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Estrutura agrária e liberação de mão-de-obra agrícola no Estado de São Paulo

COMENTÁRIOS

Estrutura agrária e liberação de mão-de-obra agrícola no Estado de São Paulo

Fernando Maida Dall' Acqua

Ex-aluno de mestrado em administração da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, pesquisador em economia agrícola

Durante a década de 30, portanto no mesmo período em que se intensificou o processo de industrialização, foi que as migrações no sentido campo-cidade estabeleceram-se como fluxo contínuo, orientado para as cidades em rápido desenvolvimento industrial.

Essa transferência de mão-de-obra rural para as zonas urbanas era vista não só como essencial para o processo de desenvolvimento, desde que fornecia força de trabalho necessária às atividades industriais, como também desejável, por refletir um aumento da produtividade do sistema. A força de trabalho agrícola excedente ou subutilizada, ou mesmo aquela liberada pelo setor, pelas modificações no sistema de produção, migrariam para as zonas urbanas, atendendo assim às necessidades de crescimento do setor industrial, resultando daí um aumento de produtividade do sistema econômico nacional.

Essa abordagem do êxodo rural é parte de uma visão de desenvolvimento que, principalmente após a II Guerra Mundial, levou os responsáveis pela orientação política, não só no Brasil, como em muitos países subdesenvolvidos, a adotarem a estratégia de uma rápida industrialização como forma de alcançar seu desenvolvimento econômico. Daí aceitar-se a liberação de mão-de-obra como uma das funções tradicionalmente desempenhadas pelo setor agrícola, tomando-se mesmo a redução percentual da população agrícola na população total como um dos indicadores do arranco do país dentro do processo de desenvolvimento econômico.

Esse processo de desenvolvimento, baseado sobre a dinâmica do setor industrial, obteve altas taxas de crescimento do produto interno bruto, assim como a formação de um amplo e diversificado parque industrial. Mas tem-se revelado incapaz de apresentar um crescimento da taxa de emprego suficiente para resolver o problema de subemprego e desemprego existente, mostrando que esse continua sendo um dos maiores desafios que o país enfrenta, para diminuir a situação de pobreza em que vive grande parte de sua população.

Frente a essa necessidade em que se coloca o sistema em gerar empregos para sua numerosa e crescente força de trabalho subutilizada, torna-se necessário que se reconsidere a liberação de mão-de-obra agrícola, como sendo um fenômeno social, natural e necessário, sob o argumento de ser essa uma função historicamente desempenhada pelo setor agrícola dentro do processo de desenvolvimento econômico. Nesse caso, deve-se estudar as causas que provocam o êxodo rural, para que se possa propor opções alternativas para o desenvolvimento do setor agrícola, que o orientem no sentido de aumentar os níveis de absorção de mão-de-obra e, dessa forma, contribua para eliminar o desemprego e subemprego existente.

É dentro desse plano que se coloca o presente estudo, em que se pretende analisar alguns aspectos da estrutura agrária que a tornam condição contribuinte (e não causa) do êxodo rural. Portanto, não pretendemos abordar detalhadamente a estrutura agrária de São Paulo, mas apenas nos referir a alguns de seus aspectos que contribuem para a ocorrência do êxodo rural.

Inicialmente, faremos um breve histórico da estrutura agrária do Brasil e de São Paulo, pois é aí que devemos procurar as causas para o regime de posse da terra existente; a seguir, analisaremos a estrutura agrária paulista nas últimas décadas, relacionando-a com a distribuição ocupacional da mão-de-obra rural dela decorrente e a partir daí procuraremos mostrar a relação existente entre a estrutura agrária e o êxodo rural.

1. ORIGENS HISTÓRICAS DA ESTRUTURA AGRÁRIA

Façamos um rápido retrospecto na história da agricultura brasileira. Ainda que se tenham alterado no tempo seus ciclos de produção, segundo alguns poucos produtos agrícolas, que tinham no mercado externo a variável determinante de sua expansão (que refletia não só o ritmo de crescimento da economia, como também, em função de fatores histórico-geográficos, a expansão ou retração de suas economias regionais), ela manteve na base do chamado modelo primário-exportador uma estrutura agrária onde os latifúndios sempre se apresentaram como a forma básica de constituição de propriedade. Porém os latifúndios não se constituíram na única forma de ocupação das terras. Os minifúndios, principalmente na primeira metade do século XIX, ganharam importância e firmaram-se na constituição da estrutura agrária brasileira. Durante esse período, conforme assinala Guimarães,1 1 Guimarães, A. P. Quatro séculos de latifúndio. Editora Paz e Terra, 1965, p. 118. "desafiando o poder das grandes oligarquias agrárias, multiplicavam-se as posses, e com elas ganhava largas dimensões e consistência a classe dos pequenos cultivadores".

Contudo, como explica Vinhas de Queiróz,2 2 Queiróz, M. Vinhas de. Notas sobre o processo de modernização no Brasil. Separata da Revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, p. 139, 1967. "em 1850, esse processo - que levado às últimas conseqüências tornaria o Brasil um país de estrutura agrária muito diversa da atual - foi drasticamente interrompido e assistimos aí uma nítida opção da classe que usufruía o poder político: podemos denominar essa derradeira etapa do Império a da consolidação da grande propriedade rural ou do sistema de plantations..." E assim, assentado sobre uma estrutura agrária baseada sobre o complexo latifúndio-minifúndio, constituiu-se um sistema produtivo onde setores modernos, orientados pára a exportação coexistiriam com economias de subsistência.

Inicialmente os latifúndios constituíram-se na forma mais eficiente de organizar um sistema produtivo orientado para fornecer alguns poucos produtos (açúcar, tabaco, etc.) para a metrópole. A escassez de mão-de-obra local, os altos custos em transferi-la da Europa, além da escassez da oferta de mão-de-obra que havia em Portugal, impunham a grande propriedade como o meio mais viável de ocupação das extensas áreas que lhe pertenciam.3 3 Furtado, Celso. Formação econômica do Brasil. Cia. Ed. Nacional, 1971, p. 12-3. " Além disso, e sobretudo, existia uma forte pressão política de outras nações européias que se interessavam pelas terras, o que colocava Portugal frente à necessidade de ocupação da colônia de forma rápida, situação em que o latifúndio (capitanias) apresentava-se também como a forma mais viável de ocupação.4 4 Prado Jr., Caio. História econômica do Brasil. Ed. Brasiliense, 1970, p. 31-2.

