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O empresário e a inflação brasileira

ARTIGOS

O empresário e a inflação brasileira

Raimar Richers

Professor-Adjunto, Departamento de Mercadologia, e Chefe do Centro de Pesquisas e Publicações da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo

Se fôr aceitável a hipótese de que nosso industrial considera a inflação como algo inevitável ou até necessário, é lícito afirmar-se que sua influência sobre o processo de desvalorização monetária seja considerável.

Desde o mais modesto dos operários ao mais influente dos homens públicos, a inflação atinge e aflige a nação brasileira. É ela o mais "sentido", discutido e controvertido dos fenômenos de ordem econômica.

Nestas condições, qualquer tentativa de análise fria e objetiva da inflação é fàcilmente dificultada pelos efeitos que o aviltamento da moeda produz no âmbito de nossas atividades, experiências e perspectivas pessoais. Ademais, não dispomos de elementos que possam servir de padrão para medir o grau de influência que ela exerce sobre o desenvolvimento econômico do Brasil, pois praticamente desconhecemos situações em que o país tivesse progredido consideravelmente na ausência de inflação. Sabemos, apenas, da possibilidade de haver coexistência entre uma elevada taxa de crescimento econômico e um alto grau de depreciação monetária.

Ao que parece, a opinião pública brasileira e, particularmente, a da classe empresarial, tem sido grandemente influenciada por essa coexistência, a ponto de atribuir o progresso econômico dos últimos anos à incidência da inflação. Isto, por sua vez, deve ter contribuído substancial mente para modificar as atitudes do empresário, de modo a influenciar o próprio processo inflacionário.

Propomo-nos, neste artigo, a analisar esta atitude, baseando-nos em resultados parciais de uma pesquisa recente(1 (1 ) Conduzida entre executivos de 136 indústrias brasileiras, visando a investigação dos opiniões e atitudes do empresário quanto à ação do governo no tocante ao desenvolvimento econômico. O trabalho foi contratado pelo "Center for International Affairs" da Universidade de Harvard e realizado por um grupo de professores da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo sob coordenação geral do autor e coordenação técnica do Professor Claude Machline. Dentro em breve serão publicados os resultados gerais do inquérito. Alguns pormenores sôbre a metodologia utilizada neste projeto poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Governo" no presente número da Revista de Administração de Emprêsas. ) a fim de demonstrar que nosso administrador de emprêsas constitui um elemento-chave na evolução do processo inflacionário brasileiro e que êste poderia ser substancialmente modificado, caso o administrador se dispusesse a reavaliar sua atitude e ação direta sôbre o mercado.

ADVERSÁRIOS...

No Brasil, a inflação tem encontrado defensores dos mais entusiastas e críticos dos mais severos, inclusive entre os economistas profissionais. Esta divergência de interpretações tem certamente contribuído para confundir a opinião pública, a ponto de permitir a abertura de caminhos fran camente desfavoráveis aos interêsses econômicos e sociais do país.

Se se fizesse um levantamento estatístico das opiniões de grandes economistas a respeito da inflação, notar-se-ia, provavelmente, que apenas um número restrito de peritos se declara a seu favor, sobretudo nos países altamente industrializados. Também para os governos dêsses países a prevenção dos efeitos da depreciação monetária repre senta um princípio inabalável da política financeira, po dendo, para tal, contar com o apoio da grande maioria da população. Nestas condições, não nos causou surprêsa o fato de que muitos dos executivos de companhias norte-americanas, consultados em um inquérito paralelo ao nosso e realizado nos Estados Unidos, tivessem apontado a inflação como o principal obstáculo às operações de emprêsas subsidiárias no Brasil.(2 (2 ) L. Gordon, "Incentivos aos Investimentos Americanos no Brasil", Revista de Administração de Empresas, vol. 1, n.º 3, F. G. V., janeiro/abril 62. )

