ARTIGOS
O processo de seleção de pessoal
Maria José Araujo Lima AmatoI; Richard KannerII
IPsicóloga da USAFARM A Indústria Farmacêutica e consultora de instituições escolares
IIProfessor (contratado) de Psicologia, do Departamento de Ciências Sociais, da Escola de Administração de Emprêsas de São Pavio, da Fundação Getúlio Vargas e Diretor-Superintendente do IATROS - Instituto de Medicina
"O homem, em seu comportamento dirigido à satisfação de necessidades e à realização de objetivos, é igual a todos os homens, em parte como êles e diferente de todos êles." - CHRIS ARGYRIS.
A escolha adequada do homem para o trabalho é problema que tem merecido, por parte dos dirigentes de emprêsas e estudiosos do assunto, particular atenção, mercê de sua relevância para o aproveitamento conveniente do homem mais apto a adaptar-se, como participante de um grupo, a certo tipo e ambiente de trabalho.
Essa escolha tem-se tornado cada vez mais complexa, pois deve, segundo a opinião corrente, levar em conta não só os interêsses administrativos da emprêsa, mas também os do candidato, já que não se pode falar err realização de objetivos da emprêsa sem que ao mesmo tempo se lembre a realização dos objetivos do próprio homem para sua real valorização.
Impõe-se, portanto, a necessidade de examinar com cuidado os aspectos essenciais do processo de seleção de pessoal, a fim de verificar em que medida os métodos atualmente usados pelas emprêsas satisfazem os requisitos mencionados.
Daí poderemos partir em busca do melhor processo de seleção, aquêle que, embora sujeito a imperfeições, pelo menos minore os riscos da escolha mal planejada e realizada.
MÉTODOS DE SELEÇÃO
Vejamos, rapidamente, como se têm desenvolvido nas emprêsas os métodos de seleção para atingir os objetivos citados.
A experiência no próprio trabalho, pela oportunidade que oferece de apreciação direta do rendimento e da qualidade, impôs-se há muito como medida segura de seleção. Torna-se, porém, bastante simplista essa medida, em face da dinamicidade dos problemas que as emprêsas enfrentam atualmente. A apreciação do indivíduo na realidade do trabalho é morosa, onerosa e, portanto, incompatível com o caráter de urgência de que se reveste o interêsse da emprêsa em ter "o homem certo no lugar certo".
Formulários de "solicitação de emprêgo" têm sido organizados e utilizados como meio de seleção de pessoal, quer para apresentação do postulante e fornecimento de dados para entrevistas, quer para avaliação de suas aptidões em relação a aspectos do trabalho. Num e noutro caso o formulário pode servir apenas como parte do processo de seleção, pois não' dispensa - por mais completo que seja - outros métodos de obtenção de informações sôbre o candidato.
A solicitação de fontes de referências tem sido utilizada para colhêr informações sôbre o candidato em suas atividades anteriores, especialmente em sua evolução profissional. Dependendo da propriedade das indagações e da qualificação das pessoas que sejam chamadas a fornecê-las, esse expediente pode ser útil na avaliação da "inteligência efetiva" do indivíduo, aquela que se revela pelo nível de suas realizações.
As entrevistas com candidatos têm servido para conhecer melhor as reações temperamentais, as necessidades e os conflitos dos indivíduos com relação ao trabalho.
Além dêsses recursos mais ou menos generalizados e tradicionais, vem-se desenvolvendo acentuadamente o uso de provas psicológicas na seleção de pessoal, em alguns casos como método preponderante e até único, "solucionador de todas as dúvidas" a respeito do indivíduo e de sua capacidade de adaptação ao trabalho. Em que pêse ã sua importância para a avaliação do homem em relação ao trabalho, não devem êsses testes ser aplicados isoladamente e - o que é mais importante - não podem ser elaborados e interpretados sem que se conheçam as condições peculiares da emprêsa. O êxito obtido no emprêgo de determinados testes de inteligência para seleção no exército, por exemplo, poderá corresponder a fracasso em organizações industriais e comerciais, se não houver adaptação e interpretação apropriadas aos fins a que os testes se destinam. Êles representam colaboração de alto alcance científico e devem, portanto, ter sua conceituacão claramente compreendida.
O PROCESSO INTEGRADO DE SELEÇÃO
Pelo exposto fica evidente que os métodos de seleção devem ser elaborados e aplicados de forma adequada e integrada para que efetivamente se conheça o homem em relação ao trabalho.