O minifúndio, por sua vez, tem suas origens segundo época e/ou região provocadas por diferentes causas, porém quase sempre ligadas ao tipo de propriedade dominante, ou seja, os latifúndios. Surgem, como se viu, de forma definitiva na estrutura agrária brasileira, fundamentalmente, na primeira metade do século XIX. São resultantes da ocupação das grandes áreas de terra que permaneciam inexploradas, ou daquelas que os latifundiários abandonavam depois de terem exaurido seus solos, ou como resultantes de alterações no modo de produção, principalmente após a abolição da escravatura, quando se tornaram convenientes por, representarem um atrativo à mão-de-obra imigrante, necessária às grandes fazendas.5 5 Prado Jr., Caio. op. cit., p. 250-1.

Esse tipo de estrutura agrária, herdada dos séculos passados, existe ainda hoje, de maneira relativamente uniforme em todo o Brasil, ainda que se possa discutir a maior ou menor intensidade em certas regiões ou quanto às tendências que se teriam verificado no decorrer do tempo, no sentido de uma maior atomização na posse da terra.

Acompanhando o quadro geral espelhado pelo Brasil, no Estado de São Paulo o complexo latifúndio-minifúndio sempre esteve presente. Os latifúndios remontam aos tempos das grandes fazendas de cana-de-açúcar, e posteriormente de café, em meados do século XIX, época em que São Paulo começa a tornar-se o centro de maior expressão econômica do país - levado pela alta cotação do café no mercado externo. Os minifúndios têm suas principais origens ligadas à vicissitude da monocultura de exportação. O abandono das terras cansadas, imprestáveis à lavoura, e as sucessivas crises do café provocaram uma relativa desintegração dos latifúndios no sentido de outros tipos de propriedades, particularmente os minifúndios.6 6 Ibidem, p. 250-1.

Essa estrutura agrária, fundamentada sobre o complexo latifúndio-minifúndio, cuja origem histórica sumariamente descrevemos, e que, como veremos, ainda hoje existe no Estado de São Paulo, manteve um desequilíbrio não só quanto à distribuição de posse da terra entre proprietários e trabalhadores, como também em relação à distribuição ocupacional (relação terra/homem) nos diferentes tipos de propriedade. A partir da constatação desse desequilíbrio - assunto que trataremos a seguir - é que formularemos, posteriormente, nossa hipótese desse estudo, onde admitimos ter a estrutura agrária atuado como condição contribuinte para ocorrência do êxodo rural em São Paulo.

2. ESTRUTURA AGRÁRIA E DISTRIBUIÇÃO OCUPACIONAL DE MÃO-DE-OBRA

Para classificação das propriedades agrícolas de São Paulo, utilizaremos um critério adicional que é o número de pessoas ocupadas ou que podem ser ocupadas, pressupondo, portanto, existir uma íntima relação entre as condições físicas da propriedade e a população ocupada ou que pode ser ocupada.

Utilizaremos esse critério, pois ele permitirá não só mostrar a rigidez da estrutura agrária, como também tirar algumas conclusões quanto, à situação socioeconômica da população rural ativa, dentro dos diferentes tipos de propriedade.

Utilizando-se esse critério, a classificação teórica é a seguinte:7 7 Esse critério foi utilizado no estudo do CIDA-FAO. Posse e uso da terra e desenvolvimento socioeconômico do setor agrícola - Brasil. Washington, 1966, p. 137.

• Minifúndio: propriedades agrícolas de tamanho inadequado para dar emprego integral, dentro dos níveis tecnológicos vigentes e de recursos, para duas pessoas durante o ano inteiro.

• Propriedades agrícolas do tipo familiar: propriedades agrícolas que dão emprego integral para duas a quatro pessoas, presumindo-se que a maior parte do trabalho é realizada por membros da família.

• Propriedades agrícolas multifamiliares ou de tamanho médio: propriedade agrícola suficientemente grande para dar emprego integral para quatro a 12 pessoas.

• Latifúndios: propriedades agrícolas multifamiliares, que dão emprego a mais de 21 pessoas.

Portanto, considera-se que a unidade de propriedade básica é a familiar, que tem capacidade para permitir a ocupação plena da unidade básica de trabalho agrícola que é uma família de dois a quatro trabalhadores, incluindo o chefe de família.8 8 Deve-se observar que a classificação baseia-se em uma família rural de dois-quatro elementos ativos e não no tamanho médio da família rural. Assinala-se que o objetivo é determinar o tamanho (em hectare) das propriedades familiares, ou seja, aquelas onde existe emprego integral, sendo a maior parte do trabalho realizada por membros da família. É possível que o tamanho médio da família rural seja superior a dois-quatro elementos ativos porém o critério não procura determinar a área necessária para o trabalho integral de uma família do tamanho médio. Se assim procedesse, encontraria um tipo de propriedade básico maior, porém que não atende o pressuposto da definição de que a maior parte do trabalho nessa propriedade seja realizada por membros da família do proprietário. Os dados dos quadros 1, 2, 3, 4 e 5 evidenciam esse fato. O termo ocupação plena é utilizado aqui em um sentido amplo, significando que é a quantidade de trabalho de tempo integral que proporciona uma renda adequada para suprir os trabalhadores com suficiente alimentação, alojamento, vestuário e alguma poupança.9 9 O termo ocupação plena, utilizado para retratar a situação dos trabalhadores nas propriedades familiares, não implica dizer que os trabalhadores que não trabalham em tempo integral, como se supõe que ocorra nos minifúndios, não tenham uma renda suficiente para alimentação, alojamento e vestuário; o que supomos é que a propriedade familiar, permitindo trabalho em tempo integral, proporcionará aos trabalhadores uma renda superior àquela obtida nos minifúndios. Nesses, a renda, apesar de suficiente para a subsistência, é baixa, o que coloca os trabalhadores em situação de grande dependência econômica das oscilações dos preços de mercado (quando participam desse) ou das variações na produção. No sentido em que utilizamos o termo, queremos dizer que essa dependência é bem menor nas propriedades familiares, pois sendo a renda obtida pelos trabalhadores superior, esses desfrutam de uma segurança que não usufruem os trabalhadores do minifúndios.