Contrariamente àquilo que se observa no Exterior, as opiniões de nossos economistas sôbre os efeitos da inflação estão bastante divididas. Para EUGÊNIO GUDIN, por exemplo, o combate à inflação sempre significou um - senão o principal - marco de sua longa carreira profissional.(3 (3 ) Vide sobretudo: E. Gudin, Inflação, Crédito e Desenvolvimento, livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1956. ) Já CELSO FURTADO argumenta, com igual brilhantismo, a favor dos "dois lados do processo inflacionário".(4 (4 ) C. Furtado, Formação Econômica do Brasil. Editora Fundo de Cultura S.A., Rio de Janeiro, 1959, capítulo XXXV. )

O que mais impressiona nestas discussões é o fato de que os adversários e partidários da inflação operam pràticamente com os mesmos argumentos, apenas dando-lhes interpretações diversas. Em essência, êsses argumentos giram em tôrno de dois aspectos: um relacionado com a formação de capitais, outro com os efeitos sociais da inflação.

Os adversários da inflação alegam ser ela prejudicial ao desenvolvimento econômico, por desencorajar a poupança, desanimar o investimento estrangeiro, distorcer os investimentos domésticos (a favor de estoques e/ou imóveis em vez de bens de produção) e encorajar a fuga de capitais.(5 (5 ) G. Haberler, "Inílation and Economic Development", em: Contribuições à Análise de Desenvolvimento Econômico, Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1957, págs. 177, 187. ) Como efeito secundário, êstes obstáculos à for mação de capital provocariam uma redistribuição da renda nacional a favor da classe alta, prejudicando a classe média e o operariado, o que intensificaria o processo de despoupança, além de provocar o intervencionismo esta tal, o controle de preços e a corrupção política e moral.

... E PARTIDÁRIOS DA INFLAÇÃO

A maioria dos adeptos da inflação não nega que esta possa produzir alguns dêsses efeitos ou mesmo todos êles. Ale gam êles, contudo, que isto traria benefícios à economia, particularmente quando há uma baixa formação de capital a obstruir o desenvolvimento. Acima de tudo, a inegável redistribuição e maior concentração da renda nacional na mão dos empresários provoca efeitos semelhantes à poupança forçada, por uma ou mais das seguintes razões: (a) a propensão marginal a poupar e investir cresce com o aumento da renda dos empresários, porque as pessoas mais ricas tendem a utilizar uma taxa crescente de sua renda em investimentos e uma taxa inferior no consumo, sempre que seus rendimentos sejam incrementados; (b) o receio de perder a "substância" de seus rendimentos em dinheiro leva os indivíduos a aplicá-los o mais rápidamen te possível em bens reais, o que aceleraria o processo de investimentos; (c) as expectativas de um considerável rendimento do capital aplicado em inversões aumenta com a inflação, pois enquanto os preços dos bens sobem e o dinheiro se desvaloriza, conservar-se-ia o valor real dos investimentos.

Muitos dos partidários da inflação admitem, também, que a desvalorização monetária e a redistribuição da renda seja prejudicial às classes média e operária. Na sua opinião, contudo, êste efeito seria apenas de ordem passa geira, pois com a aceleração dos investimentos, aumentaria também a procura pela mão-de-obra, da qual a grande maioria da população poder-se-ia beneficiar a médio ou longo prazo.

Cabe acrescentar, ainda, que dentre os autores que advo gam a inflação, vários apontam um - ou ambos - dos seguintes argumentos limítrofes: (a) a desvalorização monetária deve ser restrita a um nível máximo (correspondente a mais ou menos 5% anuais); e (b) o processo inflacionário deve ser combatido logo que o país consiga formar capital por meios não artificiais, ou seja, por intermédio da poupança popular.

O DILEMA DO EMPRESÁRIO

Várias tentativas foram feitas para comprovar a validez dessas duas teses.(6 (6 ) Como exemplo de recente publicação; citamos: Conjuntura Econômica, "Inflação e Desenvolvimento Económico", Fundação Getúlio Vargas, ano XV, n.º 4, Rio de Janeiro, abril 1961, págs. 45-52. ) Infelizmente, porém, nada de real mente convincente foi até hoje publicado no Brasil sôbre tão discutida matéria. Em última análise, os dados são coligidos e interpretados em função de uma opinião pre estabelecida.

