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GOVERNADOS EM SEUS PRÓPRIOS TERMOS: PROSSUMO DE FÃS EM RELAÇÃO AOS PARATEXTOS MIDIÁTICOS DE VINGADORES: ULTIMATO

RESUMO

Com base no referencial foucaultiano, a presente pesquisa tem como objetivo analisar como o prossumo dos fãs em relação ao paratexto dos produtos midiáticos revela a governamentalidade de consumidores. Para investigar esse fenômeno, uma genealogia foucaltiana netnográfica foi aqui adotada como método para analisar a interação entre os fãs como respostas aos paratextos midiáticos do filme Vingadores: Ultimato. Os resultados mostraram que a opinião dos fãs variou desde o reconhecimento da qualidade dos paratextos até a decepção com eles. Assim, é possível afirmar que o fã se orienta a ser regido pela indústria do entretenimento a fim de resguardar sua própria condição.

Palavras-chaves:
governamentalidade; prossumo; paratextos midiáticos; estudo de fãs; genealogia do poder

ABSTRACT

Based on the Foucauldian framework, this research aims to analyze how fans’ prosumption of media products’ paratext reveals consumers’ governmentality. The Netnographic Foucauldian Genealogy was adopted to analyze the fans’ interaction with media paratexts of the movie Avengers: Endgame. Results show that fans’ opinions ranged from acknowledging the quality of paratexts to feeling disappointed with them. Thus, it is possible to state that fans allow themselves to be governed by the entertainment industry to safeguard their fan condition.

Keywords:
governmentality; prosumption; media paratexts; fan studies; genealogy of power

RESUMEN

Con base en el marco foucaultiano, la presente investigación tiene como objetivo analizar cómo el prosumo de los fanáticos hacia el paratexto de los productos mediáticos revela la gubernamentalidad de los consumidores. Para investigar este fenómeno, se adoptó la genealogía foucaultiana netnográfica como método para analizar la interacción entre los fanes como respuesta a los paratextos mediáticos de la película Avengers: Endgame. Los resultados han mostrado que la opinión de los fanes varió desde reconocer la calidad de los paratextos hasta sentirse decepcionados con ellos. Así, es posible afirmar que los fanes se inclinan a regirse por la industria del entretenimiento para salvaguardar su propia condición.

Palabras clave:
gubernamentalidad; paratextos mediáticos; prosumo; estudio de fanes; genealogía del poder

INTRODUÇÃO

Os fãs são consumidores especializados que têm sido estudados pela forma como agem, tanto produtiva quanto coletivamente, em comunidades - ou “fandoms” - que estabelecem significados culturais e econômicos ao consumo a partir de negociações, produções e trocas sociais (Fuschillo, 2020Fuschillo, G. (2020). Fans, fandoms, or fanaticism? Journal of Consumer Culture, 20(3), 347-365. https://doi.org/10.1177%2F1469540518773822
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; Scaraboto, 2015Scaraboto, D. (2015). Selluing, sharing, and everything in between: The hybrid economies of collaborative networks. Journal of Consumer Research, 42(1), 152-176. https://doi.org/10.1093/jcr/ucv004
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). Assim, nos últimos anos, as investigações sobre fãs tornaram-se recorrentes entre os estudos no âmbito da Teoria da Cultura do Consumidor (TCC) (Cavalcanti et al., 2021Cavalcanti R. C. T., Souza-Leão, A. L. M. De, & Moura, B. M. (2021). Fan affirmation: Alethurgy on an indie music fandom. Revista de Administração Contemporânea, 25(5), 1-16. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2021190395.en
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; Chen, 2021Chen, Z. T. (2021). Poetic prosumption of animation, comic, game and novel in a post-socialist China: A case of a popular video-sharing social media Bilibili as heterotopia. Journal of Consumer Culture, 21(2), 257-277. https://doi.org/10.1177%2F1469540518787574
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; Sugihartati, 2020Sugihartati, R. (2020). Youth fans of global popular culture: Between prosumer and free digital labourer. Journal of Consumer Culture, 20(3), 305-323. https://doi.org/10.1177%2F1469540517736522
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), uma vez que ampliaram o conceito que tratou os fãs como subcultura de consumo, ampliado pelo estudo pioneiro de Kozinets (2001)Kozinets, R. V. (2001). Utopian enterprise: Articulating the meanings of Star Trek’s culture of consumption. Journal of Consumer Research, 28(1), 67-88. https://doi.org/10.1086/321948
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.

A forma particular como os fãs interagem entre si e com os textos midiáticos por eles consumidos quando engajados em relações de poder mediadas pelos contextos de mercado têm sido abordadas como “consumo produtivo” em pesquisas associadas à TCC (Cavalcanti et al., 2021Cavalcanti R. C. T., Souza-Leão, A. L. M. De, & Moura, B. M. (2021). Fan affirmation: Alethurgy on an indie music fandom. Revista de Administração Contemporânea, 25(5), 1-16. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2021190395.en
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; Hewer et al., 2017Hewer, P., Gannon, M., & Cordina, R. (2017). Discordant fandom and global football brands: ‘Let the people sing’. Journal of Consumer Culture, 17(3), 600-619. https://doi.org/10.1177%2F1469540515611199
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). Em termos mais amplos, as práticas proativas dos fãs levam ao empoderamento do consumidor diante das formas de governo do mercado (Cova & Cova, 2012Cova, B., & Cova, V. (2012). On the road to prosumption: Marketing discourse and the development of consumer competencies. Consumption Markets & Culture, 15(2), 149-168. https://doi.org/10.1080/10253866.2012.654956
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). Esse processo de empoderamento é um exercício de resistência que permite questionar as práticas sociais (Cherrier, 2009Cherrier, H. (2009). Anti-consumption discourses and consumer-resistant identities. Journal of Business Research, 62(2), 181-190. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2008.01.025
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; Mikkonen & Badje, 2012Mikkonen, I., & Bajde, D. (2012). Happy Festivus! Parody as playful consumer resistance. Consumption Markets & Culture, 16(4), 311-337. https://doi.org/10.1080/10253866.2012.662832
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), bem como a transformação e manutenção do contexto social em que os fãs vivem, com base em suas escolhas individuais de consumo (Denegri-Knott et al., 2006Denegri-Knott, J., Zwick, D., & Schroeder, J. E. (2006). Mapping consumer power: An integrative framework for marketing and consumer research. European Journal of Marketing, 40(9/10), 950-971. https://doi.org/10.1108/03090560610680952
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; Shankar et al., 2006Shankar, A., Cherrier, H., & Canniford, R. (2006). Consumer empowerment: A Foucauldian interpretation. European Journal of Marketing, 40(9/10), 1013-1030. https://doi.org/10.1108/03090560610680989
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).

Mais especificamente, as relações de poder observadas nas interações entre prossumidores enfatizam como as formas de governo se cruzam com as práticas de cocriação (Cova et al., 2011Cova, B., Dalli, D., & Zwick, D. (2011). Critical perspectives on consumers’ role as “producers”: Broadening the debate on value co-creation in marketing processes. Marketing Theory, 11(3), 231-241. https://doi.org/10.1177/1470593111408171
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). Assim, segundo pesquisadores do consumo focados em explorar formas de governo mediadas nas relações de mercado, a teoria de Michel Foucault é uma perspectiva bastante útil (Denegri-Knott & Tadajewski, 2017Denegri-Knott, J., & Tadajewski, M. (2017). Sanctioning value: The legal system, hyper-power and the legitimation of MP3. Marketing Theory, 17(2), 219-240. https://doi.org/10.1177%2F1470593116677766
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; Zwick et al., 2008Zwick, D., Bonsu, S. K., & Darmody, A. (2008). Putting consumers to work: Co-creation and new marketing govern-mentality. Journal of Consumer Culture, 8(2), 163-196. https://doi.org/10.1177%2F1469540508090089
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) para interpretar as relações de poder (Chen, 2021Chen, Z. T. (2021). Poetic prosumption of animation, comic, game and novel in a post-socialist China: A case of a popular video-sharing social media Bilibili as heterotopia. Journal of Consumer Culture, 21(2), 257-277. https://doi.org/10.1177%2F1469540518787574
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; Zajc, 2015Zajc, M. (2015). Social media, prosumption and dispositives: New mechanisms of the construction of subjectivity. Journal of Consumer Culture, 15(1), 28-47. https://doi.org/10.1177%2F1469540513493201
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) ou as práticas discursivas (Denegri-Knott et al., 2018Denegri-Knott, J., Nixon, E., & Abraham, K. (2018). Politicising the study of sustainable living practices. Consumption Markets & Culture, 21(6), 554-573. https://doi.org/10.1080/10253866.2017.1414048
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; Thompson, 2004Thompson, C. J. (2004). Marketplace mythology and discourses of power. Journal of Consumer Research, 31(1), 162-180. https://doi.org/10.1086/383432
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).

Consequentemente, alguns pesquisadores no campo do consumo buscam fundamento nos pensamentos de Foucault para compreender melhor o empoderamento dos consumidores que desempenham um papel fundamental na construção do discurso público do qual tomam parte (Papaoikonomou & Alarcón, 2017Papaoikonomou, E., & Alarcón, A. (2017). Revisiting consumer empowerment. Journal of Macromarketing, 37(1), 40-56. https://doi:10.1177/0276146715619653
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; Shankar et al., 2006Shankar, A., Cherrier, H., & Canniford, R. (2006). Consumer empowerment: A Foucauldian interpretation. European Journal of Marketing, 40(9/10), 1013-1030. https://doi.org/10.1108/03090560610680989
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). Segundo Foucault (2007)Foucault, M. (2007). Security, territory, population: Lectures at the College de France, 1977-1978. Palgrave., muitas vezes os indivíduos adotam determinados comportamentos e os propagam aos seus pares como uma forma de exercitar seu próprio empoderamento - o que o autor chama de resistência.

Nessa perspectiva, o empoderamento diz respeito a resistência do consumidor na maneira como se comporta em relação ao governo que busca conduzir suas práticas. Tal posicionamento pode ser interpretado como um exercício produtivo que pode endossar, questionar ou mesmo subverter ideologias de marketing (Cova & Dalli, 2009Cova, B., & Dalli, D. (2009). Working consumers: The next step in marketing theory? Marketing Theory, 9(3), 315-339. https://doi.org/10.1177%2F1470593109338144
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; Denegri-Knott et al., 2006Denegri-Knott, J., Zwick, D., & Schroeder, J. E. (2006). Mapping consumer power: An integrative framework for marketing and consumer research. European Journal of Marketing, 40(9/10), 950-971. https://doi.org/10.1108/03090560610680952
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). A resistência, portanto, é uma força produtiva que resulta na existência de relações de poder. Foucault (2006)Foucault, M. (2006). The history of sexuality (Vol. 1: The will to knowledge). Penguin. alerta que a resistência coexiste com formas de governo, não para anular as relações de poder, mas justamente para garantir que sejam dinâmicas, sem dominância de uma parte sobre outra.