A partir dessa classificação teórica, a transposição para a determinação das classes, pelo critério de área (hectare), foi feita utilizando-se os dados agregados dos censos de 1940, 1950, 1960 e 1970. Tomou-se em todas as subclasses (em hectare), com base no censo, a população ativa; dividindo-a pelo número de estabelecimentos, achou-se a quantidade média de pessoas dada como em atividade em cada uma dessas subclasses. A partir daí, determinou-se a classe (minifúndio, propriedade familiar, propriedade multifamiliar, latifúndio) segundo o pessoal ocupado, que cada subclasse (em hectare) do censo se enquadraria.

Dentro desse critério, achou-se os limites de classe em hectares, para cada tipo de propriedade, assim como a população ativa média para cada classe. Esses resultados são apresentados no quadro 1.


Utilizando essa classificação, a estrutura agrária de São Paulo, segundo os dados dos censos agropecuários de 1940, 1950, 1960 e 1970, é apresentada no quadro 2.


Portanto, o fato de que a estrutura agrária não se alterou fundamentalmente nas últimas três décadas torna-se evidente nos dados apresentados no quadro 2.

Pode-se observar que o minifúndio em todos os anos apresenta uma grande participação quanto ao número de estabelecimentos, porém ocupa uma parte extremamente pequena em relação à área ocupada.

Na outra ponta, os latifúndios, que ocupam, nas últimas quatro décadas, em média 60% da área, apresentam-se distribuídos em aproximadamente 6% dos estabelecimentos, mostrando que durante esse período o latifúndio continuou sendo o tipo de propriedade monopolizadora das terras.

Não estenderemos a análise por acharmos desnecessário, já que os dados apresentados no quadro 2, por si só, evidenciam a forma desigual de distribuição de terras e sua rigidez no tempo.

Passemos agora ao segundo aspecto que nos interessa, ou seja, a distribuição ocupacional da M.O., existente dentro da estrutura agrária (quadros 3, 4 e 5).




Portanto, essa estrutura agrária que se manteve inalterada marca decisivamente a estrutura socioeconômica do campo, que, como mostram os dados dos quadros 3, 4 e 5, apresenta como algumas de suas principais características permanentes:

• A manutenção de grande parte da população rural que, sem acesso à posse de terra, conta portanto, apenas com sua força de trabalho como fator de produção e meio de subsistência.

• Mantém uma pequena classe de proprietários de latifúndios que controlam não só a maior parte da terra, como grande parte da população rural em um status subserviente, sob forma de relações de trabalho diversas.10 10 É bem verdade que, apesar da linearidade da situação socioeconômica do campo, as relações de trabalho estabelecidas entre as classes dominantes e dominadas, nem sempre foram as mesmas. Os colonos europeus que no fim do século passado, durante o auge do ciclo do café, eram motivados a imigrar por promessas de uma situação vantajosa, que na realidade só existiam como promessas, eram e ainda são chamados de bóia-fria ou volantes, ou seja, trabalhadores rurais residentes em zonas urbanas (cujo número vem crescendo rapidamente nos últimos anos). Entre eles muitas formas de relações de trabalho, como arrendamento, parceria, contrato permanente e temporário, etc, coexistiram e mesmo foram predominantes. Porém, ainda que se tenha alterado a relação de trabalho, o mesmo não ocorreu em relação à situação de pobreza que caracteriza a classe. Nem mesmo a tendência para o assalariamento agrícola tem levado melhores condições de vida ao trabalhador, sugerida por alguns autores, que vêem nessa transformação uma das tendências no sentido de uma agricultura mais capitalista e uma forma mais evoluída de relação de trabalho.

• Manutenção de grande parte dos proprietários, os chamados componeses pobres, com áreas de terra insuficientes para utilizarem a força de trabalho própria e da família,11 11 Conforme consideramos anteriormente, é possível que parte dos minifúndios, dependendo do tipo de exploração, permita emprego em tempo integral a duas ou mais pessoas. Se a família do produtor não for suficiente para atender às necessidades de mão-de-obra, fatalmente serão contratados trabalhadores assalariados. Isso explicaria a existência de trabalhadores contratados nesse tipo de propriedade. Nota-se, porém, que a participação desses na população ativa existente nos minifúndios é de aproximadamente 10%, e que mostra ser pequeno o número destas propriedades que utilizam trabalho de terceiros. Isto não invalida, portanto, o pressuposto de uma situação de subemprego, que se admite existir neste tipo de propriedade. obtendo nessas condições uma renda tão baixa quanto os menores salários.12 12 Furtado, Celso. Análise do modelo brasileiro. Civ. Brasileira, 1972. p. 115.

3. ESTRUTURA AGRÁRIA E O ÊXODO RURAL EM SÃO PAULO

Nessas circunstâncias, passa a existir no Estado de São Paulo (e também no Brasil) não só um desequilíbrio quanto à distribuição de terras entre proprietários e trabalhadores, como também na distribuição da população rural em relação à terra que ocupa.

A partir dessa constatação é que formularemos nossa hipótese:

A estrutura agrária, à medida que manteve grande parte da população ativa como contratada, ao lado de um pequeno número de proprietários que controlam não só a maior parte da terra, como dos trabalhadores assalariados, assim como uma alta densidade ocupacional nos minifúndios, atuou como condição contribuinte para a ocorrência do êxodo rural. É o que procuraremos mostrar a seguir, analisando os dados dos quadros 3, 4 e 5.

Primeiramente, analisaremos a situação dos trabalhadores assalariados dentro do setor agrícola, mostrando a seguir o alto poder de decisão que os proprietários das propriedades médias e dos latifúndios têm sobre a permanência dos assalariados dentro desse setor. Depois, procuraremos analisar a situação existente nos minifúndios, onde exíguas áreas de terra mantém uma alta concentração de trabalhadores subempregados. Finalmente, analisaremos também a situação das propriedades familiares, como possível condicionante do êxodo rural.

Das 1.744.936 e 1.531.658 pessoas, dadas como em atividade na agricultura paulista em 1940 e 1950 respectivamente, aproximadamente 60% (quadros 3 e 4) eram constituídos por pessoal contratado que, sem acesso à posse de terra, caracterizava-se, como já dissemos, por possuir apenas sua força de trabalho como fator de produção, com a venda da qual estabelecia o vínculo com a propriedade agrícola.

Quaisquer alterações na organização da produção, que resultassem na diminuição das necessidades de mão-de-obra na propriedade, levariam ao rompimento do vínculo entre o homem e a propriedade, e conseqüentemente entre o homem e o lugar, obrigando-o a procurar novas oportunidades de trabalho. Se essas modificações na organização da produção passassem a se apresentar como tendência do setor agrícola, acarretariam uma liberação constante de mão-de-obra desse setor, dada a alta percentagem de trabalhadores sem acesso à posse de terra.

