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A participação do empregado no lucro da emprêsa

ARTIGOS

A participação do empregado no lucro da emprêsa

Kurt E. Weil

Professor-Adjunto da Escola de Administração de Empresas de São Paulo. Departamento de Administração da Produção

"A lei de justiça social proíbe que uma classe seja pela outra excluída da participação nos lucros... Cada um deve, pois, ter a sua parte nos bens materiais e deve procurar-se que sua repartição seja pautada pelas normas de bem comum e da justiça social."

("Quadragésimo Anno", encíclica papal de S. S. o Papa Pio IX, caps. 57 e 58).

A participação dos empregados no lucro das emprêsas é determinada pela Constituição dos Estados Unidos do Brasil, embora ainda não esteja regulamentada por lei ordinária do Congresso Nacional. Deve ser submetida a participação a uma determinação governamental?

Ou deve ficar o cumprimento da determinação constitucional ao livre arbítrio da emprêsa? Procuraremos demonstrar, neste artigo, que a única so lução para a distribuição dos lucros está na livre iniciativa empresarial e que a ação do govêrno deve restringir-se-à taxação de lucros e de lucros extraordinários, facilitando a distribuição.

Assim, depois de examinarmos e conceituarmos as diferentes espécies de lucro, analisaremos as modalidades de participação de que pode fazer uso o empresário, mostrando suas vantagens e desvantagens e indicando as medidas governamentais necessárias para que seja possível a distribuição de lucros aos empregados.

O LUCRO FISCAL E A DISTRIBUIÇÃO

O lucro que provàvelmente serve de base para qualquer sistema de distribuição é o apurado em balanço, ou seja, o lucro fiscal. O conceito de lucro fiscal é cômodo, pois permite sem delongas e sem pesquisa maior a reserva de "lucros" para distribuição aos empregados, de acordo com estatutos sociais ou leis governamentais, a exemplo dos lucros "à disposição da assembléia", numa sociedade anônima. Uma diferença importante, entretanto, é que a assem bléia da sociedade anônima pode determinar que não haja, por diversos motivos, distribuição de lucros sob a forma de dividendos e que os capitais, assim acumulados, devam ser reinvestidos, se já não o tiverem sido antecipadamente, quer para permitir o aumento da produção, quer o da produtividade da emprêsa. Ainda assim, essa quan tia reinvestida consta do balanço como "lucro".

Os dividendos, nesse caso, devem ser pagos somente para as ações preferenciais. Já a distribuição indiscriminada de lucros aos empregados pode provocar grave desequilíbrio nas disponibilidades financeiras da emprêsa, muitas vêzes apesar de estar esta em situação econômica brilhante. Ademais, o lucro fiscal elevado pode caracterizar um desgaste excessivo das instalações, para atender a uma situação momentânea. Se, por exemplo, uma fábrica de cimento está localizada nas proximidades da construção de uma barragem de vulto, os pedidos que recebe durante um certo ano podem ser de tal ordem que resultem numa única alternativa: o trabalho acima da capacidade instalada.

O trabalho a 120%, por exemplo, da produção normal, pode ser conseguido pelo método da manutenção de ferida, isto é, as máquinas são empregadas sem manutenção preventiva e os consertos de manutenção de emergência são feitos para assegurar a continuidade da produção e não para prolongar a vida das máquinas. Da mesma forma, aumenta-se a temperatura interna do forno, diminuindo a vida útil de seu revestimento refratário. Tudo isso pouco importa, entretanto, porque a produção e não a economia de meios é o que, no momento, interessa.

Os moinhos ficam com suas chapas desgastadas, mas não há substituição e a parada fica para o ano seguinte. É evidente que a emprêsa terá, durante o período de atividade a 120% da capacidade, um lucro fiscal de todos os pontos de vista "extraordinário".

Grande poderá ser a participação dos empregados nesse lucro. Porém, êle será fictício. Como é fácil prever, no ano seguinte as paradas serão muito mais prolongadas, pois as máquinas deverão ser recondicionadas.

Junte-se a isso o fato de que o aumento da produção pela passagem a 120% se faz sem esforço maior da mão-de-obra e fácil será prever o que acontecerá: a emprêsa e os empregados serão prejudica dos pela eventual distribuição do lucro fiscal - a emprêsa porque terá reduzido as disponibilidades para a reconstrução de seu parque fabril; os empregados pela impossibilidade de obtenção de lucro no ano subseqüente, a não ser que a capacidade fabril fôsse restabelecida por meio de uma reserva feita no próprio lucro fiscal. O lucro fiscal das emprêsas obsoletas constitui outro problema.

