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Implicações sociais da automação

ARTIGOS

Implicações sociais da automação

Francisco de Paula Ferreira

Chefe da Divisão de Serviço Social do Departamento Regional do SENAI e Secretário-Executivo do Secretariado Brasileiro da União Católica Internacional de Serviço Social

"Tenho por horizonte apenas uma coloração vermelha, de onde emana, com intermitência, um calor sufocante. Distingue-se apenas u'a misteriosa silhueta feminina, orgulhosa e terrível: - essa dama deve ser uma das estações do ano. Ela parece dizer adeus. [...] Além, uma estranha paisagem tropical: - um gato almiscarado arranha o solo, pássaros voam por todos os lados, pousam nos galhos de árvores meio calcinadas. Eis uma tartaruga que se queda imóvel. É que percebeu minha presença. Porque está ela coberta de cristais de gêlo?" - Robot CALLÍOPE (De um poema composto por um cérebro eletrônico - um "pato mecânico" - nutrido por Albert Ducrocq.)

Nem bem o Mundo se refez do impacto que a grande revolução tecnológica lhe trouxe, e de nôvo se encontra perplexo diante de outro fenômeno destinado, talvez, a representar mais profundas modificações do que aquelas que se verificaram a partir do advento da Máquina. Trata-se, como o leitor já terá percebido, da Automação, cujo aparecimento já foi rotulado, não sem razão, de "Segunda Revolução Industrial". Com efeito, a simples menção do têrmo põe a muitos de sobressalto, em face do esforço que o homem tem sido compelido a desenvolver para assimilar a era da técnica e obter a síntese dos valores econômicos e científicos numa medida humana, isto é, numa base inteiramente compatível com as possibilidades e exigências peculiares à condição humana. A automação surge, assim, inesperadamente, no processo histórico-cultural a desafiar a capacidade do homem para elaborar um nôvo humanismo que lhe permita dominar a automação, ao invés de escravizar-se a suas injunções.

Conquanto não nos caiba, propriamente, apreciar o problema técnico da automação, mas sim analisar as várias implicações que ela acarreta no campo da educação e do bem-estar social, não nos é possível renunciar totalmente a uma apresentação, ainda que sucinta, do problema da automação, de suas origens, de sua natureza e das perspectivas próximas de sua utilização em escala crescente.

CONCEITO E APLICAÇÃO

A automação - segundo o explica uma das mais acatadas autoridades na matéria, membro da Comissão de Automação e de Energia do Ministério do Trabalho dos EUA1 1 ) JOHN DIEBOLD, "Sfida della Automazione", em Operare, Milão, ano XIX, n.º 1, janeiro/fevereiro de 1964, págs. 74 e 75. - significa a aplicação do princípio de feed-back2 2 ) Em Comunicações e em Cibernética chama-se leed-back o refluxo do efeito sobre a causa, ora para favorecê-la, ora para contrariá-la. ou de autocorreção às máquinas e aos processos. Máquinas automatizadas são máquinas capazes de controlar as próprias operações, o que quer dizer que podem tomar algumas decisões sem intervenção do homem.

A automação difere da automatização, apesar de muita gente pretender substituir o primeiro vocábulo pelo segundo. No sistema dito "automatizado" há um conjunto de máquinas automáticas que funcionam individualmente, com insignificante participação do homem; as máquinas efetuam a operação automáticamente e independentemente das demais.

O processo de automação caracteriza-se - conforme expressão do Eng. LAURO DE BARROS SICILIANO - pela integração dessas operações; as máquinas são ligadas entre si de maneira tal que a peça a ser produzida seja transferida, automáticamente, de uma para outra máquina, sendo que cada qual executa seu trabalho parcial a ser completado pela seguinte.3 3 ) LAURO DE BARROS SICILIANO, O Impacto da Automação na Vida Moderna e Futura (mimeografado). Êsse equipamento mecânico chama-se transfermachine e tem larga aplicação. Um órgão controlador, com painel de instrumentos e luzes de sinalização, comanda todo o sistema. Os sinais elétricos informam o órgão controlador de tudo o que se passa em cada fase da usinagem.

