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Salários e ordenados: um estudo de caso na indústria de transformação

ARTIGOS

Salários e ordenados: um estudo de caso na indústria de transformação* * Este artigo é um resumo da tese de mestrado do autor, recentemente aprovada pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas sob o mesmo título.

Domingo Zurron Ocio

Professor de teoria econômica da Universidade de Mogi das Cruzes; e mestre em administração, com área de concentração em economia aplicada à administração, pela EAESP/FGV

1. SALÁRIOS E ORDENADOS

Não nos parece correto abordar o tema da remuneração do trabalho, a seus diversos níveis, a partir de um enfoque economicista que trata a mão-de-obra como um entre outros insumos produtivos. Na realidade, o trabalho, ao envolver pessoas, reveste-se de caráter social e sua análise deve ser enquadrada no contexto socioeconómico definido pelo modo de produção em vigor.

Assim, ao nosso sistema produtivo, fundamental-. mente capitalista, corresponderá uma estrutura de classes sociais tríplice, de acordo com a função que cada uma delas desempenha no sistema. Ã classe proprietária, corresponderão os lucros; aos trabalhadores, os salários; e à classe intermediária, cuja função prioritária é a de planejamento, administração e controle, corresponderão os ordenados.1 1 Bresser Pereira, Luiz Carlos. Estado e subdesenvolvimento industrializado. São Paulo, Brasiliense, 1977. cap. 1: Um novo modo de produção. Neste trabalho, tomamos a liberdade de usar o termo "ordenados" para indicar a remuneração da classe burocrática, entendida não como a classe tecnoburocrática dominante, no contexto do modo de produção tecnoburocrático, como a entende o Prof. Bresser Pereira, e sim concebida como classe intermediária, entre o capital e o trabalho, na evolução do capitalismo clássico para as formas oligopolistas e monopolistas atuais. Portanto, a determinação dos salários e ordenados deve ser compreendida dentro da análise de sociologia do trabalho.

No capitalismo puro, de acordo com a dicotomia clássica, salários e lucros configuravam a distribuição da renda. A posterior centralização do capital e a conseqüente divisão do trabalho aprofundaram a estratificação social e o caráter espoliativo do sistema produtivo, que para sua perpetuação exigiu a colaboração de uma classe intermediária - o burocrata, técnico ou tecnoburocrata - com a finalidade de administrar e gerir o sistema, além de velar pela manutenção dos aparelhos organizacionais convenientes. Por seus serviços essenciais recebe ordenados, remuneração superior e qualitativamente diferente dos salários.

Com a expansão do capitalismo moderno e seu grande principio inovador, a atomização do trabalho, a hierarquização de funções e sua remuneração2 2 Bacha, Edmar Lisboa. Hierarquia e remuneração gerencial. Controvérsia sobre a distribuição de renda e desenvolvimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1973. p. 126. se diversificam ao infinito.

A burocratização do modo de produção capitalista representa uma tendência natural de sua própria dinâmica interna, que é a crescente acumulação e centralização do capital, refletida na oligopolização e monopolização incontestável das economias atuais. Esta evolução significa a negação dos mecanismos de mercado do capitalismo clássico liberal, e representa uma nova e mais intensa forma de exploração do trabalho. Ora, à medida que o sistema acentuar seu caráter repressivo e espoliativo, a classe burocrática intermediária será chamada a desempenhar um papel ainda mais importante; de forma que a centralização do capital e a burocratização do sistema são apenas dois aspectos de um mesmo fenômeno.

2. DETERMINAÇÃO DOS SALÁRIOS E ORDENADOS

Primeiramente, identificaremos os diversos grupos de renda e sua funcionalidade dentro do sistema; em seguida, sua posição hierárquica; e, por último, trataremos da remuneração quantitativa de cada grupo.

A necessária polarização do sistema exige uma massa trabalhadora que produza valor, e uma minoria que, através do Estado de direito, seja proprietária dos meios de produção, e se aproprie da parcela maior desse valor. Entre ambas, uma classe intermediária com poder delegado, que administra o sistema, basicamente, em beneficio dos proprietários, e indiretamente, em benefício próprio.