Se observarmos mais de perto os dados, notamos que, do total de trabalhadores contratados em 1940 e 1950, aproximadamente 95% estavam vinculados às propriedades do tipo médio e aos latifúndios. Considerando-se o baixo poder de barganha e de organização que caracteriza essa classe subserviente, conclui-se que a sua permanência no setor agrícola depende basicamente das decisões tomadas pela classe proprietária, no âmbito desses dois tipos de propriedade.

Nessas propriedades, as decisões são orientadas segundo o objetivo maximização dos lucros. Novas práticas são adotadas à medida que proporcionam uma receita marginal superior, ao custo marginal decorrente, já que do ponto de vista empresarial esse é o comportamento racional do proprietário. Assim, os possíveis efeitos das decisões sobre a liberação de mão-de-obra são irrelevantes para o proprietário, já que inexistem vínculos que bloqueiem o desemprego da força de trabalho, pois aí predomina o trabalho assalariado.

Tendo-se em conta que o poder de decisão é decorrente da possa da terra, poderíamos dizer que a estrutura agrária atuaria como condição permanente para a ocorrência dos fluxos migratórios, à medida que as decisões nesses dois tipos de propriedades fossem orientadas para uma liberação da mão-de-obra ocupada.

Os efeitos da orientação das decisões nessas propriedades, no que se refere à liberação de mão-de-obra do setor agrícola, podem ser avaliados através de uma rápida análise da relação terra/homem, existente nos latifúndios e propriedades médias no decorrer do tempo.

No período 1950-70, observou-se um aumento da relação terra/homem de 8,9 (1950) para 9,8 (1960) nas propriedades médias e de 21,6 (1950) para 23,4 (1960) nos latifúndios, sendo que em 1970 essa relação era de 12,3 e 39,9 respectivamente.13 13 Calculados a partir de dados brutos do Censo agrícola de São Paulo de 1950 e 1960 e da Sinopse do mesmo Censo, versão 1970. Uma das causas fundamentais desse aumento (principalmente no período 1960-70) foi a introdução de uma tecnologia poupadora de mão-de-obra.14 14 Um segundo fator responsável pelas variações da relação terra/homem são as modificações na composição das atividades agrícolas. Diferentes culturas e explorações mantendo diferentes relações terra/homem podem determinar diferentes níveis de emprego dentro do setor, em função da participação de cada cultura e/ou exploração na área total. Realizaram-se investimentos maciços em mecanização agrícola, provocando um aumento na relação capital-trabalho, que se refletiu em particular na elevação da relação terra/homem e conseqüentemente numa liberação forçada de mão-de-obra.

Portanto, essa estrutura agrária, onde aproximadamente 90% das terras pertencem aos proprietários médios e aos latifundiários, permitiu que as modificações na organização da produção agrícola, procurando-se um aumento da produtividade, fossem realizadas fundamentalmente com a introdução indiscriminada de técnicas quase sempre oriundas de países desenvolvidos e por isso mesmo criadas para condições diferentes. Essas técnicas levaram a uma liberação contínua de mão-de-obra, não se adaptando, portanto, a uma realidade em que grande parte da força de trabalho é subutilizada.15 15 Não se trata de criticar a introdução da tecnologia na agricultura mas sim a natureza e a forma indiscriminada como essa vem sendo utilizada. A decisão do proprietário é orientada basicamente em função dos lucros. Qualquer técnica produtiva que apresente vantagens econômicas é introduzida, independente dos efeitos colaterais sobre o sistema econômico que ela possa ter. Assim, à medida que tal decisão provoque a liberação forçada de mão-de-obra e a leve a uma situação de subemprego ou desemprego, passa a ter custos sociais altos para o sistema, ainda que do ponto de vista do produtor individual tenha sido uma decisão racional. É nos custos indiretos que acreditamos que a introdução de novas técnicas tenha uma de suas variáveis relevantes, passíveis de críticas.

É bem verdade que os efeitos da relação terra/homem sobre a liberação de mão-de-obra do setor agrícola, nos tipos de propriedade em questão, poderiam ter sido evitados ou atenuados pelo aumento da produção, que na falta de dados específicos pode ser avaliado pelo aumento da área integrada na produção. Passemos então a analisar o grau de utilização das terras no período considerado nesses dois tipos de propriedades.

Pode-se observar que dos 17 milhões de hectares de terras ocupadas em 1950 16 16 Fonte: Censo agrícola de São Paulo de 1950. pelos latifúndios e propriedades médias, aproximadamente 28% eram pastagens naturais e 27% eram terras não utilizadas, totalizando aproximadamente 55% de terras que quase nada representavam em termos de ocupação de mão-de-obra.17 17 Dada a baixa capacidade de suporte das pastagens naturais, elas muito pouco representam em termos de emprego. Portanto, o cultivo de apenas 45% da área produtiva refletia diretamente no desequilíbrio ocupacional existente entre os diferentes tipos de propriedade, assim como a sua utilização tornava-se uma das variáveis determinantes do crescimento da demanda de mão-de-obra.

À medida que não houvesse condições para que se incluíssem na produção essas terras produtivas inexploradas, de tal forma que gerassem um aumento de empregos pelo menos igual ao acréscimo natural da oferta de trabalhadores, teríamos um excedente de mão-de-obra que seria forçado a migrar.18 18 O grau de utilização de terras (e o volume da produção agrícola) depende da capacidade do mercado em absorver os excedentes da produção e da produtividade alcançada pelo fator terra. Este, por sua vez, depende das vantagens econômicas apresentadas pelas técnicas que substituem terras em relação àqueles processos tradicionais que utilizam mais intensamente esse fator. Portanto, nosso objetivo nesse ponto é apenas mostrar a liberação de mão-de-obra decorrente das decisões já discutidas, frente à incapacidade do setor agrícola em criar novos empregos, através de um aumento na área utilizada na produção. É claro que não queremos dizer que a estrutura agrária condiciona a utilização de terras à medida que dá o poder de decisão à classe dos proprietários médios e latifundiários. Contudo, uma estrutura agrária latifundiária, aliada a uma oferta de mão-de-obra elástica (que permite manter os salários em baixos níveis), implica concentração de renda dentro do setor agrícola. Como a demanda por produtos agrícolas depende não só do nível como também da distribuição de renda, pode-se argumentar que uma estrutura agrária latifundiária condiciona a demanda dos produtos agropecuários e conseqüentemente o grau de utilização de terras e o nível de emprego agrícola. Poderia ocorrer até mesmo uma diminuição da população ativa contratada, nesses dois tipos de propriedades, à medida que modificações na organização de produção19 19 Como modificação na organização da produção, entende-se não só a utilização de novas técnicas agrícolas como também alterações na composição das atividades agrícolas, ou seja, tipos de produtos produzidos. provocassem uma liberação de mão-de-obra superior aos níveis de emprego gerados pela maior utilização das terras produtivas.

