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O círculo de controle de qualidade: um esforço de modelo participativo

I TEMA - GESTÃO E PARTICIPAÇÃO

O círculo de controle de qualidade: um esforço de modelo participativo

João Luiz Fonseca

UFPB

1. INTRODUÇÃO

O surto industrial e comercial da sociedade japonesa é considerado pelos analistas sociais resultado de uma boa gestão da força de trabalho. A viabilização de uma acumulação dentro de determinados ramos industriais tem conseguido empolgar a maioria dos empresários dos países ocidentais industrializados, inclusive de alguns países periféricos como o Brasil.

A mimetização do processo industrial japonês passou a ser indicada como alvo a ser atingido, devido ap imediatismo dos resultados, sem que isso viesse a ferir a resistência da organização dos trabalhadores. O desenvolvimento de tal processo repousa sobre a intensificação de estratégias que conduzem à aceitação, pelo operariado, de comportamentos cooperativos com a empresa, dentro dos princípios de identidade de objetivos. Algumas experiências deste processo em empresas instaladas no Brasil apresentaram bons resultados, permitindo uma aparente paz social e dando condições para a aplicação de uma nova política, onde a progressão dos salários respeitaria um teto máximo igual à produtividade sobre a inflação.

Este processo ganhou a adesão entusiasta dos analistas econômicos das revistas patronais: a empresa não mais necessitaria intensificar o capital para atingir os seus objetivos de produção eficaz, mas apenas transformar ás relações industriais, passando o mercado a desempenhar um papel regulador no que concerne à natureza do emprego e à modulação ao nível do quantum salarial. O empresariado de grandes unidades nacionais, como as principais indústrias automobilísticas, ficou impresssionado com a elevação de produtividade e a diminuição nítida do absenteísmo.

Diante dos resultados alcançados por determinadas unidades brasileiras, os dirigentes procuraram implantar o método denominado círculo de controle de qualidade (CCO), onde toda crítica ou sugestão do operariado é estudada seriamente, quebrando o princípio de estandardização funcional, próprio do processo taylorista. Os estudos a partir do CCQ permitem ver, sob nova luz, questões tais como elevação do lucro nas empresas, ao mesmo tempo que permitem identificar novas formas de organizações de trabalhadores com relativa independência da construção sindical, no movimento contínuo de decomposição/recomposição da força de trabalho como estratégia do capital na dinâmica do modo de acumulação.

As reações dos principais sindicatos são de total desacordo com as proposições defendidas pela classe patronal, na transformação das condições de vida do assalariado, pois o caminho que tende a permitir os ganhos de produtividade passa pela redução do custo, através da redução do pessoal, e, ao mesmo tempo, por uma elevação do rendimento, sem compensação monetária equivalente.

A experiência japonesa foi considerada por alguns analistas sociais uma resposta à crise, uma prova do rejuvenescimento do capitalismo, pois, eliminando aparentemente as restrições de instabilidade de emprego, tal tática tende, obviamente, a favorecer um maior entendimento entre os empresários e operariado. Contudo, a continuidade do modo de produção capitalista não pode ser legitimada independentemente das contradições de classe, o que invalida a cooperação do grupo. O suporte para aquela continuidade reside na possibilidade de se utilizarem as pequenas e médias unidades como meio auxiliar ao circuito de produção. Dessa forma, para se fazerem restrições do modo de produção e permitir uma conservação da margem de Uberdade de ação,' por parte dos empresários, a opção reside numa outra construção, onde os atores operários passam a interferir na organização produtiva.

O caminho que poderia servir de passagem entre as duas sociedades não é tão simples como se poderia pensar a princípio. Embora a pretensão do estudo esteja voltada para a compreensão da realidade brasileira, o ensaio proposto sobre o CCQ é baseado na investigação teórica e empírica da sociedade japonesa bem como nos prováveis caminhos de saída da crise atravessada pelas economias de mercado.