Os assalariados ocupam o lugar mais baixo na estratificação social; a burocracia, posição intermediária; e os capitalistas, a cúpula do sistema. Contudo, essa distribuição não é contínua. A mobilidade social é rígida entre as diversas classes e os padrões de remuneração, como veremos, obedecem a princípios diferentes.

Em geral, os salários são determinados pelo custo de reprodução da mão-de-obra; portanto, aos trabalhadores mais qualificados, cujo custo de formação é mais elevado, corresponderão maiores salários. Ao mesmo tempo, dada sua relativa escassez, também gozarão de condições de mercado mais favoráveis. Assim, o preço de mercado do trabalho qualificado tenderá a ser mais elevado do que seu preço natural ou custo de reprodução.

Por ordenado entendemos a remuneração da classe burocrática ou tecnoburocrática. E. Bacha3 3 ______. op. cit. p. 131. utiliza o termo salários gerenciais para significar a remuneração dos gerentes, executivos e burocratas que, juntos, compõem a classe dirigente não-proprietária.

Os ordenados não dependem do custo de reprodução da burocracia. Sua determinação, de acordo com a posição hierárquica que burocratas e técnicos ocupam na escala social, própria da divisão funcional do trabalho, é basicamente arbitrária.

O poder de barganha de cada grupo de renda - trabalhadores, burocratas e proprietários - é, em definitivo, o último elemento de determinação da forma específica de distribuição da renda. Cada grupo possui elementos de pressão de intensidade bem diferente. Os assalariados são, no conjunto produtivo, o setor mais débil, pois não detêm a propriedade, nem o controle das instituições de direito. Os burocratas têm, no conhecimento técnico e na sua relativa escassez, uma grande base de apoio, além da sustentação proveniente de acordos e tráfico de influências. Sua força de reivindicação e mecanismos de pressão são bastante reais e, portanto, mais eficazes.

Dentro desse contexto, torna-se compreensível que, no período de grande expansão da economia brasileira, as classes recebedoras de ordenados tenham usufruído mais intensamente os ganhos de produtividade do que as classes trabalhadoras. Os ordenados gozaram de um crescimento mais intenso que o dos salários.

A classe burocrática aufere grande parte do excedente,4 4 Bresser Pereira, Luiz Carlos. op. cit. p. 53. por meio de ordenador que se consideram muito elevados em comparação com o padrão vigente em economias mais avançadas.5 5 Altos salários do executivo no Brasil. Jornal da Tarde. São Paulo, 7 jan. 1977. Isto, sem dúvida, tem muito a ver com o elevadíssimo grau de exploração atual do trabalho, como o provam os níveis quase de subsistência a que foram reduzidos os salários a partir dos anos 60.6 6 DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Dez Anos de Política Salarial, v. 1, n. 3, ago. 1975; Informe Estatístico, v. 3, n. 1.

Cabe, agora, identificar quais as categorias profissionais compreendidas nesta divisão funcional entre trabalhadores, burocratas e técnicos, que, do lado da renda, resulta na divisão entre salários e ordenados.

O trabalhador assalariado é aquele que, no processo produtivo direto (fábrica) ou indireto (escritório), usa apenas sua força física, destreza manual ou capacidade mental elementar. Sua tarefa, em um e outro caso, é simples e rotineira, fruto direto da atomização da atividade produtiva. Sua responsabilidade individual é, também, mínima. O trabalhador é instrumentalizado e despersonificado.7 7 Guillern, Alain & Bourdet, Ivon. Autogestão: uma mudança radical. Rio de Janeiro, Zahar, 1976. No contexto social, é o elemento explorado como produtor da riqueza que não usufrui. Seu estado de espírito caracteriza-se pela frustração quanto a sua função, salário, estabilidade e perspectivas.

O burocrata é aquele que, na divisão social do trabalho, ocupa uma função de responsabilidade, hierarquicamente separado da classe trabalhadora e que, portanto, é levado a identificar-se com os objetivos e interesses da organização.

A função do burocrata é fundamentalmente administrativa, seus padrões de remuneração obedecem a uma escala hierárquica diversificada. Com relação à remuneração do trabalho estritamente técnico, talvez a teoria do capital humano seja especialmente apropriada, pois, em geral, o técnico é remunerado em função de seu alto custo de formação profissional, além de sua relativa escassez.