Com efeito, em 1960, dos 17 milhões de hectares de terras produtivas ocupadas pelos latifúndios e propriedades médias (92% do total) apenas 50% eram terras efetivamente utilizadas na produção, enquanto que dos 50% restantes 30% eram utilizadas como pastagens naturais e 20% eram terras produtivas não utilizadas.20 20 Fonte: Censo agrícola de São Paulo de 1960. Se compararmos a variação da mão-de-obra do setor agrícola nesse período, notamos que em 1960, apesar da população ativa rural ter aumentado em 13% em relação a 1950, verificou-se uma diminuição em valor absoluto de 36.366 trabalhadores contratados, com a participação desses reduzindo-se de 60% para 51 % da população ativa total.

Entre as classes de propriedade, a redução mais drástica ocorreu nos latifúndios e propriedades médias, onde diminuíram em valor absoluto de 87.443, ou seja, cerca de 10% em relação à existente nessas propriedades em 1950. Portanto, ainda que se tenha aumentado em 5% a área efetivamente utilizada na produção, observou-se uma diminuição na mão-de-obra contratada; em outras palavras, o aumento das terras integradas na produção não foi suficiente para empregar a mão-de-obra liberada pelas modificações na organização da produção.

Dessa forma, essa estrutura agrária manteve grande parte da população ativa sem acesso à posse da terra. Por outro lado, deu poder a uma pequena classe de proprietários, cujas decisões tiveram conseqüências diretas sobre a utilização da mão-de-obra no setor agrícola e, conseqüentemente, sobre sua permanência neste setor.

Um segundo aspecto a ser considerado dentro da estrutura agrária, que a torna condição contribuinte para a ocorrência do êxodo rural, é a situação dos minifúndios, cuja participação no número total de estabelecimentos variou nas últimas décadas (50 e 60) de 15% e 27% e de 0,6% a 1,6% na área total.21 21 Nota-se que o número de minifúndios aumentou, o que indica que o acesso à terra apresentou-se como alternativa ao subemprego urbano para a mão-de-obra não-absorvida ou liberada das propriedades maiores. Deve-se ter em conta que no setor agrícola é difícil expulsar agricultores, que devido a condições naturais (solo, clima, etc), de mercado, estruturais (tamanho da propriedade), institucionais (crédito, assistência técnica), desfrutam de menores vantagens comparativas, para produzir com vistas ao mercado. Isso porque, à medida que esses agricultores não têm condições de se voltar para o mercado, têm como alternativa a prática de uma agricultura de subsistência, ou seja, produzir para o autoconsumo. Essa opção atua, portanto, como barreira à expulsão da mão-de-obra do setor agrícola.

Os minifúndios são propriedades de exíguas áreas, onde predomina o trabalho familiar em uma agricultura na maioria das vezes orientada para o autoconsumo e, em pequena escala, para o mercado consumidor. Nessas condições, em 1960 (quadro 5) existiam 207.118 pessoas ativas, representando 12% do total, sendo que dessas, 185.402 eram produtores e seus familiares.

Apesar de proprietário da terra,22 22 É bem verdade que parte desses produtores são arrendatários ou parceiros autônomos, o que porém não vem alterar as condições existentes nessas propriedades. se impossibilitado de participar do mercado, dadas as condições naturais (solo, clima) de funcionamento do mercado de fatores e produtos, estruturais e institucionais, volta-se para a agricultura de subsistência, o que, aliado à pequena extensão de sua parcela em relação à mão-de-obra disponível, irá gerar um excedente de trabalho que será pressionado a migrar. É bem verdade que, em função de certas condições favoráveis, parte desses minifúndios irá organizar sua produção com vistas ao mercado. Nesse caso, podem ser motivados a introduzir técnicas, principalmente aquelas que elevam a produtividade da terra (fertilizantes, corretivos, fungicidas, inseticidas, etc.), já que sua baixa relação terra/homem (aproximadamente 1,4 nas últimas quatro décadas) está aquém das exigidas pelos investimentos que elevam a produtividade da mão-de-obra, mediante a substituição da força de trabalho humana pelo animal e/ou mecânica. Além do mais, esse tipo de técnicas iria provocar uma elevação da relação terra/homem, aumentando o desequilíbrio econômico, já existente em relação à mão-de-obra, que por ser basicamente de origem familiar (em São Paulo era, em 1960, de aproximadamente 90%) acaba por bloquear iniciativa nesse sentido.23 23 Algumas propriedades, em razão do tipo de cultura ou exploração a que se dedicam, podem ser motivadas a realizar investimentos em técnicas poupadoras de mão-de-obra. Isso deve acontecer no caso da mão-de-obra familiar ser insuficiente, o que certamente não terá como efeito a liberação da mão-de-obra empregada. Porém, mesmo organizando sua produção com vistas ao mercado, em virtude da pequena extensão de sua parcela em relação à capacidade familiar disponível, obtém uma baixa renda média para o fator trabalho (ainda que a renda média da terra possa ser alta).