Assim, é possível que os governados escolham as forças que os conduzem, sustentando uma mentalidade de governo. Neste caso, trata-se da compreensão de que determinada forma de governo é adequada para conduzir suas vidas (Foucault, 1991Foucault, M. (1991). Governmentality. In P. Miller, C. Gordon, G. Burchell, & M. Foucault (Eds), The Foucault effect: Studies in governmentality: With two lectures by and an interview with Michel Foucault (p. 307). University of Chicago Press., 2001Foucault, M. (2001). “Omnes et singulatim”: Towards a criticism of political reason. In J. D. Faubion (Ed.), Power: Essential works of Michel Foucault (Vol. 3, pp. 298-325). Allen Lane.). Portanto, a governamentalidade representa a heterogeneidade das relações de poder e como são definidas pela soma de forças produtivas que atuam simultaneamente para orientar socialmente os indivíduos (Foucault, 2014Foucault, M. (2014). On the government of the living: Lectures at the Collège de France, 1979-1980. Palgrave.).

Em termos mais amplos, a pesquisa de consumo entende a governamentalidade como a forma como os consumidores se comportam e buscam experiências agradáveis com base no sistema de conhecimento estabelecido entre os diversos agentes de marketing com os quais entram em contato durante suas práticas (Moisander & Eriksson, 2006Moisander, J., & Eriksson, P. (2006). Corporate narratives of information society: Making up the mobile consumer subject. Consumption Markets & Culture, 9(4), 257-275. https://doi.org/10.1080/10253860600921753
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; Shankar et al., 2006Shankar, A., Cherrier, H., & Canniford, R. (2006). Consumer empowerment: A Foucauldian interpretation. European Journal of Marketing, 40(9/10), 1013-1030. https://doi.org/10.1108/03090560610680989
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). Assim, a governamentalidade do marketing significa que ambos - ou seja, consumidores e organizações - estão cuidando de cada indivíduo e dando suporte à população ao atender suas necessidades; é a sofisticação do processo de gestão de pessoas, produção e produtos (Özgün et al., 2017Özgün, A., Dholakia, N., & Atik, D. (2017). Marketization and Foucault. Global Business Review, 18(3), 191-202. https://doi.org/10.1177%2F0972150917693335
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).

Quando se trata da governamentalidade da indústria do entretenimento, as estratégias de marketing elaboradas para produtos midiáticos costumam ser ampliadas e ressignificadas pelo público, especialmente pelos fãs (Cavalcanti et al., 2021Cavalcanti R. C. T., Souza-Leão, A. L. M. De, & Moura, B. M. (2021). Fan affirmation: Alethurgy on an indie music fandom. Revista de Administração Contemporânea, 25(5), 1-16. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2021190395.en
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; Guercini & Cova, 2018Guercini, S., & Cova, B. (2018). Unconventional entrepreneurship. Journal of Business Research, 92, 385-391. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2018.06.021
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). Uma dessas estratégias de marketing é a utilização de paratextos midiáticos, ou seja, conteúdos que se somam aos produtos midiáticos para complementar ou ampliar a experiência de consumo (Hackley & Hackley, 2022Hackley, C., & Hackley, R. A. (2022). Rethinking advertising as paratextual communication. Edward Elgar Publishing.; Souza-Leão et al., 2023Souza-Leão, A. L. M., Moura, B. M., Lopes, M. A. D. S., Batista, M. A. M., Melo, M. E. D. M., & Santos, J. F. D. D. (2023). Developing affective brands: Paratextualization in the entertainment industry. Review of Marketing Science. Ahead-of-print. https://doi.org/10.1515/roms-2022-0021
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).

O conceito de paratexto foi originalmente proposto por Genette (1997)Genette, G. (1997). Paratexts: Thresholds of interpretation. Cambridge University Press. para indicar o importante papel desempenhado pelos conteúdos complementares no contexto literário. Posteriormente, foi reformulado por Gray (2010)Gray, J. (2010). Show sold separately: Promos, spoilers and other media paratexts. New York University Press. para abordar a crescente variedade de estratégias de marketing de produtos de mídia, bem como de materiais e ações complementares (por exemplo: trailers de filmes, teasers, edições limitadas) responsáveis pela produção de comportamentos e interações de fãs.

Assim, os paratextos midiáticos ilustram como é possível investigar e gerenciar a intensa relação entre os fãs e os produtos que consomem (Hills, 2010Hills, M. (2010). Triumph of a time lord: Regenerating Doctor Who in the twenty-first century. I. B. Tauris.; Sugihartati, 2020Sugihartati, R. (2020). Youth fans of global popular culture: Between prosumer and free digital labourer. Journal of Consumer Culture, 20(3), 305-323. https://doi.org/10.1177%2F1469540517736522
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). Além disso, o papel do paratexto midiático está intimamente associado às ações dos fãs, que se apropriam e ressignificam seu conteúdo (Hills & Garde-Hansen, 2017Hills, M., & Garde-Hansen, J. (2017). Fandom’s paratextual memory: Remembering, reconstructing, and repatriating “lost” Doctor Who. Critical Studies in Media Communication, 34(2), 158-167. https://doi.org/10.1080/15295036.2017.1293276
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).

Enquanto os paratextos de fãs são produzidos em suas interações e com objetivo de facilitá-las, a indústria do entretenimento os produz buscando a ressignificação e seu potencial de ser disseminada pelos consumidores, extrapolando a agência de seus autores (Souza-Leão et al., 2023Souza-Leão, A. L. M., Moura, B. M., Lopes, M. A. D. S., Batista, M. A. M., Melo, M. E. D. M., & Santos, J. F. D. D. (2023). Developing affective brands: Paratextualization in the entertainment industry. Review of Marketing Science. Ahead-of-print. https://doi.org/10.1515/roms-2022-0021
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; Sugihartati, 2020Sugihartati, R. (2020). Youth fans of global popular culture: Between prosumer and free digital labourer. Journal of Consumer Culture, 20(3), 305-323. https://doi.org/10.1177%2F1469540517736522
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). Nesse sentido, o paratexto midiático parece ilustrar a compreensão de Foucault (1984)Foucault, M. (1984). What is an author? In P. Rabinow (Ed.), The Foucault reader (pp. 101-120). Pantheon Books. de como um texto ultrapassa a agência do seu criador, ganhando significado através da sua circulação e reprodução quando os seus leitores produzem discursos sobre ele.

O tema que aqui abordamos sugere que os paratextos midiáticos elaborados pela indústria do entretenimento são uma estratégia de marketing que incentiva o consumo dos fãs. Assim, permite que a presente pesquisa tenha como objetivo analisar como o prossumo dos fãs em relação ao paratexto dos produtos midiáticos revela a governamentalidade dos consumidores.

Esse objetivo permite que a presente pesquisa estabeleça a sua contribuição principal no melhoramento da discussão da TCC sobre governamentalidade (Beckett, 2012Beckett, A. (2012). Governing the consumer: Technologies of consumption. Consumption Markets & Culture, 15(1), 1-18. https://doi.org/10.1080/10253866.2011.604495
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). Nesse sentido, exploramos a teoria de Foucault para fundamentar a compreensão da governamentalidade do marketing. Dessa forma, também é possível contribuir com a discussão sobre o empoderamento do consumidor como um exercício de resistência que geralmente está associado a movimentos de discordância contra as formas de governo que os regem (Denegri-Knott et al., 2006Denegri-Knott, J., Zwick, D., & Schroeder, J. E. (2006). Mapping consumer power: An integrative framework for marketing and consumer research. European Journal of Marketing, 40(9/10), 950-971. https://doi.org/10.1108/03090560610680952
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; Papaoikonomou & Alarcón, 2017Papaoikonomou, E., & Alarcón, A. (2017). Revisiting consumer empowerment. Journal of Macromarketing, 37(1), 40-56. https://doi:10.1177/0276146715619653
https://doi:10.1177/0276146715619653...
; Shankar et al., 2006Shankar, A., Cherrier, H., & Canniford, R. (2006). Consumer empowerment: A Foucauldian interpretation. European Journal of Marketing, 40(9/10), 1013-1030. https://doi.org/10.1108/03090560610680989
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).

Embora estudos anteriores sejam bastante esclarecedores, eles pecam em não abordar como os dois aspectos que evocam a epistemologia foucaultiana podem propor a interpretação das novas formas de governo observadas nas práticas de consumo. Assim, a originalidade dessa pesquisa reside em investigar a governamentalidade do consumidor fundamentada no empoderamento exercido por meio da proatividade dos fãs. Tal exercício de governamentalidade de empoderamento difere dos investigados anteriormente, principalmente porque surge como a arte de governar fundamentada pelos próprios governados: os fãs.

Assim, nos concentramos em investigar a interação entre fãs em resposta aos paratextos midiáticos sobre o último filme de uma das sagas cinematográficas mais emblemáticas das últimas décadas: Vingadores - Ultimato (Havard et al., 2019Havard, C. T., Fuller, R. D., & Ryan, T. D. (2019). Using the Marvel Cinematic Universe to build a defined research line. Transformative Works and Cultures, 30. https://doi.org/10.3983/twc.2019.1837
https://doi.org/10.3983/twc.2019.1837...
; Ryoo et al., 2020Ryoo, J. H., Wang, X., & Lu, S. (2020). Do spoilers really spoil? Using topic modeling to measure the effect of spoiler reviews on box office revenue. Journal of Marketing. Advance online publication. https://doi.org/10.1177%2F0022242920937703
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). Esse filme conclui a primeira grande saga compartilhada do Universo Cinematográfico Marvel (MCU), que inclui mais de 20 filmes ao longo de 12 anos - ou seja, entre 2008 e 2019 (Medina-Contreras & Sangro-Colón, 2020Medina-Contreras, J., & Sangro-Colón (2020). Representation of defense organizations in the Marvel Cinematic Universe (2008-2019). Communication & Society, 33(4), 19-32. https://doi.org/10.15581/003.33.4.19-32
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). A repercussão sem precedentes desse filme na indústria do entretenimento levou os diretores de cinema a lançar um alerta para que os verdadeiros fãs não divulgassem o conteúdo do filme - ou seja, não promovessem “spoilers” - a outros fãs que não o tivessem assistido (Ryoo et al., 2020Ryoo, J. H., Wang, X., & Lu, S. (2020). Do spoilers really spoil? Using topic modeling to measure the effect of spoiler reviews on box office revenue. Journal of Marketing. Advance online publication. https://doi.org/10.1177%2F0022242920937703
https://doi.org/10.1177%2F00222429209377...
).

As próximas seções do presente artigo apresentam os fundamentos teóricos adotados (a priori) para apoiar a elaboração do problema de pesquisa, caracterizando os fãs como prossumidores dos paratextos midiáticos, discutem como o empoderamento dos consumidores pode sustentar a governamentalidade do marketing, e apresenta conceitos foucaultianos que preparam o terreno para tal articulação. A seguir, apresentamos a Genealogia Netnográfica Foucaultiana como caminho investigativo adotado na pesquisa em consonância com a orientação teórica, que caracteriza as abordagens metodológicas adotadas em estudos recentes de marketing. Os resultados são apresentados em duas seções: uma que remete à sua descrição analítica e outra que os conecta a fundamentação teórica (a posteriori), de maneira a oferecer uma interpretação que ancora nossa contribuição ao campo de pesquisa. Por fim, as considerações finais apresentam as implicações teóricas e práticas do estudo, bem como suas limitações e indicações para pesquisas futuras.