2. O MODELO JAPONÊS

2.1 A modernização da economia japonesa

Após a II Guerra Mundial, os novos traços da economia obedeceram a ordenação dos Estados-nações distinguindo as economias planificadas das economias de mercado.

Em relação a esses dois conjuntos, formaram-se alianças, definidas pelas representações governamentais através dos modos de produção dos interesses das estratégias de mercado. A dicotomização dos espaços em modelos rígidos e disjuntos polarizou a ação dos países numa construção onde as relações se estabeleceram de modo formal, através de grupos ideologicamente constituídos sobre critérios políticos.

Nesse contexto de relações de blocos, a determinação dos espaços depende da capacitação dos países em influírem nos referidos grupos, conquistando novos espaços e garantindo a continuidade dos respectivos modelos políticos. As estratégicas desses países, no tabuleiro do jogo, obedecem, então, à prioridade da integração das novas nações dentro de fronteiras ideológicas.

O Japão participou do último conflito mundial contra a hegemonia das potências ocidentais, porém atualmente passou a ser um aliado privilegiado, na nova ordem econômica, dessas mesmas potências. Assim, este país, encravado num espaço geopoliticamente atrelado à economia de mercado, serve de entrave à propagação das economias planificadas no espaço asiático.

Por outro lado, o dinamismo da economia nipônica reflete a posição específica do país, a potencialidade de sua elite no comando do aparelho do Estado, mobilizando enormes contingentes humanos indispensáveis à produção, à superação dos desequilíbrios tecnológicos e finalmente à divisão internacional do trabalho, favorecendo assim a expansão no mercado internacional.

Nesse jogo, a economia japonesa mantinha sistemas de redes estruturais ineficientes e impróprias para atender as demandas do mercado externo e gerar novas fontes de riquezas. Na medida do possível, o alargamento do mercado passou a interferir sobre a economia, favorecendo a construção de uma matriz de insumo/produto dinamizada por ramos não-oligopolizados. Importa, por exemplo, especificar o avanço tecnológico das unidades empresariais japonesas na conquista de espaços, sob a influência das FMN européias e norte-americanas, conduzindo a ganhos de produtividade e interferindo na criação de novos produtos e nos meios de produção. Tomar tal atitude seria situar-se no quadro das economias de capital intensivo, necessitando de uma estrutura dinâmica para atender a novas demandas. A escolha deve ser feita pelas transformações do modo de produzir e de consumir favorecendo ganhos de produtividade nos departamentos produtivos.

E chega-se assim à intervenção possível, em vários níveis: da realização da produção, submetendo-se às regras do mercado, demarcadas pelos países altamente industrializados, às escolhas de produtos, pautando pela qualidade como forma de transpor as barreiras de entradas e pela mobilização da mão-de-obra camponesa nas grandes concentrações urbanas.

Todavia, não se pode esquecer, no caso da abertura do mercado externo, a influência do empresário visando a reestruturar a indústria para setores onde as restrições de entrada podem ser removidas pela gestão da tecnologia e do trabalho.

Acrescente-se ainda que o avanço tecnológico permitiu a modernização do parque industrial, garantindo o barateamento do processo de produção e da força de trabalho empregada

Diga-se desde já: as economias maduras eram submetidas a um processo de trabalho nos moldes tayloristas. Este processo permitiu a adoção de novos ritmos de tempo, desenvolvendo o trabalho coletivo e elevando consideravelmente a produtividade da economia.

Há, no entanto, elementos mais interessantes, sobre a criação de uma superestrutura nessa sociedade:em numerosos casos, a eficiência e a fluidez dos capitais devem-se aos quadros técnicos e comerciais que, através de inovações bem precisas, propiciaram ganhos importantes no processo e no produto, devido à diferença de produtividade gerada nos distintos ramos industriais. Por outro lado, o modelo japonês se desenvolveu dentro dos princípios das economias industrializadas, caracterizando-se por uma organização departamentalizada, impedindo o desenvolvimento cooperativo nos diferentes níveis de subordinação.