Frente a essa situação, pode-se dizer que a distribuição desigual de terras leva a uma alta concentração de mão-de-obra nos minifúndios, que não podem utilizar plenamente a força de trabalho existente,24 24 A respeito da existência de subemprego nos minifúndios, conforme se pressupõe, esclarecem os autores do relatório do CIDA ( Posse e uso da terra e desenvolvimento socioeconômico... p. 136-7): "Desde que o Censo não assinala se os trabalhadores agrícolas estão empregados em regime de tempo integral ou não, na maioria dos casos, tratando-se de minifúndios, presume-se que o regime de trabalho é de tempo parcial. Realizou-se um inquérito no campo para determinar se a classificação das propriedades rurais reflete as condições locais dos tamanhos de lote necessários para manter uma ou diversas famílias rurais. Em todos os casos, com exceção de um (município de Guaranhuns - Estado de Pernambuco), os entrevistadores informaram que uma família de dois-quatro trabalhadores necessitava de mais terra do que a quantidade estabelecida na classificação das propriedades rurais pelo cômputo do Censo." Portanto, se a área necessária para dar emprego a dois-quatro trabalhadores (família) é maior que a considerada na classificação (5 a 20 ha) pode-se supor, com segurança, que nos minifúndios com área de no máximo 5 ha e ocupação ativa média pouco acima de dois trabalhadores/estabelecimento ( quadro 1) grande parte da mão-de-obra esteja em regime de subemprego. passam a gerar um excedente de M.O., que é agravado pelo crescimento natural da força de trabalho (herdeiros). Esse excedente, pressionado por uma baixa renda, mantém-se sob condição permanente a migrar em busca de novas oportunidades de trabalho, e mesmo que as encontre em propriedades rurais maiores, torna-se assalariado, cuja situação analisamos anteriormente.

Estes migrantes, dada as condições que sempre desfrutaram no campo, são pessoas de poucos recursos, sem nenhuma qualificação profissional. Assim, quando se destinam para as zonas urbano-industriais, irão se constituir num proletariado de poucos recursos, reproduzindo aí as profundas desfigurações existentes dentro do setor agrícola, que se traduzem nos baixos níveis de vida da população.

Contudo, deve-se notar que, embora se tenha mantido no minifúndio uma relação trabalhador/estabelecimento ao redor de 2,5, o número deste estabelecimento dobrou no período considerado, o que resultou num aumento de igual proporção da população ativa aí empregada. Portanto, ainda que suas condições internas levem-no a atuar como condição permanente do êxodo rural, sua proliferação operou no sentido de absorver excedentes de mão-de-obra, funcionando assim como depósito de força de trabalho rural, o que atenuou o êxodo rural.25 25 A esse respeito, assinala Antônio de Castro: "... os pequenos estabelecimentos rurais funcionam como autênticos depósitos de mão-de-obra, exibindo uma capacidade ilimitada de ampliar sua carga humana. O superávit estrutural de mão-de-obra estaria, pois, determinando o surgimento de bolsões de acumulação de mão-de-obra nos meios rurais. Seu incremento constitui, genericamente, um atenuante do desequilíbrio que se manifesta no mercado de trabalho e se opõe, especificamente, ao referido movimento de urbanização do trabalhador rural". Sete ensaios sobre a economia brasileira. Ed. Forense, 1969. v. 1, p. 170-1.

Em último lugar, vamos considerar as propriedades familiares quanto à sua possível atuação como condição contribuinte para a ocorrência do êxodo rural. As propriedades familiares são unidades de produção, cuja área permite o trabalho em tempo integral, de duas a quatro pessoas durante todo o ano, não existindo portanto, subutilização da mão-de-obra existente. Por outro lado, cultivam 80% de suas terras produtivas,26 26 Fonte: Censo agrícola de São Paulo de 1960. e como parece mostrar a redução da relação terra/homem de 3,6 (1940) para 3,1 (1960), orientam seus investimentos fundamentalmente para aumentar a produtividade da terra, e não da mão-de-obra, como ocorre nas propriedades médias e latifúndios.27 27 Pode-se realizar investimentos que introduzem técnicas que, se não aumentam, pelo menos mantêm o grau de utilização de mão-de-obra (diminuindo ou mantendo a relação terra/homem), paralelamente ao aumento de rendimento da terra. A rotação de culturas, o uso de fertilizantes e de sementes selecionadas são exemplos de investimentos que introduzem técnicas que aumentam a produtividade da terra (a utilização de colheitadeiras mecânicas, da aviação agrícola, são exemplos de investimentos que introduzem técnicas poupadoras de mão-de-obra). Isto seria explicado pelo fato de que, sendo a mão-de-obra basicamente de origem familiar, portanto não dispensável, as modificações na organização da produção objetivam basicamente aumentar o rendimento da terra, evitando-se assim técnicas e/ou culturas que provoquem a liberação de mão-de-obra. Melhor explicando: se a parcela de terra, ainda que suficiente para produzir renda adequada, é o fator escasso de produção, e a mão-de-obra é fixa e de custo nulo (por ser de origem familiar o proprietário deixa de imputar um salário pelo seu uso - o que significa dar-lhe um custo nulo como fator de produção), as decisões nessas propriedades são orientadas segundo o objetivo de maximizar o rendimento monetário líquido da terra, pois assim estará maximizando a renda líquida da família.

Visto que não existindo um excedente de trabalho que mantenha um alto grau de utilização da terra, os investimentos realizados não levam a uma substituição do homem pelo capital, podemos admitir que este tipo de propriedade pode estar contribuindo muito pouco para a liberação forçada de mão-de-obra.

Os indivíduos que eventualmente migram destas propriedades poderiam, em princípio, continuar no campo. Sendo eles de famílias de proprietários que desfrutam de suficiente nível de renda, apresentam maior nível de qualificação, de educação, etc. Nessas condições, quando saem do campo acumulam bons requisitos para enfrentar a vida urbana, e só migram frente às melhores oportunidades que podem alcançar na cidade.

Finalmente, deve-se considerar que, no período analisado, a propriedade familiar não se constituiu em condição contribuinte para o êxodo rural. Por outro lado, sua proliferação, ao mesmo tempo que se reduziu sua relação terra/homem, operou como fator atenuante do referido processo, devido a um sensível aumento da população ativa aí empregada. Pelos dados dos quadros 3 e 5, observamos que em 1940 o número de estabelecimentos (propriedades familiares) era de 80.972, para uma população ativa de 271.226, enquanto em 1960 o número de estabelecimentos aumentou para 113.091 e a população ativa passou para 403.861.

4. CONCLUSÃO

Procuramos mostrar neste estudo alguns aspectos da estrutura agrária que a tornam condição contribuinte do êxodo rural ocorrido em São Paulo nas últimas décadas. Esperamos ter mostrado que a estrutura agrária paulista - baseada na propriedade latifundiária que mantém grande parte da força de trabalho agrícola como contratada, ao lado de um pequeno número de proprietários que controlam não só a maior parte da terra como dos trabalhadores assalariados, e também caracterizada por uma alta densidade ocupacional nos minifúndios - atuou como condição contribuinte para a ocorrência do êxodo rural em São Paulo.