Na realidade, o lucro dessas emprêsas só existe quando o mercado não está saturado. Em anos de saturação, não deve haver, de acordo com as leis econômicas dos meios marginais de produção, lucro a distribuir. Essas emprêsas de vem, então, procurar usar os anos favoráveis para se precaver contra o futuro difícil, modernizando seu parque fabril, isto é, reinvestindo todo o lucro em meios modernos de produção. A distribuição de lucros, também neste caso, seria prejudicial aos empregados, que ficariam sem em prego nos anos de crise.

LUCRO INDUSTRIAL E LUCRO APARENTE

O lucro industrial se distingue do lucro fiscal por levar em conta o valor real de substituição dos meios de produção. Para o cálculo de base de lucro permite a regula mentação do imposto de renda, no Brasil, a "reavaliação do ativo", não permitindo, porém, que a depreciação seja feita sôbre o nôvo valor de base. Exemplificando, podemos considerar o caso de uma máquina (um motor Diesel) de dez anos de vida útil, importada em 1952 a Cr$ 20, 00 por dólar e taxa alfandegária insignificante. Esta máquina estará totalmente amortizada em 1962 e o valor da amortização não aumenta, apesar de seu valor "livre", devido à reavaliação, estar bem acima do que custou em 1952.

O valor de substituição será, então, muito mais elevado, correspondendo ao valor atual do dólar (mesmo que a máquina seja fabricada no país), superior ao valor reavaliado e, evidentemente, à reserva feita para depreciação. O lucro industrial procura considerar, na parte de despesas, precisamente o custo de substituição das máquinas e poucas vêzes (a não ser sob o título de "Reserva para Contingências" ou "Reserva Geral") consta dos balanços fiscais das emprêsas.

O lucro industrial é, por sua própria natureza, confidencial ou de conhecimento restrito. As sim, não seria possível, salvo através de oficialização (o que viria contra sua natureza), seu uso para a distribuição de lucros aos empregados. Que é, por outro lado, o lucro aparente? Se, por exemplo, uma emprêsa em péssimo estado econômico e financeiro tem a "felicidade" de ser atingida por um incêndio destruidor, o pagamento da seguro e mais a redução da fôlha de pagamento pela dispensa de grande percentagem dos operários dão, ao final do ano, um lucro de balanço que, na realidade, é um lucro aparente. Assim também, diversas emprêsas de aviação em regime deficitário tiveram a diferença entre lucro e prejuízo coberta pela queda ou destruição fortuita de uma aeronave. Outra espécie de lucro aparente é aquela que provém da venda dos meios de produção.

Como exemplo, podemos citar a venda de aviões DC-3, já completamente depreciados, e de máquinas têxteis de 1925. É possível, neste caso, evitar a distribuição, bastando que não se considere para essa finalidade qualquer lucro que esteja na demonstração de lucros e perdas sob o item "Outros rendimentos". Em todos os casos citados acima, o lucro é desfigurado pelo fenômeno da inflação. O lucro industrial e o lucro aparente serão, então, resultado somente dêsse fenômeno? Ao tentar responder, devemos lembrar, em primeiro lugar, que a tendência de tôdas as moedas, quase sem exceção, desde a época do Império Romano, é de aviltamento; e, em segundo, que novas descobertas tornam obsoletas velhas máquinas e sistemas de produção, algumas vêzes com velocidade impressionante.

Portanto, se o lucro industrial não é influenciado pela eventual desvalorização da moeda, o é, entretanto, pela obsolescência do processo. E essa obsolescência não é exclusiva do regime capitalista de concorrência: é própria de tôda tecnocracia, pois significa produção por custo maior, seja êste medido em dólares ou homens-horas, em duração ou qualidade. De vez que homem-hora pode ser mercadoria tão escassa num país capitalista quanto num socialista, a manutenção de um sistema ultrapassado pela técnica diminui o lucro no primeiro caso e o produto à disposição do povo no segundo.

COMO E QUANDO DISTRIBUIR?