OS FÃS COMO PROSSUMIDORES DE PARATEXTOS MIDIÁTICOS

Os fãs são consumidores especializados e produtivos (Fuschillo, 2020Fuschillo, G. (2020). Fans, fandoms, or fanaticism? Journal of Consumer Culture, 20(3), 347-365. https://doi.org/10.1177%2F1469540518773822
https://doi.org/10.1177%2F14695405187738...
) que se envolvem em práticas coletivas por meio da apropriação das tecnologias disponíveis (Cavalcanti et al., 2021Cavalcanti R. C. T., Souza-Leão, A. L. M. De, & Moura, B. M. (2021). Fan affirmation: Alethurgy on an indie music fandom. Revista de Administração Contemporânea, 25(5), 1-16. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2021190395.en
https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2021...
; Sugihartati, 2020Sugihartati, R. (2020). Youth fans of global popular culture: Between prosumer and free digital labourer. Journal of Consumer Culture, 20(3), 305-323. https://doi.org/10.1177%2F1469540517736522
https://doi.org/10.1177%2F14695405177365...
). Eles interagem em espaços sociais conhecidos como fandoms, a fim de apoiarem-se mutuamente em novas formas de ligação a produtos de entretenimento (Hewer et al., 2017Hewer, P., Gannon, M., & Cordina, R. (2017). Discordant fandom and global football brands: ‘Let the people sing’. Journal of Consumer Culture, 17(3), 600-619. https://doi.org/10.1177%2F1469540515611199
https://doi.org/10.1177%2F14695405156111...
). Essa interação é possível porque tais produtos são textos midiáticos facilmente propagados e compartilhados (Hackley & Hackley, 2019Hackley, C., & Hackley, A. R. (2019). Advertising at the threshold: Paratextual promotion in the era of media convergence. Marketing Theory, 19(2), 195-215. https://doi.org/10.1177%2F1470593118787581
https://doi.org/10.1177%2F14705931187875...
).

Gray (2010)Gray, J. (2010). Show sold separately: Promos, spoilers and other media paratexts. New York University Press. investigou a capacidade dos fãs de produzirem seus próprios textos sobre a indústria do entretenimento em um conteúdo denominado paratextos de fãs. Contudo, é necessário diferenciar os paratextos de fãs criados pelos próprios consumidores e aqueles produzidos pela indústria do entretenimento. Por um lado, os paratextos de fãs são produções multiformato - ou seja, fan arts, fanfictions, fan videos - em sua maioria lúdicos e sem fins lucrativos, compartilhados com outros fãs (Hills & Garde-Hansen, 2017Hills, M., & Garde-Hansen, J. (2017). Fandom’s paratextual memory: Remembering, reconstructing, and repatriating “lost” Doctor Who. Critical Studies in Media Communication, 34(2), 158-167. https://doi.org/10.1080/15295036.2017.1293276
https://doi.org/10.1080/15295036.2017.12...
; Souza-Leão et al., 2023Souza-Leão, A. L. M., Moura, B. M., Lopes, M. A. D. S., Batista, M. A. M., Melo, M. E. D. M., & Santos, J. F. D. D. (2023). Developing affective brands: Paratextualization in the entertainment industry. Review of Marketing Science. Ahead-of-print. https://doi.org/10.1515/roms-2022-0021
https://doi.org/10.1515/roms-2022-0021...
). Por outro lado, os paratextos midiáticos representam uma indústria bilionária não graças apenas aos seus produtos, mas também a uma estratégia de marketing que elabora cuidadosamente textos complementares que podem expandi-los (Hackley & Hackley, 2022Hackley, C., & Hackley, R. A. (2022). Rethinking advertising as paratextual communication. Edward Elgar Publishing.; Sugihartati, 2020Sugihartati, R. (2020). Youth fans of global popular culture: Between prosumer and free digital labourer. Journal of Consumer Culture, 20(3), 305-323. https://doi.org/10.1177%2F1469540517736522
https://doi.org/10.1177%2F14695405177365...
). Este processo pode levantar a questão sobre quem são os autores destes paratextos. Segundo Foucault (1984)Foucault, M. (1984). What is an author? In P. Rabinow (Ed.), The Foucault reader (pp. 101-120). Pantheon Books., sempre que o leitor busca conhecer a autoria de determinado texto, acaba se curvando diante de determinado conhecimento. Portanto, é possível compreender que a conduta dos fãs a priori não existe: é algo produzido por determinado discurso que os relaciona a uma compreensão íntima sobre o texto midiático e seus produtores (Cavalcanti et al., 2021Cavalcanti R. C. T., Souza-Leão, A. L. M. De, & Moura, B. M. (2021). Fan affirmation: Alethurgy on an indie music fandom. Revista de Administração Contemporânea, 25(5), 1-16. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2021190395.en
https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2021...
).

Nessa perspectiva, os paratextos midiáticos têm sido cada vez mais explorados pela indústria do entretenimento por meio de comunicações de marketing na forma de trailers de filmes, teasers, artes promocionais, entre outros (Gray, 2010Gray, J. (2010). Show sold separately: Promos, spoilers and other media paratexts. New York University Press.; Kosnik et al., 2015Kosnik, A. De., El Ghaoui, L., Cuntz-Leng, V., Godbehere, A., Horbinski, A., Hutz, A., Renée, P., & Pham, V. (2015). Watching, creating, and archiving: Observations on the quantity and temporality of fannish productivity in online fan fiction archives. Convergence: The International Journal of Research into New Media Technologies, 21(1), 145-164. https://doi.org/10.1177/1354856514560313
https://doi.org/10.1177/1354856514560313...
). Essa estratégia tem-se revelado tão relevante que representa o investimento de até um terço dos custos de produção com produtos midiáticos (Gray, 2010Gray, J. (2010). Show sold separately: Promos, spoilers and other media paratexts. New York University Press.; Kosnik et al., 2015Kosnik, A. De., El Ghaoui, L., Cuntz-Leng, V., Godbehere, A., Horbinski, A., Hutz, A., Renée, P., & Pham, V. (2015). Watching, creating, and archiving: Observations on the quantity and temporality of fannish productivity in online fan fiction archives. Convergence: The International Journal of Research into New Media Technologies, 21(1), 145-164. https://doi.org/10.1177/1354856514560313
https://doi.org/10.1177/1354856514560313...
; Ryoo et al., 2020Ryoo, J. H., Wang, X., & Lu, S. (2020). Do spoilers really spoil? Using topic modeling to measure the effect of spoiler reviews on box office revenue. Journal of Marketing. Advance online publication. https://doi.org/10.1177%2F0022242920937703
https://doi.org/10.1177%2F00222429209377...
). No entanto, esta abordagem tem forte eco graças aos conteúdos difundidos pelos fãs, principalmente através das tecnologias Web 2.0 (Chen, 2021Chen, Z. T. (2021). Poetic prosumption of animation, comic, game and novel in a post-socialist China: A case of a popular video-sharing social media Bilibili as heterotopia. Journal of Consumer Culture, 21(2), 257-277. https://doi.org/10.1177%2F1469540518787574
https://doi.org/10.1177%2F14695405187875...
; Sugihartati, 2020Sugihartati, R. (2020). Youth fans of global popular culture: Between prosumer and free digital labourer. Journal of Consumer Culture, 20(3), 305-323. https://doi.org/10.1177%2F1469540517736522
https://doi.org/10.1177%2F14695405177365...
).

Considerando como os produtos midiáticos entregam significados que são codificados e recodificados pelos fãs para configurar sua própria experiência de consumo (Kozinets, 2001Kozinets, R. V. (2001). Utopian enterprise: Articulating the meanings of Star Trek’s culture of consumption. Journal of Consumer Research, 28(1), 67-88. https://doi.org/10.1086/321948
https://doi.org/10.1086/321948...
), os paratextos midiáticos tornam-se um recurso fundamental para ajudar a ampliar seu prazer (Hackley & Hackley, 2019Hackley, C., & Hackley, A. R. (2019). Advertising at the threshold: Paratextual promotion in the era of media convergence. Marketing Theory, 19(2), 195-215. https://doi.org/10.1177%2F1470593118787581
https://doi.org/10.1177%2F14705931187875...
; Hills & Garde-Hansen, 2017Hills, M., & Garde-Hansen, J. (2017). Fandom’s paratextual memory: Remembering, reconstructing, and repatriating “lost” Doctor Who. Critical Studies in Media Communication, 34(2), 158-167. https://doi.org/10.1080/15295036.2017.1293276
https://doi.org/10.1080/15295036.2017.12...
). Além disso, os paratextos midiáticos também podem ser entendidos como uma forma de conduzir os consumidores à produtividade do mercado (Chen, 2021Chen, Z. T. (2021). Poetic prosumption of animation, comic, game and novel in a post-socialist China: A case of a popular video-sharing social media Bilibili as heterotopia. Journal of Consumer Culture, 21(2), 257-277. https://doi.org/10.1177%2F1469540518787574
https://doi.org/10.1177%2F14695405187875...
; Fuschillo, 2020Fuschillo, G. (2020). Fans, fandoms, or fanaticism? Journal of Consumer Culture, 20(3), 347-365. https://doi.org/10.1177%2F1469540518773822
https://doi.org/10.1177%2F14695405187738...
), por exemplo, através da produção de paratextos dos fãs. Ao adicionar novas camadas de significado aos produtos para consumo dos fãs, os paratextos midiáticos tornam-se fonte de produção de conhecimento (Hills & Garde-Hansen, 2017Hills, M., & Garde-Hansen, J. (2017). Fandom’s paratextual memory: Remembering, reconstructing, and repatriating “lost” Doctor Who. Critical Studies in Media Communication, 34(2), 158-167. https://doi.org/10.1080/15295036.2017.1293276
https://doi.org/10.1080/15295036.2017.12...
) e refletem a forma como os discursos são estabelecidos e manifestados nos textos midiáticos (Hills, 2010Hills, M. (2010). Triumph of a time lord: Regenerating Doctor Who in the twenty-first century. I. B. Tauris.).

Segundo Sugihartati (2020)Sugihartati, R. (2020). Youth fans of global popular culture: Between prosumer and free digital labourer. Journal of Consumer Culture, 20(3), 305-323. https://doi.org/10.1177%2F1469540517736522
https://doi.org/10.1177%2F14695405177365...
, a reação dos fãs aos paratextos midiáticos torna-se um exercício de disseminação quando amplia os significados e o alcance dos conteúdos, atestando sua qualificação como prossumidores. Assim, os paratextos dos fãs podem ser entendidos como prossumo. Como indica Gray (2010)Gray, J. (2010). Show sold separately: Promos, spoilers and other media paratexts. New York University Press., os fãs reproduzem conteúdos extras provenientes de textos midiáticos por eles consumidos, bem como criam e disponibilizam suas versões deles (ou seja, os paratextos dos fãs) aos fandoms aos quais pertencem ou com os quais interagem. Assim, os paratextos midiáticos podem ser interpretados como um estímulo ao trabalho criativo dos fãs, uma vez que os leva a se comportar de forma a beneficiar os produtos midiáticos (Cavalcanti et al., 2021Cavalcanti R. C. T., Souza-Leão, A. L. M. De, & Moura, B. M. (2021). Fan affirmation: Alethurgy on an indie music fandom. Revista de Administração Contemporânea, 25(5), 1-16. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2021190395.en
https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2021...
).