Face a esta controvérsia, o empresário é colocado diante de um dilema: de um lado, os peritos não lhe podem for necer uma resposta precisa sôbre á melhor atitude a tomar; de outro, é forçado, devido à própria natureza de sua função social, a integrar-se no campo econômico, inclusive no sentido de exercer uma influência no desenrolar do processo inflacionário.

O que fará êle nestas condições? Evidentemente aquilo que promete trazer os maiores benefícios à sua emprêsa. Se acreditar que a inflação produz efeitos positivos, incentiva-la-á, conscientemente ou não, por exemplo, ao procurar um máximo de créditos alheios, inclusive para adquirir bens e matérias-primas em quantidades superiores ás suas necessidades imediatas de produção. Se, ao contrário estiver convencido de que a inflação trará males à sua organização, suas decisões administrativas terão um caráter diferente. Por exemplo: êle entrará em contato com seus concorrentes a fim de propor uma política mode rada de elevação de preços para seu ramo de atividade.

Disto tudo se pode concluir que a opinião e atitude de nosso administrador de emprêsas quanto à inflação e seus efeitos exercem uma influência considerável sôbre a natureza e intensidade do processo inflacionário. É natural que esta influência não possa ser medida em têrmos exatos, pois impossível seria isolá-la de outros fatores que, em conjunto, formam o processo. Todavia, da investigação sôbre as correntes predominantes no pensamento do empresário, podemos inferir algo sôbre a participação dêste no desenrolar da desvalorização monetária. A inclusão de uma seção sôbre inflação e desenvolvimento econômico no inquérito mencionado teve como objetivo primordial esclarecer êsse problema.

A ADAPTAÇÃO À INFLAÇÃO

No inquérito em questão, a primeira pergunta referente ao problema inflacionário foi assim formulada: "A sua emprêsa tem procurado adaptar suas atividades aos efeitos da inflação monetária?" Como era de esperar, a grande maioria dos empresários consultados (89%) respondeu afirmativamente à pergunta. Menos previsíveis eram as respostas sôbre a forma na qual esta adaptação se realizava. (Vide Quadro 1.)


Ao analisar-se os dados do Quadro 1 e, particularmente, as respostas constantes dos próprios questionários, obtém se a impressão que os respondentes tendem a interpretar a pergunta de duas maneiras diversas. Há os que a entendem no sentido de prevenção ou defesa contra os efeitos da inflação, enquanto outros no de uma solicitação para explanar de que forma a emprêsa procurou tirar proveito do processo inflacionário ou, ao menos, acomodar os efeitos negativos da inflação transformando-os em armas administrativas. Isto talvez explique porque apenas cêrca de 40% mencionaram especificamente o reajustamento dos preços, medida de adaptação sem a qual nenhuma emprêsa nacional teria conseguido sobreviver nestes últimos anos. Aparentemente, o reajustamento era tão evidente para muitos dos entrevistados, que sua menção parecia supérflua.

Além do reajuste de preços, as seguintes medidas foram mencionadas com maior freqüência como meio de adaptação:

A. A racionalização das operações, ou, nas palavras de um dos respondentes, "procurando racionalizar e mecanizar a produção, padronizar o mais possível, simplificando os processos de produção, comprando pelo melhor preço, tentando reduzir os fretes - enfim, procurando sempre diminuir os custos". Outros acrescentaram a êste raciocínio o esforço de diversificar, de controlar os custos por meio de contabilidade especializada, de aprimorar o sistema de previsão e orçamento ou de compensar preços mais elevados por qualidade superior.

B. O reestruturamento do capital, seja por meio da reavaliação do ativo, da incorporação de lucros, da subscrição de novas ações ou da procura e obtenção de financiamentos a longo prazo.

C. A ampliação da linha de crédito e/ou restrição do capital em giro, a fim de suprir a escassez de meios a curto prazo.

D. A conversão dos meios disponíveis em investimentos reais, tais como maquinaria ou instalações, a fim de conservar ou incrementar a substância do capital.

E. A manipulação de estoques, sobretudo no sentido de conservar elevados os estoques de matérias-primas e baixos os de produtos acabados.