A automação abrange três setores: (a) a integração, que originalmente foi aplicada pela Ford Motor Company e que descrevemos acima; (6) o controle automático, que é obtido através de circuitos fechados, mediante retroação, cuja principal função consiste em informar o órgão central de tudo o que ocorre durante o processo, e (c) os computadores eletrônicos que, além de efetuarem operações aritméticas em tempo ínfimo, realizam cálculos complicados que, pelos processos convencionais, demandariam tempo considerável. Êsses computadores - esclarece LAURO SICILIANO4 4 ) Idem, ibidem. - possuem u'a "memória", que é o órgão que registra o programa, bem como um sistema sensorial que informa os aludidos computadores de tudo o que ocorre durante o processo (pressões, temperaturas, dimensões, pêso etc.). Possuem, ainda, um elemento comparador que confronta, pela aplicação do princípio de feed-back, os resultados recebidos com os dados do programa registrado na memória, além de outro elemento da memória que expede instruções conforme os dados recebidos; existem, ademais, os órgãos motores e efetores.

É dia a dia mais extensa a área de aplicação da automação: linhas de produção, contabilidade, controle de estoques, faturamento, folhas de pagamento, observação e controle do tráfego urbano (Estados Unidos e Europa). Assim, a automação está hoje tendo trânsito na Engenharia, na Economia e na aplicação das Ciências Físicas que comportam o resultado final em têrmos quantitativos e obedecem à lógica matemática.5 5 ) Idem, ibidem.

Vimos há pouco como a automação não se confunde com a automatização. Não é fora de propósito acrescentar referência à distinção entre automação e Cibernética. Esta, segundo a define o americano NORBERT WIENER, é "o estudo comparado dos sistemas de transmissão e comando, que são, de um lado, o sistema cerebrospinal do homem e, de outro, as calculadoras eletrônicas". Dêsse estudo e dêsse confronto surgiu a automação. Entre Cibernética e automação a relação existente é a mesma que se verifica entre o embasamento científico e a aplicação.6 6 ) Transferido o conceito de Cibernética para o terreno da atividade econômica, é lícito afirmar que especialmente as relações humanas exigem técnica "cibernética" que deve desenvolver-se não apenas no plano das diretrizes econômicas e financeiras que caracterizam a empresa, como - e sobretudo - nas relações do pessoal de cada nível que colabora para o melhor andamento dessa empresa. Na estrutura econômica de cada empresa existe uma válvula eustática invisível: "o teor de vida" que assinala os níveis mínimo e máximo das remunerações.

A aplicação da automação está apenas começando. Computadores eletrônicos já permitem o controle automático de processos localizados, tais como a calefação, o funcionamento de motores e máquinas elétricas, a circulação de líquidos e gases, etc.. Contudo, o aperfeiçoamento nesses domínios é contínuo e existem hoje sistemas particularmente complexos, capazes de indicar, automáticamente, por exemplo, quais os programas mais eficazes e mais econômicos. Aparelhos automáticos estabelecem o horário de altos fornos, outros são capazes de dirigir processos químicos e as cadeias de uma fábrica de produtos metalúrgicos. Máquinas eletrônicas, que funcionam a velocidades fantásticas, podem controlar, com precisão e segurança, a ação e a trajetória de foguetes interplanetários. Aparelhos automáticos, que funcionam com incrível rapidez, dotados de "memória" infalível, analisam precisamente enorme acervo de informações, podendo controlar a produção de maneira perfeita e isenta dos riscos do fator subjetivo.

Já se pode vislumbrar o avanço que dentro em pouco a produtividade registrará. Os aparelhos serão construídos de modo que possam funcionar sem descanço e por largos períodos, dispensando o concurso de alguém que os maneje. A coordenação das diferentes operações - emprêgo de -energia, utilização de matérias-primas, etc. - será assegurada por aparelhos automáticos. Presentemente as instalações industriais mantêm um tríplice laço com o mundo exterior: no tocante às matérias-primas, à energia e ao produto já terminado. Mais tarde, porém, as unidades de produção ou grupos delas encadeados num sistema orgânico poderão ser construídos na vizinhança das fontes de matéria-prima, de modo que se pode prever para futuro próximo a simplificação dêsse laço tríplice à mera entrega dos produtos já terminados.