Essa interpretação permite refletir como as organizações de mercado podem governar os consumidores influenciando o seu comportamento (Beckett, 2012Beckett, A. (2012). Governing the consumer: Technologies of consumption. Consumption Markets & Culture, 15(1), 1-18. https://doi.org/10.1080/10253866.2011.604495
https://doi.org/10.1080/10253866.2011.60...
). Além disso, dar pistas sobre como as relações de poder são exercidas por meio de formas de governo que orientam os arranjos sociais por meio da reprodução de comportamentos perpetuados exibidos nas práticas cotidianas (Foucault, 2006Foucault, M. (2006). The history of sexuality (Vol. 1: The will to knowledge). Penguin.).

EMPODERAMENTO DO CONSUMIDOR COMO SUSTENTAÇÃO PARA A GOVERNAMENTALIDADE DE MARKETING

O governo do consumidor é um tema de crescente relevância entre os estudos de TCC devido ao entendimento de que as culturas de mercado estabelecem espaços para relações de poder, principalmente entre consumidores e produtores (Denegri-Knott & Tadajewski, 2017Denegri-Knott, J., & Tadajewski, M. (2017). Sanctioning value: The legal system, hyper-power and the legitimation of MP3. Marketing Theory, 17(2), 219-240. https://doi.org/10.1177%2F1470593116677766
https://doi.org/10.1177%2F14705931166777...
; Zajc, 2015Zajc, M. (2015). Social media, prosumption and dispositives: New mechanisms of the construction of subjectivity. Journal of Consumer Culture, 15(1), 28-47. https://doi.org/10.1177%2F1469540513493201
https://doi.org/10.1177%2F14695405134932...
). Assim, o conceito de governo de Michel Foucault tem sido amplamente adotado na investigação da TCC (Arnould & Thompson, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). Consumer Culture Theory (Research in Consumer Behavior), 17(1), 1-21. https://doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001
https://doi.org/10.1108/S0885-2111201500...
; Thompson, 2017Thompson, C. J. (2017). Canonical authors in consumption theory. In S. Askegaard & B. Heilbrunn (Eds.), Producing foucaldians: Consumer culture theory and the analytics of power (pp. 212-220). Routledge.).

As formas de governo podem ser estruturadas por práticas adotadas por consumidores ativos e conscientes, capacitados e dispostos a fazer parte de um contexto social que represente as suas escolhas individuais de consumo (Denegri-Knott et al., 2006Denegri-Knott, J., Zwick, D., & Schroeder, J. E. (2006). Mapping consumer power: An integrative framework for marketing and consumer research. European Journal of Marketing, 40(9/10), 950-971. https://doi.org/10.1108/03090560610680952
https://doi.org/10.1108/0309056061068095...
; Shankar et al., 2006Shankar, A., Cherrier, H., & Canniford, R. (2006). Consumer empowerment: A Foucauldian interpretation. European Journal of Marketing, 40(9/10), 1013-1030. https://doi.org/10.1108/03090560610680989
https://doi.org/10.1108/0309056061068098...
). No entanto, Papaoikonomou e Alarcón (2017)Papaoikonomou, E., & Alarcón, A. (2017). Revisiting consumer empowerment. Journal of Macromarketing, 37(1), 40-56. https://doi:10.1177/0276146715619653
https://doi:10.1177/0276146715619653...
criticaram o foco dado à individualidade nos processos de empoderamento dos consumidores. Segundo esses autores, trata-se de uma construção coletiva que permite elaborar formas alternativas de organização social a partir de práticas de consumo.

Segundo nosso entendimento, é provável que ocorra o seguinte processo: a individualidade dos consumidores formula seu empoderamento de maneira que esteja alinhado às coletividades que, por sua vez, dispõem dos consumidores em seus próprios contextos. Assim, nossa perspectiva amplia a proposição de Shankar et al. (2006)Shankar, A., Cherrier, H., & Canniford, R. (2006). Consumer empowerment: A Foucauldian interpretation. European Journal of Marketing, 40(9/10), 1013-1030. https://doi.org/10.1108/03090560610680989
https://doi.org/10.1108/0309056061068098...
, de que o empoderamento dos consumidores funciona como exercício de poder frente às práticas de marketing que visam governar os próprios consumidores. Sempre que estes perseguem o poder e dão sentido à sua existência, eles exercem a sua liberdade de escolher as suas práticas de marketing. Em termos mais amplos, o empoderamento dos consumidores tem sido associado - com base nos conceitos foucaultianos - a um tipo de exercício de resistência (Cherrier, 2009Cherrier, H. (2009). Anti-consumption discourses and consumer-resistant identities. Journal of Business Research, 62(2), 181-190. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2008.01.025
https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2008.0...
; Mikkonen & Bajde, 2012Mikkonen, I., & Bajde, D. (2012). Happy Festivus! Parody as playful consumer resistance. Consumption Markets & Culture, 16(4), 311-337. https://doi.org/10.1080/10253866.2012.662832
https://doi.org/10.1080/10253866.2012.66...
).

Nesse sentido, vale citar a explicação de Gay (2004)Gay, P. Du. (2004). Self-Service: Retail, shopping and personhood. Consumption Markets & Culture, 7(2), 149-163. https://doi.org/10.1080/1025386042000246205
https://doi.org/10.1080/1025386042000246...
para o conceito de resistência foucaultiana exercida pelos consumidores: trata-se de uma prática adotada por indivíduos que visam aprimorar suas próprias habilidades e o contexto em que interagem; pode também ser o meio de emancipação à luz das exigências das autoridades externas, embora não seja um exercício antagônico. Consequentemente, a noção foucaultiana de resistência se expressa no ambiente de consumo; é uma força produtiva e reativa para exercer um poder com o qual os consumidores se relacionem.

Nesse sentido, Cova e Dalli (2009)Cova, B., & Dalli, D. (2009). Working consumers: The next step in marketing theory? Marketing Theory, 9(3), 315-339. https://doi.org/10.1177%2F1470593109338144
https://doi.org/10.1177%2F14705931093381...
descreveram a resistência do consumidor como o esforço feito pelos indivíduos para melhorar as suas relações de consumo. Além disso, vai contra a ideia de Cova e Cova (2012)Cova, B., & Cova, V. (2012). On the road to prosumption: Marketing discourse and the development of consumer competencies. Consumption Markets & Culture, 15(2), 149-168. https://doi.org/10.1080/10253866.2012.654956
https://doi.org/10.1080/10253866.2012.65...
de que o prossumo funciona como forma de governo associada à resistência dos consumidores. Assim, a resistência dos consumidores é uma força produtiva capaz de modelar a forma como o governo é executado. Em última análise, a relação entre resistência e poder requer uma mentalidade governamental adequada (Cherrier, 2009Cherrier, H. (2009). Anti-consumption discourses and consumer-resistant identities. Journal of Business Research, 62(2), 181-190. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2008.01.025
https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2008.0...
; Mikkonen et al., 2011Mikkonen, I., Moisander, J., & Fırat, A. F. (2011). Cynical identity projects as consumer resistance: The Scrooge as a social critic? Consumption Markets & Culture, 14(1), 99-116. https://doi.org/10.1080/10253866.2011.541163
https://doi.org/10.1080/10253866.2011.54...
).

Na pesquisa de consumo, a governamentalidade pode ser observada na forma como as relações de poder de mercado são sustentadas e refinadas através das práticas de consumo. É comum que os consumidores aceitem ou ajustem conhecimentos prévios estabelecidos nas relações de mercado para manter experiências agradáveis. Consequentemente, estão propagando para outros agentes de marketing - ou seja, outros consumidores e gestores - como devem agir diante da racionalidade que já os rege e que pode, e geralmente deve, ser ajustada ou melhorada (Moisander & Eriksson, 2006Moisander, J., & Eriksson, P. (2006). Corporate narratives of information society: Making up the mobile consumer subject. Consumption Markets & Culture, 9(4), 257-275. https://doi.org/10.1080/10253860600921753
https://doi.org/10.1080/1025386060092175...
; Shankar et al., 2006Shankar, A., Cherrier, H., & Canniford, R. (2006). Consumer empowerment: A Foucauldian interpretation. European Journal of Marketing, 40(9/10), 1013-1030. https://doi.org/10.1108/03090560610680989
https://doi.org/10.1108/0309056061068098...
).

A governamentalidade significa tanto cuidar de cada indivíduo quanto manter a população atendendo às suas necessidades; é a sofisticação do processo de gestão de pessoas, produção e produtos (Özgün et al., 2017Özgün, A., Dholakia, N., & Atik, D. (2017). Marketization and Foucault. Global Business Review, 18(3), 191-202. https://doi.org/10.1177%2F0972150917693335
https://doi.org/10.1177%2F09721509176933...
). As organizações tendem a propagar certas verdades como declarações para governar condutas. Os consumidores podem assumir tais declarações como crenças - muitas vezes através da interação entre eles - ou tomá-las como conhecimento para orientar as suas práticas. Em ambos os casos, refletem a forma como os consumidores escolhem ser conduzidos pela governamentalidade do marketing, uma vez que esta serve aos seus interesses (Zwick et al., 2008Zwick, D., Bonsu, S. K., & Darmody, A. (2008). Putting consumers to work: Co-creation and new marketing govern-mentality. Journal of Consumer Culture, 8(2), 163-196. https://doi.org/10.1177%2F1469540508090089
https://doi.org/10.1177%2F14695405080900...
).

Além disso, os arranjos de mercado são acessados pelos produtores para estabelecer padrões destinados a governar os consumidores através de seus comportamentos e interesses. Tais padrões são estabelecidos na reprodução de certos comportamentos pelos consumidores enquanto se conformam e se vinculam a eles. Este processo permite às organizações traçar o perfil daqueles que governam e definir o tipo de comportamento preferível (Beckett, 2012Beckett, A. (2012). Governing the consumer: Technologies of consumption. Consumption Markets & Culture, 15(1), 1-18. https://doi.org/10.1080/10253866.2011.604495
https://doi.org/10.1080/10253866.2011.60...
). De acordo com Denegri-Knott et al. (2006)Denegri-Knott, J., Zwick, D., & Schroeder, J. E. (2006). Mapping consumer power: An integrative framework for marketing and consumer research. European Journal of Marketing, 40(9/10), 950-971. https://doi.org/10.1108/03090560610680952
https://doi.org/10.1108/0309056061068095...
, esse processo é um exercício de resistência do consumidor, representando seu empoderamento estabelecido quando os indivíduos se apropriam dos discursos de marketing nos quais está interessado.

GOVERNAMENTALIDADE NA TEORIA FOUCAULTIANA

Segundo Foucault (2014)Foucault, M. (2014). On the government of the living: Lectures at the Collège de France, 1979-1980. Palgrave., os dispositivos de governo são arranjos dinâmicos heterogêneos que reúnem diversas relações de poder responsáveis por governar determinadas práticas sociais. Sendo o poder um exercício, os dispositivos configuram-se como uma multiplicidade complexa capaz de se adaptar aos contextos sociais e aos indivíduos a serem governados.

Esses dispositivos explicam a relação dinâmica entre governantes e governados; poder e resistência. Segundo Foucault (2006)Foucault, M. (2006). The history of sexuality (Vol. 1: The will to knowledge). Penguin., a resistência é condição sine qua non do poder; resistência e poder são forças que se afetam de forma mútua e produtiva. A resistência não procura anular o poder, nem pretende neutralizá-lo. Sua coexistência é o que permite o funcionamento da relação como governo e impede que se transforme em dominação.