  • 1 Guimarães, A. P. Quatro séculos de latifúndio Editora Paz e Terra, 1965, p. 118.
  • 3 Furtado, Celso. Formação econômica do Brasil. Cia. Ed. Nacional, 1971, p. 12-3.
  • 4 Prado Jr., Caio. História econômica do Brasil. Ed. Brasiliense, 1970, p. 31-2.
  • 7 Esse critério foi utilizado no estudo do CIDA-FAO. Posse e uso da terra e desenvolvimento socioeconômico do setor agrícola - Brasil. Washington, 1966, p. 137.
  • 12 Furtado, Celso. Análise do modelo brasileiro. Civ. Brasileira, 1972. p. 115.
  • 25 A esse respeito, assinala Antônio de Castro: "... os pequenos estabelecimentos rurais funcionam como autênticos depósitos de mão-de-obra, exibindo uma capacidade ilimitada de ampliar sua carga humana. O superávit estrutural de mão-de-obra estaria, pois, determinando o surgimento de bolsões de acumulação de mão-de-obra nos meios rurais. Seu incremento constitui, genericamente, um atenuante do desequilíbrio que se manifesta no mercado de trabalho e se opõe, especificamente, ao referido movimento de urbanização do trabalhador rural". Sete ensaios sobre a economia brasileira. Ed. Forense, 1969. v. 1, p. 170-1.
  • 1
    Guimarães, A. P.
    Quatro séculos de latifúndio. Editora Paz e Terra, 1965, p. 118.
  • 2
    Queiróz, M. Vinhas de. Notas sobre o processo de modernização no Brasil. Separata da
    Revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, p. 139, 1967.
  • 3
    Furtado, Celso.
    Formação econômica do Brasil. Cia. Ed. Nacional, 1971, p. 12-3.
  • 4
    Prado Jr., Caio.
    História econômica do Brasil. Ed. Brasiliense, 1970, p. 31-2.
  • 5
    Prado Jr., Caio. op. cit., p. 250-1.
  • 6
    Ibidem, p. 250-1.
  • 7
    Esse critério foi utilizado no estudo do CIDA-FAO.
    Posse e uso da terra e desenvolvimento socioeconômico do setor agrícola - Brasil. Washington, 1966, p. 137.
  • 8
    Deve-se observar que a classificação baseia-se em uma família rural de dois-quatro elementos ativos e não no tamanho médio da família rural. Assinala-se que o objetivo é determinar o tamanho (em hectare) das propriedades familiares, ou seja, aquelas onde existe emprego integral, sendo a maior parte do trabalho realizada por membros da família. É possível que o tamanho médio da família rural seja superior a dois-quatro elementos ativos porém o critério não procura determinar a área necessária para o trabalho integral de uma família do tamanho médio. Se assim procedesse, encontraria um tipo de propriedade básico maior, porém que não atende o pressuposto da definição de que a maior parte do trabalho nessa propriedade seja realizada por membros da família do proprietário. Os dados dos
    2,
    3,
    4 e
    5 evidenciam esse fato.
  • 9
    O termo ocupação plena, utilizado para retratar a situação dos trabalhadores nas propriedades familiares, não implica dizer que os trabalhadores que não trabalham em tempo integral, como se supõe que ocorra nos minifúndios, não tenham uma renda suficiente para alimentação, alojamento e vestuário; o que supomos é que a propriedade familiar, permitindo trabalho em tempo integral, proporcionará aos trabalhadores uma renda superior àquela obtida nos minifúndios. Nesses, a renda, apesar de suficiente para a subsistência, é baixa, o que coloca os trabalhadores em situação de grande dependência econômica das oscilações dos preços de mercado (quando participam desse) ou das variações na produção. No sentido em que utilizamos o termo, queremos dizer que essa dependência é bem menor nas propriedades familiares, pois sendo a renda obtida pelos trabalhadores superior, esses desfrutam de uma segurança que não usufruem os trabalhadores do minifúndios.
  • 10
    É bem verdade que, apesar da linearidade da situação socioeconômica do campo, as relações de trabalho estabelecidas entre as classes dominantes e dominadas, nem sempre foram as mesmas. Os colonos europeus que no fim do século passado, durante o auge do ciclo do café, eram motivados a imigrar por promessas de uma situação vantajosa, que na realidade só existiam como promessas, eram e ainda são chamados de bóia-fria ou volantes, ou seja, trabalhadores rurais residentes em zonas urbanas (cujo número vem crescendo rapidamente nos últimos anos). Entre eles muitas formas de relações de trabalho, como arrendamento, parceria, contrato permanente e temporário, etc, coexistiram e mesmo foram predominantes. Porém, ainda que se tenha alterado a relação de trabalho, o mesmo não ocorreu em relação à situação de pobreza que caracteriza a classe. Nem mesmo a tendência para o assalariamento agrícola tem levado melhores condições de vida ao trabalhador, sugerida por alguns autores, que vêem nessa transformação uma das tendências no sentido de uma agricultura mais capitalista e uma forma mais evoluída de relação de trabalho.
  • 11
    Conforme consideramos anteriormente, é possível que parte dos minifúndios, dependendo do tipo de exploração, permita emprego em tempo integral a duas ou mais pessoas. Se a família do produtor não for suficiente para atender às necessidades de mão-de-obra, fatalmente serão contratados trabalhadores assalariados. Isso explicaria a existência de trabalhadores contratados nesse tipo de propriedade. Nota-se, porém, que a participação desses na população ativa existente nos minifúndios é de aproximadamente 10%, e que mostra ser pequeno o número destas propriedades que utilizam trabalho de terceiros. Isto não invalida, portanto, o pressuposto de uma situação de subemprego, que se admite existir neste tipo de propriedade.
  • 12
    Furtado, Celso.
    Análise do modelo brasileiro. Civ. Brasileira, 1972. p. 115.
  • 13
    Calculados a partir de dados brutos do
    Censo agrícola de São Paulo de 1950 e 1960 e da Sinopse do mesmo Censo, versão 1970.
  • 14
    Um segundo fator responsável pelas variações da relação terra/homem são as modificações na composição das atividades agrícolas. Diferentes culturas e explorações mantendo diferentes relações terra/homem podem determinar diferentes níveis de emprego dentro do setor, em função da participação de cada cultura e/ou exploração na área total.
  • 15