Resumindo, a divisão entre salários e ordenados é principalmente sociológica, depende na estrutura do modo de produção que leva à diferenciação de funções, à estratificação social e, conseqüentemente, à apropriação desigual da renda. Estes conceitos constituem o quadro teórico geral da composição da amostra que servia de base para o estudo econométrico sobre a evolução dos salários e ordenados.

Como o fator básico para a determinação dos salários é o custo de reprodução da mão-de-obra, a qualificação técnica, que diferencia as diversas categorias profissionais, estabelecerá o padrão diferencial dos salários. Assim, os trabalhadores mais qualificados receberão salários superiores.

Com base neste pressuposto, dividimos a classe trabalhadora em dois grandes grupos, de acordo com sua qualificação profissional. No primeiro grupo, a amostra considera 27 categorias profissionais menos qualificadas, que recebem salários baixos: montador de linha, faxineiro, operador de ponte rolante, recepcionista, office-boy maior, escriturário, arquivista, ajudante de produção, etc.

No segundo grupo, que compreende os salarios médios, relacionamos 28 categorias que exigem certa qualificação, como: almoxarife, calculista de custos, desenhista mecânico, operador de máquina de contabilidade, ajustador mecânico, serralheiro, torneiro, enfermeiro, etc.

Os ordenados foram divididos também em duas classificações: os médios, que correspondem à remuneração dos burocratas do baixo e médio escalão e profissões técnicas, cuja posição hierárquica é intermediária; e os altos, próprios dos burocratas do alto escalão, que desempenham as funções executivas. Para os primeiros, a amostra compreende a remuneração de 20 cargos relativos a chefes, supervisores, encarregados, e algumas profissões técnicas, como: auditores, assistente social, analista, secretárias-executivas, instrutores, etc.

Nos ordenados altos, estão incluídas 24 posições de nível gerencial e chefias técnicas muito especializadas, isto é, o estrato superior da escala hierárquica.

3. EVOLUÇÃO DOS SALÁRIOS E ORDENADOS, DE 1969 a 1976 - ESTUDO ECONOMÉTRICO

O ponto de partida para o estudo da evolução dos salários e ordenados é a constatação empírica da diferente participação na renda das diversas categorias profissionais, tendência que apareceu com maior acentuação após a publicação dos resultados dos censos de 1960 e 1970.

Neste estudo, pretendemos abordar a evolução dos salários e ordenados pagos na indústria de transformação no período 1969-76, na região Centro-Sul do país.

Como vimos, a divisão dos grupos de renda é basicamente sociológica, de acordo com a função social de cada um na estrutura produtiva. A divisão em quatro grandes categorias - salários baixos e médios para a classe trabalhadora e ordenados médios e altos para a burocrática - é principalmente funcional, mas respeita a conceituação teórica exposta anteriormente.

A experiência nos mostra que, para cada categoria profissional - gerentes, empregados de escritório, operários fabris, etc. - existe, de fato, uma faixa de remuneração suficientemente definida dentro da qual seus ganhos podem oscilar, dependendo de muitas outras variáveis, como: tempo de serviço, destreza pessoal, setor produtivo, região, etc. Embora reconhecendo o concurso de múltiplas incidências, devemos, a título de abstração, ater-nos àquelas que consideramos principais. Assim, para a determinação dos salários, a variável principal é a qualificação profissional e, para os ordenados, a posição hierárquica do cargo.

Tomando como base o salário mínimo de 1977, Cr$ 768, estabelecemos quatro grandes divisões para efeito de análise.

1. Salários baixos: de um a quatro salários mínimos, aproximadamente.

2. Salários médios: de quatro a novesalários mínimos, aproximadamente.

3. Ordenados médios: de 10 a 20 salários mínimos, aproximadamente.

4. Ordenados altos: acima de 20 salários mínimos, aproximadamente.

3.1 Modelo teórico

Constatada empiricamente (gráfico 1) a evolução diferenciada das diversas classes de rendimentos, tentaremos definir quantitativamente algumas das variáveis mais importantes, que possam explicar as diferenças. Reconhecemos, desde já, as limitações de um modelo teórico extremamente simplificado, tanto mais que o problema da distribuição da renda não é estritamente econômico, quantificável, e sim fundamentalmente sociológicoe político.