A distribuição de lucros é, por sua própria natureza, limitada pelo período de apuração contábil (qualquer que seja êle), o que significa que pode ser feita uma vez por ano, referindo-se ao ano anterior, com um atraso de dois a quatro meses em relação ao mês de fechamento do balanço. Uma série de observações feitas, sobre a matéria, pelos mais diversos autores, pode aqui ser resumida em duas regras:(1 (1 ) Alford, Production Handbook, Ronald Press, 1953; Ireson & Grant, Handbook of Industrial Engineering and Management, Prentice Hall, 1955; Bloch, Arbeitsbewertung, Verlag Ind. Organisation, Zurich, 1959; Armstrong, Incentive and Quality, Chapman & Hall, 1950. )

1. Quanto mais afastado estiver o pagamento de um incentivo do ato que o deve provocar, tanto menor será o estímulo dêle resultante, exceto em casos de nível salarial e/ou educacional acima da média.

2. A utilidade econômica da participação nos lucros só é assegurada se o nível mensal de salário estiver acima do nível de subsistência.

Somos a favor da participação como incentivo para maior produtividade. A classe operária, entretanto, que seria a mais beneficiada, é precisamente aquela que se enquadra na regra 1. Podemos citar, como exemplo interessante, o caso de uma emprêsa paulista que foi atingida por um devastador incêndio. Por esforços inauditos, operários e mestres conseguiram debelar as chamas, reconstruir a emprêsa, trabalhar em desconforto muitas vêzes, até que se tivesse normalizado a situação. Naquele ano, a emprêsa não teve lucro, mas prejuízo. Entretanto, ainda assim, distribuiu uma "gratificação" aos operários. O que teria acontecido se a distribuição fôsse obrigatória? Apesar de seus grandes esforços, os operários nada teriam recebido naquele ano, e esta ausência de incentivo teria certamente prejudicado a reputação da emprêsa junto a êles. Na realidade, os anos lucrativos são, muitas vêzes, aquê les em que a conjuntura se mostra favorável, o oposto acontecendo quando a concorrência aumenta. No entanto, é exatamente nos anos difíceis que deve ser pedido o esforço máximo dos operários. Que dizer-lhes, então? Que não haverá lucro, de maneira alguma, mas se não se es forçarem mais haverá prejuízo?

Que resultados isso traria? Quanto à regra 2, a demonstração é axiomática: o funcionário que espera uma certa quantia como participação no fim do ano e necessita, para sua subsistência, de quantia maior do que aquela que está ganhando como salário-base, fará dívidas. Ao receber sua parcela de lucros já a terá absorvido.(2 (2 ) Isto é contrário ao que preconiza a Encíclica "Quadragésimo Anno" em seu cap. 61, onde se lê: "É, pois, necessário empregar energicamente todos os esforços para que, ao menos de futuro, as riquezas granjeadas se acumulem em justa proporção nas mãos dos ricos e, com suficiente largueza, se distribuam pelos operários; não para que estes se dêem ao ócio - já que o homem nasceu para trabalhar como a ave para voar - mas para que, vivendo com parcimônia, aumentem os seus haveres" "e livres, assim, de uma condição precária e incerta qual é a dos proletários, "... "deixem ainda por morte alguma coisa aos que lhes sobrevivem". ) A formação de pecúlio, a possibilidade de comprar bens imóveis ou fazer aquisições maiores somente é dada pela participação nos lucros quando o salário é suficiente para atender às necessidades básicas.(3 (3 ) Da Encíclica Papal "Mater et Magistra" se extrai (caps. 65 a 69) que o salário não pode ficar completamente abandonado às leis do mercado, mas sim deve satisfazer este nível fundamental de subsistência condigna. ) Sadiamente orientado, procura o Govêrno brasileiro as segurar pelo salário-família e pela fixação do salário mínimo a satisfação dessas necessidades. Ao mesmo tempo, as emprêsas estão interessadas em manter alto nível de satisfação de seus empregados, pois sabem que somente assim é possível ter produtividade e poder aquisitivo ele vados. Essa satisfação deve provir do salário e a participação nos lucros tem de ser considerada como uma liberalidade sôbre a qual somente a emprêsa deve decidir.