    Não se trata de criticar a introdução da tecnologia na agricultura mas sim a natureza e a forma indiscriminada como essa vem sendo utilizada. A decisão do proprietário é orientada basicamente em função dos lucros. Qualquer técnica produtiva que apresente vantagens econômicas é introduzida, independente dos efeitos colaterais sobre o sistema econômico que ela possa ter. Assim, à medida que tal decisão provoque a liberação forçada de mão-de-obra e a leve a uma situação de subemprego ou desemprego, passa a ter custos sociais altos para o sistema, ainda que do ponto de vista do produtor individual tenha sido uma decisão racional. É nos custos indiretos que acreditamos que a introdução de novas técnicas tenha uma de suas variáveis relevantes, passíveis de críticas.
  • 16
    Fonte:
    Censo agrícola de São Paulo de 1950.
  • 17
    Dada a baixa capacidade de suporte das pastagens naturais, elas muito pouco representam em termos de emprego.
  • 18
    O grau de utilização de terras (e o volume da produção agrícola) depende da capacidade do mercado em absorver os excedentes da produção e da produtividade alcançada pelo fator terra. Este, por sua vez, depende das vantagens econômicas apresentadas pelas técnicas que substituem terras em relação àqueles processos tradicionais que utilizam mais intensamente esse fator. Portanto, nosso objetivo nesse ponto é apenas mostrar a liberação de mão-de-obra decorrente das decisões já discutidas, frente à incapacidade do setor agrícola em criar novos empregos, através de um aumento na área utilizada na produção. É claro que não queremos dizer que a estrutura agrária condiciona a utilização de terras à medida que dá o poder de decisão à classe dos proprietários médios e latifundiários. Contudo, uma estrutura agrária latifundiária, aliada a uma oferta de mão-de-obra elástica (que permite manter os salários em baixos níveis), implica concentração de renda dentro do setor agrícola. Como a demanda por produtos agrícolas depende não só do nível como também da distribuição de renda, pode-se argumentar que uma estrutura agrária latifundiária condiciona a demanda dos produtos agropecuários e conseqüentemente o grau de utilização de terras e o nível de emprego agrícola.
  • 19
    Como modificação na organização da produção, entende-se não só a utilização de novas técnicas agrícolas como também alterações na composição das atividades agrícolas, ou seja, tipos de produtos produzidos.
  • 20
    Fonte:
    Censo agrícola de São Paulo de 1960.
  • 21
    Nota-se que o número de minifúndios aumentou, o que indica que o acesso à terra apresentou-se como alternativa ao subemprego urbano para a mão-de-obra não-absorvida ou liberada das propriedades maiores. Deve-se ter em conta que no setor agrícola é difícil expulsar agricultores, que devido a condições naturais (solo, clima, etc), de mercado, estruturais (tamanho da propriedade), institucionais (crédito, assistência técnica), desfrutam de menores vantagens comparativas, para produzir com vistas ao mercado. Isso porque, à medida que esses agricultores não têm condições de se voltar para o mercado, têm como alternativa a prática de uma agricultura de subsistência, ou seja, produzir para o autoconsumo. Essa opção atua, portanto, como barreira à expulsão da mão-de-obra do setor agrícola.
  • 22
    É bem verdade que parte desses produtores são arrendatários ou parceiros autônomos, o que porém não vem alterar as condições existentes nessas propriedades.
  • 23
    Algumas propriedades, em razão do tipo de cultura ou exploração a que se dedicam, podem ser motivadas a realizar investimentos em técnicas poupadoras de mão-de-obra. Isso deve acontecer no caso da mão-de-obra familiar ser insuficiente, o que certamente não terá como efeito a liberação da mão-de-obra empregada.
  • 24
    A respeito da existência de subemprego nos minifúndios, conforme se pressupõe, esclarecem os autores do relatório do CIDA (
    Posse e uso da terra e desenvolvimento socioeconômico... p. 136-7): "Desde que o Censo não assinala se os trabalhadores agrícolas estão empregados em regime de tempo integral ou não, na maioria dos casos, tratando-se de minifúndios, presume-se que o regime de trabalho é de tempo parcial. Realizou-se um inquérito no campo para determinar se a classificação das propriedades rurais reflete as condições locais dos tamanhos de lote necessários para manter uma ou diversas famílias rurais. Em todos os casos, com exceção de um (município de Guaranhuns - Estado de Pernambuco), os entrevistadores informaram que uma família de dois-quatro trabalhadores necessitava de mais terra do que a quantidade estabelecida na classificação das propriedades rurais pelo cômputo do Censo." Portanto, se a área necessária para dar emprego a dois-quatro trabalhadores (família) é maior que a considerada na classificação (5 a 20 ha) pode-se supor, com segurança, que nos minifúndios com área de no máximo 5 ha e ocupação ativa média pouco acima de dois trabalhadores/estabelecimento (
    quadro 1) grande parte da mão-de-obra esteja em regime de subemprego.
  • 24
    As técnicas que, introduzidas por investimentos de capital, elevam a produtividade da terra sem provocar a liberação de mão-de-obra são: sementes selecionadas, fertilizantes (químicos e orgânicos), corretivos, inseticidas, fungicidas, etc.
  • 25
    A esse respeito, assinala Antônio de Castro: "... os pequenos estabelecimentos rurais funcionam como autênticos depósitos de mão-de-obra, exibindo uma capacidade ilimitada de ampliar sua carga humana. O superávit estrutural de mão-de-obra estaria, pois, determinando o surgimento de bolsões de acumulação de mão-de-obra nos meios rurais. Seu incremento constitui, genericamente, um atenuante do desequilíbrio que se manifesta no mercado de trabalho e se opõe, especificamente, ao referido movimento de urbanização do trabalhador rural".
    Sete ensaios sobre a economia brasileira. Ed. Forense, 1969. v. 1, p. 170-1.
  • 26
    Fonte:
    Censo agrícola de São Paulo de 1960.
  • 27
    Pode-se realizar investimentos que introduzem técnicas que, se não aumentam, pelo menos mantêm o grau de utilização de mão-de-obra (diminuindo ou mantendo a relação terra/homem), paralelamente ao aumento de rendimento da terra. A rotação de culturas, o uso de fertilizantes e de sementes selecionadas são exemplos de investimentos que introduzem técnicas que aumentam a produtividade da terra (a utilização de colheitadeiras mecânicas, da aviação agrícola, são exemplos de investimentos que introduzem técnicas poupadoras de mão-de-obra).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1976
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