Sem esquematísmo exagerado, pode-se dizer que a participação dos agentes, nos níveis hierárquicos inferiores, resumia-se na alocação da força de trabalho.

A descoberta dos socióloos do trabalho foi apresentar o sucesso da gestão participativa da força de trabalho japonesa, na construção da ação coletiva, como decorrente de fatores motivacionais, integrando o indivíduo à organização. A fórmula, tentadora, é evidentemente contestável: por mais que se apreciem as iniciativas estimuladoras, nunca se chegará a compreender a ativação do processo de trabalho exclusivamente através de mecanismos psicológicos.

Concluindo este primeiro ponto sobre a dinâmica da gestão participativa na sociedade japonesa, pode-se dizer que ós novos princípios de gestão subverteram o sistemas tradicionais e difundiram a prática, na quasetotalidade das grandes empresas, do uso de princípios científicos de administração. O segundo ponto das várias pistas percorridas leva a integrar a articulação dos processos modernos de produção a esquemas tradicionais da fase pré-taylorista. É indiscutível que, por um lado, a mobilização da força de trabalho foi possível graças à recuperação dos indivíduos trabalhando na agricultura e liberados para a indústria, e, por outro, pela intensificação do trabalho correlacionado com o avanço da inovação tecnológica.

O aporte da mão-de-obra concentrada nos espaços urbanos permitiu a eficácia nos principais ramos industriais. Com isso permitiu-se a maior participação da força de trabalho na acumulação, gerando uma nova ordem contranitente à rigidez da economia tradicional e conquistando mercados através de estratégias ofensivas vigendo à conquista de setores modernos da economia mundial. Ainda no prolongamento da modernização estrutural, a economia deveria. assim recuperar o tempo perdido em relação às demais concorrentes. Algumas iniciativas foram ativadas, através da criação de condições de produção, sob a interferência do Estado, conduzindo â sustentação de um sistema industrial portador de ganhos de produtividade e à repartição através da elevação dos salários na renda nacional.

A integração da economia à demanda externa foi realizada graças a uma política financeira favorecendo os investimentos, ao desbloqueio dos mecanismos que influem nas condições de pleno emprego, entre outras medidas.

2.2 Às relações de trabalho

Considera-se a organização da sociedade uma resultante da interação de atores, conduzidos num processo de formação de relações mercan tilizad as. As regras que resultam dessa construção fundamentam-se em três pontos de fixação: na política e estabilidade do emprego praticado nas grandes empresas; na mobilização das escalas salariais em função do tempo de serviço e, finalmente, na organização dos trabalhadores dentro de um quadro, tendo a empresa como locus de acumulação. A estabilidade do trabalhador, como forma de gestão do processo de trabalho, é um aspecto bastante interessante nessas instituições, pois permite melhor relação industrial dos indivíduos, no modo de produção das empresas.

As particularidades desse processo residem na estabilidade permanente do trabalhador e na garantia de seu nível de renda. O tempo de serviço dos agentes é encurtado, para permitir maior rotatividade a um custo mais baixo da mão-de-obra na empresa. O operariado adquire o direito a uma aposentadoria parcial aos 55 anos.

Frente ao recurso dos empresários em poder antecipar a aposentadoria, o sindicato tende a reagir, devido às implicações que acarreta ao nível do poder de compra dos trabalhadores, obrigando-os à busca de uma outra fonte de renda.

A mobilidade do trabalhador no interior da empresa é regulada por dois tipos de variáveis: o tempo de serviço na empresa e a formação universitária profissional. O trabalhador japonês, portanto, diferentemente de seus colegas nas sociedades industriais, é obrigado a ser polivalente, a fim de melhor se adequar às necessidades eventuais da empresa.