PARTICIPAÇÃO POR DIVIDENDOS E POR DISTRIBUIÇÃO DE AÇÕES

Mencionaremos abaixo algumas das formas pelas quais as emprêsas têm procurado resolver o problema da distribuição de lucros. Podemos citar o exemplo de uma emprêsa norte-americana que procura assegurar a participação nos lucros pela distribuição aos funcionários da mesma quantia que distribui aos acionistas. O critério por ela utilizado é o de antiguidade e montante de salários, isto é, a pessoa altamente assalariada mas de poucos anos de casa recebe menos do que o simples servente que trabalhe há muitos anos na emprêsa. Esta participação por dividendos não exige que operários e demais funcionários sejam acionistas da emprêsa.(4 (4 ) A participação por ações é, entretanto, considerada desejável pela Encíclica "Mater et Magistra", onde se lê: (cap. 72) "Não podemos deixar de aludir ao fato de que, hoje, em muitas economias, as médias e grandes em prêsas conseguem com freqüência aumentar rápida e consideravelmente a capacidade produtiva por meio de autofinanciamento. Nestes casos, cremos poder afirmar que aos trabalhadores se deve reconhecer um título de crédito nas emprêsas em que trabalham, especialmente se ainda lhes toca uma retribuição não superior ao salário mínimo." (Onde está "título de crédito nas em prêsas" é possível reconhecer o caráter de ação - provavelmente preferencial, mas também ordinária - da sociedade anônima.) )

Por outro lado, não cremos que a solução no futuro próximo esteja na distribuição de ações das emprêsas aos funcionários - especialmente aos de nível menos graduado -, no Brasil. Na realidade, mesmo num país socialmente avançado como a Alemanha, no "Mitbestimmungsrecht" ("coparticipação na administração") adotado logo após a Segunda Grande Guerra, em Bonn, não se incluiu a participação dos empregados nas ações das emprêsas.

Assim também, a distribuição ao povo das ações das emprêsas que estavam incorporadas ao patrimônio da União Federativa ("Bundesrepublik"), tais como a "Volkswa genwerke" (fábrica de carro Volkswagen) foi feita em moldes de capitalismo socializado, isto é, as ações foram vendidas em prestações e com descontos especiais aos me nos favorecidos, de acordo com seu salário. O número de ações que podia ser comprado era limitado. A ação, assim distribuída, era chamada "Volks-Aktie", isto é, ação do povo, não podendo ser vendida dentro de certo prazo por quem dela tivesse obtido benefícios. Era uma ação ordinária, com direito a voto.(5 (5 ) Prospecto de lançamento da "VW-Aktie". )

Nos Estados Unidos, o "capitalismo do povo", isto é, a existência de dinheiro-economia acima do nível de subsistência e satisfação de necessidades primárias tornou possível induzir o povo a uma poupança à prova de inflação, ou seja, a um investimento dos assalariados nas emprêsas em geral, tanto naquelas em que trabalham quanto em outras.(6 (6 ) Para o norte-americano, poupança à prova de inflação é aquela em que há valorização da ação decorrente do aumento do valor dos bens da empresa e de sua capacidade de lucro, e não do dividendo distribuído. )

Os sindicatos americanos, de início, não viram com bons olhos essa tendência e assim, por exemplo, uma proposta feita pela "Ford" para distribuição de ações foi rejeitada pelo "Sindicato da Indústria Automobilística" em 1954, para grande pesar de todos os associados. Os motivos da recusa, entretanto, eram interessantes e se aplicavam a tôdas as situações em que o Sindicato tivesse de tratar com operários-acionistas:

(a) o operário tornar-se-ia coproprietário e, assim, procuraria aumentar o lucro da empresa ao máximo, evitando tôda ação que o prejudicasse, mesmo que fôsse no interêsse do Sindicato;

(b) a identificação do operário com a emprêsa e seus dirigentes faria desaparecer as próprias razões da existência do Sindicato.(7 (7 ) Devemos esclarecer que o pesar atual dos operários se deve à valorização das ações. Por outro lado, os altos salários, o capitalismo do povo e outros fatores têm provocado, nos Estados Unidos, a diminuição progressiva do número de sócios dos sindicatos operários, de acordo com informações da revista "Time". )

Do ponto de vista do empresário, o operário-acionista representaria um grupo de pressão que poderia, com certeza, trabalhar para que os reinvestimentos fossem pagos em dividendos em dinheiro. Isso, entretanto, seria somente o início da ação dos operários que, logo a seguir, desde que fossem portadores de ações ordinárias, procurariam eleger representantes seus para a diretoria.(8 (8 ) Neste particular, entretanto, a experiência alemã demonstra que o operário colocado na posição de diretor de emprêsa, após breve período, co meça a pensar como empresário, esquecendo seus eleitores. A razão para isto é clara: se o operário eleito para defender o valor das ações de seus colegas não agisse dentro das regras de boa administração, então a emprêsa começaria a perder substância e os acionistas seriam prejudicados. )

No Brasil, haveria necessidade de certas modificações na lei das sociedades por ações para ser possível que a emprêsa comprasse de volta as ações dos operários que a deixassem, pois, do contrário, a mesma teria de emitir ações constantemente para poder atender aos novos operários.

