etizioni, sob a forma de adesão (compliancé) dos membros à organização respectiva. As tipologias mapeadoras da realidade são aproximáveis do "tipo ideal" ou "puro" que surge na obra de Max Weber, e em sua própria construção cabem referências à orientação valorativa do autor. Ao segundo caso, ou seja, as tipologias que surjam como instrumentos de agregação de dados empiricamente coletados, pertencem tipologias do tipo tecnológico, como a de Joan Woodward e a tipologia tridimensional do Grupo de Aston. Seja como mapeadora da realidade, seja como instrumento interpretativo de dados de experimentação, a tipologia sempre serve uma função agregadora que ê fundamental à construção científica. A palavra agregação é utilizada como referindo-se "...ao uso de alguma combinação de respostas (R) ou características unitárias (U) a fim de expressar algo sobre uma unidade de análise maior e mais ampla (E)".16 16 Roberts, K. A.; Hulin, C. L. & Rousseau, D. M. Developing an inter-disciplinary science of organizations. San Francisco, Jossey Bass, 1978. p. 82. O problema de agregação pode ser visto sob dois aspectos. O primeiro, que está contido na citação feita, é a de proceder de um nível inferior de abstração a um mais elevado, ou simplesmente indo do particular ao geral. Outro significado do termo agregação seria o de acumular conhecimentos ao longo do tempo. Na medida em que fornece um referencial teórico, a tipologia é fundamental à agregação do conhecimento tanto vertical (do particular ao geral; do concreto ao abstrato) como horizontalmente, permitindo verificações e acúmulo de conhecimento ao longo de uma dimensão temporal. No sentido de agregação vertical, o texto de A. L. Stinchcombe é particularmente esclarecedor: "...uma tipologia é a predicação de que um grande número de variáveis possuem apenas um reduzido número de combinações de valores que de fato ocorrem, enquanto todas as demais combinações ocorrem raramente, ou são inexistentes. Quando tal acontece, nos encontramos diante de um decisivo avanço da teoria científica".17 17 Stinchcombe, Arthur L. Constructing social theories. New York, Harcourt, Brace and World, 1968. p. 47.

As duas tipologias manifestam posições epistemológicas diferentes. A tipologia mapeadora é aproximável do idealismo, enquanto a tipologia interpretativa e sistematizadora de dados empíricos se aproxima mais do realismo. A primeira afirma idealisticamente o império da razão enquanto impositora de categorias interpretativas à realidade, ao mesmo tempo em que abdica da objetividade, pois o real em si é dado como inatingível, sendo apenas possível atingir a realidade através de categorias de nossa própria razão. A posição realista afirma a possibilidade do conhecimento objetivo, do real em si, e lida com o pressuposto do paralelismo entre inteligência e realidade, ou entre sujeito e objeto de conhecimento.

III

Ao tratarmos de tipologia mapeadora não podemos deixar de separá-la de sua origem próxima em ciências sociais, a elaboração do "tipo ideal" ou "puro" do sociólogo Max Weber. Evidentemente a aproximação de Max Weber não implica a eliminação da vinculação epistemológica que mencionamos com o idealismo, e mais especificamente com o kantismo.

A analogia entre o tipo ideal weberiano e a tipologia mapeadora fica esclarecida pela maneira de elaboração do tipo ideal e das funções que Weber lhe destinou no plano gnosiológico. Na palavra de Raymond Aron, seguro expositor e comentador do pensamento weberiano "...(o tipo ideal) está relacionado com a noção de compreensão, na medida que todo tipo ideal é uma organização de relações inteligíveis numa entidade ou seqüência histórica de eventos. Além do mais o tipo ideal está relacionado com uma característica comum a nossa sociedade e a nossa ciência, o processo de racionalização. A construção de tipos ideais é uma expressão de tentativas, típica de todas as disciplinas científicas, para tornar o objeto de conhecimento inteligível através da revelação (ou construção) de sua racionalidade interna".18 18 Aron, Raymond. Main currents in sociological thought. London, Penguin Books, 1965. v. 2, p. 206-7.

A leitura das características do tipo ideal weberiano aproximam-na claramente da tipologia mapeadora. Diríamos até que o tipo ideal é mais amplo do que a tipologia mapeadora, que se constrói a partir de um ou vários tipos ideais. Bastaria, para comprovar o que afirmamos, que tomássemos alguns "tipos ideais" que Weber elaborou e verificássemos como na verdade correspondem a construções que designamos correntemente de tipologias. A mais famosa é talvez a dos modos legítimos de dominação, que o próprio Weber apresenta como tipos ideais ao dizer que "existem três tipos puros de dominação legítima". Os fundamentos primeiros de sua legitimidade podem ser "...a racionalidade, a tradição e o carisma". Segue-se longa elaboração do tipo burocrático puro.19 19 Weber, Max. op. cit. p. 172. Outro tipo ideal bastante famoso e indiscutivelmente o mais burilado e acabado de todos, é o da cidade.20 20 Weber, Max. op. cit. p. 938-1.046.