Consequently Foucault (1991Foucault, M. (1991). Governmentality. In P. Miller, C. Gordon, G. Burchell, & M. Foucault (Eds), The Foucault effect: Studies in governmentality: With two lectures by and an interview with Michel Foucault (p. 307). University of Chicago Press., 2001Foucault, M. (2001). “Omnes et singulatim”: Towards a criticism of political reason. In J. D. Faubion (Ed.), Power: Essential works of Michel Foucault (Vol. 3, pp. 298-325). Allen Lane.) discuss how individuals resistance sustain and are shaped by their association with a given governmentality. It is so, because the governmentality is a set of associations (e.g., confession, trust, selfless) that bring together individuals within communities, based on the common goal of self-salvation (Foucault, 2007Foucault, M. (2007). Security, territory, population: Lectures at the College de France, 1977-1978. Palgrave., 2014Foucault, M. (2014). On the government of the living: Lectures at the Collège de France, 1979-1980. Palgrave.). Foucault (2001)Foucault, M. (2001). “Omnes et singulatim”: Towards a criticism of political reason. In J. D. Faubion (Ed.), Power: Essential works of Michel Foucault (Vol. 3, pp. 298-325). Allen Lane. has proposed the concept of governmentality after reflecting on how free individuals choose to be governed in order to have their will met. It happens when power is indirectly exercised through the definition of action possibilities limited or guided to be productive. Thus, subjects are encouraged to perform in a productive way, and it binds them to the governmentality regime, according to which, the conduct of one reinforces the conduct of others (Foucault, 1991Foucault, M. (1991). Governmentality. In P. Miller, C. Gordon, G. Burchell, & M. Foucault (Eds), The Foucault effect: Studies in governmentality: With two lectures by and an interview with Michel Foucault (p. 307). University of Chicago Press.).

Consequentemente, Foucault (1991Foucault, M. (1991). Governmentality. In P. Miller, C. Gordon, G. Burchell, & M. Foucault (Eds), The Foucault effect: Studies in governmentality: With two lectures by and an interview with Michel Foucault (p. 307). University of Chicago Press., 2001)Foucault, M. (2001). “Omnes et singulatim”: Towards a criticism of political reason. In J. D. Faubion (Ed.), Power: Essential works of Michel Foucault (Vol. 3, pp. 298-325). Allen Lane. discute como a resistência dos indivíduos sustenta e é moldada pela sua associação com uma determinada governamentalidade. É assim, pois a governamentalidade é um conjunto de associações (por exemplo: de confissão, de confiança, altruístas) que reúnem indivíduos dentro de comunidades, com base no objetivo comum de autossalvação (Foucault, 2007Foucault, M. (2007). Security, territory, population: Lectures at the College de France, 1977-1978. Palgrave., 2014Foucault, M. (2014). On the government of the living: Lectures at the Collège de France, 1979-1980. Palgrave.). Foucault (2001)Foucault, M. (2001). “Omnes et singulatim”: Towards a criticism of political reason. In J. D. Faubion (Ed.), Power: Essential works of Michel Foucault (Vol. 3, pp. 298-325). Allen Lane. propôs o conceito de governamentalidade após refletir sobre como os indivíduos livres escolhem ser governados para ter sua vontade satisfeita. Acontece quando o poder é exercido indiretamente através da definição de possibilidades de ação limitadas ou orientadas para serem produtivas. Assim, os sujeitos são estimulados a atuar de forma produtiva, e isso os vincula ao regime de governamentalidade, segundo o qual, a conduta de um reforça a de outros (Foucault, 1991Foucault, M. (1991). Governmentality. In P. Miller, C. Gordon, G. Burchell, & M. Foucault (Eds), The Foucault effect: Studies in governmentality: With two lectures by and an interview with Michel Foucault (p. 307). University of Chicago Press.).

Segundo Foucault (2007)Foucault, M. (2007). Security, territory, population: Lectures at the College de France, 1977-1978. Palgrave., existe um estilo de vida incontornável, perpetuado pelo dispositivo do liberalismo econômico, que reúne diversos processos de resistência produzidos por interesses econômicos capazes de estimular simultaneamente a competição e a colaboração dos indivíduos, atendendo interesses singulares e culturais. Esta perspectiva foucaultiana enfatiza o papel desempenhado pelo governo, baseado na lógica econômica, como substância que molda a sociedade e os cidadãos como indivíduos políticos.

Assim, Foucault (2001)Foucault, M. (2001). “Omnes et singulatim”: Towards a criticism of political reason. In J. D. Faubion (Ed.), Power: Essential works of Michel Foucault (Vol. 3, pp. 298-325). Allen Lane. indica como os indivíduos políticos produzem sua vontade por meio de associações com o neoliberalismo. Nesta perspectiva, o neoliberalismo estimula os indivíduos a buscarem comunidades e aliados com objetivo comum que representem a sua autossalvação. Essas comunidades e contexto social permitem que as pessoas alinhem suas vontades com as moralidades que as governam. Além disso, explicam como as formas de governo orientam as escolhas dos governados no sentido de práticas e valores que podem salvá-los - se levarmos em consideração o contexto em que vivem.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O método adotado pode ser nomeado de Genealogia Netnográfica Foucaultiana (GNF), onde são realizadas análises genealógicas dentro da pesquisa netnográfica. Isso porque entendemos que o delineamento do nosso campo empírico se beneficiaria da pesquisa netnográfica, porém, a orientação teórico-epistemológica da pesquisa exige a genealogia foucaultiana. Vale ressaltar que Kozinets (2020)Kozinets, R. V. (2020). Netnography: The essential guide to qualitative social media research. Doing ethnographic research online. Sage. indica que diferentes métodos analíticos podem ser aplicados à netnografia. Além disso, a netnografia tem sido utilizada na última década através das lentes de altas teorias sociais (por exemplo, Teoria Ator-Rede, Butleriana, Deleuziana, Foucaultiana) (Cavalcanti et al., 2021Cavalcanti R. C. T., Souza-Leão, A. L. M. De, & Moura, B. M. (2021). Fan affirmation: Alethurgy on an indie music fandom. Revista de Administração Contemporânea, 25(5), 1-16. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2021190395.en
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; Kozinets et al., 2017Kozinets, R. V., Patterson, A., & Ashman, R. (2017). Networks of desire: How technology increases our passion to consume. Journal of Consumer Research, 43(5), 659-682. https://doi.org/10.1093/jcr/ucw061
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), o que é apontado como um caminho para expandir as discussões sobre TCC (Arnould & Thompson, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). Consumer Culture Theory (Research in Consumer Behavior), 17(1), 1-21. https://doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001
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; Thompson, 2017Thompson, C. J. (2017). Canonical authors in consumption theory. In S. Askegaard & B. Heilbrunn (Eds.), Producing foucaldians: Consumer culture theory and the analytics of power (pp. 212-220). Routledge.). Assim, a primeira das subseções seguintes aponta os passos da netnografia para a construção do corpus da pesquisa seguindo seus critérios de qualidade. A subseção seguinte, apresenta a Genealogia Foucaultiana como lente interpretativa para elucidar as etapas analíticas adotadas na presente pesquisa.

Pesquisa netnográfica de mídia social

Kozinets (2020)Kozinets, R. V. (2020). Netnography: The essential guide to qualitative social media research. Doing ethnographic research online. Sage. definiu a netnografia como uma pesquisa qualitativa em mídias sociais que se baseia na etnografia e também em outras técnicas qualitativas. Esta definição aponta a singularidade da netnografia como um método particular, que é um (ou seja, a práxis netnográfica) dos seus quatro elementos principais, sendo os outros o foco cultural, os dados das redes sociais e o envolvimento.

Por engajamento, Kozinets (2020)Kozinets, R. V. (2020). Netnography: The essential guide to qualitative social media research. Doing ethnographic research online. Sage. entende a necessidade da imersão dos pesquisadores nesse campo. Vale ressaltar que os autores da presente pesquisa se reconhecem como fãs do MCU, realizando um processo de entreé cultural. Esse processo proporcionou sensibilidade na captação de detalhes do contexto observado, que comumente são particulares dos fãs desse universo.

Em relação aos dados de mídias sociais, dentre as plataformas acessadas na presente pesquisa o YouTube e o Twitter se destacaram por possibilitarem a captura das reações dos fãs aos conteúdos e tendências digitais (Dijck, 2013Dijck, J. Van. (2013). The culture of connectivity: A critical history of social media. Oxford University Press.). Nossa coleta de dados se concentrou nos períodos em que houve envolvimento e interação entre os fãs sobre os paratextos associados ao Ultimato, produzidos pelo MCU. Primeiro, foram arquivados todos os comentários sobre os dezessete trailers do filme - número recorde para um único filme - postados no canal oficial da Marvel Studios no YouTube, entre os meses de dezembro de 2018 e abril de 2019. Esse período compreende o intervalo entre o primeiro trailer disponibilizado no YouTube até o lançamento oficial do filme nos cinemas de todo o mundo. Em seguida, foram igualmente coletadas e arquivadas as interações ocorridas no período compreendido entre 22 de abril a 31 de maio de 2019, após o lançamento do filme, sobre a hashtag #ThankYouAvengers proposta pelo elenco e produtores do filme para agradecer a jornada de 12 anos no cinema, que alcançou o status de assunto mais comentado do Twitter naquele período. A temporalidade dos dados obtidos no Twitter corresponde ao intervalo de tempo entre o lançamento da hashtag e sua saturação - quando ela deixou de ser utilizada na plataforma por mais de sete dias seguidos -, quarenta dias após a publicação da primeira mensagem. Além disso, seguimos a sugestão do autor supracitado e evitamos a análise de dados por software para captar as particularidades do ethos investigado.

A coleta e o arquivamento dos dados foram realizados com base em dois aplicativos gratuitos de scraper utilizados para monitorar redes sociais específicas. São eles o YouTube Comment Scraper, que coleta mensagens, reações e interações entre o público dos vídeos disponíveis na plataforma (ver Feng et al., 2019Feng, Y., Chen, H., & He, L. (2019). Consumer responses to femvertising: A data-mining case of dove’s “Campaign for Real Beauty” on YouTube. Journal of Advertising, 48(3), 292-301. https://doi.org/10.1080/00913367.2019.1602858
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); e o Buzz Monitor, que apresenta estratos temporais (por exemplo, por hora, dia, semana ou mês) das mensagens postadas no Twitter, bem como fornece engajamento nas redes sociais e hiperlinks para a postagem original (ver García-Perdomo, 2017García-Perdomo, V. (2017). Between peace and hate: Framing the 2014 Colombian presidential election on Twitter. Cuadernos Info, 41, 57-70. https://doi.org/10.7764/cdi.41.1241
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). Os dados foram exportados através de software JavaScript e convertidos em formato pdf. No total, mais de 1,2 milhões de mensagens foram postadas pelo fandom. Porém, elas foram submetidas a um processo de depuração para que fossem levadas em consideração apenas postagens com comentários escritos em inglês sobre o filme do MCU ou a saga cinematográfica. Assim, foram analisadas 449.568 mensagens: 278.096 delas disponíveis no YouTube e 171.472 no Twitter.