O FUTURO DA AUTOMAÇÃO

A automação divide os espíritos em otimistas e pessimistas. Até agora já se escreveram milhares de artigos sobre a automação, mas ninguém chegou ainda a definir satisfatoriamente o empolgante problema que a expressão criada em 1947 por DELMAR S. HARDER, vice-presidente da Ford Motor Company, suscitou. É possível apenas descrever-lhe os elementos, como acabamos de fazê-lo. O que importa é o fato de, por causa dela, tornarem-se "inúteis não só os músculos, mas também os nervos e o próprio cé

rebro do homem no processo da produção. Chega-se a fantasiar uma fábrica sem homens. O próprio descobrimento da energia atômica seria inaplicável sem a automação; com efeito, somente esta pode conferir ao trabalho de produção a segurança e a precisão que o trabalho humano não pode obter, mas que são indispensáveis ao emprêgo da energia atômica".7 7 ) Pio XII, "A Automação e o Mundo do Trabalho", discurso pronunciado por S.S., em 7-VI-1957, aos participantes do Congresso da ACLI - Asso ciazione Cristiana del Lavoratori Italiani.

Não faz muito tempo, acreditava-se que a máquina jamais seria capaz de imitar e substituir os processos de ensino do homem e a habilidade dêste para reconhecer um indivíduo entre cem mil. Hoje u'a máquina "ouve" um americano falar em seu idioma e, imediatamente, repete a frase em francês, alemão e espanhol, ao mesmo tempo que imprime a tradução. Talvez não esteja muito distante o dia em que duas pessoas que falam idiomas diferentes possam entender-se graças a um pequeno aparelho instalado no* punho da camisa e na lapela do paletó.

Atualmente a pesquisa mais revolucionária no campo da. automação é a relativa ao que se chama sistema de auto-adaptação. Algumas dessas máquinas são "orientadas para certo objetivo" e passam a procurar novos métodos até encontrar o melhor. Essas máquinas melhoram, ademais,, seus próprios sistemas, porque são capazes de obter novas noções desconhecidas à inteligência de quem tenha idealizado e construído seu mecanismo eletrônico. Imensa é a importância dêsses engenhos para o programa de pesquisas espaciais.

Nas estradas eletrônicas do futuro poderemos fixar o destino desejado e deixar que o automóvel de controle autocomandado tome o caminho mais indicado e se dirija por si mesmo. Máquinas especiais acompanharão o progresso dos estudantes, indicando seus pontos fracos e assegurando-se de que tenham compreendido bem o conceito fundamental antes de permitir-lhes passar à lição seguinte.

Calculadores eletrônicos ajudarão o homem de negócios a: examinar todas as alternativas antes de aceitar uma proposta ou tomar uma decisão; os órgãos oficiais estarão em condições de transmitir a um computador os dados de uma lista de delicadas situações internacionais para, em seguida, conhecer as prováveis conseqüências de cada deliberação, dentre extensa gama de possíveis soluções.

O mundo automatizado de amanhã conhecerá, de fato,, muitos melhoramentos. Concomitantemente aos benefícios, porém, presenciaremos grandes e rápidas mudanças em cada aspecto de nossa vida. As conseqüências sociais serão, por certo, mais retumbantes do que as suscitadas; pela Revolução Industrial. Em particular - conclui DIE-BOLD8 8 ) J. DIEBOLD, op. c it., pág. 77. - pode-se esperar as seguintes conseqüências:

• até a próxima geração 60 milhões de trabalhadores mudarão suas caraterísticas;

• um número sempre menor de operários trabalhará nas; fábricas, e um número cada vez maior trabalhará nos laboratórios e nos escritórios;

• a jornada e a semana de trabalho serão abreviadas; teremos mais tempo para dedicar à arte, à cultura, aos esportes e aos hobbies.

SENTIDO DA NOVA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Em fevereiro de 196 3 o saudoso Presidente KENNED Y declarou constituir a automação "o maior desafio nacional da década de 1960". Realmente, "devemos tomar consciência da extensão e da real natureza da grave mudança que a automação está representando para nossa vida, nossos negócios e nossa sociedade". Com essas palavras inicia o já citado JOHN DIEBOLD um artigo sôbre o momentoso assunto.9 9 ) J. DIEBOLD, "Automation: Perceiving the Magnitude of the Problem", em Operare, Milão, ano XIX, n.º 4, julho/agôsto de 1963, pág. 49.

A importância e a urgência do problema são muito maiores e substancialmente diversas do que até o presente se supõe; o problema é sério e reclama ação, por parte tanto da iniciativa privada quanto do poder público, em grau e intensidade até agora não atingidos.

É tão acelerado o ritmo dessa mudança tecnológica, que hoje precisamos empenhar-nos muito para compreender:

• a verdadeira natureza do futuro que as presentes inovações nos fazem vislumbrar;

• a verdadeira dimensão e o caráter dos problemas que a automação acarreta para o homem;

• as alternativas que se nos oferecem para enfrentar convenientemente as mudanças que estão sendo causadas pela automação.