Esta combinação de fatores permite a formação dos salários, observando-se uma lenta progressão nos seus primeiros intervalos e uma progressão na escala salarial em função do tempo de serviço. É dentro de um contexto bastante reducionista que passamos a expressar, em poucas linhas, a identificação dos agentes participantes das empresas japonesas, afirmando que a política salarial adotada nesta sociedade, entre os indivíduos situados nos primeiros intervalos da escala e os últimos, seria equivalente a um coeficiente de valor aproximado de 1,5 vez expresso em salários nominais. A pesquisa deve ser situada noutro terreno, onde se procuraria analisar os meios utilizados pelos empresários japoneses na ordenação do tempo de trabalho, na automação, na transformação da organização e na polivalencia do trabalhador, tendo como objetivo as transformações da política de mão-de-obra. Na sociedade japonesa existe uma impossibilidade de mudança constante de emprego, como forma de obter um melhor salário, pois os mecanismos de controle são mais rígidos, impedindo as ascensões interempresariais. Isso significa que a mobilidade hierárquica do trabalhador japonês exige um certo ritual de iniciação em cada organização, de sorte que a transferencia de uma empresa para outra se faz através de critérios de tempos de serviços reais prestados.

Ao lado deste quadro produtivo formal, existe um outro tipo de população, bastante importante, composta de indivíduos que, pelas suas características de sexo, idade e grupo étnico, estão fora do mercado protegido e constituem o suporte de sustentação das grandes unidades.

Assim, entre os trabalhadores do sistema não-protegido, representando um estrato de 65% da população economicamente ativa, sobressai a força de trabalho feminina na sociedade japonesa.

As mulheres representam 40% da população economicamente ativa, entrando progressivamente no aparelho produtivo, embora seja notório o fato de que, na reordenação da economia japonesa dos últimos anos, esta progressão tenha-se mantido num certo'patamar. A participação da mulher como força de trabalho é segmentada em dois grupos: o primeiro contingente é formado pelas jovens em idade de trabalhar até aproximadamente o casamento e o surgimento do primeiro filho, enquanto o segundo grupo é constituído de mulheres de meia-idade, que passam a reintegrar o mercado de trabalho, mas desta vez na qualidade de "temporárias", nas pequenas e médias empresas.

Integrando a população do quadro informal, existe outro tipo de agente equivalente ao nosso "bóia-fria", que exerce uma atividade em certas estações do ano, ou se vincula a uma empresa por tempo limitado.

Numa análise mais apurada da evolução do mercado de trabalho japonês, observa-se que os indivíduos portadores de títulos universitários se conduzem melhor na sociedade japonesa e passam a formar o maior contingente dos trabalhadores estáveis, enquanto o outro segmento da população é gestionado dentro de um contexto de instabilidade permanente, típico das sociedades privadas industriais centrais. Embora na nossa análise cheguemos a dicotomizar o mercado de trabalho em dois segmentos, nota-se que o conceito de mercado atual de Piore é pouco pertinente para representar a sociedade japonesa. Elementos de natureza histórica e de diferenças do modo de acumulação não permitem identificar a sociedade dual idealizada por Piore com a sociedade industrial japonesa.

2.3 A criteriologia do sistema japonês de produção

Ao nível dos agentes que participam das relações industriais (o indivíduo, o sistema de coalizão entre os diversos atores, os sindicatos e o Estado) não é válido afirmar que exista convergência para o tradicional sistema dual.

O homem do campo, quando transposto para o espaço urbano, passa por profundas transformações sociais, pois está totalmente despreparado para o exercício de um trabalho coletivo, nos moldes do processo taylorista, onde as atividades são compartimentalizadas e hierarquizadas.

Nesse espaço em ordenação, a ordem é identificada por uma idéia de conseqüência, ressaltando as relações particulares dos agentes qualificados que praticavam nesse período uma estratégia de mudanças freqüentes de empregos, como mecanismos de busca de melhores condições salariais.

A resposta do empresariado para estabilizar essa mão-de-obra, diferentemente do processo fordista, praticado nos EUA, foi a de garantir uma estabilidade permanente e uma mobilidade por antigüidade.

