RESENHA
Moderna organização
Fernando C. Prestes Motta
Moderna Organização - Por VICTOR A. THOMPSON, Programa de Publicações Didáticas - Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional - USAID, Rio de Janeiro, 1967, tradução de VITOR BRINCHES.
VICTOR A. THOMPSON, professor e chefe do Departamento de Ciência Política e Social do Instituto de Tecnologia de Illinois, oferece-nos neste livro uma demonstração inequívoca de seu espírito brilhante e de seus conhecimentos profundos dos problemas administrativos.
Moderna Organização não é um manual de técnicas de organização, embora também não apresente uma análise teórica de natureza integradora. Na verdade, trata-se de trabalho de desenvolvimento de uma tese, a qual, em virtude de sua amplitude, obriga o autor a um estudo profundo de aspectos estruturais e aestruturais da organização.
THOMPSON parte da idéia de que a burocracia moderna é uma adaptação de velhas formas de organização, alteradas para se adaptarem aos requisitos da especialização. A especialização moderna é nela enxertada, mas os velhos traços do passado permanecem. Juntamente com a especialização tecnológica, encontramos remanescentes de GÊNGIS CÃ e de guerreiros caciques índios. Encontramos o que há de mais recente na ciência e na tecnologia associado à organização autocrática, monística, hierárquica, de uma era mais simples. Em sua obra, encontramos especialização e hierarquia reunidas.
Porém, ao que tudo indica, êste enxêrto da especialização na estrutura hierárquica torna-se cada vez mais difícil, pela crescente lacuna entre o direito de decidir que é a autoridade e o poder de executar, que é o conhecimento especializado.
Baseado nesta nova visão da burocracia, o autor defende a tese de que a mais sistemática característica da burocracia moderna é o crescente desequilíbrio entre a capacidade e a autoridade.
Por um lamentável engano, a edição brasileira traz a palavra "desequilíbrio" trocada pelo seu antônimo, o que pode comprometer o entendimento da obra. Uma vez, porém, corrigida esta falha, o livro é fàcilmente compreensível e de leitura agradabilíssima.
Antes de entrar no desenvolvimento de seu pensamento, THOMPSON adverte o leitor de que não foi sua intenção levantar de forma experimental qualquer prova empírica espúria que servisse ao seu argumento. Esta advertência é necessária, pois, entramos numa era em que a quantificação é algo mágico e sagrado, embora quase sempre trivial o que pode ser quantificado.
THOMPSON propõe-se a fazer uma análise funcional da organização em duplo sentido: primeiro, a meta formal, objetiva e externa da organização; e segundo, as metas pessoais que os participantes esperam atingir, associando-se à organização. Exposta a base sôbre a qual se assenta tôda sua tese, o autor divide a obra em oito partes, na seguinte ordem: Burocracia, Especialização, Hierarquia, Conflito, Ideologia, Dramaturgia, "Buropatologia" e Cooperação.
Na primeira parte, lembra o conceito weberiano de burocracia, isto é, a visão evolutiva das formas organizacionais segundo a espécie de relações de autoridade dentro delas, desde o tipo mais simples, em que os participantes prestam obediência quase inqualificável a um líder "carismático" com poderes extraordinários, até a forma mais racionalizada, baseada em relações altamente formais de autoridade, a que MAX WEBER chamou burocracia. Embora o conceito weberiano seja ainda de grande validade, existem atualmente elementos que modificam bastante os aspectos característicos da grande organização: êstes elementos são a ciência e a tecnologia. A organização responde ao impacto dêstes elementos com um constante auto-escrutínio. Além disso, a complexidade das técnicas exige sua aplicação por parte de especialistas e a dependência dêstes a que a organização se submete, exige uma adaptação completa no que se refere a seus sistemas de carreira, divisão do trabalho em funções e departamentalização, pois a especialização exige garantia de estabilidade.
Imagina o autor que a especialização torna-se cada dia mais importante e que, da mesma forma que se verificou a separação da propriedade e do contrôle da emprêsa, começa a verificar-se uma separação entre administração e contrôle, como resultado da especialização avançada.
No capítulo intitulado "Especialização", THOMPSON identifica dois tipos de especialização totalmente diversos: de tarefas e de pessoas. O primeiro se refere ao elemento de trabalho especificado, enquanto o segundo se refere à adaptação do indivíduo às condições de sua existência, no sentido de torná-lo capaz de realizar algo que não poderia fazer antes, e que outra pessoa não pode fazer por êle. Se tais coisas são avaliadas por outra pessoa, seu monopólio parcial de habilidade para executá-las dá-lhe poder.
A especialização de tarefas, por outro lado, se move na direção de algo sempre mais específico - a redução de atividades para rotinas simples e repetitivas, conduzindo à microdivisão do trabalho, como por exemplo, apertar parafusos numa linha de montagem.