Equação econométrica: os salários e ordenados como função de - duas variáveis independentes educação ou instrução e produtividade.

W = f (E, P) onde:

E = nível de instrução; educação escolar ou treinamento profissional.

P = índice de produtividade média por trabalhador empregado na indústria de transformação de São Paulo.

A variável E, educação ou treinamento, terá maior importância na determinação dos salários - regidos pela capacitação profissional da mão-de-obra - do que na determinação dos ordenados, dependentes da hierarquia de cargos e relações de poder da burocracia.

Com relação à variável P, produtividade, são os burocratas, justamente por sua posição privilegiada na sociedade, os que possuem os meios de auferir a maior parte dos ganhos.

Não há nenhuma boa razão para se esperar que os acréscimos de renda, provenientes de produtividade mais elevada, sejam repartidos equitativamente.

Sem dúvida alguma, o comportamento das duas variáveis condiciona a determinação dos salários e ordenados, embora não o faça de forma contínua.8 8 Bacha, Edmar Lisboa, op. cit. p. 134. O autor faz referência à descontinuidade do padrão de remuneração entre as diversas categorias profissionais, especialmente na passagem da classe trabalhadora para a classe dos executivos e burocratas, que ele diferencia.

Em termos gerais, é aceito que o nível de instrução ou treinamento profissional está diretamente relacionado com o montante dos rendimentos, embora também possa existir algum grau de colinearidade que tenderia a reduzir o poder explicativo desta variável. E será medida em anos de escolaridade formal ou treinamento profissional para cada classe de rendimentos. Será introduzida no modelo, sob a forma de variável dummy (tabela 1), tendo o efeito de deslocar verticalmente as retas de regressão correspondentes a cada uma das quatro classificações, sem, em princípio, intervir nas diferentes inclinações.

Com relação à produtividade P, partiremos dos estudos já realizados para a evolução dos índices de produtividade média de mão-de-obra no setor industrial paulista. Adotamos um índice médio estimado a partir de três outros índices de produtividade (tabela 2). Existe evidência de que os crescentes ganhos de produtividade dos últimos anos não foram uniformemente distribuídos entre os salários ordenados.9 9 DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconómicos. Critica à fórmula de cálculo. In: Dez Anos de Politica Salarial, n. 13, p. 45, ago. 1975.

Rejeitamos a teoria marginalista, segundo a qual a remuneração dos indivíduos depende da contribuição marginal de cada um para a produção total. Parece-nos totalmente inviável definir quantitativamente qual seria essa contribuição individual ou, mesmo, por grupos de trabalhadores.

A canalização dos benefícios de renda, obtidos a partir da crescente produtividade, em favor de algumas categorias profissionais, é, do ponto de vista da teoria econômica, meramente acidental e depende da orientação geral de um determinado planejamento econômico ou quaisquer outras medidas de pressão exercidas sobre o sistema.

Como veremos mais adiante, ao estudar os resultados obtidos para o modelo econométrico, as variações dos salários e ordenados dependem mais diretamente da apropriação dos ganhos de produtividade do que do nível de instrução ou treinamento.

O que pretendemos assinalar neste modelo teórico extremamente reduzido é que, entre nós, no período considerado, 1969-76, a renda gerada por significativos ganhos de produtividade no setor industrial foi distribuída de maneira muito desigual entre as quatro grandes classificações da renda do trabalho que, para efeito de análise, acabamos de estabelecer.

3.2 Evolução dos salários e ordenados de 1969 a 1976

Utilizando séries temporais de salários e ordenados, obtidas dos relatórios de pesquisas anuais da PRIL - Pesquisas em Relações Industriais Ltda., e ajustandoas por regressão linear simples, chegamos às equações representadas no gráfico 1.