Genealogia foucaultiana dos procedimentos analíticos de poder

Foucault desenvolveu a Genealogia do Poder para identificar e compreender os dispositivos que governam a sociedade. A análise genealógica permite identificar as condições que permitem os exercícios de poder e as articulações sociais por eles estabelecidas. Nesse sentido, também revela como os atores sociais se comportam para evitar que diferentes formas de governo funcionem de forma opressiva (Foucault, 2007Foucault, M. (2007). Security, territory, population: Lectures at the College de France, 1977-1978. Palgrave.).

A análise genealógica foucaultiana permite esclarecer ambiguidades e explorar condições de convivência que produzam formas de governo baseadas em práticas de consumo (Tadajewski, 2006Tadajewski, M. (2006). Remembering motivation research: Toward an alternative genealogy of interpretive consumer research. Marketing Theory, 6(4), 429-466. https://doi.org/10.1177%2F1470593106069931
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; Thompson et al., 2013Thompson, C. J., Arnould, E., & Giesler, M. (2013). Discursivity, difference, and disruption. Marketing Theory, 13(2), 149-174. https://doi.org/10.1177/1470593113477889
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). Thompson e Tian (2008)Thompson, C., & Tian, K. (2008). Reconstructing the South: How commercial myths compete for identity value through the ideological shaping of popular memories and countermemories. Journal of Consumer Research, 34(5), 595-613. https://doi.org/10.1086/520076
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utilizaram a genealogia foucaultiana para realizar uma reflexão crítica sobre como o consumo de memórias populares seletivas mantém o status hegemônico de determinados grupos sociais. Segundo os autores citados, sua análise permite traçar o perfil das relações de nexos horizontais que sustentam a competitividade de mercado entre diversos agentes frequentemente mencionados nos discursos e ideologias de consumo.

Esses aspectos desempenham papel fundamental em nossa pesquisa. Nosso foco foi investigar como os conteúdos da comunicação de marketing - ou seja, os paratextos midiáticos - produzem discursos de mercado análogos, capazes de transformar o comportamento dos consumidores. Consequentemente, a análise genealógica permitiu interpretar o comportamento dos consumidores - ou seja, as interações dos fãs- como a própria base dos dispositivos que os governam.

Assim, a análise genealógica parte de formações discursivas (ver Fig. 1), que são o ponto de partida para identificar diagramas de poder que revelam a forma como as relações de poder se configuram, bem como fornecem as condições adequadas para configurar dispositivos. Portanto, as formações discursivas estão vinculadas a diagramas de poder, por meio de operadores de poder que se referem às formas de conduta capazes de governar diferentes agências e estruturas sociais (Foucault, 1977Foucault, M. (1977). Nietzsche, genealogy, history. In Language, counter-memory, practice (pp. 139-140). Cornell University Press,, 2006Foucault, M. (2006). The history of sexuality (Vol. 1: The will to knowledge). Penguin.).

Figura 1
Processo analítico

Portanto, os diagramas de poder são definidos com base na convergência dos operadores de poder, estes, por sua vez, são definidos a partir da forma como se combinam determinados critérios eliciados nas formações discursivas (Foucault, 2010Foucault, M. (2010). The government of self and others: Lectures at the Collège de France, 1982-1983. Palgrave.). A Tabela 1 apresenta as definições desses critérios e a Figura 2 ilustra todo o processo analítico.

Tabela 1
Critérios dos operadores de poder

Figura 2
Mapa analítico das categorias associadas ao estágio genealógico

Cabe destacar alguns esforços relacionados à depuração e análise do corpus de pesquisa. Primeiramente, dada a grande quantidade de dados coletados, a etapa analítica teve duração de doze meses. Nesse sentido, houve uma curva de aprendizado bastante relevante no processo, uma vez que os comentários apresentavam blocos de temas semelhantes, reproduzindo padrões discursivos. Por outro lado, a análise seguiu a ordem cronológica de publicação das mensagens, contudo, embora os dados coletados compreendam dois períodos, conforme descrito anteriormente, não apresentaram resultados diferentes, revelando o mesmo padrão de produção paratextual midiática. Nesse sentido, no contato inicial com os dados, os comentários foram analisados no processo de associação com significados relevantes ao contexto em que foram produzidos para permitir a inferência de práticas discursivas e não discursivas.

DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS

Nossa análise revelou um dispositivo baseado em faixas de relações provenientes de dois diagramas de poder, três operadores de poder e quatro formações discursivas, conforme mostra a Figura 2. A seguir, descrevemos essas categorias e suas relações, bem como as ilustramos por meio de exemplos de dados extraídos do corpus de pesquisa.

Era dos paratextos (DF1) refere-se ao conceito dos fãs sobre como o uso pelo MCU de paratexto propôs e estabeleceu uma nova funcionalidade para conteúdos extras na indústria cinematográfica. Seus discursos mostram a percepção de que a indústria do entretenimento, em sua totalidade, adotou essa abordagem.

Próxima a essa percepção, a segunda formação discursiva aponta para uma paratextualidade infinita (DF2). Reflete a crença do fandom sobre como os paratextos do MCU desempenham papel fundamental na construção da narrativa compartilhada estabelecida pela franquia midiática entre suas produções. Da mesma forma, consumir cada conteúdo extra disponível intensifica a relação dos fãs com o(s) objeto(s) cultural(is).

Por outro lado, as discussões dos fãs sobre a qualidade dos paratextos indicam a terceira formação discursiva denominada guerra dos paratextos (DF3). Apresenta a divergência de opiniões entre os fãs sobre os paratextos do Ultimato. Os fãs apresentam posições contrárias (por exemplo: satisfeitos e insatisfeitos) sobre os conteúdos extras do filme e discutem entre si sobre a qualidade, validade e necessidade dos paratextos.

Por fim, ao apontar o conteúdo extra do Ultimato como pobre, o fandom também ilumina a última formação discursiva identificada no presente estudo: paratextos do Ultimato (DF4). Essa formação indica a insatisfação dos fãs com os conteúdos extras, seja por desconfiança ou decepção. Contém críticas de alguns fãs que consideram que os paratextos do filme diminuíram o interesse do fandom pela produção em vez de emocioná-la, uma vez que não conseguiram traduzir o importante papel desempenhado por essa produção na cultura popular e sofreram a influência negativa de questões políticas.

Promoção (PO1) é o primeiro operador de poder identificado. Isso reflete reações positivas dos fãs ao usar conteúdo extra produzido pela Marvel Studios para promover o Ultimato. Baseia-se na compreensão dos fãs de que vivem numa época em que a cultura popular se destaca através do uso de paratextos (DF1), bem como no fato de que esse tipo de conteúdo deve ser promovido em maior quantidade e qualidade (DF2).

Esses operadores de poder são responsáveis por apresentar como os conteúdos virais (modalidade instrumental) ajudam a manter o público-alvo coeso e crescente, pois levam os fãs a abordar prováveis recordes (grau de racionalização) a serem alcançados pelo filme por meio da valorização do fã (forma de institucionalização) que, por sua vez, indica como os fãs reagem à paratextualidade do MCU. Assim, os fãs recorrem a tendências e conclusões (sistemas de diferenciação) para expressar sua empolgação com o eco alcançado pelas prévias de filmes e hashtags na Web, ou com conteúdos que materializam o final de uma saga cinematográfica de doze anos. O objetivo de cada tipo de excitação é corroborar a ressonância midiática e a legitimação nerd, respectivamente.

O segundo operador de poder indica como os fãs expressam simultaneamente expectativa e demanda pelos paratextos por eles consumidos. Este operador, denominado tributo (PO2), visa evidenciar o papel desempenhado pelos paratextos na confirmação da conclusão de um fenômeno da cultura popular. Equivale à conjunção de formações discursivas que levam em consideração as infinitas possibilidades trazidas pelos paratextos ao fandom (DF2) e aquelas que abordam discussões e ressalvas sobre a validade de tal material para esse público (DF3).

É um operador fundado na compreensão de que os paratextos são uma celebração da cultura nerd (grau de racionalização), que é regulado pela combinação entre compromisso e conclusão (sistemas de diferenciação). Esses dois fatores visam a confirmação da relevância da saga e da legitimação nerd, respectivamente (tipos de objetivos). É algo regido pela valorização dos fãs (forma de institucionalização) ao status épico da conclusão da saga e responsável por gerar demanda por adequação (modalidade instrumental) de aplicação em qualquer conteúdo associado ao filme.

O operador denominado perfeccionismo (PO3) apresenta os posicionamentos negativos do fandom sobre a concepção dos paratextos do Ultimato. Na perspectiva dos fãs, as prévias dos filmes os decepcionaram em diversos aspectos (por exemplo: falta ou excesso de conteúdo; possível influência política). O operador pode ser observado na forma como os fãs abordam o papel desempenhado pelos paratextos no MCU (DF3) e, simultaneamente, na forma como questionam se tal conteúdo deveria ser essencial para a compreensão dos filmes (DF4).

Compromisso e conservadorismo são os sistemas de diferenciação que moldam esse operador de poder. O primeiro reforça a sensação de que, sendo Ultimato o filme que encerra a saga cinematográfica do MCU, qualquer conteúdo dele - inclusive seus paratextos - deve ter qualidade primorosa. O outro sistema de diferenciação reflete o movimento de parte do fandom que rejeita o crescente espaço dado a agendas políticas que vão além dos universos ficcionais da cultura popular. Ambos os sistemas de diferenciação expressam a exigência de adequação de conteúdo (modalidade instrumental), o que é entendido como preciosidade por parte de alguns fãs (forma de institucionalização) que parecem sempre encontrar detalhes para criticar. Visam confirmar a relevância da saga, que é representada pelo movimento que exige do estúdio cinematográfico respeito pela cultura nerd (grau de racionalização).

Pertinência (PD1) é o diagrama de poder que abrange o reconhecimento dos fãs sobre a importância de estar atento a qualquer conteúdo extra de um último filme do MCU. Reflete as relações de poder sustentadas por dois dos operadores de poder observados e indica que, segundo os fãs, os paratextos promovem (PO1) e homenageiam (PO2) a saga cinematográfica. Segundo os fãs, os conteúdos extras de Ultimato apaziguam a ansiedade e estimulam a gratidão, e esse processo os leva a reconhecer o eco alcançado pelo filme na web e a validade de ser uma das produções mais importantes da história do cinema.

Assim, foi possível observar interações que ilustram a relação de poder exercida entre os membros do fandom quanto à pertinência que a Marvel Studios levou à promoção do, até então, filme mais importante já produzido. Num primeiro momento - antes do lançamento do filme e nos comentários dos trailers publicados no YouTube -, os fãs agradeceram aos paratextos midiáticos pelo cuidado em divulgar os filmes de uma forma que os fez sentir que seu longo relacionamento - uma jornada de mais de dez anos de filmes interligados - estava sendo homenageado. Em outro momento - após a estreia e em mensagens publicadas no Twitter - os fãs expressaram sua gratidão pelo filme ter feito justiça a todas as suas expectativas de longa data. Em ambos os casos e ao longo do processo de contato com os paratextos midiáticos, os fãs destacaram o cuidado do Marvel Studio em divulgar o filme sem apresentar conteúdo narrativo - ou seja, evitando spoilers -, o que consideraram uma forma de proteger sua experiência de consumo como fãs de objetos de mídia.