O tipo ideal, da mesma forma que a tipologia mapeadora, não pretende ser o resultado de um processo de obtenção de conhecimento. É sempre necessário lembrar que muitos dos equívocos a que deu origem o modelo burocrático weberiano resultou do fato de que se tomara o tipo ideal como representando ou o resultado da reflexão weberiana sobre o problema organizacional, ou a síntese do que deveria ser a organização mais adequada à realização da racionalidade da ação social organizada. Na verdade o tipo ideal e a tipologia mapeadora não são mais do que instrumentos para abordar um ou alguns aspectos da realidade. São até certo ponto um artifício metodológico, na medida em que fica preservada a riqueza e a imensa complexidade do real que não é abarcável, nem redutível a qualquer tipo ideal ou tipologia mapeadora. Como lembra Julien Freund: "O tipo ideal não deve ser identificado com a realidade no sentido de que expressa a 'essência verdadeira' do real. Ao contrário, exatamente por ser irreal e nos afastar da realidade é que nos permite obter uma melhor percepção intelectual e científica da realidade, embora uma visão necessariamente fragmentada."21 21 Freund, Julien. The Sociology of Max Weber. Londres, Penguin Books, 1968. p. 64.

Nenhuma tipologia mapeadora é apresentada por seu formulador como uma explicação integral e exaustiva da realidade organizacional. Se alguém o faz comete dois equívocos. O menos grave é a ingenuidade, o mais grave o de ser lamentavelmente pretensioso. "Weber não considerou o tipo ideal como meta do conhecimento, como se nele estivesse sumariada a própria realidade, ou como se constituísse um sistema científico completo. Eles são apenas instrumentos, meios heurísticos de estabelecer sem ambigüidade o sentido do assunto que está sendo investigado. Mais precisamente, os tipos ideais são procedimentos puramente experimentais que o cientista desenvolve deliberada e arbitrariamente, de acordo com suas necessidades de investigação, e que abandona sem maiores problemas se as suas expectativas não forem satisfeitas. Portanto, o seu valor reside exclusivamente em sua eficácia e utilidade de pesquisa."22 22 Freund, Julien. op. cit. p. 66.

A que distância o significado do tipo ideal e as intenções do próprio Max Weber nos coloca dos que querem ver no modelo burocrático, ou no capitalismo, ou na cidade ocidental, resultados definitivos da reflexão sobre o assunto. Vista sob este aspecto a tipologia mapeadora é um instrumento de conhecimento que integra uma visão epistemológica dinâmica, não preconceituosa e avessa a qualquer dogmatismo. A tipologia mapeadora pressupõe uma visão de que o conhecimento científico jamais esgotará toda a riqueza da realidade e que jamais nos encontraremos diante de aquisições definitivas de conhecimento.

Acredito que atribuir à tipologia características de súmula de conhecimentos, de síntese de um procedimento cognoscente foi mais o resultado do funcionalismo estrutural que na versão de Talcott Parsons atribuía ao conhecimento sociológico um caráter mais estático e definitivo. Quando Parsons apresenta sua tipologia de organização em termos de seus objetivos e propõe os quatro tipos, ou seja, organizações adaptativas, integradoras, realizadoras de tarefas e preservadoras de valores, ele de fato apresenta algo que, no seu entender, exaure o assunto pelo posiconamento de todos os tipos de organização no contexto do sistema social.

1. As razões da utilidade da tipologia mapeadora ao conhecimento de organizações reside na possibilidade de que são bons instrumentos para coletar dados e informações sobre organizações. Não há possibilidade de ciência sem que se busque entre os objetos singulares de conhecimento elementos comuns ou regularidades. É fato que a diversidade não está excluída das preocupações científicas, mas o desenvolvimento científico se faz primordialmente pela descoberta e pela verificação de regularidade de pontos de convergência. Ora, a tipologia mapeadora, ao escolher um aspecto da organização como elemento comum, acaba por abrir perspectivas para o estabelecimento da regularidade e da convergência.

A construção de tipologias tem muitos pontos em comum com a elaboração do tipo ideal weberiano na medida em que lida com dados da realidade observada, pressupõe o conhecimento empírico da realidade organizacional e, simultaneamente, introduz conceitos que não são fornecidos pela realidade imediata. Nesta linha é particularmente importante observar o conceito ou conceitos que servem de fundamentos à própria classificação. Evidentemente, sem adesão de pessoas não é possível a existência de uma organização. Porém a focalização no modo de adesão (compliance) e o seu realce é que permitiram a elaboração da tipologia de A. Etzioni. Como indicam dois comentadores: "um tipo ideal é formado pelo realce unilateral de um ou mais pontos de vista e pela síntese de fenômenos individuais que são difusos, discretos, mais ou menos presentes e ocasionalmente ausentes. Tais fenômenos são ordenados de acordo com aqueles que foram unilateralmente enfatizados, de maneira a construir uma análise unificada ou um constructo."23 23 Shils, E. A. & Finch, H. A. Max Weber on the methodology of the social sciences. Glencoe, Illinois, the Free Press, 1949. p. 90.