Temos o tempo T como variável independente única:

Equações de regressão:

para os salários baixos: Wsh = 0,9507 + 0,0368 T

t = 0,51

S = 0,0718

R2 = 0.6474

para os salários médios: Wsm = 0,9386 + 0,0648 T

t = 0,51

S = 0,0323

R2 = 0,9657

para os ordenados médios: Wom0,9371 + 0,712 T

t = 2,22

S = 0,0320

R2= 0,9713

para os ordenados altos: w = 0,9393 + 0,1007 T

t = 2,74

S = 0,0368

R2= 0,9813

para o salário mínimo do mesmo período: Wsm = 1,0050 + 0,0025 T

Vemos que o coeficiente angular das equações é crescente a partir dos salários mais baixos. O salário mínimo de 1969 a 1976 é praticamente uma reta horizontal, de onde se deduz que os aumentos anuais de 1? de maio limitam-se exclusivamente a recompor o valor monetário dos anos anteriores, isto é, corrigir inflação, em flagrante desacordo com a fórmula oficial dos reajustes salariais, pois a evolução do salário mínimo não reflete os ganhos da produtividade (tabela 3).

O índice de correlação entre a evolução do salário mínimo e os salários mais baixos cai de 0,68 para 0,19 ao se considerar o período 1969-76, ao invés de 1969-75. O salário mínimo perde sua relativa influência sobre os salários baixos a partir da mudança de política salarial de 1974, que visa inverter a tendência de concentração de renda nos estratos mais elevados. Assim, nossos salários baixos passam a crescer mais rapidamente do que o mínimo. Não obstante, este índice de correlação poderia ser mais elevado se a classe dos salários baixos incluísse salários mais próximos do mínimo, correspondentes a profissões tais como auxiliares, meio-oficiais e outras categorias inferiores. Os salários baixos que consideramos em nossa amostra não são os mais baixos possíveis do mercado; são, contudo, os mais baixos para os quais dispomos de dados completos no período considerado, no setor industrial.

O teste t de Student revela-nos que o coeficiente angular, isto é, o parâmetro da equação de regressão para os salários baixos, ao nível de significância de 95%, não é significativamente diferente de zero; o que confirma nossa experiência de que os aumentos reais desta classe foram reduzidos, especialmente ao considerarmos o período 1969-74, quando se verificou um aumento de 2% a/a (tabela 4). Contudo, no período 1969-75 esse aumento sobe para 2,5 e para 4,6% a/a, no período completo 1969- 76. Em 1974 ocorre uma mudança na política salarial, marcada pelo acréscimo do salário mínimo da ordem de 9%. Os salários baixos experimentam, também nesse ano, aumento de 5,45% - superior à média dos anos anteriores - e um expressivo acréscimo de 18% de 1975 para 1976, responsável pela taxa de 4,6% de 1969 a 1976.

A equação dos salários médios que, segundo nossa classificação, oscilar entre Cr$ 3 mil e Cr$ 6.900,00 experimenta uma inclinação, no período, maior do que a equação dos salários baixos. Tomando os primeiros quatro anos, o acréscimo real é de 5,7% a/a. Para o período completo, 1969-76, esse aumento é de 6,2% a/a. Portanto, o aumento substancial do salário mínimo de 1974 para 1975 não afeta diretamente o comportamento dos salários médios.

A inclinação continua subindo para a equação das categorias profissionais que recebem ordenados médios compreendidos entre Cr$ 6.900,00 e Cr$ 15 mil ao mês. A taxa anual de aumento real para os primeiros cinco anos é de 5,9% a/a, ligeiramente superior à da classificação anterior.

Para o período de sete anos, essa mesma taxa sobe para 6,25% a/a. Portanto, apesar da perspectiva econômica recessiva que se configurava no final de 1974, as classes de ordenados médios e altos continuam a desfrutar de maior participação na distribuição da renda do trabalho.

Verificamos que foram os ordenados altos, entre Cr$ 15 mil e 50 mil, os que experimentam o maior crescimento real, 8,5% a/a, para cada um dos períodos de cinco, seis e sete anos (tabela 4).

Da mesma forma que nossa amostra de salários baixos não inclui categorias profissionais dos salários mais baixos possíveis, pagos na indústria de transformação da região, a mesma amostra também não abrange os ordenados mais altos, de fato vigentes entre algumas categorias de executivos.