Os formulários, por exemplo, poderão fornecer dados importantes, desde que elaborados em função do cargo a ser provido. Um formulário completo deve situar o indivíduo em função de sua organização familial, sua situação econômico-social, sua escolaridade, seus interêsses e passatempos, sua saúde e suas responsabilidades sociais. Êsse formulário deve, por outro lado, ser complementado por outro relativo ao próprio cargo, em que se anotem as condições do trabalho e os requisitos exigidos para sua execução. Da comparação entre êsses dois fatores certamente poderá resultar uma avaliação racional da possibilidade de adaptação do indivíduo ao trabalho. A título de ilustração, apresentamos no Anexo 1 alguns dos quesitos de inclusão aconselhável num formulário que se destine à análise de cargos no processo de seleção, e no Anexo 2 alguns itens que devem constar do formulário para análise do candidato nesse mesmo processo.
As entrevistas, por outro lado, demandam preparo prévio do entrevistador quanto aos objetivos a alcançar na seleção, conhecimento minucioso do cargo a ser ocupado (tarefas a serem desempenhadas, habilitações exigidas, aptidões psicológicas e caraterísticas de personalidade desejáveis), prévia discriminação dos assuntos a serem focalizados na entrevista e auto-análise das condições pessoais do entrevistador (condição emocional, inclinações, juízos préconcebidos etc.).
A condução da entrevista deve ser bastante natural, tentando-se desenvolver a confiança do candidato. Se o entrevistador "souber ouvir", poderá obter material bastante significativo para a avaliação do candidato. Se o entre vistador não contar com um gravador, a organização das informações e impressões obtidas deve, tanto quanto possível, ser feita imediatamente após a entrevista. Em seguida a êsse registro de dados, pode-se organizar um formulário de avaliação da entrevista, que se refira a pontos básicos quanto à aparência geral, às reações físicas e ás caraterísticas de comportamento do candidato.
Finalmente, devemos considerar no processo de seleção a natureza e a aplicação de provas psicológicas. Claro está que só o faremos de maneira geral, porquanto os esclarecimentos específicos sôbre a matéria são próprios de livros especializados e o emprêgo dessas provas requer alto preparo científico. É por isso mesmo, aliás, que os limites de sua utilidade devem ser claramente situados.
O teste psicológico serve para avaliar as condições intelectuais e de personalidade e, também as habilidades adquiridas. A elaboração do teste deve procurar adequá-lo ao fim a que se propõe e às condições precisas de realização do trabalho, sem o que não serão válidos os resultados que sua aplicação ensejar. A propósito, convém ressaltar que a aplicação do teste deve ser feita em condições favoráveis, desde o ambiente físico, que deve ser confortável, até a atitude do examinador em relação ao examinando, pois o teste só será bem sucedido se o examinador obtiver um clima "relativo" de confiança e despreocupação em situação de teste.
A avaliação do teste deve incluir não só a apuração estritamente técnica e específica de resultados, mas também a interpretação do teste como parte de um todo em que sejam ponderados os componentes sociais e pessoais que condicionem as reações do indivíduo. Os resultados obtidos nos testes devem, portanto, ser correlacionados com os resultados obtidos através de questionários, formulários, referências e considerações em tôrno da entrevista com o candidato.
NATUREZA DOS TESTES PSICOLÓGICOS
Podemos considerar como "testes" não só os que servem para estudo da personalidade ou avaliação de inteligência geral, fatores intelectuais, aptidões específicas etc., mas também os que se propõem a avaliar o nível de conhecimentos gerais ou específicos e a capacidade profissional do indivíduo.
Êsse segundo tipo de testes importa numa avaliação prática da situação profissional. Se, de um lado, existem categorias profissionais que exigem mais quarto a aptidões intelectuais, outras há que dão maior destaque a fatores de personalidade. Exige-se, por isso mesmo, que o psicólogo conheça não só as ocupações profissionais - através de análise de cargos, por exemplo - mas também a emprêsa, desde suas diretrizes relativas a treinamento, promoção, avaliação de mérito e assistência social, médica e recreativa, até seu "ambiente afetivo" quanto à existência e à natureza de grupos informais. Dessa forma, êle poderá proceder à avaliação dos aspectos intelectuais, das condições de adaptabilidade, da realização profissional, das motivações e, também, com a colaboração do médico, à avaliação física e biotipológica do indivíduo.
Já a avaliação através de testes de inteligência geral e de fatores intelectuais específicos obedece a critérios próprios que é importante mencionar. A existência de um fator geral de inteligência e de fatores específicos intelectuais não significa que se compreenda a inteligência como soma dêsses fatores; o fator geral está sempre presente em qualquer situação de teste em que o indivíduo se proponha à realização de tarefas, mesmo específicas. A especificação de fatores intelectuais permite a avaliação qualitativa e quantitativa da inteligência pelo método de análise fatorial. Nesse caso podem ser apreciados vários fatôres: verbal (V), numérico (N), fluência verbal (W), perceptivo (P), mnemónico (M), espacial (S) etc.. O teste que nos permite uma avaliação do fator numérico (N), por exemplo, deve estar mais saturado dêsse elemento intelectual específico, não se excluindo o fator geral (G), pois há um fator geral (G) comum a várias habilidades e um específico a cada habilidade em particular.