2. A tipologia mapeadora vem atender ainda a outra necessidade fundamental da inteligência, que é o ordenamento da realidade. Uma objeção, freqüentemente levantada a tipologias, parte do pensamento dialético, e o centro do argumento é que a tipologia aliena o sujeito da realidade e, ao mesmo tempo, impede o atingimento desta própria realidade. Ou seja, ao introduzir classificações que não fazem parte da realidade, acaba-se por afastar definitivamente a possibilidade de conhecer a realidade. Em contrapartida, a dialética permitiria o contacto imediato do sujeito com a realidade e seria, portanto, a única maneira possível de conhecer. Todavia, ao aproximar-se da realidade social, o pensamento dialético ressalta aspectos que, de forma alguma, podem ser vistos como o resultado da experiência pura, mas sim o resultado de uma elaboração racional sobre a experiência. Não há dúvida de que a realidade social contém elementos de conflito, da mesma forma que contém elementos de estabilidade e harmonia. Não há dúvida de que a observação que se faz através da história e da historiografia, que foram os instrumentos utilizados abundantemente por Karl Marx, indica que qualquer arranjo social contém elementos estáveis e harmônicos, sem os quais a própria unidade e coesão sociais seriam inexplicáveis. Por outro lado não se pode negar que esta mesma sociedade contém tensões e conflitos. O fato de o movimento dialético ser visto como propelido pelos elementos conflitivos é obviamente um dado que não se encontra na constatação empírica pura, mas resulta da elaboração conceituai e racional do sujeito cognoscente.

Portanto, a alternativa dialética ao estudo de organizações, ao invés de ser totalmente diversa da alternativa tipológica, só o é na aparência. A análise dialética contém elementos que podem ser considerados como construções racionais. Da mesma maneira que é possível construir uma tipologia que adote unilateralmente as formas de adesão (compliance) organizacional, é possível pensar em tipologias que se voltem à alienação, ou seja, porque os membros se desinteressam, se desengajam ou mesmo adotam postura conflitiva com relação a uma determinada organização à qual formalmente pertencem. Diria ainda mais que a abordagem dialética, ficando aqui entendida como dialética a abordagem diversa da fundamentada no funcionalismo estrutural de Parsons, ou calcada, no pensamento weberiano, ou ainda apoiada em construções psicossociológicas que se radicam rto pensamento de George Homans e Kurt Lewin, só se diferencia da referida abordagem "funcionalista" pela escolha de tópicos, mas não por atitude epistemológica ou metodológica diferente. É claro que a literatura organizacional tem sido muito pouco crítica da sociedade capitalista. Mais ainda, boa parte da literatura chega até mesmo a encampar uma atitude "administrativista" (managerial), em clara sanção positiva de uma ordem social em que predominam grandes organizações burocráticas, seja a nível da maquinaria administrativa do Estado, seja a nível da atividade econômica empresarial privada. Uma abordagem dialética partiria de uma atitude de rejeição de tal ordem e provavelmente desenvolveria uma atitude essencialmente crítica com relação a processos organizacionais. Todavia, isto não implica mudanças epistemológicas, mas somente de tópicos. E talvez nem mesmo de tópicos, mas apenas quanto ao enfoque dado a uma determinado tópico.

Tomemos como exemplo a interface indivíduo/organização, tópico clássico em teoria organizacional. A literatura organizacional norte-americana realça a harmonia e a complementaridade. Um popular livro-texto, amplamente usado em mestrados profissionalizantes nos EUA,24 24 Porter, L. W.; Lawler, E. E. & Hackman, J. R. Behavior in organizations. New York, McGraw-Hill, 1975. vê indivíduos se desenvolvendo plenamente apenas em organizações e com a utilização de recursos organizacionais. Em contrapartida a consecução de objetivos organizacionais depende de indivíduos. O mesmo tópico visto dialeticamente não focalizaria a complementaridade e a atração recíproca entre indivíduos e organizações, mas a manipulação de indivíduos pela organização e a instrumentalidade pura dos indivíduos para a consecução de objetivos organizacionais que lhe são estranhos. Tal é o caso pelo menos para a grande maioria das pessoas que pertencem a uma organização. Os recursos organizacionais não são usados equitativamente por todos os membros da organização, sendo mais acessíveis aos ocupantes dos níveis hierárquicos mais elevados. Todas estas diferenças de enfoque e de conclusões a que se chega funcionalisticamente ou dialeticamente não implicam em alterações metodológicas e epistemológicas. Assim sendo, a validade da tipologia como instrumento para o desenvolvimento de uma ciência organizacional permanece intacta, e especialmente a contribuição das tipologias para introduzir ordem na multiplicidade do real.