A automação tem sido considerada apenas como um problema de mão-de-obra, que comporta mudanças na procura de trabalho, nas exigências de especialização e na retração e mobilidade dos trabalhadores. Os administradores e os operários que já têm conhecimento prático da automação sabem, entretanto, que a automação é mais do que isso; sabem que, onde quer que ela seja introduzida, a maneira de executar um trabalho é alterada, quer se trate do controle de uma emprêsa, da administração de um órgão do Estado, ou do tráfego da aviação civil. Automação é tudo isso, mas é muito mais: a máquina sempre teve importância primordial por ser agente da mudança social. Empregamos o têrmo "Revolução Industrial" não por causa das máquinas revolucionárias de JAMES WATT ou RICHARD ARKWRIGHT, mas porque essas máquinas criaram condições ambientes inteiramente novas para a humanidade, um estilo de vida inteiramente nôvo. Êles deram à História muito mais do que a máquina a vapor ou a máquina de beneficiar algodão, a estrada de ferro e o tear mecânico: suas máquinas propiciaram à sociedade um ritmo e uma perspectiva completamente sem precedentes. A grande quantidade de máquinas de nosso tempo constitui fautor de mudança social muito mais poderoso do que o foi a Primeira Revolução Industrial. A tecnologia moderna representa desenvolvimento de muito maior alcance do que os progressos líquidos nos domínios da mão-de-obra; ela significa mais ou menos oportunidades de emprêgo e maneiras novas de executar tarefas velhas. "A verdadeira natureza da tecnologia moderna e sua importância na construção de setores da sociedade humana deverão, no decurso da existência de muitos de nós, forçar-nos a reconsiderar nossa atitude para com o trabalho, para com a sociedade e para com a própria vida."10 10 ) Idem, ibidem, pág. 51.

AUTOMAÇÃO E POLÍTICA SOCIAL

Acercando-nos cada vez mais do aspecto central do presente estudo, vejamos como se coloca o problema da automação na "programática" da política social. Esta a vê, principalmente, como problema de desemprêgo, de retração e mudança na procura de mãos-de-obra, o que é exato, no conjunto, e de indiscutível importância.

Estão aí, implícitos, problemas sociais dos mais relevantes: a necessidade de diretrizes adequadas para a economia nacional, o desemprêgo técnico e a adaptação da política da formação da mão-de-obra e, para não alongar êste inventário, a importante questão da utilização do tempo livre.

É inegável que a automação não representa, só por si, estabilidade e prosperidade da economia nacional. Sabemos, com efeito, que ela exige a combinação de três fatôres: avultado capital, mão-de-obra especializada e mercados de escoamento.

A automação nasceu para a produção de armamentos, setor em que encontra larga aplicação, o que comprova seu elevado índice de rendimento. Na maioria dos países - lembra Pio XII11 - só será economicamente possível aplicar a automação quando o desarmamento liberar os capitais e quando o desenvolvimento da técnica não mais tornar hoje de pouco ou nenhum valor aquilo que ainda ontem era tido como progresso.

A respeito do desemprêgo as opiniões se dividem. É certo que a automação traz a dispensa de grandes contingentes de mão-de-obra e que os operários substituídos pela máquina encontram dificuldade em conseguir nôvo emprêgo. Muitos vêem-se forçados a aceitar trabalho mais modesto, com salários inferiores, e os mais idosos permanecem desempregados.

Sabemos que na indústria automobilística estadunidense surgiu nôvo sistema de contrato de trabalho, conhecido como "de participação progressiva", para contrabalançar os efeitos da crescente automação. Consoante artigo divulgado pelo United States Information Service, contrato firmado entre indústria daquele ramo e o sindicato local dos trabalhadores em indústrias de automóveis estipula que os operários passarão a perceber cota de 10% dos lucros anuais da emprêsa. A têrça parte dêsse suplemento é destinada a um fundo comum dos operários, em ações -da companhia; os dois terços restantes são distribuídos em dinheiro ou sob a forma de benefícios adicionais. Em 1962, primeiro ano de vigência do contrato, os 27 mil operários da emprêsa receberam um benefício de quase 10 milhões de dólares, representado por 3 milhões e 300 mil dólares em ações da companhia e 6 milhões e 500 mil dólares em recebimentos diretos, programas de seguro etc..12 12 ) GUY SIMS FUCHS, Participação Progressiva é Garantia Contra o Fantasma da Automação, ccpirraite do USIS - United States Information Service, 1963. Na indústria do aço o sistema de participação progressiva já foi introduzido em bases mai savançadas: o fundo de reserva» cobre o treinamento em novas técnicas, dos trabalhadores que sejam afastados de suas funções pela automação. Não há dúvida de que é preciso crescer economicamente para suportar o pêso da população que aumenta. A automação ê questão de sobrevivência nacional. Nos Estados Unidos 90% do aumento da produtividade nos últimos 50 anos é atribuído à tecnologia, e tecnologia moderna é automação.13 13 ) J. DIEBOLD, "Stida delia Automazione", ibidem.