Já foi confirmada por vários autores a relação direta do fator geral (G) com a complexidade da profissão. Por outro lado, a correlação de fatôres específicos com algumas atividades profissionais já foi confirmada por estudos realizados por psicólogos e permite prognóstico com relação ao êxito no exercício dessas profissões.
SELEÇÃO E MOTIVAÇÃO
Na motivação profissional encontramos a causa propulsora da satisfação do indivíduo no trabalho, a causa que o estabiliza no trabalho. Desde que tenha motivação para o trabalho o indivíduo tende a ligar-se a êle por razões bàsicamente afetivas. O que importa na seleção é, portanto, conhecer as motivações oferecidas pelo trabalho e considerá-las em relação ao que se apreciou no indivíduo: ora podem estar mais em destaque interêsses econômicos, ou afetivos, ora os dados pelas próprias peculiaridades do trabalho (técnicas, científicas, burocráticas), ora as sociais, (posição social, projeção num grupo, relações etc.).
Se a emprêsa objetiva com a seleção buscar colaboradores que produzam bem e se adaptem ao trabalho é preciso indagar das condições de ambiente que oferece. Tem-se observado que a demissão de empregados se prende, na maioria das vêzes, a causas de ordem afetiva. O indivíduo sai de uma emprêsa para ocupar em outra cargo igual ou semelhante. Conclui-se, portanto, que, desde que o indivíduo possua condições para o desempenho do trabalho, o que o torna adaptado a êle é o "clima afetivo" da emprêsa.
No "clima afetivo" tem grande importância o treinamento oferecido pela emprêsa, porquanto a situação nova é sentida subjetivamente como hostil ao indivíduo, mesmo para o emocionalmente mais equilibrado.
Um dado que deve ser considerado é a conscientização que possa ter o indivíduo com relação ao resultado de sua situação profissional, como parte integrante de um todo que é a emprêsa. Tal preparo deve fazer parte de um programa de treinamento.
Importa, portanto, indagar se a emprêsa poderá satisfazer o nível de aspiração do indivíduo, considerando-se que êsse nível de aspiração é a própria realização do indivíduo não só no sentido econômico, mas também no sentido de satisfação de necessidades pessoais que concorram para a integração da personalidade na comunidade de trabalho e, num sentido ainda mais amplo, para o próprio ajustamento na sociedade.
REAVALIAÇÃO DA SELEÇÃO
Após certo período de atividade dos indivíduos selecionados, faz-se necessário um levantamento de dados que possibilite a avaliação do trabalho de seleção. Essa avaliação pode ser realizada por meio de formulário que inclua como pontos básicos a apreciação da qualidade e da quantidade do trabalho em função dos padrões desejados e da capacidade revelada pelo empregado para aprender, bem como de sua adaptabilidade, do senso de responsabilidade e iniciativa e, finalmente, da habilidade para trabalhar em grupo. Pode-se proceder a essa avaliação desde que se adote um critério para julgamento em que se possa estabelecer confronto entre a eficiência profissional, e a avaliação conferida pelo critério da seleção.
Essa reavaliação não se confunde com a prática de selecionar o indivíduo pela experiência no trabalho, já que pressupõe um processo de seleção aperfeiçoado, com risco mínimo de êrro na adaptação do indivíduo ao cargo. Ela auxilia, porém, a emprêsa a criticar e melhorar seu processo de seleção, visando a torná-lo ainda mais eficiente.
Finalmente, devemos lembrar que todo o esforço de seleção deve ser orientado no sentido de compreender o homem como membro de uma comunidade de trabalho, realizando - ao mesmo tempo que auxilia a realização dos objetivos da emprêsa - seus próprios objetivos em relação ao trabalho, sentindo o apoio e o respeito que cada homem merece como membro integrante de uma organização.
BIBLIOGRAFIA
Referências bibliográficas
- OSWALDO DE BARROS SANTOS, "Psicologia Aplicada à Orientação e Seleção Profissional".
- MILTON M. MANDELL, "Recrutamento e Seleção de Empregados de Escritório", São Paulo: SENAC, 1961, 1.ş Seminário de Seleção de Pessoal.
- ADELINA PERITO, "Relatório de Viagem ao Exterior", São Paulo: SENAC, maio/agôsto de 1963.
- PIERRE WEILL e OTÁVIO MARTINS, "Aspectos de Medida da Inteligência", São Paulo: SENAC, Caderno n.ş 5, 1956.
- O Dirigente Industrial, Vol. 1, número 11, julho de 1960.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
13 Jul 2015 -
Data do Fascículo
Mar 1966