3. A tipologia mapeadora recoloca no sujeito a primazia do conhecimento sem que se incorra no risco de fazer concessão ao idealismo, que torna o sujeito prisioneiro de si mesmo, eliminando inteiramente a possibilidade de atingimento do real. A tipologia reafirma a iniciativa e a soberania do sujeito no processo de conhecimento na medida em que estabelece parâmetros e decide que variáveis serão estudadas. O risco do enclausuramento do sujeito cognoscente em si mesmo ocorreria se a tipologia não fosse vista apenas como procedimento heurístico. Quando a tipologia é submetida à confrontação com organizações reais, o risco se dilui.

A tipologia mapeadora, ao reafirmar o sujeito no processo de conhecimento, afasta a ingenuidade epistemológica e também elimina a perspectiva puramente factual da teoria organizacional. Em ciências sociais seria descabido invocar uma atitude de "pura objetividade" que levasse o cientista social a trabalhar com proposições puramente factuais, quando a natureza da realidade social, e portanto organizacional, só é abordável a partir de uma "orientação valorativa" do sujeito. A observação de Raymond Aron surge como esclarecedora de nossa posição. "As ciências sociais adquirem força e direcionamento pelas questões que os cientistas sociais dirigem à realidade, e o interesse de suas respostas depende amplamente do interesse e da relevância das perguntas formuladas."25 25 Aron, Raymond, op. cit. p. 196.

A eliminação, como descabida e por vezes até mal intencionada, da atitude objetiva e "puramente factual" em teoria organizacional pode ser facilmente desenvolvida. Desde os seus primórdios a teoria organizacional surgiu vinculada a valores francamente empresariais e patronais. Os sistemas de incentivo buscavam de certa forma o esvaziamento do movimento sindical; as medidas de racionalização do trabalho objetivavam a redução de custos e aumento do lucro. Toda a teoria de orientação participativa, inclusive Rensis Likert e Douglas McGregor, estão calcadas na aceitação da eficiência como objetivo organizacional. Seria impossível não imputar orientação valorativa à escolha de tais tópicos para a reflexão, pesquisa e elaboração de teorias em ciência organizacional.

Se numa atitude crítica se decidir abandonar a orientação que tracidionalmente vem determinando a escolha de variáveis e de tópicos de pesquisa, para outros tópicos e variáveis, estaremos assisinto ao exercício da mesma faculdade do sujeito, ou seja, ele decide aplicar uma orientação valorativa diversa. A tentativa de invalidação do esforço de conhecimento em função da inadequação de uma construção científica que aceita e se apoia na orientação valorativa do sujeito, propondo ainda insistentemente uma orientação factual e que por isso seria objetiva, é ignorar a. peculiaridade das organizações enquanto objeto de conhecimento. A realidade organizacional não é algo que se encontra de nós tão separada, como o objeto das ciências físico-matemáticas. Somos, quer aceitemos ou não, parte integrante da realidade organizacional, o que nos coloca na posição de sujeito e objeto. A orientação valorativa é, portanto, a única maneira de desatar o nó górdio da formulação científica no campo das ciências sociais.

4. Outro ponto de importância a ser levantado é o dos efeitos de adoção de tipologias em teoria organizacional para a eventual aplicabilidade do conhecimento adquirido. Isto nos conduz a um ponto anterior, que é simplesmente o da aplicabilidade da ciência.

A concepção grega e mantida pelo pensamento medieval era a de que a ciência nada tinha a ver com aplicações. O conhecimento pelo conhecimento surgia ao pensador helénico e medieval como algo tão claro em si, gerador de tanta satisfação, que as preocupações com aplicabilidade eram bem menos prementes, embora não de todo inexistentes, como o comprovam os elaboradores de utopias ou de alternativas políticas. Não há como negar que a República de Platão ou a Cidade de Deus de Santo Agostinho são obras motivadas pelo desejo de aplicar à polis o saber metafísico e teologicamente elaborado e conquistado.