F. A adatapção da política salarial, a fim de conservar o melhor nível de empregados sem privar a emprêsa das reservas financeiras em moeda corrente.

OS EFEITOS DA INFLAÇÃO

Em uma segunda seção, o questionário procurou investigar as opiniões dos empresários sôbre os efeitos da inflação. Inicialmente, perguntou-se: "Na sua opinião, a inflação monetária tem influenciado o desenvolvimento econômico do país?" Mais uma vez, a grande maioria dos respondentes (75%), deu uma resposta afirmativa. Verificou-se, con tudo, que apenas um número restrito tinha opinião categórica quanto à forma ou intensidade dessa influência. A grande maioria qualificou as respostas, procurando de monstrar que a inflação, quer seja essencialmente positiva quer negativa para o desenvolvimento, apresenta aspectos que contrabalançam ou compensam o impacto básico. (Para um resumo das respostas vide Quadro 2).


Ao verificar esta tendência, procedemos a uma análise minuciosa de todos os questionários, donde chegamos aos seguintes resultados:

A. Os fatores positivos superam em cêrca de 30% os fatores negativos; e

B. Uma elevada proporção dos respondentes alegou ter sido excessiva a taxa inflacionária no Brasil e que o mal da inflação consiste mais neste excesso do que no fenômeno em si.

Além destas duas tendências básicas, o estudo revelou uma série de outros aspectos específicos, sobretudo quanto à forma pela qual a inflação tem influenciado o desenvolvimento.

Dentre as opiniões que salientam uma relação favorável entre inflação e desenvolvimento, cabe destacar:

A. O estímulo à produção e ao consumo. Citamos um industrial que, de maneira precisa, expressa o pensamento presente nas declarações de muitos de seus colegas: "O dinheiro é como batata quente: na época da inflação ninguém quer tê-lo em mão; isto leva a novas aplicações pela própria emprêsa, concorrendo para um maior desenvolvimento." Enquanto êste tipo de manifestação frisa o aspecto empresarial, outros industriais vêem o estímulo mais do lado do consumidor, ao afirmar, por exemplo, que a inflação gera "um aumento nas rendas de tôda espécie, criando uma ampliação da procura, que, por sua vez, provoca um incremento das atividades produtoras".

B. A maior movimentação de capitais. Êste fator está intimamente ligado ao acima mencionado, destacando-se nêle, contudo, o aspecto financeiro. Na opinião de alguns dos entrevistados, a inflação propagou o acúmulo de lucros ou promoveu maiores facilidades creditícias, o que deu margem a maiores investimentos. Isto não só permitiu a ampliação do parque industrial existente, mas sobretudo facilitou a criação de novas indústrias ou até ramos industriais.

C. Um número considerável de entrevistados declarou ser a favor da inflação sem especificar porque ou como. Muitos afirmaram apenas que a inflação era "necessária", "indispensável", ou que tinha "facilitado" o desenvolvimento.

Dentre as reações predominantemente negativas, cumpre destacar:

A. A falsa euforia, desconfiança e insatisfação. Representativa dêste tipo de opinião é a seguinte afirmação de ordem genérica: "Toda instabilidade gera preocupações e restrições que abalam a confiança em novos empreendimentos." Dentro do mesmo espírito, alguns entrevistados afirmaram que a inflação cria dinheiro fictício, abre o campo para desonestidade e especulação, "freiando as forças econômicas sadias", com um "efeito muito mais desastroso do que a última guerra" por ter "corrompido o sistema político e concorrido para a degradação dos costumes".

B. Os efeitos sociais. Não são poucos os industriais que consideram a inflação uma injustiça social. Um dêles afirmou: "São desastrosos os efeitos nas classes menos favorecidas que são roubadas diàriamente sem saber porque, enquanto os homens de emprêsa podem defender-se e até lucrar com a inflação."