AUTOMAÇÃO E DESEMPRÊGO

Há, porém, quem veja sombras no quadro promissor da automação. Entre êles figura o economista sueco GUNNA R MYRDAL, em cujo livro mais recente, intitulado A Challenge to Affluence, encontra-se uma análise do que está ocorrendo no mercado-de-trabalho norte-americano. Como Tesultado da falta de investimentos, da rejeição dos planos de bem-estar social e da aceleração dos processos de automação na indústria, acham-se desempregados 6% da força civil de trabalho, sendo que essa porcentagem seria maior - 9% - se considerássemos os que se empregam apenas em uma parte do dia ou da semana. Até 1970, segundo se prevê, a automação eliminará 24 milhões de empregos.

É de esperar que a longo prazo o problema se resolva, pois, com o passar do tempo, outras oportunidades surgirão para os desocupados, com a readaptação da mão-de-obra para outros lugares, com a redução de horas de trabalho em paridade de salários, tudo isso ligado ao acréscimo do trabalho por tarefa, mesmo com o intuito de tirar o maior proveito, de dia e de noite, das custosíssimas instalações.

Mesmo que tais circunstâncias venham a conter o desemprego técnico, viriam, sem dúvida, limitar ainda mais a liberdade do trabalhador, aumentando, em determinadas ocasiões, as diferenças entre as categorias de operários, além de comprometer a já ameaçada santificação do domingo.

Para alguns países, como estamos a ver, o desemprêgo técnico, ainda que por breve período, representaria grave dano que não se pode deixar de considerar. Mesmo porque não é "lícito adotar o falso princípio que no passado induziu alguns políticos a sacrificarem uma geração inteira em vista da grande vantagem que dêsse sacrifício devesse redundar para as gerações seguintes".14 14 ) Pio XII, Idem, ibidem.

Essas ponderações levam-nos a dirigir a vista para a necessidade de atender os justos reclamos dos princípios de uma boa ordem econômica, pois a economia nacional, se aparelhada segundo a nova tecnologia, seria mais vulnerável em seu conjunto e muito menos ágil em caso de perturbações. Urge, como nunca, conciliar os interêsses dos patrões e dos salariados, tornando êstes últimos cônscios da sorte comum de uma economia social que desenvolva, de maneira sempre mais harmônica, as forças produtivas.

Até o presente o indivíduo tem estado no centro do processo de produção no tocante ao salário: éste é a contribuição mensurável segundo o rendimento obtido da fôrça do músculo e da habilidade manual; hoje, porém, merece nova atenção, já que está acima dêsse processo, pois deve cooperar incessantemente para que os dispositivos montados para produzir se desenvolvam duradouramente e, em caso de interrupção, sejam repostos em movimento o mais depressa possível. Daí a irrecusável necessidade de novos critérios para avaliar a remuneração do trabalho, como» também para ter em consideração novos tipos de trabalhadores.

Relaciona-se intimamente com o desemprêgo técnico o problema da formação profissional. Afirma-se que a automação libertará o homem da monotonia do trabalho, da uniformidade dos movimentos repetidos; que o funcionamento da maquinaria não mais o escravizará, inexoravelmente, a seu ritmo próprio. Ao contrário, o trabalhador se sentirá senhor daquilo que acontece, daquilo que êle verifica com responsabilidade e competência, e que, em caso de necessidade, repara. Por outro lado, porém, não se pode negar que haverá lugares que exigirão que alguém permaneça horas e horas na solidão, com os nervos tensos, a vigiar o surpreendente funcionamento dos mecanismosautomatizados.

O trabalhador não mais poderá especializar-se num ofício único: deverá ser intelectual e profissionalmente capaz de abranger o funcionamento e a coordenação de aparelhos os mais diversos. O número de trabalhadores não-qualificados irá diminuindo, enquanto que o dos instruídos e plenamente formados irá crescendo.

