RESUMO
A internacionalização do ensino superior vem ganhando importância teórica e empírica nas décadas recentes. Nesse contexto, este artigo objetiva descrever e analisar a internacionalização de escolas de negócios a partir das atividades dos acadêmicos e com base nas proposições defendidas pela Teoria da Troca Social (SET, do inglês Social Exchange Theory). Para atingir nosso objetivo, conduzimos 39 entrevistas com acadêmicos de escolas de negócios dos Estados Unidos e do Brasil, incluindo Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), Harvard, Fundação Getulio Vargas (FGV) e Universidade de São Paulo (USP). Temos como principais achados: (i) existem recompensas individuais que não são abordadas pela SET; (ii) há benefícios para outras partes interessadas que não são contemplados pela SET; (iii) há certas decisões não racionais não previstas pela SET; (iv) e a condição de equivalência entre custos e recompensas prevista pela SET apresenta fragilidades. Com esses resultados, trazemos contribuições teóricas e empíricas para a temática.
PALAVRAS-CHAVE Internacionalização do ensino superior; educação internacional; acadêmicos; social exchange theory; escolas de negócios; atividades internacionais
ABSTRACT
The internationalization of higher education has gained in theoretical and empirical importance in recent decades. In this context, this article aims to describe and analyze the internationalization of business schools from the activities of their academics and based on the propositions defended by the Social Exchange Theory (SET). To achieve our goal we conducted 39 interviews with academics from business schools in the United States and Brazil, including Massachusetts Institute of Technology (MIT), Harvard, Getulio Vargas Foundation (FGV) and University of Sao Paulo (USP). We found that: (i) there are individual rewards that are not addressed by SET; (ii) there are benefits to third parties not covered by SET; (iii) certain non-rational choices are not provided by SET; and (iv) the condition of equivalence between costs and rewards provided by SET has its weaknesses. With these findings we add theoretical and empirical contributions to our theme.
KEYWORDS Internationalization in higher education; academics; social exchange theory; business schools; international activities
RESUMEN
La internacionalización de la educación superior ha ganado importancia teórica y empírica en las últimas décadas. En este contexto, este artículo tiene como objetivo describir y analizar la internacionalización de las escuelas de negocios a partir de las actividades de los académicos y de las propuestas defendidas por la Teoría del Intercambio Social (SET). Para lograr nuestro objetivo, realizamos 39 entrevistas con académicos de escuelas de negocios de Estados Unidos y Brasil, incluidos Instituto de Tecnología de Massachusetts (MIT), Harvard, Fundação Getulio Vargas (FGV) y la Universidad de São Paulo (USP). Los resultados principales son: (i) que hay recompensas individuales que la SET no aborda; (ii) que hay beneficios para las partes interesadas no cubiertos por la SET; (iii) que hay ciertas decisiones no racionales no previstas por la SET; (iv) y que la condición de equivalencia entre costos y recompensas prevista por la SET tiene debilidades. Con estos resultados aportamos contribuciones teóricas y empíricas al tema.
PALABRAS CLABE Internacionalización de la educación superior; educación internacional; académicos; social exchange theory; escuelas de negocios; actividades internacionales
INTRODUÇÃO
A internacionalização dos acadêmicos ainda é pouco conceitualizada na literatura, mas, por ser um tema de interesse não só dos próprios acadêmicos, mas também das instituições de ensino superior, tem sido objeto de longas discussões na área acadêmica, principalmente em congressos. Neste contexto, consideramos que os acadêmicos estão operando internacionalmente, por exemplo, quando, no desempenho de suas funções acadêmicas, eles se envolvem em atividades transnacionais, frmam parcerias com autores fora do seu país, atingem um nível de impacto científco internacional com suas publicações, publicam em periódicos internacionais e se engajam em outras atividades que serão abordadas no decorrer deste artigo (Carneiro, Bandeira-de-Mello, Cuervo-Cazurra, Gonzalez-Perez, Olivas-Luján, Parente, & Xavier, 2015; Criswell, 2014; Lazzarini, 2012; Proctor, 2016).
Embora o tema da internacionalização do ensino superior seja relevante em várias áreas (Altbach & Knight, 2007; Knight, 2004), na prática, nem todas as instituições e acadêmicos contam com oportunidades e condições que facilitem esse processo. Por exemplo, 63% dos acadêmicos no Brasil nunca tiveram experiência de pesquisa fora do país. Já no Reino Unido, 24% dos acadêmicos são estrangeiros oriundos de países como Itália, China e Índia (British Council, 2018; Hotcourses, 2019). É nesse cenário que os programas de pesquisa das instituições de ensino superior buscam qualifcar e ampliar essa discussão perante a comunidade acadêmica internacional por meio de seus docentes e alunos (Batista & Romani-Dias, 2021). Mais especifcamente, os acadêmicos têm buscado publicar seus trabalhos em periódicos e conferências internacionais, principalmente para progredir pro-fssionalmente, mantendo suas posições acadêmicas e ganhando reconhecimento. Existem, no entanto, vários facilitadores e barreiras a esse processo de internacionalização que merecem ser investigados.