Outra dificuldade a ser apontada neste tipo de distribuição é a diferente rentabilidade das emprêsas. Assim, qual seria o operário que procuraria emprêgo numa emprêsa em que as ações tivessem um máximo de dez por cento de dividendos anuais, como as estradas de ferro? Estas não encontrariam mais mão-de-obra, pois todos procurariam renda garantida nas suas ações, o que atrasaria ainda mais o serviço público em relação às indústrias mais rendosas.

Se, ao contrário, fôsse fixado um máximo de dividendos para as ações de indústrias de todos os ramos, o operário-acionista não mais consideraria a ação como participação no lucro da emprêsa, mas simplesmente como uma forma de pagamento indireto de salário.

DISTRIBUIÇÃO POR AVALIAÇÃO DE MÉRITO

Êste sistema, que é o empregado por uma grande emprêsa nacional de petróleo, é também usado na Inglaterra nas emprêsas nacionalizadas.(9 (9 ) Armstrong, op. cit., pgs 91 a 95. ) Por êle se procura retribuir não só a simples presença física e operacional do empregado, mas também a ação dêste em benefício da emprêsa como um todo, benefício êsse que é medido pela avaliação de mérito.

Assim, a companhia citada distribui parte dos lucros, antecipadamente (antes de feita a avaliação de mérito), na época do Natal (dez por cento do salário anual, usual mente), deixando o restante para ser distribuído no ano seguinte, de acordo com a avaliação de mérito (vide Anexo 1).

Qualquer distribuição por avaliação de mérito, entretanto, introduz o elemento "preconceito" e, conseqüentemente, é recebida por parte dos funcionários (naturalmente dos menos favorecidos) com profundas suspeitas. Realmente, é inevitável o aparecimento do efeito "deslumbramento" em qualquer avaliação subjetiva de mérito.(10 (10 ) Por "deslumbramento" se entende o reflexo de uma ou duas boas ou más características ou ações sôbre as demais. Por exemplo, ao engenheiro eficaz, que entrega a produção, perdoam-se todas as demais falhas, devido ao deslumbramento. )

Já a avaliação objetiva, que é baseada em dados consubstanciados em relatórios, boletins de produção e outros do cumentos, pode provocar um espírito de competição interna, na emprêsa, que irá desde a exploração ao máximo das máquinas - com negligência da manutenção - até o roubo de idéias.

Por êstes motivos, vemos sem muito entusiasmo o uso, para esta finalidade, de um sistema baseado em mérito: no primeiro caso, vimos que nenhum sistema de mérito é perfeito; no segundo, a competição interna pode tornar se prejudicial à emprêsa como um todo. Somos de opinião, portanto, que a avaliação deve, no máximo, servir para fins de promoção, já que para isso ela costuma ser feita, consciente ou inconscientemente.

DISTRIBUIÇÃO PELO LUCRO DE PRODUÇÃO

Sabemos que há, no Brasil, diversas emprêsas que distribuem, atualmente, percentagens do lucro apurado sôbre o custo de produção para seus operários ou técnicos graduados.

Neste caso, depois de apurado o custo de produção no fim do mês, é calculado o valor de venda da produção como se estivesse tôda vendida aos preços correntes e apurado um hipotético "lucro de produção", que serve como base mensal para a distribuição de uma percentagem de "participação no lucro de produção".

Êste sistema é multiplamente prejudicial à emprêsa, pois induz a uma produção desordenada, para que o lucro seja máximo - possa essa produção ser ou não vendida - e provoca falta de iniciativa de economia na época em que a emprêsa dela precisa, isto é, quando, por ordem superior, a produção fôr diminuída porque as vendas diminuíram. Nesta hipótese, a secção de produção culpará a de vendas pela falta de participação nos lucros. Sendo as vendas baixas, haverá, ainda, a tendência de abaixar o preço, com conseqüente diminuição da participação no lucro de produção. E, por último, diminuindo os ganhos, faltará incentivo para o esforço extraordinário que se faz necessário justamente na época de vendas baixas.