A título de complemento informativo, incluímos a classificação dos ordenados muito altos10 10 Os dados para esta classificação foram obtidos pela Morris & Morgan Engenheiros e Consultores Associados, e elaborados pelo Prof. Eduardo Matarazzo Suplicy. com remunerações superiores a Cr$ 50 mil, isto é, acima de 70 salários mínimos. O tamanho da amostra para esta categoria é muito menor - apenas cinco posições. Os dados observados confirmam a tendência de concentração de renda no topo da pirâmide social, pois tiveram um aumento real de 8,5% a/a entre 1969 e 1974, 10,5 entre 1969 e 1975 e 11% para o período completo 1969-1976.

Pelos dados observados, poder-se-ia concluir que no período analisado houve um acréscimo no valor real dos salários11 11 Esta afirmação leva em conta os índices de custo de vida oficiais, isto é, os da FGV, normalmente superiores aos do DIEESE, que utiliza uma cesta de mercadorias diferentes, mais adaptada ao consumo do trabalhador. Reconhecemos a margem de erro que significa tratar dos salários através de um índice que pouco tem de parentesco com os mesmos. Sua utilização decorre da necessidade de uniformidade estatística para correlacionar a evolução dos diversos salários e ordenados. índices de custo de vida mais reais tenderiam a acentuar ainda mais as diferenças entre os vários tipos de remuneração. e ordenados, a partir de um nível marcado pela não-correlação com a evolução do salário mínimo, que pouco se alterou ao longo dos sete anos. O acréscimo no valor real de todos os rendimentos do trabalho - à exceção do mínimo - pode ser explicado pelo surto do crescimento global da renda, numa conjuntura econômica extremamente favorável de investimentos externos, capacidade instalada e não totalmente aproveitada e boas oportunidades para o comércio exterior.

O aspecto mais característico do processo observado é que, nesta configuração econômica extremamente favorável para o crescimento do produto nacional, tem-se acentuado a concentração da renda nas classes mais abastadas. Isto nos leva a pensar na inexistência ou insuficiência dos instrumentos de política salarial como elementos efetivos no processo da distribuição da riqueza entre os diversos grupos de renda. Ê facilmente previsível que, num mercado de mão-de-obra imperfeito - onde a demanda por elementos qualificados excede muito a oferta dos mesmos - tenda a aumentar o poder de barganha dos mais qualificados, especialmente num contexto de boom econômico. Não podemos ignorar a importância da fixação do valor nominal do salário mínimo no período, pois reflete a intenção da política salarial contida na fórmula dos reajustes concedidos anualmente no 1º de maio.

O volume de renda desviado das classes inferiores irá inevitavelmente inflar os rendimentos das classes superiores, na forma de maiores ordenados ou outras formas de apropriação do excedente.

Parece-nos, portanto, serem dois os fatores que se conjugam para explicar as diferentes evoluções dos salários e ordenados no período. Um, acidental, decorrente da imperfeição do mercado de trabalho; e outro, intencional, no sentido de comprimir os salários mais baixos. Ambos os fatores trabalham no sentido da concentração desigual da renda no topo da pirâmide social.

3.3 Modelo econométrico

Ajustando os dados observados por regressão múltipla, estabelecemos uma equação do tipo

W = B0 + B1E + B2P

cujos parâmetros serão estimados pelo método dos mínimos quadrados, obtendo-se a equação global para a determinação dos salários e ordenados. A equação estimada foi:

W = 0,0342 + 0,0750 E + 0,8080 P

t = 0,54 6,70 12,48

S = 0,0636 0,0112 0,0639

I.C. = + 0,0169 + 0,0005 + 0,0171

Sendo R2 = 0,8828

Os valores de t para os estimadores B1 e B2 são satisfatórios e ambos estatisticamente significativos, como caberia supor teoricamente.

T 0,025 = 2'045

ao nível de 5% de margem de erro B1 e B2 0

Os valores do S - desvio padrão dos estimadores - relativamente baixos, indicam a existência de baixa, percentagem de erro residual.

B0 não é estatisticamente diferente de zero ao nível de significância de 95%.

O índice de correlação múltipla de 0,94, sendo o índice de determinação de 0,8828, indica que as variáveis independentes consideradas explicam 88,28% das variações da variável dependente, os salários e ordenados, para os dados considerados.