A extensão desse processo, no espaço japonês, foi intensificada a partir da guerra da Coréia, consumando uma aparente dualidade até a última crise econômica, com a revalorização dos preços de determinadas matérias-primas. Ante a necessidade imperiosa da sociedade japonesa, de reordenar a sua economia a fim de garantir um maior espaço aos seus produtos, nos mercados dos países centrais, os dirigentes passaram a questionar as condições de vida dos trabalhadores numa sociedade dominante estável, nos moldes das sociedades européias, e simplificar a análise, reduzindo o papel do trabalhador a um figurante menor no processo de produção.

Historicamente, observa-se que, na sociedade japonesa, se realizou uina profunda transformação do sistema produtivo no período denominado "primeiro Meji"; as condições de vida do trabalhador foram radicalmente modificadas. A população que permitiu a extração do excedente na sociedade, tendo em vista a acumulação, foi inicialmente formada por trabalhadores de baixo nível de informação e de origem camponesa, normalmente dispersos e pouco organizados.

Assim, determinados grupos de empresários procuram esvaziar as vantagens adquiridas pelos trabalhadores, pondo em risco a estabilidade conquistada na empresa, criando novos modos de produção. Identifica-se nessa sociedade uma aparente contradição entre uma lógica sob o comando do mercado e uma ativa participação do Estado na resolução de crises da sociedade. Observa-se a interferência do Estado na planificação da indústria e do social, transformando, dessa maneira, o modo de produção. As empresas protegidas, nessa relação, criam zonas artificiais de incerteza, alargando o seu domínio de ação estratégica, através do risco das pequenas unidades, fragmentando o trabalho individual. As grandes unidades, no processo de renovação de seus quadros, descarregam sobre as pequenas unidades os seus agentes em fase de pré-aposentadoria.

Esse caminho permite diminuir as possíveis zonas de conflitos entre o empresariado e os seus empregados, através de uma busca incessante de leis que permitem a socialização do trabalho, adaptando-se a uma nova gestão administrativa. Na gestão de força de trabalho, no sistema social japonês, as diferenças dos salários indiretos entre as grandes unidades e as pequenas unidades passam a desempenhar papel importante na hierarquização dos mercados.

No espaço japonês, existe diferenciação de seguros sociais em função do nível de organização a que o agente econômico pertence, do tamanho das empresas e da qualidade de seguro social, refletindo, no contexto global, as diferenças do mundo <je trabalho.

3. TENTATIVAS DE UTILIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA JAPONESA NAS ECONOMIAS PERIFÉRICAS

3.1 A passagem para uma outra realidade nacional

A análise da gestão da força de trabalho na sociedade japonesa - e o seu possível interesse em outra sociedade - deveria ser conduzida pela tentativa de particularizar as relações que são próprias a cada uma dessas sociedades, diferentemente de grande parte dos analistas em ciências sociais, que consideram os eventos pertencendo a uma ordem natural, quando na verdade a única forma para a resolução desse desafio seria a de encarar a importância da ação coletiva como uma questão fundamental para cada uma dessas sociedades.

Duas orientações devem ser escolhidas para a abordagem dessas duas realidades sociais: em primeiro lugar, as interseções entre os diversos atores, agindo em cada contexto social e, em segundo lugar, o papel da decodificação da significação da realidade em cada país.

A pesquisa que dá significação dessas realidades, para cada um dos contextos, deve ser orientada para os estudos dos efeitos e de suas causas, dentro de uma lógica da contradição dos agentes nas suas relações sociais, onde a aposentadoria antecipada passa a ser uma das formas de compressão dos custos, rompendo o processo cooperativo entre os agentes e conduzindo a um acirramento de luta de classes.

Aparece, através dos textos de alguns analistas brasileiros, o conceito do CCQ como o processo de trabalho que permite a elevação da produtividade sem intensificação do capital. Os meios utilizados para atingir esses objetivos de produção consistem na valorização do trabalhador na organização. O mérito da análise é tornar exclusiva a força de trabalho como autônoma, na estratégia dos indivíduos, para atingir a sua realização como profissional e como agente da organização.