Além disso, sendo o lucro o resultado de um período, não deve e não pode ser distribuído mais vêzes do que o período a que se refere. Pelos motivos expostos em parágrafos anteriores, pode e deve haver uma distribuição de lucros por ano. A distribuição em períodos de diferentes durações parece-nos, portanto, artificial.

DEFEITOS DE PARTICIPAÇÃO RIGIDAMENTE DETERMINADA

Suponhamos que haja três empresas trabalhando no mesmo ramo - de fechaduras, por exemplo. A emprêsa A possui máquinas modernas, automáticas, tendo a mesma produção que B e C mas somente 300 operários, ao passo que B tem 400 e C 500. Suponhamos, ainda, que os produtos que essas três emprêsas produzem sejam equivalentes em qualidade e que os encargos financeiros de A, devido à automatização, sejam superiores aos de B e C, mas não o suficiente para tirar de A uma margem de lucro maior do que a destas. Tendo estas três firmas sua produção vendida e os mesmos custos administrativos e de venda, estabelecemos, por hipótese, que seus operários percebem salários fixos iguais.

Podemos supor, portanto, que a participação no lucro para um operário de A seja de 20% sobre seu salário presente por ano; para um de B de 12% e de C de 8%. Neste caso, o salário total do operário de A será sempre superior ao de B e C, sendo a relação entre os salários em A, B e C de 120:112:108.

Assim, o operário que mude de C para A pode contar com um aumento de 11 % em seu salário total. O resultado dêste fenômeno é óbvio: as emprêsas menos produtivas perderiam seus homens mais eficientes para as mais produtivas, de maior lucro, o que diminuiria ainda mais sua capacidade de concorrer.(11 (11 ) Mesmo sem publicidade, a divulgação da diferença teria rapidez surpreendente. )

Êste resultado, provavelmente indesejado, só poderia ser evitado se, desde o início, B e C pagassem salários fixos mais elevados do que A. Mas pagando A salário igual às demais, por conseqüência da hipótese inicial, só seria possível modificar a situação através da incorporação da participação nos lucros ao salário fixo do operário. Isto seria absurdo, pois não só provocaria o declínio das emprêsas marginais, como também faria com que a participação deixasse de ser pecúlio extra, para tornar-se simples fator de equilíbrio salarial entre emprêsas. Pior, ainda, é o defeito da participação rígida quando as emprêsas pertencem a ramos diferentes de atividades. Indústrias ou emprêsas comerciais com baixo índice de lucro ficariam somente com a classe mais baixa de funcionários, pois os mais capazes teriam interêsse em mudar para as emprêsas de lucro elevado. Assim, para somente dar um exemplo, a indústria química, com alto índice de lucro, atrairia os bons empregados de escritório de indústrias de baixo lucro - como, por exemplo, das fiações. Outra falha do sistema de distribuição rígida, fixada em lei, é a trazida pela existência de emprêsas "holding" - legais em si - que diminuem o lucro.

MEDIDAS GOVERNAMENTAIS DE INCENTIVO À DISTRIBUIÇÃO

Por tôdas as razões apontadas acima, quer-nos parecer que a melhor forma de distribuição está na livre iniciativa da emprêsa privada, auxiliada por medidas governamentais que a propiciem e estimulem.

Assim, sabemos que a regulamentação do imposto de renda permite, atualmente, no Brasil, o máximo de paga mento a empregados igual a três vêzes o maior salário mínimo vigente no país a título de bonificação, gratifica ção ou participação nos lucros. As quantias superiores são taxadas. Para evitar fraudes; como a atribuição de quantias que não tenham sido realmente pagas a pequenos funcionários, esta medida é plenamente justificada. A participação nos lucros exige, entretanto, a não ser que fique limitada de antemão, que a emprêsa tenha o direito de considerá-la como uma despesa real de seu funcionamento.

Outra medida possível, porém mais discutível, seria a que considerasse livre de imposto de renda e de taxação dos institutos de aposentadoria a quantia paga sob o título de "participação nos lucros".

Seria ainda necessário que houvesse modificações e adaptações em leis atuais ou em andamento no Congresso Nacional para que as emprêsas tivessem possibilidade de considerar reinvestimentos de lucros como aumentos de capital que, transformados em ações, pudessem ser distribuídos nessa qualidade para a participação nos lucros - já que é intenção do govêrno diminuir o pagamento de dividendos pela aplicação do lucro da emprêsa no aumento do próprio capital ou em ações de indústrias de base (Projeto n.º 325/61 de 1961 do Executivo que altera a Lei 2.862 de 4/9/5 6 e disciplina a aplicação de capitais por meio de imposto de renda) dando benefícios na taxação.