C. Também entre os adversários da inflação houve vários que se declararam contra ela sem oferecer uma razão precisa.

Cabe, ainda, fazer-se uma referência à freqüente menção sobre o "exagêro" da taxa inflacionária presente na economia brasileira. Quer o industrial seja bàsicamente a favor da inflação, quer seja contra ela, para muitos o problema principal consiste no excesso de sua taxa. Esta, na opinião de vários respondentes, não deveria passar de 2% a 10% ao ano, sendo que "uma inflação da ordem de 5% ao ano é salutar, pois estimula o empresário".

A INFLAÇÃO COMO COMPORTAMENTO DE GRUPOS

Ao conjugar as considerações iniciais de natureza genérica e os resultados do inquérito realizado, podemos notar que certos paralelos se tornam evidentes. Para sintetizá-los, recorreremos a uma teoria alheia.

Em sua obra intitulada "Inflation", PAUL EINZIG cita doze causas da inflação.(7 (7 ) Paul Einzig, Inflation, Chatto and Windus, Londres, 1952, pág. 24. ) Tôdas elas são de natureza monetária. Há, contudo, outras origens: entre elas as de ordem estrutural(8 (8 ) Exemplo: uma greve em indústria de base produz uma escassez de bens de produção que, temporariamente, provoca a paralisação de indústrias de transformação, causando uma alta nos preços por motivos não monetários. ) e as de ordem psicológica. Para estas últimas é que desejamos chamar a atenção. Entre os autores que têm defendido a tese psicológica, se destaca A. AFTALION. Mais recentemente, FRANÇOIS PERROUX e HENRI AUJAC têm procurado reviver a tese, baseando-se em novas pesquisas econômicas e sociais.

Em síntese, AUJAC argumenta que "a inflação é o resultado do comportamento de grupos sociais"(9 (9 ) Henri Aujac, "Inflation as the Monetary Consequence of the Behaviour of Social Groups: A Working Hypothesia", International Economic Papers, n.º 4, MacMillan, Londres, Nova York, 1954, pág. 110. ), ou, mais exatamente, da maneira pela qual um determinado grupo reage a uma alteração no comportamento de um outro grupo. Simplificando um pouco o raciocínio do autor, sem, contudo, prejudicar a essência de sua idéia, podemos exemplificar: suponhamos que, em dada época e num dado país, todos os grupos sociais aceitem (voluntàriamente ou não) suas condições de vida e, por conseguinte, as relações monetárias existentes. De repente, no entanto, o govêrno resolve impor um nôvo imposto aos empresários. Se êstes aceitarem esta imposição, reduzindo, digamos, seus lucros e seu consumo e se o govêrno aplicar em obras públicas o excesso de arrecadação (para compensar a redução na demanda de bens de consumo), não haverá uma alte ração no nível de preços, apenas uma redistribuição da renda. Por outro lado, se os empresários resolverem imediatamente aumentar os preços de seus produtos, (10 (10 ) Cabe salientar que, na prática, os empresários só poderão aumentar os preços de seus produtos, sem sofrer uma retração considerável das quantidades procuradas, se a procura destes bens fôr inelástica. Isto comprova que a realidade é mais complexa do que o exemplo demonstra, mas não altera o principio que procuramos ilustrar. ) a inflação será inevitável, sobretudo se existir uma defasagem entre o aumento dos preços dos bens de consumo e dos preços da construção das obras públicas. Por êste racio cínio, (11 (11 ) Os exemples de Aujac são mais complexos, mas acreditamos que nossa ilustração tenha, com fidelidade, reproduzido o pensamento central do autor. ) AUJAC conclui que "a inflação surge em con seqüência da tentativa de grupos de modificarem o cará ter de compatibilidade entre comportamentos que é deter minado por relações monetárias".12 (12 ) Aujac, op. cit., pág. 123.

Para efeito do presente estudo, menos importa se a teoria de AUJAC consegue dar uma explanação inteiramente satisfatória sôbre as origens da inflação, do que duas inferências que dela podemos tirar. A primeira é a de que qualquer medida de ordem monetária ou estrutural que dê início ou impulso a um processo inflacionário é precedida por uma atitude de um grupo. E a segunda é que esta atitude domina a intensidade com que a inflação é provocada ou difundida numa economia.