Rew = 0,4878

Rpw = 0,8375

Rpe = 0,0752

Obviamente, a correlação entre as variáveis independentes, educação e produtividade, deveria ser nula, para que não existisse nenhum grau de dependência entre ambas. Há certa colinearidade. O que interessa destacar é que a correlação entre os recebimentos dos diversos tipos e a produtividade é maior do que a correlação dos mesmos com relação à variável educação, de onde podemos concluir que, à vista dos dados disponíveis, parece-nos ser a variável produtividade a mais estreitamente relacionada com a determinação dos salários e ordenados.

Este modelo econométrico é, evidentemente, restrito. Acreditamos que seu mérito está em conseguir captar as tendências principais que, no período analisado, 1969-76, influíram na determinação dos salários e ordenados.

Com relação à primeira variável é razoavelmente aceita a relação direta entre o número de anos de escolaridade ou treinamento e a capacitação técnica adquirida que, uma vez no mercado de trabalho, redundará em maiores rendimentos. Podemos admitir como válida esta proposição no sistema capitalista de livre empresa, inclusive para países em que a força dos sindicatos e demais associações de classe tendem a atenuar os desníveis que decorreriam da livre atuação das leis de mercado de mão-de-obra. Em geral, a maneira mais eficaz para ultrapassar as barreiras que o mercado opõe à mobilidade da mão-de-obra, de um nível de rendimentos para o imediatamente superior, é a especialização técnica via escolaridade formal ou algum tipo de treinamento específico.

Constatamos empiricamente que os profissionais detentores dos ordenados altos possuem, em geral, títulos universitários e longa experiência profissional. Verificamos, também, que as profissões técnicas e as administrativas que exigem um esforço de especialização parecido são, em geral, remuneradas no mesmo nível, como caberia supor.

A equação econométrica revela-nos algo mais surpreendente, que é a importância principal da variável produtividade na determinação global dos salários e ordenados. Como a influência da variável educação é absolutamente normal e esperada, é aqui que reside o caráter direcional da política salarial como parte de uma política econômica geral, no sentido de determinado padrão de acumulação de capital a ser implementado pelos grupos recebedores de ordenados e pelos grupos que auferem a renda do capital. Poderemos, assim, entender o índice de correlação múltipla significativamente superior da variável produtividade com relação ao montante dos salários e ordenados.

3.4 Fonte de dados

Todos os dados sobre salários e ordenados foram obtidos dos relatórios de pesquisa de salários realizados pela PRIL - Pesquisas em Relações Industriais, no período 1969-76.

Consideramos os dados como significativos para a região de São Paulo porque a maior parte das empresas consideradas se enquadrariam no setor de transformação e estão localizadas na região. Trata-se, em geral, de empresas nacionais particulares de porte médio e grande, e especialmente de capital estrangeiro. A amostra não inclui empresas estatais.

Para o ano de 1976, levamos somente em conta os dados coletados para o setor èletromecânico e não os do setor químico, que são 5,2% inferiores para a classe de ordenados altos; 0,08% inferiores para a classe dos salários e ordenados médios; e 4,4% superiores para a classe dos salários baixos.

Contudo, não seria possível estabelecer uma média entre os dois setores sem definir antes uma ponderação específica para cada setor industrial. Portanto, os dados para 76, a partir do setor èletromecânico, incluem, neste caso, certo viés. Os dados para os anos anteriores incluem amostras de ambos os setores, se bem que de diferentes tamanhos, pois o número de empresas pesquisadas foi aumentando desde 1969. Esta variação da amostra também pode ser fonte de viés, pois a amostra não é perfeitamente uniforme.

Todos os dados se referem a médias ponderadas para cada cargo numa empresa. Para o conjunto das empresas, cada valor refere-se à mediana dos valores observados para o mesmo cargo no total das empresas pesquisadas. Todos os valores foram atualizados para dezembro de 1975, usando-se os índices de custo de vida FIPE/USP.

Para obter as variações dos níveis salariais para as quatro grandes classificações estabelecidas, realizamos a normalização dos valores correspondentes a cada cargo, com base 100 para os de 1969. A tabela 3 mostra a evolução das diferentes classes de salários e ordenados, a partir dos valores def lacionados e normalizados.

Os ordenados altos incluem, além dos vencimentos nominais, os demais benefícios que normalmente a classe dos gerentes recebe em praticamente todas as empresas, tais como: prêmios diversos, pagamento de aluguel de residência, carro da empresa, seguros de vida e outros, pagamento de colégios, etc.