As ações indispensáveis para alcançar as transformações das condições objetivas do processo de trabalho, segundo Claudius d'Artagnan, decorreriam da ação voluntária de determinados indivíduos no controle do processo produtivo, conduzindo a organização a resultados significativos. Na fundamentação dessa argumentação, percebe-se o cunho característico do pensamento de Argyris, no seu trabalho Organização e participação, onde o autor estabelece uma necessidade psicológica hierarquizada para os indivíduos, excluindo desse quadro normativo a dimensão imaginação criativa.

Ora, essa dimensão permite a ativação dé dois movimentos: primeiro, reduzir a incerteza na elaboração das estratégias dos atores na tomada de decisão e, segundo, permitir a criação de jogos cooperativos no grupo, de sorte a garantir a sobrevivência da organização. O viés introduzido pela interpretação de d'Artagnan decorre da percepção do ator no construto social: considera que esta unidade organizacional é uma entidade abstrata exógena aos seus atores, cujas relações se estabelecem de forma determinística, segundo uma ordem de valores estabelecida pelos atores individuais.

O mecanismo valorativo do homem na organização - elemento indispensável para a obtenção de bons resultados na empresa - é passível de duas interpretações: uma, de concepção taylorista, onde o homem é percebido mais em função do exercício de determinadas tarefas programadas; outra, de orientação comportamentalista, onde o homem seria resultante de uma junção de atitudes mecanizadas e estimulativas. No segundo caso, a dominância do segundo fator viabilizar mais facilmente o processo cooperativo. Nas duas concepções o homem gerador de idéias está omisso, porém a sociedade tem necessidade de favorecer a eclosão de movimentos que rompam com as idéias estabelecidas, pois é nessa qualidade que o ator é capaz de agir sobre, o social, permitindo o surgimento de uma sociedade com regulação evolutiva.

Considerando o homem inovador, a organização não pode mais ser analisada como um sistema mecanicista, mas através de um sistema informacional, onde a liberação de uma pequena quantidade de energia pode desencadear movimentos dos mais simples aos mais violentos e por vezes incontroláveis.

3.2 A evolução histórica do processo de trabalho

A informação histórica acerca de certas fases da produção permite uma periodização com as seguintes etapas: cooperativismo, manufatura e fábrica. As duas primeiras etapas - cooperação e manufatura - caracterizam uma fase de transição de sociedades feudais para uma sociedade capitalista. Enquanto, que na etapa do maquinismo e da automação, a organização da produção e o movimento do capital estreitam as suas relações, notabilizando-se essas fases pelo surgimento do taylorismo e fordismo como formas de gestão da força de trabalho. No contexto atual, a tendência existente nos países centrais dominantes visa o surgimento de uma dinâmica de gestão do trabalho que ultrapasse os esquemas tradicionais.

O corte, com a esquematização convencional da teoria do circuito de produção de mercadorias, reside nas novas relações que se estabelecem entre os atores sociais e a empresa. Em primeiro lugar, no processo de trabalho, o trabalhador não é integrado juridicamente á empresa; em segundo lugar, na extensão das políticas tecnológicas, através do leasing, a detenção dos meios de produção deixa de ser privativa do agente empresário diretamente ligado â produção.

A introdução da linha de montagem teve como resultado a desqualificação operária e a intensificação do trabalho. Neste processo fordista, o trabalhador perde a sua capacidade de intervenção manual nas operações de aprovisionamento e de verificação, em benefício das técnicas servomecânicas,e,nesse papel, a sua função resumese ao ato de fiscalização e controle geral. A desqualificação pura e simples do trabalhador aparece como conseqüência desse processo produtivo. Daí a afirmação de alguns analistas do CCO, como R. Leme, de que "o trabalhador não espera nada da empresa, pois essa é antagônica aos seus interesses e realizações". Nota-se, claramente, que a imagem identificada pelo autor corresponde a uma percepção parcial da dinâmica do processo em marcha, no espaço nacional. O argumento não inclui determinadas variáveis como: aceleração do progresso tecnológico, necessidade de extensão de novos mercados, variáveis aleatórias, conjuntura internacional, nível de organização dos trabalhadores, entre outras.