A educação profissional deverá atender às novas exigências impostas pelo progresso técnico, pois no domínio educacional não têm sentido as improvisações. Terá de ser integral, já que na economia moderna o caráter do homem tem crescente importância, o que pressupõe, ademais, sólida cultura geral.

AUTOMAÇÃO E TEMPO LIVRE

"O trabalhador assim formado - escreveu Pio XII - poderá também resolver o problema do tempo livre, que a automação acarretará. Aquêle que retamente compreender o sentido religioso, moral e profissional do trabalho,, compreenderá também como utilizá-lo. Será também preservado da falsa idéia de que o homem trabalha para gozar do tempo livre, quando, na realidade, - além do natural e honesto alívio para o aperfeiçoamento de suas faculdades e para melhor cumprimento de seus deveres religiosos, familiares e sociais - êle tem o tempo livre para tornar-se física e espiritualmente mais apto para o trabalho."16

A verdadeira alternativa do tempo livre, com efeito, não está entre o trabalho e o ócio, mas entre dois empregos diversos e igualmente racionais do tempo. O trabalho e o descanso constituem instrumentos de elevação humana quando se cumprem segundo a ordem da natureza humana estabelecida pelo Criador. Trata-se, por conseguinte, do equilíbrio da vida. A vida e o homem não foram gerados na anarquia: têm um fim, movem-se para chegar a um objetivo. O homem deve voltar um dia para seu Criador com os talentos que recebeu, aumentados. Mas* se não houver limites e proporção entre trabalho e repouso, haverá um desequilíbrio.

"O trabalho é elemento de elevação quando aceito e realizado como estímulo ao aperfeiçoamento da inteligência e aos dons particulares nisso aplicados, segundo a própria fisionomia, como amor àqueles aos quais a vida é dedicada, sobretudo como oferta a Deus, mediante o judicioso emprêgo da existência."17 17 ) Card. GIUSEPPE SIRI, "Lavoro e Svago per la Elevazione delia Persona Umana", conferência na sessão de abertura da XXXII.ª Semana Sociat dos Católicos Italianos, de Padua, realizada de 20 a 26 de setembro de 1955, transcrita na revista Operare, Milão, setembro/outubro de 1959; pág. 28. O lazer tira seu valor da mesma medida, da mesma natureza do quadro moral em que é pôsto.

O crescente aumento do tempo livre é, como sabemos, fenômeno típico dos países industriais. Nesse particular, a utilização inconsiderada da automação - adverte ainda Pio XII - gera inconvenientes para a moralidade da pessoa, para a sã estrutura da produção e do consumo na economia nacional. A redução do trabalho e o conseqüente aumento do tempo livre não se manifestam de modo uniforme nas várias economias e nos vários setores de u'a mesma economia, porque os progressos técnicos se processam em ritmo desigual nas economias de diferentes graus de desenvolvimento e nos vários setores. Na indústria - observa FRANCESCO VITO - em razão da máquina e da automação o problema assume acentuada relevância.18 18 ) FRANCESCO VITO, "L'Implego del Tempo Libero", ibidem, pág. 30.

Disciplinar o tempo livre é dar atenção ao equilíbrio humano, pois o homem somente está em equilíbrio vital quando exerce uma atividade, dado que a inércia nada lhe acrescenta. Estudar essa atividade, sua distribuição, seu critério, é estudar verdadeiramente o equilíbrio humano. Não se trata, segundo já se acentuou acima, de alternativas entre fazer alguma coisa e nada fazer, pois tal dilema não existe se desejamos um homem são de corpo e de espírito. Ao contrário, devemos estudar os limites e os critérios existentes entre uma atividade necessária à vida material e uma atividade de livre escolha. Atualmente se restringe a margem das atividades utilitárias enquanto se dilata a margem do tempo consagrado pela livre escolha a atividades não estritamente necessárias, isto é, entre o tempo de trabalho e o tempo livre.

Ser indefinidamente perfectível, não pode o homem estar ocioso, sem fazer nada. A brevidade da vida e sua finalidade confirmam, à evidência, o dado inicial da natureza, segundo o qual "ela deve operar por si sempre que estiver em condições de agir". Assim, o repouso é lícito a título de recuperação de energias despendidas e como reserva de energias para desgaste futuro. Além dêsse limite o lazer degenera em ócio. Tanto tem o lazer de lícito quanto o ócio de indefensável. Enquanto aquêle é indispensável para restaurar o equilíbrio físico e moral desfeito pela fadiga, o segundo prepara os vadios, os eternos descontentes, os desesperados, os malviventes.