Em outras palavras, quando os grupos sociais de maior influência na estrutura econômica de um país resistem à idéia da inflação, suas ações farão com que esta não surja ou não se expanda. Se, ao contrário, êles a aceitam de bom grado, seu comportamento acelerará o processo inflacionário. Que esta última atitude é comum a muitos dos industriais ficou patente nas respostas ao nosso inquérito. Vários em presários afirmaram que a inflação constitui "um mal necessário", particularmente quando se trata de desencadear forças e recursos naturais, provocar "o impulso inicial" ou, como um dêles disse, "para encher o balão de ar".

FATÔRES DE ACELERAÇÃO DO PROCESSO INFLACIONÁRIO

Será exagêro afirmar que os resultados do inquérito revelem, com precisão, até que ponto o industrial brasileiro aceita o processo inflacionário como algo fatal e, sobre tudo, de que maneira essa aceitação vem influenciando suas decisões administrativas. Apenas uma análise bem mais ampla, partindo de uma amostra mais representativa do meio empresarial e, sobretudo, operando com os instrumentos da pesquisa motivacional, poderá demonstrar quão profundamente enraigada em nosso empresário está a crença na inevitabilidade das forças inflacionárias. Por outro lado, porém, o inquérito nos fornece indícios so bre algumas das atitudes que o empresário toma face a esta situação.

Acima de tudo, o empresário parece estar dominado por uma expectativa de continuidade do processo, que se reflete, particularmente, nas suas decisões quanto: (a) à determinação de preços; (b) ao financiamento a curto e longo prazo das operações; (c) ao sistema de vendas e (d) à política de rotação de estoques.

Dos fatores acima citados, o mais óbvio é o primeiro, pois é natural que os empresários em épocas inflacionárias pro curem sempre determinar preços que lhes assegurem uma margem capaz de cobrir a reposição dos fatores de produção, além de uma taxa normal de lucros. O que é menos óbvio, porém, se bem que humano, é que o industrial especule com a inflação, acrescentando margens aos seus preços que dificilmente poderão ser justificadas pela taxa inflacionária corrente, particularmente quando opera em um mercado vendedor no qual a procura excede a oferta global do produto, o que ainda se dá com muitos dos nossos bens. Onde êsse fôr o caso, é lícito afirmar-se que a própria política de preços das emprêsas em questão contribui para a aceleração do ritmo inflacionário.

Como nossa inflação é acompanhada por uma constante escassez de recursos financeiros de fontes externas à emprêsa, o dirigente financeiro é colocado em uma situação particularmente crítica dentro da emprêsa. Para poder assegurar continuidade de operações e uma possível expansão, muitos empresários se vêem obrigados a recorrer a uma série de medidas para obtenção de meios que, sob condições normais, seriam, por êles mesmos, considerados prejudiciais, senão à emprêsa, pelo menos à nação como um todo. A sonegação de impostos ou a não observância de algumas das leis bancárias constituem exemplos que pesam nos orçamentos federal, estaduais e municipais, e agravam a pressão inflacionária, mas, por outro lado, representam, inegàvelmente, fontes substanciais para o financiamento de subsistência ou expansão.

As vendas a prazo constituem, provavelmente, outro fator de aceleração da depreciação monetária, não pelo sistema em si, pois êste estimula o processo de produção e, por conseguinte, o desevolvimento, mas pelo exagêro dos prazos e das sobretaxas, calculados à base de uma futura desvalorização já prevista com uma margem de "segurança".

Talvez o melhor exemplo de que a corrida inflacionária não beneficia nem comprador nem vendedor é a política de estoques, comum a muitas emprêsas, que determina se jam conservados estoques de matérias-primas em um máximo e de produtos acabados em um mínimo, a fim de proteger-se a emprêsa contra futuras altas do material de reposição e, ao mesmo tempo, assegurar o capital de giro essencial à continuidade das operações. Faz isto, contudo, com que a procura de matérias-primas seja incrementada além das reais necessidades de produção, o que, evidentemente, se reflete em preços mais altos, tanto para o produtor quanto para o consumidor final.