Haveria, também, necessidade de modificar ou adaptar a Consolidação das Leis do Trabalho, para que a participação pudesse ser paga parcial ou integralmente em ações (espécie) em vez de em moeda corrente do país, como o salário.

Deveria haver, ainda, permissão para que as emprêsas pudessem comprar na Bôlsa de Valores ações suas, mantendo-as em caixa (sem direito a voto) para eventual distribuição aos operários, se tal procedimento fôsse considerado como o método mais interessante de participação e não houvesse emissão de ações novas para tal fim.

Finalmente, deveria haver determinação sôbre a natureza da participação em suas relações com o conceito de irredutibilidade salarial, o cálculo de indenização e outros aspectos legais correlatos.

CONCLUSÕES

É desejável que, num sistema capitalista de livre iniciativa, haja participação dos funcionários das emprêsas nos lucros por elas obtidos. Pela natureza do sistema, esta participação deve ser deixada ao arbtrio de cada emprêsa, encorajando o govêrno, por meio de vantagens fiscais e medidas contra o lucro excessivo, não reinvestido, a distribuição de certa percentagem dos lucros.

É natural que, dependendo do ramo a que pertençam, terão as emprêsas industriais ou comerciais menor ou maior lucro. É também natural, entretanto, que a distribuição de parte dos lucros aos funcionários provoque um aumento de salários nas emprêsas de baixo lucro (ferrovias, por exemplo) que lhes permitam manter seus funcionários.

Medidas governamentais que visassem a uma uniformização nacional de lucros retirariam, tanto dos empresários, quanto dos operários, o incentivo à obtenção de alto lucro, conduzindo, em conseqüência, ao desperdício e, posterior mente, à socialização.

Quando todos os meios de produção, num regime socialista, estão nas mãos do govêrno e, por meio dêle, nas mãos do povo, o lucro deve ser mínimo, desaparecendo a distribuição. Por êsse motivo é que não houve necessidade de considerar, numa análise como esta, a distribuição de lucros num regime integralmente socialista.

Já no regime capitalista, quando algumas emprêsas per tencem ao estado total ou parcialmente, ao mesmo tempo que outras a particulares, a distribuição dos lucros pode ser incentivo para os empregadores de ambos os tipos de emprêsa, verificando-se, no livre equilíbrio da oferta e procura que, muitas vêzes, tanto o operário quanto o empregado graduado preferem a certeza de um bom salário a um salário inferior com eventual distribuição dos lucros no fim do período anual.

Se houvesse rigidez total na exigência da distribuição e na taxa de lucros a ser distribuída, o resultado seria ou uma desorganização no mercado de trabalho ou uma avalanche de regulamentos, determinações regionais, industriais e comerciais, que acabariam por modificar a rigidez inicial e por custar ao país provàvelmente mais um instituto burocrático. Temos, portanto, plena confiança no espírito cristão dos empresários e na ação do govêrno que, através de medidas sábias, pode encorajar a tão desejada participação nos lucros, evitando o perigo da fixação rígida.

ANEXO I

MÉTODO DE CÁLCULO DE PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS

Empregados: A, B, C e D - Lucro a distribuir: Cr$ 400.000, 00

O salário do ano-base é transformado em ponto-salário pela divisão por um número conveniente qualquer. Aqui escolhemos 1000. A soma dos pontos-salários dos 4 empregados deu 2000 pontos. É evidente que temos Cr$ 400.000, 00 a distribuir proporcionalmente aos salários recebidos. Então, dividimos Cr$ 400.000, 00 por 2000 para obter o valor do ponto-salário em lucro a distribuir.

Cr$ 400.000, 00 / 2000 = Cr$ 200, 00

Cada ponto salário corresponde, portanto, a Cr$ 200, 00 de lucro a distribuir. Multiplicando, no caso de A, 720 pontos por Cr$ 200, .00, observamos que:

e que a soma das quantias distribuídas é igual a Cr$ 400.000, 00. Considerando como variante do sistema a distribuição por mérito:

Suponhamos que, no caso anterior, haja na emprêsa um sistema de notas de O a 10 para os funcionários, sendo 10 atribuída ao desempenho ótimo.