Satisfeitas as necessidades do lazer e não sendo necessário retornar imediatamente ao trabalho, devemos consagrar-nos a um terceiro tipo de atividade: um trabalho complementar, dedicado ao complemento do bem-estar social e à vida da comunidade; um estudo para o aprimoramento da cultura própria ou de outrem; o exercício de qualidades estéticas e intelectuais; o serviço ao próximo; a cultura física etc., em função do quanto contribuam para a utilidade ou para o prazer.

O tempo livre tem, pois, tríplice função: descanso, elevação e aperfeiçoamento da pessoa. Respeitar essa função é garantir o equilíbrio. Sua violação é causa de decadência na vida individual e nas relações sociais. Se a ordenação do trabalho não corresponder às exigências da pessoa humana, o tempo livre não será restauração e elevação, mas evasão, protesto, e poderá tornar-se revolta contra o trabalho, contra o ambiente de trabalho e contra a sociedade. O respeito a essa dupla harmonia é, no sentir de F. VITO , O pressuposto da explicação de todos os efeitos positivos do aumento do tempo livre; efeitos fecundos de ulterior progresso. Na medida em que o trabalhador, ampliando os próprios conhecimentos, realiza mais plenamente a própria personalidade, vê acrescer a possibilidade de ascender na hierarquia do trabalho e melhorar o seu bem-estar. O crescimento do sistema econômico será uma vantagem para êle; também a mobilidade social se acelera.19 19 ) Idem, ibidem, págs, 91 e 32.

A boa utilização do tempo livre permitirá ao trabalhador reagir à tendência centrífuga dos primeiros tempos da era industrial, que muito contribuiu para a desagregação familiar. Voltam agora sociólogos e educadores a pugnar para que a família se transforme em centro de lazer, reconquistando assim a plenitude de sua natureza comunitária em todos os níveis.

Por outro lado, o trabalhador ver-se-á em condições de empenhar-se no próprio aperfeiçoamento cultural, de "engajar-se" mais amplamente nas associações livres, em atividades cooperativas e outras, na vida política e, em geral, na vida social, do que redundará o fortalecimento das bases democráticas da sociedade.

Lamentávelmente, é forçoso reconhecer que a imediata liberação do tempo tem dado origem a graves problemas, com prejuízo para o indivíduo, para a família e para a sociedade; ao lado da desagregação pessoal, assistimos hoje à decadência cultural e estética, ao aumento das tensões sociais e ao enfraquecimento da democracia como conseqüência final. De uma hora para outra milhares de homens e mulheres deparam com grande disponibilidade de tempo livre, e o resultado é o depauperamento de seu organismo, ao invés da reintegração de suas energias; o prejuízo do equilíbrio psíquico, em lugar de seu restabelecimento; a degradação de seu nível moral, ao contrário de sua potencialização; a desagregação da família, quando deveríamos ter o fortalecimento de sua coesão.

Num programa realmente construtivo recai grande responsabilidade sôbre os podêres públicos e os órgãos privados. Realmente, cresce com o lazer a procura dos bens e serviços. Os produtores correm o risco de ceder à tentação de, sob o estímulo do lucro fácil, adaptarem os artigos ao nível moral e cultural mais baixo dos consumidores; as emprêsas talvez não hesitem muito entre o critério do lucro e a inspiração de seu papel de instituição comunitária.

Em face dêsse prognóstico a linha a seguir só pode ser uma: a reta concepção da pessoa humana e de sua transcendência. Daí decorrem os princípios que devem nortear o comportamento dos beneficiários do tempo livre; os princípios que se aplicam aos organismos privados e públicos que atuam na esfera da economia, da instrução, dos divertimentos e, em geral, dos meios audiovisuais. Equilibrados harmoniosamente o trabalho e o tempo livre, estabelecida, quanto a êste, firme distinção entre lazer e ocio, do mesmo princípio (isto é, do respeito à pessoa humana) decorrem os outros: a instrumentalidade da economia, no que tange aos valores superiores do homem, e a^ justiça social, como meta da política econômica e social.20 20 ) Idem, ibidem.