Embora a microdivisão industrial do trabalho seja enormemente custosa em têrmos de bem-estar individual dos trabalhadores, tem sido bastante positiva do ponto de vista da produção. A razão para esta aparente contradição está no fato de que a microdivisão do trabalho humano tornou possível o emprêgo de máquinas de alta produtividade.
Ao contrário da especialização de pessoas, que constitui um processo social, a especialização de tarefas é uma condição planejada imposta à organização pelos que detêm a autoridade e que ocupam os diversos cargos da hierarquia, à qual o autor dedica o capítulo seguinte.
Por hierarquia, entende um sistema de funções - funções de subordinação e de chefia - dispostas em uma corrente, de modo que a função 1 fique subordinada à 2, e esta, superior à 1, subordinada à 3. Uma das características da estrutura hierárquica costuma ser a graduação entre as posições subordinado-superior, formando uma hierarquia de vários graus de respeito ou um sistema de status.
Este sistema de status deve sua sobrevivência, em grande parte, à crença num poder incomum, ou carisma, das pessoas que ocupam as várias posições. Embora a especialização tenha alterado profundamente as circunstâncias nas quais a ação se desenvolve dentro de uma emprêsa, a teoria da organização moderna e, em grande parte, a prática, foram aplicadas ao sistema das posições hierárquicas, fazendo com que a conduta interna da burocracia previesse, em muitos casos, de tensões criadas pelo conflito entre especialização e hierarquia.
Segue um capítulo sôbre conflito, no qual o autor se propõe a estudar a interação existente entre as funções dos postos hierárquicos e as dos especializados. Imagina que a conduta pessoal é dirigida para uma finalidade comum e que a conduta organizacional é, de forma inversa, dirigida para as metas pessoais.
As atividades e as relações mútuas, orientadas para um objetivo, constituem as metas a que a organização deve dar maior ênfase. Quer isto dizer que essas atividades e relações são apreciadas mais por sua capacidade de conduzir às metas da organização do que às de cada um de seus membros.
Para THOMPSON, entretanto, o núcleo do conflito esta nas crescentes discordâncias entre o especialista e as posições hierárquicas. Considerando que possam existir outros motivos para conflitos, acredita provável sua superação por meio do reconhecimento da necessidade de interdependência. A solução dêsses conflitos, na organização moderna, torna-se difícil pelo fato de que êles são formalmente reconhecidos, devendo, portanto, ser usados meios ilegais para o estabelecimento de um acôrdo.
Na quinta parte, o autor afirma que a burocracia necessita de uma ideologia que se oponha à validade do conflito, e que será encontrada no que êle chama de "psicologia sócio-administrativa", ou seja, o corpo de idéia da chamada Escola de Relações Humanas. O conflito é encarado, de acôrdo com tais idéias, como uma forma de conduta individual, patológica, que deve ser corrigida através da interação social.
O capítulo referente à "dramaturgia" marca o início das seções realmente originais da obra. A afirmação básica é que o superior precisa controlar as opiniões, e tal contrôle exige que se dedique alguma atenção à preparação do "público". Para as apresentações hierárquicas o público já está preparado pelo sistema de status. O auditório é treinado para desempenhar os papéis de acôrdo com os valores dêstes e para mostrar vivo interêsse pelo espetáculo. A conduta do status protege a área dos bastidores, ensinando os indivíduos a "manterem-se no seu lugar". As informações que não estão de acôrdo com as opiniões adotadas são mantidas em segrêdo. O treinamento do status preparou o auditório para agir com cautela e os "atôres" para agirem respeitosamente com relação ao sistema de status. Ambas as partes "representam o seu papel" protegendo, assim, as representações contra fiascos, más atuações, entradas fora do tempo, etc.
Os dois últimos capítulos tratam, respectivamente, de "Buropatologia" e Cooperação.
Em "buropatologia" THOMPSON tenta deixar claro o problema da rotinização, no que se refere à sua influência na conduta individual. Afirma que certos indivíduos mostram-se incapazes de se adaptarem às organizações modernas e que esta falta de adaptação pode ser revelada de duas formas: a que chama de "buropática" e "burótica".
Na estrutura hierárquica, com o seu monopólio de "sucesso", existe uma grande reserva de ansiedade. Esta ansiedade, originada pelo sentimento de insegurança, provoca, muitas vêzes, um apêgo exagerado às normas da organização. A êste tipo de conduta o autor chama "buropática". Há, por outro lado, pessoas que são incapazes de se adaptar à complexidade, impessoalidade e imparcialidade dessas organizações. Ao que tudo indica, êste é um tipo de reação característico da personalidade imatura. A isto THOMPSON chama de conduta "burótica".
No capítulo sôbre "cooperação", o autor lembra sua necessidade para a organização, os seus tipos possíveis e finalmente recomenda algumas modificações no comportamento administrativo típico.
A leitura de um livro da categoria de Moderna Organização é indispensável para administradores de cúpula e para todos aquêles que se interessam pelo fascinante campo da Teoria das Organizações.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Jul 2015 -
Data do Fascículo
Jun 1968