Estas variáveis são básicas na política de emprego e dos investimentos, na gestão do trabalho e, conseqüentemente, nas condições de vida dos próprios trabalhadores. Alguns analistas, como Dirceu Moralmado, tentam identificar a política da empresa através da gestão dos recursos humanos, onde os quadros gerenciais são considerados responsáveis pelas disfunções do sistema produtivo. Segundo este analista, os quadros gerenciais são detentores do poder na empresa e opressores dos trabalhadores.

Entretanto, podemos constatar que as estratégias das grandes unidades brasileiras consistem em tornar precários os postos de trabalho, externalizando as funções que podem ser desenvolvidas fora do quadro das empresas. Daí, surgiria a impossibilidade de uma construção organizacional onde os atores gerentes seriam observados fora de um contexto relacional.

Podemos, portanto, afirmar que o ator gerente não pode ser considerado responsável pela apropriação do poder, já que isto se constituiria num contra-senso histórico. De fato, não existe apropriação do poder, pela simples razão de que este é uma relação e,' como tal, inseparável das interações humanas, dado que nenhuma construção da ação coletiva pode ser feita a partir da supressão do fundamento de toda e qualquer organização, ou seja, assumindo a autonomia dos atores sociais.

A adoção de determinados processos no sistema produtivo brasileiro, como a precariedade do emprego, passa a ser um caminho para atender a determinados objetivos das empresas nacionais (redução do absenteísmo do trabalhador e restabelecimento da ordem econômica em crise).

A crise generalizada nas sociedades de mercado invalidou as principais correntes econômicas como modelos explicativos. Os mecanismos de regulação declinaram dentro do quadro organizacional das suas instituições, pondo em risco a sua própria sobrevivência. Em todos os casos, á crise convive com a organização em decorrência da falta de objeto, do aparecimento de uma situação conflitiva com o meio ambiente.

Uma perspectiva de saída de crise consistiria na escolha de um objeto, conduzindo a organização á busca de uma nova posição, reguiadora. Determinadas sociedades parecem haver encontrado um objeto catalisador para todos os atores sociais, oferecendo, ao menos a curto prazo, uma pseudo-solução de crise. Assim, na sociedade japonesa moderna, o aparecimento de determinados mecanismos de regulação permitiu que esta sociedade alcançasse um certo nível de estabilidade social. Podemos afirmar, nesse sentido, que a suspensão temporária das barreiras entre o mundo do trabalho e as empresas facilitou a cooperação entre os agentes formadores da ação coletiva.

O consenso obtido nessas organizações, segundo os analistas do CCO, decorre da identificação dos indivíduos com os objetivos da empresa. O erro dessa interpretação resulta em apreender o problema dentro de uma visão apriorística, completamente infundada do ponto de vista empírico.

Na realidade, é indispensável lembrar sempre o fato de que um grupo ou uma organização é uma construção humana destituída de significação fora das relações cooperativas entre os seus membros.

Falar de objetivos de uma categoria abstrata, como os indivíduos que aspiram a uma promoção, nos parece falso. Se os membros desse grupo podem apresentar similitude de comportamento a partir de determinados pontos de vista, a entidade que eles compõem não pode ter em si nem vontade, nem capacidade de ação.

3.3 A experiência da gestão de trabalho japonés no espaço brasileiro

Algumas unidades produtivas brasileiras começaram a adotar técnicas de produção validadas na sociedade japonesa, mas é indispensável, como observador social, integrar a cultura dos seus atores ao modo de organização, pois a construção organizacional é uma construção política e cultural necessária á coabitação entre atores sociais relativamente livres e possuidores de um certo objeto social. As interpretações de alguns analistas, quanto â legitimação dessas técnicas no espaço nacional, são repletas de conotações valorativas, de pouca profundeza, tomando uma perspectiva sócio-econômica para validação dos seus argumentos.