Por se tratar de um tema de interesse não só dos próprios acadêmicos, mas também das instituições de ensino superior em que atuam, e diante da escassez de estudos teórico-empíricos sobre a internacionalização dos acadêmicos, iniciamos este estudo com a seguinte questão de pesquisa: de que forma a internacionalização das escolas de negócios pode ser explicada pela atuação dos acadêmicos, a partir das propostas da Teoria da Troca Social (SET, do inglês Social Exchange Theory)?
A SET trata de: (a) um amplo cenário de negociação, no qual duas ou mais partes trocam recursos; e (b) como essas trocas ocorrem, e como elas afetam as relações entre as partes envolvidas (Cropanzano, Anthony, Daniels, & Hall, 2017). Para alcançar o objetivo do artigo, realizamos 39 entrevistas com acadêmicos internacionais. Identifcamos quatro categorias de análise que destacam as fragilidades da SET e, ao mesmo tempo, oferecem oportunidades para desenvolvê-la, a saber: (i) as recompensas resultam da internacionalização dos acadêmicos, o que não era previsto pela teoria; (ii) os benefícios que os acadêmicos obtêm com a internacionalização não se restringem ao nível individual, conforme afrmado originalmente pela SET; (iii) ao contrário das premissas da teoria, os acadêmicos que optam por internacionalizar suas carreiras não o fazem de forma exclusivamente racional; e (iv) os custos e recompensas de uma atuação internacional, quando comparados a outra, raramente são equivalentes, o que é contrário à teoria.
O artigo traz várias contribuições com esses resultados. O estudo contribui para a prática ao apresentar argumentos teóricos e empíricos para que acadêmicos e instituições desenvolvam suas estratégias de internacionalização, a partir da percepção de acadêmicos que atuam nos Estados Unidos e no Brasil. Por exemplo, nossa análise pode ajudar as instituições de ensino superior a aumentar suas capacidades preditivas com relação a seus docentes, oferecendo insights sobre os motivadores e as barreiras presentes no processo de internacionalização no ensino superior. Outra contribuição, de caráter teórico, destina-se à SET e apresenta suas fragilidades, bem como oportunidades para desenvolvê-la. Discutimos ainda, neste estudo, a existência de temas relevantes que fazem parte do processo de internacionalização, como os motivadores, facilitadores e condicionantes que impedem a internacionalização de acadêmicos.
A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS ACADÊMICOS
O conceito da internacionalização de acadêmicos ainda é pouco explorado. A literatura tem discutido a internacionalização da educação, a internacionalização das instituições de ensino superior e a internacionalização dos alunos (Gu, Schweisfurth, & Day, 2010; Tran & Pham, 2016; Wit, 2020; Wu, 2018). No entanto, poucos são os estudos que tratam efetivamente da internacionalização dos acadêmicos (Dewey & Duf, 2009; Sanderson, 2008; Woldegiyorgis, Proctor, & Wit, 2018; Romani-Dias, Carneiro & Barbosa, 2019; Romani-Dias & Carneiro, 2020). Vamos agora descrever, portanto, os conceitos pertinentes ao tema. A internacionalização é o processo de integração de uma extensão internacional, intercultural ou global em educação, pesquisas e funções de uma instituição de ensino superior (Knight, 2008).
Dewey e Duf (2009) mencionam que os acadêmicos são os principais agentes no processo de internacionalização das instituições de ensino, por meio de suas publicações, participação em conferências e grupos de pesquisa, atuação em conselhos editoriais e organização de intercâmbios de alunos, entre outras atividades que podem ou não envolver o cruzamento de fronteiras. A publicação internacional, por exemplo, é um tipo de atividade de internacionalização que pode ser realizada “em casa”. Com relação a esse aspecto, Teekens (2004) e Sanderson (2008) destacam o engajamento dos acadêmicos na construção de currículos internacionais como uma das atividades que podem ser realizadas “em casa”, integrando o fenômeno da internacionalização. A pesquisa, por exemplo, é uma dimensão importante do processo de internacionalização. De fato, a mobilidade internacional é vista como um mecanismo para aumentar o dinamismo da atividade docente em outros países, assim como a colaboração em pesquisas e a formação de redes (Ramos, 2018; Santin, 2016).