Para obter o ponto-salário se procede como acima, dividindo por 1000. Em seguida, multiplica-se pelo número de pontos de mérito. Fazendo a soma de pontos de mérito-salário, encontramos 13.860. Dividimos Cr$ 400.000, 00 por 13.860 e achamos o valor do ponto-salário-mérito em lucro a distribuir: Cr$ 28, 90 (arredondado para 3 algarismos). Procedendo outra vez como acima, achamos que A deve receber 3.600 X Cr$ 28, 90 = Cr$ 104.000, 00.

  • 1
    (1) Alford, Production Handbook, Ronald Press, 1953;
  • Ireson & Grant, Handbook of Industrial Engineering and Management, Prentice Hall, 1955;
  • Bloch, Arbeitsbewertung, Verlag Ind. Organisation, Zurich, 1959;
  • Armstrong, Incentive and Quality, Chapman & Hall, 1950.
  • (1
    ) Alford,
    Production Handbook, Ronald Press, 1953; Ireson & Grant,
    Handbook of Industrial Engineering and Management, Prentice Hall, 1955; Bloch,
    Arbeitsbewertung, Verlag Ind. Organisation, Zurich, 1959; Armstrong,
    Incentive and Quality, Chapman & Hall, 1950.
  • (2
    ) Isto é contrário ao que preconiza a Encíclica "Quadragésimo Anno" em seu cap. 61, onde se lê: "É, pois, necessário empregar energicamente todos os esforços para que, ao menos de futuro, as riquezas granjeadas se acumulem em justa proporção nas mãos dos ricos e, com suficiente largueza, se distribuam pelos operários; não para que estes se dêem ao ócio - já que o homem nasceu para trabalhar como a ave para voar - mas para que, vivendo com parcimônia, aumentem os seus haveres" "e livres, assim, de uma condição precária e incerta qual é a dos proletários, "... "deixem ainda por morte alguma coisa aos que lhes sobrevivem".
  • (3
    ) Da Encíclica Papal "Mater et Magistra" se extrai (caps. 65 a 69) que o salário não pode ficar completamente abandonado às leis do mercado, mas sim deve satisfazer este nível fundamental de subsistência condigna.
  • (4
    ) A participação por ações é, entretanto, considerada desejável pela Encíclica "Mater et Magistra", onde se lê: (cap. 72) "Não podemos deixar de aludir ao fato de que, hoje, em muitas economias, as médias e grandes em prêsas conseguem com freqüência aumentar rápida e consideravelmente a capacidade produtiva por meio de autofinanciamento. Nestes casos, cremos poder afirmar que aos trabalhadores se deve reconhecer um título de crédito nas emprêsas em que trabalham, especialmente se ainda lhes toca uma retribuição não superior ao salário mínimo." (Onde está "título de crédito nas em prêsas" é possível reconhecer o caráter de ação - provavelmente preferencial, mas também ordinária - da sociedade anônima.)
  • (5
    ) Prospecto de lançamento da "VW-Aktie".
  • (6
    ) Para o norte-americano, poupança à prova de inflação é aquela em que há valorização da ação decorrente do aumento do valor dos bens da empresa e de sua capacidade de lucro, e não do dividendo distribuído.
  • (7
    ) Devemos esclarecer que o pesar atual dos operários se deve à valorização das ações. Por outro lado, os altos salários, o capitalismo do povo e outros fatores têm provocado, nos Estados Unidos, a diminuição progressiva do número de sócios dos sindicatos operários, de acordo com informações da revista "Time".
  • (8
    ) Neste particular, entretanto, a experiência alemã demonstra que o operário colocado na posição de diretor de emprêsa, após breve período, co meça a pensar como empresário, esquecendo seus eleitores. A razão para isto é clara: se o operário eleito para defender o valor das ações de seus colegas não agisse dentro das regras de boa administração, então a emprêsa começaria a perder substância e os acionistas seriam prejudicados.
  • (9
    ) Armstrong, op. cit., pgs 91 a 95.
  • (10
    ) Por "deslumbramento" se entende o reflexo de uma ou duas boas ou más características ou ações sôbre as demais. Por exemplo, ao engenheiro eficaz, que entrega a produção, perdoam-se todas as demais falhas, devido ao deslumbramento.
  • (11
    ) Mesmo sem publicidade, a divulgação da diferença teria rapidez surpreendente.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Ago 1962
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