Esta ilustração dos fatores de aceleração do processo inflacionário poderia parecer parcial sem a menção a outros fatores, que também estão implícitos nas entrevistas realizadas, e que vieram demonstrar que a presença da inflação teve, igualmente, repercussões antiinflacionárias nas emprêsas analisadas. Entre êstes fatores destacam-se dois: (a) a ansiedade de alguns empresários de reaplicar os lucros obtidos em novos empreendimentos; e (b) o desejo de muitos de racionalizar as operações. Perguntamo nos, todavia, se êstes fatores, por refletirem mais uma condição de espírito do real empresário do que uma atitude de precaução, não estariam presentes também na ausência de inflação.

CONCLUSÕES

Ao encerrarmos este trabalho corremos o risco de cair na mesma armadilha para a qual procuramos chamar a atenção do leitor no início: a de sobrepor às nossas conclusões o conceito pessoal que fazemos da inflação: que ela é integralmente maléfica; ou que nos beneficia a todos. Contudo, não deve ser nosso propósito acrescentar apenas mais uma opinião subjetiva à infinidade de outras opiniões já existentes.

Acima de tudo, cabe reconhecer que ainda não foram en contradas provas definitivas sôbre se a inflação tem auxiliado os países novos a superar o seu subdesenvolvimento, ou se ela tem criado obstáculos ao progresso econômico e social. Há teorias a respeito, mas elas se contradizem. O fato é que o desenvolvimento pode ocorrer sem ou com inflação, talvez apesar dela13 (13 ) D. Nogueira, "A Incompatibilidade Inflação-Desenvolvimento", Revista de Administração de Emprêsas, vol. 1, n.º 1, F. G. V., maio/agôsto, 1961, págs. 65-78. e só eventualmente de vido a ela. O fato é, também, que simplesmente não existem dados que demonstrem uma correlação precisa (isto é, matemática) entre os dois fatores.

Quanto ao caso específico do Brasil, é inegável que na época de seu maior desenvolvimento observou-se também a mais acidentada taxa de inflação. Contudo, isto não comprova que deva existir uma relação de causa e efeito entre os dois fenômenos.14 (14 ) Isto, por sinal, ficou plenamente demonstrado pela experiência em outros países latino-americanos como o Chile ou a Bolívia, onde o processo inflacio nário não foi acompanhado por um aumento substancial da renda real. .

Fazendo-se, pois, a soma das teorias econômicas ou da análise econométrica, chega-se mais ou menos ao ponto zero, aquêle em que os "prós" e os "contras" se anulam mùtuamente, nada de definitivo revelando ao homem da prática que lhe possa servir de guia de comportamento ou ação.

Na ausência de uma orientação profissional segura, tanto os homens públicos quanto os administradores de emprêsas recorrem às suas próprias diretrizes, baseando-se em impressões, experiências e, às vêzes, conveniências. Destarte, suas opiniões e atitudes revestem-se de uma importância decisiva, particularmente se fôr verdadeira a hipótese de que o processo inflacionário se caracteriza mais por um conflito entre comportamentos grupais do que por seu sintoma externo, ou seja, a distorção monetária.

Disto deduzimos que a influência de nosso executivo industrial sobre o desenrolar do processo inflacionário é mais intensa do que revelam suas ações diretas designadas a fazer face ao aviltamento da moeda, em parte porque sua atitude tende a aceitar a inflação como algo inevitável e em parte por ser esta atitude indicio de um comportamento grupal que favorece o processo inflacionário. Pode se disto chegar a alguma conclusão prática? Acreditamos que sim, no sentido de que o empresário, tanto como indivíduo, quanto como membro de um grupo social, reavalie a importância e extensão da sua influência, a ponto de poder formular diretrizes capazes de controlar a natureza e intensidade do processo inflacionário.