Todavia, o Renascimento e o século XVII trazem uma enorme reviravolta na filosofía e na ciencia. Não é apenas o objeto e a metodologia científicas que sofrem alterações, mas a própria natureza da ciência. É hoje habitual atribuir a Francis Bacon papel decisivo na alteração da natureza do pensamento científico. Para Bacon, a ciência deveria buscar o desvendamento das leis da natureza a fim de permitir o seu controle pela intervenção humana na ordem natural. Não tardou que a semente baconiana germinasse e a ciência da natureza ou "philosophia naturalis", como era chamada nos meios acadêmicos, abandonasse o empirismo da observação pura e com os sentidos desarmados para ceder lugar aos instrumentos apuradores dos sentidos humanos e entrasse nos laboratorios onde se criavam condições para testar e verificar. Passou-se da observação simples à experimentação. Daqui era apenas um passo para que a natureza cedesse seus segredos até então ciosamente guardados e o seu controle permitisse o desencadear de forças até então desconhecidas e descontroladas. Na verdade a tecnologia ocidental seria inexplicável sem a revolução científica, especialmente no que diz respeito ao abandono de uma ciência contemplativa e à adoção de uma concepção ativa da ciência.

No mundo das revoluções científicas as ciências sociais foram tardias. Apenas á maior boa vontade consegue trazer ao início do século XIX as primeiras tentativas científicas no campo social. De fato, foi apenas no final do século passado que a sociologia e a psicologia se estruturaram, conquistando autonomia científica, cabendo à economia uma certa antecedência. Como não poderia ser evitado, a ciência social surge com preocupações de aplicabilidade. Há os socialistas utópicos, bem como o próprio Marx, renegando a atitude puramente especulativa que a filosofia tivera até então. Entendia que o mundo precisava de transformações urgentes e a filosofia deveria servir de guia esclarecedora do processo revolucionário. E inegavelmente os cientistas sociais nunca abandonaram a perspectiva de aplicar os seus conhecimentos em prol de uma "sociedade melhor". Embora vagamente formulada, por vezes nem mesmo explicitada, a ciência social sempre manteve um desejo de aplicabilidade. Talvez seja até uma limitação e um indicador de precariedade do conhecimento das referidas disciplinas, o fato de que "ainda" não é possível derivar aplicações práticas e recomendações para a ação de teorias sociais.

Até recentemente, quando os economistas e a economia caíram em visível descrédito, todos reverenciavam na economia a única ciência social "amadurecida", ou seja, capaz de, partindo da análise, construir teorias e posteriormente formular e presidir à implementação da política econômica, coroando desta forma todo um ciclo. Mesmo com menor credibilidade, ninguém pode negar o papel importante que a economia como ciência, ao mesmo tempo especulativa e aplicada, tem desempenhado, a fim de evitar o caráter catastrófico que a atividade econômica teve até o final dos anos 20. É fato que hoje imensas áreas de perplexidade se abriram ao economista, mas isto não deve permitir esquecer o muito que já se conseguiu entender.

E o que dizer de nossa teoria organizacional? Não há dúvida de que nasceu sob o signo da aplicabilidade, sendo até mesmo chamadas de administrativas ou managerial as primeiras contribuições oferecidas ao entendimento de organizações. O caráter prescritivo ou normativo dos primeiros autores é não só registrado, mas até visto hoje com desprezo ou tolerância pela ingenuidade. Posteriormente, tal atitude passou a ser muito criticada, mas não impediu de forma alguma que o desejo da aplicabilidade e a orientação de muitos profissionais da área em aplicar conhecimentos em organizações diminuísse. A crítica que freqüentemente se faz aos autores voltados à aplicação é mais pela precipitação em querer aplicar e fazer recomendações sobre uma realidade ainda mal conhecida, do que propriamente uma condenação da atitude aplicada. As críticas dirigidas aos pioneiros não residem em terem buscado a aplicabilidade, mas em generalizar indevidamente e, conseqüentemente, fazer recomendações sobre aspectos organizacionais que ignoravam, comprometendo a própria credibilidade da disciplina. Não há dúvida de que o pequeno sucesso na aplicabilidade e a limitação dos aspectos organizacionais em que tem havido intervenções, não afasta o desejo de tornar a teoria organizacional aplicada e portanto útil àqueles que vivem e trabalham em organizações em diferentes tarefas e níveis hierárquicos.