Outras fontes de dados foram as publicações da revista Conjuntura Econômica, da FGV, para a obtenção dos dados relativos à evolução do salário mínimo; índices de produtividade para São Paulo - para os quais a FGV, por sua vez, usa os dados da FIESP/ CIESP; índice de emprego na indústria para São Paulo; e índice do valor da produção para São Paulo.

O fato de os índices que compõem o índice de produtividade se referirem somente à região da Grande São Paulo não deve introduzir excessivo viés no modelo, pois a maior parte das empresas pesquisadas pela PRIL são as que, pela atividade, tamanho e setor, se enquadram na mesma indústria.

  • 1 Bresser Pereira, Luiz Carlos. Estado e subdesenvolvimento industrializado. São Paulo, Brasiliense, 1977.
  • 2 Bacha, Edmar Lisboa. Hierarquia e remuneração gerencial. Controvérsia sobre a distribuição de renda e desenvolvimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1973. p. 126.
  • 5 Altos salários do executivo no Brasil. Jornal da Tarde. São Paulo, 7 jan. 1977.
  • 6 DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Dez Anos de Política Salarial, v. 1, n. 3, ago. 1975;
  • Informe Estatístico, v. 3, n. 1.
  • 7 Guillern, Alain & Bourdet, Ivon. Autogestão: uma mudança radical. Rio de Janeiro, Zahar, 1976.
  • *
    Este artigo é um resumo da tese de mestrado do autor, recentemente aprovada pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas sob o mesmo título.
  • 1
    Bresser Pereira, Luiz Carlos.
    Estado e subdesenvolvimento industrializado. São Paulo, Brasiliense, 1977. cap. 1: Um novo modo de produção. Neste trabalho, tomamos a liberdade de usar o termo "ordenados" para indicar a remuneração da classe burocrática, entendida não como a classe tecnoburocrática dominante, no contexto do modo de produção tecnoburocrático, como a entende o Prof. Bresser Pereira, e sim concebida como classe intermediária, entre o capital e o trabalho, na evolução do capitalismo clássico para as formas oligopolistas e monopolistas atuais.
  • 2
    Bacha, Edmar Lisboa. Hierarquia e remuneração gerencial.
    Controvérsia sobre a distribuição de renda e desenvolvimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1973. p. 126.
  • 3
    ______. op. cit. p. 131.
  • 4
    Bresser Pereira, Luiz Carlos. op. cit. p. 53.
  • 5
    Altos salários do executivo no Brasil.
    Jornal da Tarde. São Paulo, 7 jan. 1977.
  • 6
    DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos.
    Dez Anos de Política Salarial, v. 1, n. 3, ago. 1975;
    Informe Estatístico, v. 3, n. 1.
  • 7
    Guillern, Alain & Bourdet, Ivon.
    Autogestão: uma mudança radical. Rio de Janeiro, Zahar, 1976.
  • 8
    Bacha, Edmar Lisboa, op. cit. p. 134. O autor faz referência à descontinuidade do padrão de remuneração entre as diversas categorias profissionais, especialmente na passagem da classe trabalhadora para a classe dos executivos e burocratas, que ele diferencia.
  • 9
    DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconómicos. Critica à fórmula de cálculo. In:
    Dez Anos de Politica Salarial, n. 13, p. 45, ago. 1975.
  • 10
    Os dados para esta classificação foram obtidos pela Morris & Morgan Engenheiros e Consultores Associados, e elaborados pelo Prof. Eduardo Matarazzo Suplicy.
  • 11
    Esta afirmação leva em conta os índices de custo de vida oficiais, isto é, os da FGV, normalmente superiores aos do DIEESE, que utiliza uma cesta de mercadorias diferentes, mais adaptada ao consumo do trabalhador. Reconhecemos a margem de erro que significa tratar dos salários através de um índice que pouco tem de parentesco com os mesmos. Sua utilização decorre da necessidade de uniformidade estatística para correlacionar a evolução dos diversos salários e ordenados. índices de custo de vida mais reais tenderiam a acentuar ainda mais as diferenças entre os vários tipos de remuneração.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1978
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