  • (2) L. Gordon, "Incentivos aos Investimentos Americanos no Brasil", Revista de Administração de Empresas, vol. 1, n.º 3, F. G. V., janeiro/abril 62.
  • (3) Vide sobretudo: E. Gudin, Inflação, Crédito e Desenvolvimento, livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1956.
  • (4) C. Furtado, Formação Econômica do Brasil. Editora Fundo de Cultura S.A., Rio de Janeiro, 1959, capítulo XXXV.
  • (6) Como exemplo de recente publicação; citamos: Conjuntura Econômica, "Inflação e Desenvolvimento Económico", Fundação Getúlio Vargas, ano XV, n.º 4, Rio de Janeiro, abril 1961, págs. 45-52.
  • (7) Paul Einzig, Inflation, Chatto and Windus, Londres, 1952, pág. 24.
  • (9) Henri Aujac, "Inflation as the Monetary Consequence of the Behaviour of Social Groups: A Working Hypothesia", International Economic Papers, n.º 4, MacMillan, Londres, Nova York, 1954, pág. 110.
  • (13) D. Nogueira, "A Incompatibilidade Inflação-Desenvolvimento", Revista de Administração de Emprêsas, vol. 1, n.º 1, F. G. V., maio/agôsto, 1961, págs. 65-78.
  • (1
    ) Conduzida entre executivos de 136 indústrias brasileiras, visando a investigação dos opiniões e atitudes do empresário quanto à ação do governo no tocante ao desenvolvimento econômico. O trabalho foi contratado pelo "Center for International Affairs" da Universidade de Harvard e realizado por um grupo de professores da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo sob coordenação geral do autor e coordenação técnica do Professor Claude Machline. Dentro em breve serão publicados os resultados gerais do inquérito. Alguns pormenores sôbre a metodologia utilizada neste projeto poderão ser encontrados no artigo "O Empresário Julga o Governo" no presente número da
    Revista de Administração de Emprêsas.
  • (2
    ) L. Gordon, "Incentivos aos Investimentos Americanos no Brasil",
    Revista de Administração de Empresas, vol. 1, n.º 3, F. G. V., janeiro/abril 62.
  • (3
    ) Vide sobretudo: E. Gudin,
    Inflação, Crédito e Desenvolvimento, livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1956.
  • (4
    ) C. Furtado,
    Formação Econômica do Brasil. Editora Fundo de Cultura S.A., Rio de Janeiro, 1959, capítulo XXXV.
  • (5
    ) G. Haberler, "Inílation and Economic Development", em:
    Contribuições à Análise de Desenvolvimento Econômico, Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1957, págs. 177, 187.
  • (6
    ) Como exemplo de recente publicação; citamos:
    Conjuntura Econômica, "Inflação e Desenvolvimento Económico", Fundação Getúlio Vargas, ano XV, n.º 4, Rio de Janeiro, abril 1961, págs. 45-52.
  • (7
    ) Paul Einzig,
    Inflation, Chatto and Windus, Londres, 1952, pág. 24.
  • (8
    ) Exemplo: uma greve em indústria de base produz uma escassez de bens de produção que, temporariamente, provoca a paralisação de indústrias de transformação, causando uma alta nos preços por motivos não monetários.
  • (9
    ) Henri Aujac, "Inflation as the Monetary Consequence of the Behaviour of Social Groups: A Working Hypothesia",
    International Economic Papers, n.º 4, MacMillan, Londres, Nova York, 1954, pág. 110.
  • (10
    ) Cabe salientar que, na prática, os empresários só poderão aumentar os preços de seus produtos, sem sofrer uma retração considerável das quantidades procuradas, se a procura destes bens fôr inelástica. Isto comprova que a realidade é mais complexa do que o exemplo demonstra, mas não altera o principio que procuramos ilustrar.
  • (11
    ) Os exemples de Aujac são mais complexos, mas acreditamos que nossa ilustração tenha, com fidelidade, reproduzido o pensamento central do autor.
  • (12
    ) Aujac, op. cit., pág. 123.
  • (13
    ) D. Nogueira, "A Incompatibilidade Inflação-Desenvolvimento",
    Revista de Administração de Emprêsas, vol. 1, n.º 1, F. G. V., maio/agôsto, 1961, págs. 65-78.
  • (14
    ) Isto, por sinal, ficou plenamente demonstrado pela experiência em outros países latino-americanos como o Chile ou a Bolívia, onde o processo inflacio nário não foi acompanhado por um aumento substancial da renda real.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Ago 1962
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