Entre os estudiosos de organizações, os psicólogos sociais são os que mais têm feito pela aplicabilidade da disciplina. Os sociólogos, certamente bem menos. Por mais interessantes que sejam os trabalhos realizados por sociólogos organizacionais, os resultados práticos têm sido poucos ou simplesmente inexistentes.26 26 Argyris, Chris. The Applicability of organizational sociology-Cambridge, the Cambridge University Press, 1972. O fato me parece merecer mais atenção do que simples registro passageiro. Se é fato que as variáveis sociológicas são mais abstratas e a intervenção deverá necessariamente se realizar por intermédio de pessoas e grupos, não é de se desprezar o fato de que as aplicações de psicólogos sociais ou organizacionais estão apoiadas em alguns tipos ou pressupostos. Isto claramente facilita e operacionaliza a aplicabilidade do conhecimento. Se tomássemos este eclético conjunto de idéias e de modos de intervenção que é o DO (Desenvolvimento organizacional), não seria difícil destacar vários pressupostos sobre a personalidade e o comportamento humano redutíveis a tipologias. Ou senão tomemos o exemplo de "pacote" bem conhecidos e amplamente utilizados no mundo empresarial, com aparente satisfação de seus consumidores, como o grid gerencial, a técnica de aprimoramento decisório de Kepner-Tregoe ou a técnica de liderança eficaz de Guest, Hersey e Blanchard. Todos os "pacotes" de desenvolvimento de executivos mencionados, que se pretendem instrumentos de intervenção organizacional, através de comportamento de indivíduos e grupos, trabalham com "tipologias".27 27 Os textos completos de referência para os "pacotes" citados são: Blake, R. D. &Mouton, J. S. The Managerial grid. Houston, Texas, Gulf, 1970; Guest, R. H.; Hersey, P. & Blanchard, K. H. A Mudança organizacional através da liderança eficaz. São Paulo, Multimedia - Tecnologia Organizacional, 1980; Kepner, C. H. & Tregoe, B. B. The Rational manager. New York, McGraw-Hill, 1965.

Estas tipologias certamente não foram objeto de verificação ou demonstração científica. Tampouco os tipos gerenciais propostos no grid, ou os estilos de liderança são empiricamente deduzidos, embora em suas elaborações não tenha sido desprezada a contribuição empírica. Jamais se poderia considerar os tipos ou estilos como reais, na medida em que não é possível encontrar executivos do tipo 9.1 ou 1.9 na escala proposta por Blake e Mouton. Independentemente das lacunas inegáveis em termos reais, nem por isso perdem sua eficácia enquanto instrumentos de treinamento e conseqüente intervenção organizacional.

Na medida em que a tipologia mapeadora é uma construção simplificada do real, ela facilita a ênfase em certos aspectos, permitindo que se atue sobre eles. Na medida em que a realidade é complexa e multifacetada à inteligência humana, dificultando o seu conhecimento, esta mesma diversidade apresenta obstáculo à intervenção. A fim de atuar em organizações é necessário estabelecer prioridades, cursos de ação e proceder por abordagens sucessivas ou simplesmente estudar cada aspecto relevante isoladamente. A ação global é decididamente impossível, tanto no plano do conhecimento como no da ação. Ao adotarmos tipologias mapeadoras, estamos priorizando aspectos, separando variáveis e focalizando dimensões que possibilitam maior aplicabilidade.

IV

Além das tipologias mapeadoras, que são elaboradas sem que o autor disponha de um determinado número de organizações concretas com que lidar no plano da pesquisa, existe a tipologia que designamos de agregadora da realidade organizacional. Diversamente da mapeadora, a tipologia agregadora surge a fim de permitir a agregação de dados coletados. Um exemplo interessante de tipologia agregadora do ponto de vista metológico é a de Haas, Hall e Johnson.

Tendo coletado dados em 75 organizações e agrupado estas informações ao longo de 99 variáveis, isto com o objetivo de testar empiricamente as tipologias de Etzioni e de Blau-Scott, os autores decidiram submeter os seus dados a um outro tipo de tratamento que consistiu em aplicar-lhes um programa de computador, aparentemente análise fatorial. O resultado foi uma taxonomía, contendo 10 classes ou tipos de organizações, e que pela primeira vez invertia o processo da construção de tipologias. A tipologia mapeadora antecedia os dados, a taxonomía empiricamente derivada de Haas, Hall e Johnson vinha após

o processamento dos dados. Cada uma das 10 classes de organizações são agrupadas em função de características comuns, descobertas por um programa de computador. Isto levará o leitor sempre a ter surpresas, por encontrar organizações aparentemente tão distantes colocadas na mesma classe por patilharem características comuns.

Outro exemplo de uma tipologia organizacional de base empírica foi a do grupo de Aston. Os pesquisadores coletaram dados em 52 organizações inglesas e utilizaram três bases de classificação, chamadas por eles próprios de características estruturais, a saber, a estruturação de atividades, a concentração de autoridade e o controle sobre o fluxo de tarefas. O resultado foi uma tipologia tridimensional em que as organizações aparecem escaladas ao longo das três dimensões, dando sete tipos organizacionais, a burocracia plena, a burocracia nascente plena, a burocracia de fluxo de tarefas, a burocracia de fluxo de tarefas em formação, a burocracia onde o fluxo de tarefas ainda não se estruturou, a organização implicitamente estruturada e, finalmente, a burocracia de pessoas.

As tipologias agregadoras permitem a redução dos dados e informações e assim permitem um caminho indutivo da razão e uma simplificação inteligível de uma massa bem maior de informações. Juntamente com as tipologias mapeadoras, contribuem para o desenvolvimento do conhecimento organizacional através de análises comparativas.