A Figura 3 ilustra o primeiro diagrama de poder - e todos os movimentos analíticos genealógicos que lhe dão substância - com base nos comentários recolhidos em cada uma das redes sociais analisadas.

Figura 3
Exemplo de Pertinência (PD1)

Essa postagem no YouTube apresenta um fã elogiando os paratextos do Ultimato por despertarem os sentimentos dos fãs através do vídeo de 30 segundos intitulado “Honor”. Por outro lado, na mensagem disponibilizada no Twitter, uma fã que assistiu ao filme relata que continua impressionada com o fato de uma estratégia de marketing tão ampla não ter apresentado spoilers sobre seu conteúdo. Ambos os relatos permitem perceber a pertinência (PD1) dos paratextos do MCU pela forma como criaram expectativas e continuaram surpreendendo os fãs, mesmo depois de assistirem ao filme. Traz à tona dois operadores: promoção (PO1), que contrasta com outros conteúdos da indústria do entretenimento ao alimentar o hype dos fãs sem revelar o enredo do filme em si; e tributo (PO2), quando os vídeos lembram ao fandom que personagens que morreram no filme anterior - ou seja, Guerra Infinita - não seriam esquecidos, mas vingados no último filme da saga.

Os dois operadores compartilham a percepção de que o MCU utiliza a paratextualidade infinita (DF2), e isso pode ser observado quando os fãs do YouTube declaram que estão ansiosos para assistir ao filme. Por outro lado, a mensagem no Twitter foca na promoção (PO1) do Ultimato, uma vez que o fã indica que a Marvel Studios conseguiu estabelecer uma nova forma de produzir filmes utilizando paratextos, numa era de paratextos (DF1).

Prejuízo (PD2) foi o outro diagrama de poder identificado por esta pesquisa. Refere-se ao momento em que o relacionamento dos fãs revela o quanto eles ficaram decepcionados, em algum nível, com os conteúdos extras do Ultimato. Indica as teias de poder estabelecidas por dois dos operadores de poder identificados quando parte do fandom exigia que os paratextos funcionassem não apenas como um tributo (PO2) à saga cinematográfica, mas também que fossem tão perfeitos (PO3) quanto possível.

É um movimento de fandom que elabora continuamente críticas aos paratextos por eles consumidos, mesmo aqueles que não são centrais para o consumo de filmes. Este processo fica evidente na combinação de operadores de poder: um está associado ao desejo de uma celebração que faça jus à conclusão de um dos mais relevantes universos narrativos do cinema (PO2) e o outro fica evidente quando os fãs acreditam que a Marvel Studios os decepcionou com os paratextos do Ultimato.

Assim, pudemos identificar as relações de poder exercidas pelos fãs e os prejuízos sentidos em relação aos paratextos midiáticos de Vingadores: Ultimato. Em suas respostas aos trailers e teasers do YouTube, postularam ajustes e cuidados que poderiam ter sido feitos na narrativa do filme. No Twitter, eles enviaram mensagens nas quais se preocupavam com o futuro do MCU, considerando as mudanças de protagonistas que ocorreriam nos filmes após o desfecho de alguns personagens que tiveram que se despedir em Ultimato. Em ambos os momentos, o fandom demonstrou gratidão pela forma como a Marvel Studios conseguiu concluir a saga cinematográfica do filme lançado em 2019. Porém, a Disney pode, e deve, continuar aprimorando o conteúdo de suas produções para garantir experiências extraordinárias aos seus fãs.

A Figura 4 apresenta um exemplo do segundo diagrama de poder - e toda a convergência das categorias analíticas anteriores que o fundamentaram nas fases arqueológica e genealógica. Inclui comentários que visam provocar os produtores de cinema em diferentes tons.

Figura 4
Exemplo de Prejuízo (DP2)

Com base no comentário sobre o “Clip do Filme” disponível no YouTube, um fã reclama do papel central dado à Capitã Marvel no vídeo promocional e questiona se tal papel se repetiria no filme. Por outro lado, a mensagem extraída do Twitter expressa seu alívio após ler os tweets de outros fãs sobre o tema, que lhe garantiram que a Marvel Studios não estragou o filme. Essas afirmações confirmam a sensação de prejuízo (PD2) observado na forma como parte do fandom desaprova ou desconfia do filme com base em seus paratextos.

Com base nas mensagens aqui destacadas, os paratextos de Ultimato funcionam como gatilhos para que os fãs expressem expectativas não positivas sobre os conteúdos produzidos pelo MCU. Esse fator estabelece o entrelaçamento de dois operadores: os paratextos devem funcionar como um tributo (PO2) à saga cinematográfica e, mais criticamente, devem atender ao perfeccionismo (PO3) dos fãs, bem como fazer justiça às narrativas e aos personagens que permeiam suas memórias emocionais (por exemplo, memórias da sua infância).

Ambos os operadores estão associados a duas formações discursivas. Um deles é exclusivo do operador mais crítico (PO3) e apresenta os paratextos do Ultimato (DF4), segundo o qual os fãs questionam - com base na divulgação do filme na Web - se a Marvel Studios ainda consegue manter uma das sagas mais importantes na história do cinema. O outro está alinhado com os dois operadores (PO2 e PO3) e indica a guerra dos paratextos (DF3), segundo a qual parte do fandom estabelece conflitos entre si e com os produtores de cinema sobre o protagonismo dado a um personagem que é inconsistente com doze anos de MCU.

REFLEXÕES DOS RESULTADOS

Ambos os diagramas de poder ilustram como os movimentos - individuais e coletivos - dos fãs representam um tipo específico de empoderamento do consumidor. Esse empoderamento - aqui entendido como exercício de práticas de prossumo - não é uma questão de romper as relações de poder que o regem, mas de resistir a elas. A noção foucaultiana de resistência é produtiva e reativa às formas de governo.

Assim, os diagramas de poder aqui observados - pertinência e prejuízo - retratam a resistência dos consumidores interessados em serem governados, e não em agirem como corpos dóceis. Consequentemente, consideramos aqui que os paratextos midiáticos funcionam como uma das tecnologias de marketing abordadas por Becket (2012) para governar e influenciar o comportamento dos consumidores. Além disso, seu conteúdo é capaz de mobilizar os consumidores alinhando-os aos interesses das organizações. Contudo, consideramos os paratextos midiáticos uma forma de governo exponencialmente mais ampla, uma vez que ganha força a partir do envolvimento dos fãs. Foi assimilado como a forma de governo que permite a manutenção do fandom.

A partir dos diagramas de poder e de como eles foram configurados com significativa sobreposição de critérios utilizados para gerá-los, pudemos identificar uma conjunção fundamentada por um único dispositivo, aqui definido como paratextualidade pastoral. Tal dispositivo indica como a resistência do fandom passa por posições que vão tanto a favor quanto contra. Nesse sentido, “paratextualidade” refere-se a essa dinâmica com que os fãs reagem aos paratextos midiáticos, enquanto “pastoral” indica a forma de governo que desejam seguir.

Segundo Foucault (2001Foucault, M. (2001). “Omnes et singulatim”: Towards a criticism of political reason. In J. D. Faubion (Ed.), Power: Essential works of Michel Foucault (Vol. 3, pp. 298-325). Allen Lane., 2007)Foucault, M. (2007). Security, territory, population: Lectures at the College de France, 1977-1978. Palgrave., o poder pastoral é a governamentalidade onde os indivíduos reconhecem a existência de um determinado poder capaz de orientá-los para um modo de vida que não só lhes é benéfico, mas também divino. Entre diversas relações de poder e exercícios de resistência, o dispositivo pastoral ilustra como múltiplas práticas, proporcionadas pelos governantes e sustentadas pelos governados, convergem para a salvação. É uma das governamentalidades que impulsionam os indivíduos, as instituições e até outras formas de governo (Foucault, 2006Foucault, M. (2006). The history of sexuality (Vol. 1: The will to knowledge). Penguin.).

De acordo com Özgün et al. (2017)Özgün, A., Dholakia, N., & Atik, D. (2017). Marketization and Foucault. Global Business Review, 18(3), 191-202. https://doi.org/10.1177%2F0972150917693335
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, o poder pastoral é observado nas relações de consumo quando os consumidores assumem que as decisões das organizações têm efeitos benéficos, tanto na gestão dos produtos por elas consumidos como nas suas práticas de consumo. No contexto da presente pesquisa, uma vez que os fãs podem aprovar ou desaprovar o conteúdo e a qualidade dos paratextos midiáticos (conforme apresentado na Figura 2), o seu empoderamento reside precisamente na sua capacidade de reagir a eles como forma de indicar como querem que sejam produzidos. Assim, aceitar ser governado continua sendo uma espécie de empoderamento. De acordo com Shankar et al. (2006)Shankar, A., Cherrier, H., & Canniford, R. (2006). Consumer empowerment: A Foucauldian interpretation. European Journal of Marketing, 40(9/10), 1013-1030. https://doi.org/10.1108/03090560610680989
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, o empoderamento do consumidor é um exercício que visa a escolha de relações de poder. Portanto, com base no poder pastoral, sempre que os consumidores aceitam quem os governa, escolhem as relações de poder às quais estão associados; assim, exercem um certo tipo de empoderamento do consumidor.

A função do poder pastoral consiste em sempre proporcionar necessidade e satisfação ao rebanho (Foucault, 2001Foucault, M. (2001). “Omnes et singulatim”: Towards a criticism of political reason. In J. D. Faubion (Ed.), Power: Essential works of Michel Foucault (Vol. 3, pp. 298-325). Allen Lane.). A indústria do entretenimento produz paratextos midiáticos capazes de alimentar as expectativas dos fãs por meio de conteúdos que permeiem seu imaginário para garantir condição e relacionamento de fandom. Partindo desse entendimento, a indústria do entretenimento atua como um “pastor” que conduz a condição dos fãs, tanto como a encarnação de cada fã que protege o fandom como a relação com eles. Assim, a paratextualidade pastoral melhora a experiência dos fãs ao completar e potencializar o consumo dos textos midiáticos aos quais estão vinculados. Esses conteúdos tornam-se uma obrigação e um prazer para quem produz esses textos.

Numa tentativa de generalização teórica baseada em nossa investigação, defendemos que a paratextualidade incentiva o empoderamento dos fãs. Consequentemente, ela representa uma estrutura de poder de marketing que produz resistência dos fãs e sustenta a governamentalidade que os governa.

De acordo com as nossas conclusões, não existe governo imposto unilateralmente pelas organizações nem liberdade ilimitada do consumidor. A paratextualidade evidencia como as estratégias narrativas dos produtores podem ser interpretadas e apropriadas pelos consumidores de diferentes maneiras. Ao fazê-lo, em vez de se oporem ou aderirem aos produtores, os consumidores aceitam curvar-se perante o seu governo da forma que lhes for conveniente. Assim, a interface entre as ideologias de mercado mediadas por massa e as estratégias interpretativas do consumidor pode ser compreendida à luz do conhecimento estabelecido para pastorear comunidades de consumo (Fyrberg-Yngfalk et al., 2014Fyrberg-Yngfalk, A., Cova, B., Pace, S., & Skålén, P. (2014). Control and power in online consumer tribes: The role of confessions. In Consumer culture theory (Research in consumer behavior, Vol. 15, pp. 325-350), Emerald Group Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0885-2111(2013)0000015021
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).