CONCLUSÕES

Neste breve estudo vimos como a Cibernética abriu novos campos em muitos domínios da atividade humana, ensejando o advento da automação, que veio representar em nossos dias outra verdadeira revolução tecnológica. As inúmeras possibilidades de aplicação que está tendo e que, certamente, muito se ampliarão, ainda, no campo das Ciências Físicas e no da Engenharia, bem como no da Economia e no da Administração, são de tal modo surpreendentes que deixam a uns, otimistas; a outros, pessimistas. Se a automação é, assim considerada, uma ameaça e uma promessa, outra razão para tanto não existe senão a circunstância de ela envolver uma série de reflexos sociais; em outras palavras, de reclamar uma nova formulação do humanismo.

Não há dúvida de que, quando os norte-americanos reconhecem na automação "a mais potente arma para a expansão da economia", não estarão deslembrados da frase que se atribui a EINSTEIN: "A máquina faz tudo bem; ela pode resolver todos os problemas que a gente queira; jamais, porém, formulará algum." Alertados quanto às mais complexas implicações, de ordem ética e social, da automação, que interessam profundamente à formação e à elevação do homem, ao bem-estar social e à boa ordem da sociedade, seremos capazes de evitar seus possíveis inconvenientes e de aproveitar, ao máximo, suas reais vantagens.

  • 3) LAURO DE BARROS SICILIANO, O Impacto da Automação na Vida Moderna e Futura (mimeografado).
  • 17) Card. GIUSEPPE SIRI, "Lavoro e Svago per la Elevazione delia Persona Umana", conferência na sessão de abertura da XXXII.Ş Semana Sociat dos Católicos Italianos, de Padua, realizada de 20 a 26 de setembro de 1955, transcrita na revista Operare, Milão, setembro/outubro de 1959; pág. 28.
  • 1
    ) JOHN DIEBOLD,
    "Sfida della Automazione", em
    Operare, Milão, ano XIX, n.º 1, janeiro/fevereiro de 1964, págs. 74 e 75.
  • 2
    ) Em Comunicações e em Cibernética chama-se
    leed-back o refluxo do efeito sobre a causa, ora para favorecê-la, ora para contrariá-la.
  • 3
    ) LAURO DE BARROS SICILIANO, O
    Impacto da Automação na Vida Moderna e Futura (mimeografado).
  • 4
    ) Idem, ibidem.
  • 5
    ) Idem, ibidem.
  • 6
    ) Transferido o conceito de Cibernética para o terreno da atividade econômica, é lícito afirmar que especialmente as relações humanas exigem técnica "cibernética" que deve desenvolver-se não apenas no plano das diretrizes econômicas e financeiras que caracterizam a empresa, como - e sobretudo - nas relações do pessoal de cada nível que colabora para o melhor andamento dessa empresa. Na estrutura econômica de cada empresa existe uma válvula eustática invisível: "o teor de vida" que assinala os níveis mínimo e máximo das remunerações.
  • 7
    ) Pio XII, "A Automação e o Mundo do Trabalho", discurso pronunciado por S.S., em 7-VI-1957, aos participantes do Congresso da
    ACLI - Asso
    ciazione Cristiana del Lavoratori Italiani.
  • 8
    ) J. DIEBOLD,
    op. c
    it., pág. 77.
  • 9
    ) J. DIEBOLD,
    "Automation: Perceiving the Magnitude of the Problem", em
    Operare, Milão, ano XIX, n.º 4, julho/agôsto de 1963, pág. 49.
  • 10
    )
    Idem, ibidem, pág. 51.
  • 12
    ) GUY SIMS FUCHS,
    Participação Progressiva é Garantia Contra o Fantasma da Automação, ccpirraite do USIS -
    United States Information Service, 1963. Na indústria do aço o sistema de participação progressiva já foi introduzido em bases mai savançadas: o fundo de reserva» cobre o treinamento em novas técnicas, dos trabalhadores que sejam afastados de suas funções pela automação.
  • 13
    ) J. DIEBOLD,
    "Stida delia Automazione", ibidem.
  • 14
    ) Pio XII,
    Idem, ibidem.
  • 17
    ) Card. GIUSEPPE SIRI,
    "Lavoro e Svago per la Elevazione delia Persona Umana", conferência na sessão de abertura da XXXII.ª Semana Sociat dos Católicos Italianos, de Padua, realizada de 20
    a 26 de setembro de 1955, transcrita na revista
    Operare, Milão, setembro/outubro de 1959; pág. 28.
  • 18
    ) FRANCESCO VITO,
    "L'Implego del Tempo Libero", ibidem, pág. 30.
  • 19
    )
    Idem, ibidem, págs, 91 e 32.
  • 20
    )
    Idem, ibidem.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1964
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