V

Por mais importantes e úteis que sejam as tipologias para auxiliar na formulação de hipóteses, operacionalização de variáveis, redução de informações e agregação de conhecimentos, não se pode deixar de mencionar acautelamentos que devem ser tomados com relação à sua utilização.

A primeira destas cautelas consiste na "reificação" da realidade, que é uma atitude fetichista do conhecimento, ou seja, a de aceitar as tipologias como a expressão da realidade organizacional. Isto conduzirá a uma ciência organizacional pobre e precária porque a realidade é mais rica, mais complexa e de entendimento mais problemático do que qualquer tipologia ou conjunto de tipologias. A nossa recomendação está fundamentada na recusa em aceitar uma atitude realista ingênua em matéria de conhecimento.

A segunda cautela a tomar é a permanente consciência de que todas as tipologias são insatisfatórias e merecedoras de críticas. Pela sua própria natureza as tipologias não expressam e não podem expressar a realidade. Elas constituem um aspecto da realidade e mesmo assim mediatizada pelo aparato de conhecimento do sujeito. Sob este aspecto cabe aqui uma analogia entre a tipologia e a obra de arte. Não se pode negar que a obra de arte sempre se apoia em algum aspecto da realidade, mas nunca é uma reprodução do tipo similar da realidade. Mesmo o figurativismo e o paisagismo do mais requintado realismo acadêmico, não resultarão em cópia da realidade, mas numa visão da realidade mediatizada pelo artista.

Qualquer tipologia trará à nossa atenção um aspecto da realidade organizacional, mas não uma reprodução exata desta realidade. A tipologia incorporará as percepções, orientações valorativas e intenções de conhecimento do sujeito, o que dará como resultado a ênfase em alguns aspectos e a negligência ou mesmo eliminação de outros aspectos que não podem ser considerados irrelevantes.

Portanto, é óbvio que qualquer tipologia é criticável, especialmente se ela não atende a facetas da realidade organizacional em que não estamos prioritariamente interessados. Desta maneira, uma tipologia, como a weberiana, voltada à explicação da dominação legítima, não poderá jamais dar conta do conflito organizacional. Isto deve, saudavelmente, levarnos a que nos conscientizemos da natureza e conseqüentes limitações de uma tipologia preocupada com legitimação para explicar conflito, e motivar-nos a que reflitamos sobre o conflito como realidade diversa da legitimação e que nos dediquemos à formulação de uma tipologia centrada no conflito. Uma tipologia sobre os modos de dominação legítima tem uma orientação valorativa que conduz à perspectiva do dominador. Parece mais razoível que uma tipologia do conflito, da alienação e de marginalização de indivíduos no interior de organizações, adote uma orientação valorativa que coloque o pesquisador na perspectiva de dominador.

Observadas as cautelas e limitações, mantendo sob disciplinada vigilância as expectativas e os entusiasmos que possamos ter com determinada tipologia, de nossa autoria ou de outrem, ainda acreditamos que tipologias podem continuar sendo bastante úteis co: 1 Selznick, Philip. TVA and the grass roots. New York, Harper Torchbooks, 1966. mo instrumento para a elaboração de uma ciência organizacional baseada em análise comparativa e objetivando o conhecimento geral e agregado.