O poder pastoral reflete a convergência de vontades. Uma vez que as organizações desejam governar os consumidores para fins de estratégia de marketing e os consumidores devem ser governados para consumir produtivamente à sua própria maneira, os seus interesses coincidem. Desta forma, reflete a afirmação de Foucault de que a governamentalidade é um exercício sobre indivíduos livres; caso contrário, seria dominação. Assim, as formas de governo pressupõem que governados e governantes alinhem os seus interesses. O equilíbrio dessa dinâmica reside justamente na possibilidade de resistência dos indivíduos livres em agir quando não concordam com a forma como são governados (Foucault, 1991Foucault, M. (1991). Governmentality. In P. Miller, C. Gordon, G. Burchell, & M. Foucault (Eds), The Foucault effect: Studies in governmentality: With two lectures by and an interview with Michel Foucault (p. 307). University of Chicago Press., 2001Foucault, M. (2001). “Omnes et singulatim”: Towards a criticism of political reason. In J. D. Faubion (Ed.), Power: Essential works of Michel Foucault (Vol. 3, pp. 298-325). Allen Lane.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados desta pesquisa apontaram o poder pastoral como forma de governamentalidade do consumo, evidenciada na ação dos fãs como prossumidores em relação aos paratextos dos produtos midiáticos. Essa governamentalidade é dinâmica, impulsionada pela indústria do entretenimento e apoiada pelas intensas práticas de consumo dos fãs.

As práticas singulares desses prossumidores em relação aos paratextos midiáticos mostram um comportamento ativo em conformidade com a estratégia de marketing da indústria do entretenimento. Assim, o comportamento dos fãs revela como eles querem se posicionar em relação aos produtos midiáticos aos quais estão vinculados, sem que tenham interesse em romper com o agente de marketing que os produz.

Porém, por que os fãs se deixam guiar por esse poder pastoral? Isso pode ocorrer pela dependência desses produtores, que respondem pela manutenção dos produtos midiáticos e, por meio deles, da condição de seus próprios fãs. Esse comportamento parece ser adotado para salvar os fandoms e, consequentemente, a própria cultura de fãs da qual fazem parte. Os fãs se posicionam como indivíduos a serem orientados para a realização do desejo de consumir intensamente os textos midiáticos - seja em quantidade e/ou qualidade -, inclusive os paratextos. Portanto, o fã aceita ser governado desde que tal governo esteja de acordo om sua vontade.

Interpretamos essa aceitação como uma forma de resistência, uma vez que os fãs querem ser governados nos seus próprios termos, e não nos termos da indústria do entretenimento. Nesse sentido, como comunidades de consumo, os fandoms funcionam como forma de resistência às configurações típicas do mercado (Chen, 2021Chen, Z. T. (2021). Poetic prosumption of animation, comic, game and novel in a post-socialist China: A case of a popular video-sharing social media Bilibili as heterotopia. Journal of Consumer Culture, 21(2), 257-277. https://doi.org/10.1177%2F1469540518787574
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), pois permitem que seus membros escapem das relações de poder muitas vezes exercidas sobre eles (Fuschillo, 2020Fuschillo, G. (2020). Fans, fandoms, or fanaticism? Journal of Consumer Culture, 20(3), 347-365. https://doi.org/10.1177%2F1469540518773822
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; Kozinets, 2001Kozinets, R. V. (2001). Utopian enterprise: Articulating the meanings of Star Trek’s culture of consumption. Journal of Consumer Research, 28(1), 67-88. https://doi.org/10.1086/321948
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). Contudo, os fãs não procuram romper com os produtos midiáticos por eles consumidos; em vez disso, operam para reconfigurar os arranjos de mercado nos quais realizam as suas práticas de consumo a fim de satisfazer os seus desejos (Zajc, 2015Zajc, M. (2015). Social media, prosumption and dispositives: New mechanisms of the construction of subjectivity. Journal of Consumer Culture, 15(1), 28-47. https://doi.org/10.1177%2F1469540513493201
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).

Assim, os paratextos midiáticos são utilizados para alcançar novos fãs, bem como para intensificar a relação dos fãs com o texto original (Gray, 2010Gray, J. (2010). Show sold separately: Promos, spoilers and other media paratexts. New York University Press.; Hackley & Hackley, 2019Hackley, C., & Hackley, A. R. (2019). Advertising at the threshold: Paratextual promotion in the era of media convergence. Marketing Theory, 19(2), 195-215. https://doi.org/10.1177%2F1470593118787581
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). Ao alimentar o vínculo fãs-produtos de mídia, a indústria do entretenimento mostra devoção a esses consumidores; uma devoção que é tão ou mais produtiva que a própria indústria do entretenimento e, nos termos foucaultianos, configura-se como a salvação do pastor. Portanto, a paratextualidade funciona como tecnologia pastoral, como dispositivo político impulsionador de fãs; a indústria do entretenimento produz paratextos midiáticos para governar o público, enquanto os fãs aceitam serem governados para proteger a sua condição de fã.

A presente investigação contribui para o campo da TCC ao explorar o uso de paratextos como governamentalidade dos consumidores. Nesse sentido, a contribuição original do presente estudo reside em propor paratextos midiáticos como estímulo aos fãs que assumem sua governamentalidade mercadológica.

Assim, quando os fãs divulgam e discutem sobre os paratextos midiáticos, endossam uma governamentalidade que lhes garante a experiência de sua vontade. Portanto, não se trata de uma docilização das suas práticas, mas sim de um exercício de resistência em que os fãs optam por delegar à indústria do entretenimento a forma de governo que acreditam poder melhor beneficiá-los.

Consequentemente, por um lado, nossa contribuição extrapola o entendimento de Pellandini-Simányi e Conte (2021)Pellandini-Simányi, L., & Conte, L. (2021). Consumer de-responsibilization: Changing notions of consumer subjects and market moralities after the 2008-9 financial crisis. Consumption Markets & Culture, 24(3), 280-305. https://doi.org/10.1080/10253866.2020.1781099
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que sugerem que formas de governo perpetuadas pelos discursos de mercado, e por seus dispositivos, governam os indivíduos como corpos dóceis. Por outro, alinha-se ao entendimento de Parmentier e Fischer (2015)Parmentier, M.-A., & Fischer, E. (2015). Things fall apart: The dynamics of brand audience dissipation. Journal of Consumer Research, 41(5), 1228-1251. https://doi.org/10.1086/678907
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sobre a capacidade expressiva dos componentes do mercado em estabelecer e manter relacionamentos com os consumidores, incentivando o seu engajamento. Assim, os interesses de diferentes agentes (por exemplo: indústria, consumidores) são atendidos através de um conjunto complexo que envolve atores, práticas e uma ampla gama de relações (produtores, consumidores, interação, comunicação, plataformas de mídia).

Uma limitação da presente investigação reside no fato de o seu âmbito se limitar às práticas de prossumo dos fãs que reagem à produção de paratextos midiáticos de uma única produção cinematográfica. Contudo, vale ressaltar que Ultimato pode ser entendido como um caso único, pois foi um dos produtos midiáticos que mais adotou a estratégia de liberação de conteúdo para acionar a antecipação dos fãs (ver Ryoo et al., 2020Ryoo, J. H., Wang, X., & Lu, S. (2020). Do spoilers really spoil? Using topic modeling to measure the effect of spoiler reviews on box office revenue. Journal of Marketing. Advance online publication. https://doi.org/10.1177%2F0022242920937703
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), sem falar que se tornou o filme de maior bilheteria da história (ver BBC, 2019BBC (2019). Avengers: Endgame overtakes Avatar as top box office movie of all time. BBC News. Recuperado de https://www.bbc.com/news/entertainment-arts-49069432
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). Por outro lado, as práticas dos fãs observadas em redes sociais como o Twitter podem não representar totalmente o seu envolvimento com produtos midiáticos (ver Arvidsson & Caliandro, 2016Arvidsson, A., & Caliandro, A. (2016). Brand public. Journal of Consumer Research, 42(5), 727-748. https://doi.org/10.1093/jcr/ucv053
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). No entanto, o uso massivo do Twitter e do YouTube tanto por consumidores quanto por profissionais de marketing normalmente articula o engajamento dos fãs que utilizam as mídias sociais (ver Kozinets et al., 2017Kozinets, R. V., Patterson, A., & Ashman, R. (2017). Networks of desire: How technology increases our passion to consume. Journal of Consumer Research, 43(5), 659-682. https://doi.org/10.1093/jcr/ucw061
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) à repercussão do conteúdo dos produtos midiáticos e à difusão da convergência cultural (ver Chen, 2021Chen, Z. T. (2021). Poetic prosumption of animation, comic, game and novel in a post-socialist China: A case of a popular video-sharing social media Bilibili as heterotopia. Journal of Consumer Culture, 21(2), 257-277. https://doi.org/10.1177%2F1469540518787574
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).

Com base nos resultados discutidos em nossa pesquisa, é possível sugerir que os paratextos midiáticos funcionam como ampla estratégia de comunicação de marketing (ver Hackley & Hackley, 2022Hackley, C., & Hackley, R. A. (2022). Rethinking advertising as paratextual communication. Edward Elgar Publishing.; Souza-Leão et al., 2023Souza-Leão, A. L. M., Moura, B. M., Lopes, M. A. D. S., Batista, M. A. M., Melo, M. E. D. M., & Santos, J. F. D. D. (2023). Developing affective brands: Paratextualization in the entertainment industry. Review of Marketing Science. Ahead-of-print. https://doi.org/10.1515/roms-2022-0021
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). Nesse sentido, se levarmos em consideração uma teorização alinhada com os achados e conclusões aqui apresentados, é possível perceber a relevância de realizar novas investigações focadas na ressonância dos paratextos midiáticos como estratégia de marketing utilizada para impulsionar o comportamento dos consumidores. Estas investigações não devem centrar-se apenas no consumo dos fãs, mas também nos consumidores de outros tipos de produtos, principalmente os de elevado valor simbólico. Assim, essa expansão deve basear-se na investigação de outros tipos de paratexto midiático, como anúncios e outras ações de comunicação de marketing.

Mais pesquisas sobre a arte de governar o consumo também seriam bem-vindas. Por um lado, as abordagens relativas aos fenômenos relacionados com as comunidades neotribais e online iriam ao encontro da principal agenda da cultura do consumo; especificamente, seria intrigante investigar como o consumo dos fãs penetra na relação celebridade-fãs. Por outro lado, o presente estudo abre espaço para discussões sobre como o empoderamento do consumidor pode ser entendido como um mecanismo de marketing biopolítico (ver Zwick & Bradshaw, 2019Zwick, D., & Bradshaw, A. (2019). Biopolitical marketing and the commodification of social contexts. In M. Tadajewski, M. Higgins, J. Denegri-Knott, & R. Varman (Eds), The Routledge companion to critical marketing. Routledge, pp. 430-438.); particularmente, insights importantes poderiam advir de estudos sobre práticas de cocriação e relação de apropriação do trabalho dos consumidores.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Jan 2023
  • Aceito
    13 Nov 2023
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