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Editorial

EDITORIAL

"A radicalidaáe da Reengenharia não está nos recursos que desloca, mas na lógica da mudança que realiza."

Talvez a grande ameaça da Reengenharia seja a de que ela nos leva a fazer, hoje a grande pergunta que se espera que façamos apenas no "Juízo Final" o que fizemos com as recursos que tivemos disponíveis? Jamais tivemos notícias ou oportunidade de ver opositores a uma abordagem de mudança organizacional se manifestarem de maneira tão veementemente contrária quanto aos que se opõem à Reengenharia de processos organizacionais. Paralelo igual apenas dos fiéis opositores ao Taylorismo. Parece claro que a Reengenharia e suas premissas incomodem muita gente... Parece claro que "a grande pergunta" tem algo a ver com isso...

Se o Taylorismo foi combatido por favorecer à manutenção do status que socioeconômico a Reengenharia, certamente, tem sido combatida pela ameaça ao poder constituído que suas mudanças radicais propíciam. No fundo, os dois conflitos tem a mesma raíz: o domnínio sobre recursos disponíveis e as consequentes vantagens - mesmo fruto de uma adaptação negativa - fica para hoje e se esconde atrás das mais diferentes racionalizações. A culpa por sua vez, pelo mau uso dos recursos, fica para o "Juízo Final"...

Apesar disso, conforme nos mostra a revista The Economist, 69% das organizações americanas e 75% das européias, pesquisadas pela firma consultiva CSC Index, estão em processo de Reengenharia. Com base em 497 grandes organizações americanas e 124 européias, esta importante consulta pode concluir que a Reengenharia é mais difundida do que parece, apesar de não garantir resultados coerentes com objetivos pretendidos.

Não apenas muitas das organizações aderiram à Reengenharia, como muitos daqueles que se dizem "reengenheiros" ainda não entenderam o que realmente significa a Reengenharia. A arraigada cultura impede que muitos consultores e clientes cheguem mesmo a perceber as sutis - mas significativas - diferenças entre uma abordagem de processo, base para a Reengenharia, e uma merda medida de redução de custos. Muitos dos casos relatados como sendo Reengenharia são, na verdade, nada mais nada menos de que os velhos trabalhos de O&M e tamanha é esta confusão que muitos citam - orgulhosos - experiências de Reengenharia datadas antes mesmo de que o próprio termo tivesse sido criado!

Este contexto pode estar fazendo da Reengenharia o que foi feito de muitas alternativas de gestão e mudança organizacional, isto é, modismo seguido de sepultamento em vala comum. Mas o que diferencia a Reengenharia de outras propostas metodológicas é que ela foi a única a atacar de frente o grande paradoxo que acompanha os 30 a 40 anos de informatização comercial - quanto mais recursos de processamento, maior subutilização. Quanto mais recursos de conectividade, menor a integração relativa de bases de dados e sistemas, quanto mais informatização, menor visão do negócio e dos clientes.

Assim, a Reengenharia nos leva a considerar inadimissível - por maiores que sejam as justificativas apresentadas - ainda hoje encontramos coisas elementares, tais como fichas cadastrais em bancos, hospitais, operadores e agências de turismo, escolas, órgãos púlbicos, negócios privados e até em ferias de informática, serem preenchidas a cada vez que o cliente efetua uma transação. Da mesma forma, leva-nos a considerar inadimissívelo timing dos velhos modelos centralizados de atendimentos a usuários de micro-computadores e mainframes. Pelas mesmas raões, leva-nos a considerar inadimissível os investimentos em técnologia da informação serem ainda hoje justificados mais pelas reduções de custos do que pelos serviços, pelas facilidades oferecidas aos clientes ou pelos negócios que criam.

A Reengenharia vem nos mostrar que não podemos mais continuar construindo sistemas orientados para os clientes com a mesma lógica dos sitemas orientados para a gestão - daí o seu nome que a tantos incomoda - resultando na chamada "burocracia burra". Também veio nos mostrar que não podemos mais continuar garantindo resultados por medidas simples de aumento da disponibilidade de insumos ou de reduções destes sem atenção ao processo de formação de demanda, na busca de reduções de custos unitários pelo aumento da produção e não pelo volume de vendas efetivo. Veio também nos mostrar radicalmente que não podemos insistir em desenhar organizações em torno de rede de bases de dados, dando sobrevida à ditadura dos "computólogos", mas em torno de processos orientados aos clientes.

Quaisquer que sejam oos caminhos que a Reengenharia venha a tomar, deve passar por um ponto de atenção e convergência de todos nós e que não deve ser considerado apenas o "Juízo Final" - a educação para a exploração compartilhada de recursos. Reediscar os seres humanos para uma utilização compartilhada de recursos está acima de qualquer ideologia. Ao contrário do que muitos pensam o compartilhamento das informações pelo avanço das telecomunicações - considerando, hoje, tão ou mais importantes para os negócios do que o avanço da informatização - será apenas mais uma fase no processo de transição a uma sociedade global. O compartilhamento de recursos escassos nesta sociedade será a grande questão responsável pela grande pergunta do "Juízo Final". E se a Reegenharia não atacar de frente essa questão estará se transformando em mais um "bode espiatório" para aqueles que - em nome de quaisquer ideologia - estão sempre polindo os bronzes do Titanic. E que Deus se apiede das almas dos polidores...

Prof. Marilson Alves Gonçalves

Diretor e Editor da RAE

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Ago 1994
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