  • 1 Selznick, Philip. TVA and the grass roots. New York, Harper Torchbooks, 1966.
  • 2 Gouldner, Alvin W. Patterns of industrial bureaucracy. New York, the Free Press, 1954.
  • 3 Crozier, Michel. The Bureaucratic phenomenon. Chicago, The University of Chicago Press, 1964.
  • 4 Lipset, Seymour M.; Trow, Martin A. & Coleman, James S. Union democracy. New York, the Free Press, 1956.
  • 5 Blau, Peter M. On the nature of organizations. New York, John Willey, 1974. p. 121-2.
  • 6 Parsons, Talcott. Structure and process in modern society. New York, the Free Press, 1960.
  • 7 Etzioni, Amitai. A Comparative analysis of complex organizations. New York, the Free Press, 1961.
  • 8 Blau, Peter M. & Scott, W. Richard. Formal organizations. San Francisco, Chandler, 1962.
  • 10 Woodward, Joan. Industrial organization: theory and practice. London, Oxford University Press, 1965.
  • 11 Perrow, Charles. A Framework for the comparative analysis of complex organizations. American Sociological Review, 32: 194208, Apr. 1967.
  • Hospitals: technology, structure and goals. In: March, James G., ed. Handbook of organizations. Chicago, Rand McNally, 1965. p. 810-971; ______. Organizational analysis: asociological view. Belmont, Calif., Wodsworth, 1970;
  • Hickson, David J.; Pugh, D. S. & Pheysey, Diana C. Operations technology and organization structure: an empirical appraisal. Administrative Science Quarterly, 14: 378-97, Sept. 1969.
  • 12 O Grupo de Aston divulgou extensamente e em várias publicações os resultados de suas pesquisas. Mais pertinentes ao assunto tratado nesse artigo há os seguintes: Pugh, D. S.; Hickson, A. J. & Hinings, C. R. An Empirical taxonomy of structure of work organizations. Administrative Science Quarterly, 14: 115-25, Mar. 1969.
  • 13 Emery, F. E. & Trist, E. L. Causal texture of organizational environments. Human Relations, 18: 21-32, Feb. 1965.
  • 15 Weber, Max. Economia y sociedad. México, D. F., Fondo de Cultura Econômica, 1974. p. 170-3.
  • 16 Roberts, K. A.; Hulin, C. L. & Rousseau, D. M. Developing an inter-disciplinary science of organizations. San Francisco, Jossey Bass, 1978. p. 82.
  • 17 Stinchcombe, Arthur L. Constructing social theories. New York, Harcourt, Brace and World, 1968. p. 47.
  • 18 Aron, Raymond. Main currents in sociological thought. London, Penguin Books, 1965. v. 2, p. 206-7.
  • 21 Freund, Julien. The Sociology of Max Weber. Londres, Penguin Books, 1968. p. 64.
  • 23 Shils, E. A. & Finch, H. A. Max Weber on the methodology of the social sciences. Glencoe, Illinois, the Free Press, 1949. p. 90.
  • 24 Porter, L. W.; Lawler, E. E. & Hackman, J. R. Behavior in organizations. New York, McGraw-Hill, 1975.
  • 26 Argyris, Chris. The Applicability of organizational sociology-Cambridge, the Cambridge University Press, 1972.
  • 27 Os textos completos de referência para os "pacotes" citados são: Blake, R. D. &Mouton, J. S. The Managerial grid. Houston, Texas, Gulf, 1970;
  • Guest, R. H.; Hersey, P. & Blanchard, K. H. A Mudança organizacional através da liderança eficaz. São Paulo, Multimedia - Tecnologia Organizacional, 1980;
  • Kepner, C. H. & Tregoe, B. B. The Rational manager. New York, McGraw-Hill, 1965.
  • 1
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  • 2
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  • 3
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    Formal organizations. San Francisco, Chandler, 1962.
  • 9
    Haas, Eugene; Hall, Richard H. & Johnson, Norman J. Toward an empirical derived taxonomy of organizations. In: Bowers, Raymond V., ed.
    Studies on behavior in organizations. Athens, Ga., University of Georgia Press, 1966. p. 157-80.
  • 10
    Woodward, Joan.
    Industrial organization: theory and practice. London, Oxford University Press, 1965.
  • 11
    Perrow, Charles. A Framework for the comparative analysis of complex organizations.
    American Sociological Review, 32: 194208, Apr. 1967. Hospitals: technology, structure and goals. In: March, James G., ed.
    Handbook of organizations. Chicago, Rand McNally, 1965. p. 810-971;
    ______. Organizational analysis: asociological view. Belmont, Calif., Wodsworth, 1970; Hickson, David J.; Pugh, D. S. & Pheysey, Diana C. Operations technology and organization structure: an empirical appraisal.
    Administrative Science Quarterly, 14: 378-97, Sept. 1969.
  • 12
    O Grupo de Aston divulgou extensamente e em várias publicações os resultados de suas pesquisas. Mais pertinentes ao assunto tratado nesse artigo há os seguintes: Pugh, D. S.; Hickson, A. J. & Hinings, C. R. An Empirical taxonomy of structure of work organizations.
    Administrative Science Quarterly, 14: 115-25, Mar. 1969.
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    Emery, F. E. & Trist, E. L. Causal texture of organizational environments.
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    Main currents in sociological thought. London, Penguin Books, 1965. v. 2, p. 206-7.
  • 19
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  • 20
    Weber, Max. op. cit. p. 938-1.046.
  • 21
    Freund, Julien.
    The Sociology of Max Weber. Londres, Penguin Books, 1968. p. 64.
  • 22
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  • 23
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  • 25
    Aron, Raymond, op. cit. p. 196.
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  • 27
    Os textos completos de referência para os "pacotes" citados são: Blake, R. D. &Mouton, J. S.
    The Managerial grid. Houston, Texas, Gulf, 1970; Guest, R. H.; Hersey, P. & Blanchard, K. H.
    A Mudança organizacional através da liderança eficaz. São Paulo, Multimedia - Tecnologia Organizacional, 1980; Kepner, C. H. & Tregoe, B. B.
    The Rational manager. New York, McGraw-Hill, 1965.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1981
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