A criteríologia retida para análise dessas ações estabelece uma hierarquia de valores entre culturas. Assim, enuncia-se que a o modelo japonés foi concebido para um povo culto, disciplinado, coeso, voluntarista, enquanto o povo brasileiro, segundo os mesmos critérios, estaria nos primeiros intervalos da pré-ordem estabelecida. Ora, o que esses analistas esquecem é que, em ciências sociais, o contrário de igual não é desigual, mas conduz a uma diferença da qual decorre impossibilidade de estabelecermos uma mesma ordem para sistemas disjuntivos. Por outro lado, a argumentação de impraticabilidade do CCO na sociedade brasileira, devido ás carências culturais e sociais, parte também de uma visão apriorística, pois as transformações não decorrem das leis, nem da concepção de operacionalização de um modelo racional, mas partem do conhecimento das estruturas adquiridas da organização e levam os atores sociais á tomada de decisões na escolha de caminhos menos escorregadios.

O jogo social, resultante do movimento de cooperação e conflito, adquire novas características, que permitem a compatibilidade com o meio ambiente.

Em decorrência das "falhas" deste processo na transposição ao espaço brasileiro, o aprendizado do CCO foi bastante difícil, levando a uma apreciação consideravelmente distorcida do modelo idealizado no quadro japonês.

Alguns autores, como Claudius d'Artagnan, afirmam que a transposição é possível desde que a ordenação do sistema produtivo passe a privilegiar o indivíduo como a única força capaz de mudar o sistema. Percebemos, nesta argumentação, uma visão de interdependência dos efeitos e causas dentro do sistema, que autoriza a compreender e prever os resultados que se deseja exphear. Considerando' que todo o conjunto humano é esstruturado, portanto, contingente, identifica-se facilmente o impasse epistemológico dde construção de d'Artagnan em tentar relacionar as práticas organizacionais com as estruturas independentemente da legitimização do sistema sócio-cultural.

A partir daí, verifica-se a necessidade de privilegiarmos as pesquisas e reflexões que não estabeleçam leis gerais, mas que levem em consideração a existência e a constituição mesma do objeto em questão no espaço brasileiro.

4. CONCLUSÃO

Finalizando, poderíamos afirmar que por mais forte ou irredutível que seja uma querela entre os analistas sociais sobre o modelo CCO no espaço nacional, igualmente por maior concordância que exista na sua aplicação, nesse mesmo espaço, há nestas duas argumentações uma dupla associação. Na dimensão discordante, dever-se-ia admitir uma interseção entre os grupos, na elevação da produtividade, mas a extensão desse processo â totalidade do sistema econômico é bastante difícil, pois a elevação da produtividade é diferencial segundo os ramos industriais. Mesmo admitindo-se uma uniformização dos salários e do tempo de serviço, na outra perspectiva seria indispensável um certo consenso entre os atores sociais na garantia do emprego e da renda. Nesse contexto, os atores, tenderiam a desenvolver as suas particularidades criadoras, co-participando na gestão do trabalho, a fim de garantir a elevação da produtividade.

Percebe-se que, se a polêmica permanecesse no âmbito do produto, os conflitos seriam bastante previsíveis, mas o problema entra por outra dimensão, recaindo na apropriação do objeto produzido.

Em conclusão, podemos dizer que o CCO precisa ser estudado, particularizadamente, levando-se em conta as relações próprias de nossa sociedade, para se pensar em introduzi-lo no contexto brasileiro. O CCQ não pode ser improvisado, nem proposto como uma solução mágica á crise da sociedade, segundo os moldes japoneses. Ele exige tempo, formação e informação de todos os membros da empresa, para que se possa chegar a uma ação coletiva mais consequente com os atores sociais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1984
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