Sobre o que motiva os acadêmicos a se internacionalizarem, Ramos (2018) aponta que os determinantes esperados da internacionalização são um maior impacto das pesquisas e um perfl mais internacional, uma vez que muitos acadêmicos buscam complementar sua formação com períodos de estudos ou pesquisa no exterior, quer sob a forma de um estágio de doutorado ou de uma pesquisa de pós-doutorado. Santin (2016) acrescenta que as motivações para a colaboração internacional são múltiplas e envolvem tanto as normas internas ao campo científco quanto os benefícios esperados do trabalho conjunto entre os países.
Os principais indutores da internacionalização são as melhorias na qualidade da pesquisa, o reconhecimento pessoal e institucional, o aumento das oportunidades profssionais e o aprendizado proporcionado pela inserção internacional (Carneiro et al., 2015; Criswell, 2014; Lazzarini, 2012; Proctor, 2016). Os acadêmicos entrevistados destacaram seu desejo de participar do debate acadêmico sobre seus temas de pesquisa, argumentando que, ao fazê-lo, aumentariam seu potencial de infuência e trariam uma contribuição prática para o país. Percebe-se, nesse argumento, que a área ou disciplina do docente também infuenciará seu envolvimento na internacionalização (Agnew, 2013; Leask, 2013).
Embora vários fatores motivem os acadêmicos nesse processo de internacionalização, existem barreiras e/ou inibidores capazes de atrapalhá-lo, ou mesmo inviabilizá-lo completamente. Nesse sentido, a falta de apoio administrativo e/ou organizacional em nível institucional ou departamental é um dos principais fatores que inibem a maior internacionalização dos programas de pesquisa e seus respectivos acadêmicos (Ramos, 2018).
Outra barreira à internacionalização dos acadêmicos diz respeito às limitações decorrentes do domínio/falta de domínio de uma língua estrangeira (na maioria dos casos, o inglês), o que afeta principalmente as atividades nas áreas de ciências humanas e ciências sociais aplicadas, nas quais a capacidade de articular argumentos é ainda mais essencial (Mazenod, 2018). Carneiro et al. (2015) e Lazzarini (2012) também argumentam que as principais barreiras percebidas pelos acadêmicos são: (a) a diferença nos procedimentos que as publicações internacionais utilizam para avaliar os artigos; e (b) a falha de algumas instituições de ensino em valorizar o tempo e os recursos necessários à internacionalização, bem como o esforço necessário à produção de artigos. Essas são as principais barreiras encontradas pelos autores, as quais difcultam o processo de internacionalização dos acadêmicos.
Embora possamos perceber barreiras no processo de internacionalização, há também alguns facilitadores à disposição dos acadêmicos. Os docentes que realizam seu doutorado no exterior aprendem com essa experiência, e podem, posteriormente, tornar-se facilitadores da internacionalização, não apenas para si mesmos, mas também para os programas em que atuam (Leask, 2013; Ramos, 2018). Com relação a esse aspecto, Leask (2013) defende a necessidade de os acadêmicos se internacionalizarem para, posteriormente, desenvolverem uma carreira internacional. Outros fatores identifcados como facilitadores por Carneiro et al. (2015) e Lazzarini (2012) são: a inclusão em redes de colaboração internacional; o aprendizado inerente ao processo de publicação internacional; e o potencial empírico existente em alguns países, como o Brasil, advindo da pluralidade e heterogeneidade dos diversos tipos de instituições de ensino, tanto em quantidade quanto em qualidade.
Ao discutir os motivadores, indutores e barreiras à internacionalização, devemos levar em consideração os diferentes contextos acadêmicos. Ao investigar o caso da Austrália, por exemplo, Proctor (2016) argumenta que o isolamento social pode ser um motivador e uma barreira para o envolvimento internacional do país. Majee e Ress (2018), que realizaram um estudo na África do Sul e no Brasil, dão outro exemplo: a “internacionalização do ensino superior tem sido teorizada, em grande medida, a partir de uma perspectiva euro-americana, com pouca consideração ao aspecto de como os legados da expansão colonial impõem demandas singulares às universidades” (p. 1). A partir desses autores podemos inferir que, embora possamos buscar consenso entre conceitos encontrados na literatura, devemos abordar as especifcidades de cada contexto acadêmico ao investigarmos a internacionalização.
TEORIA DA TROCA SOCIAL (SET)
A SET surgiu a partir de conceitos econômicos e de troca, com foco em como a interação social ocorre e quais fatores motivam as trocas sociais. Homans (1958), precursor dos estudos da SET, aponta que todas as relações são formadas, sustentadas ou rompidas a partir de uma análise dos princípios econômicos básicos da relação de custo-benefício. Esse tema foi tratado de forma mais ampla por Emerson (1972), que argumenta que as pessoas formam e mantêm relacionamentos quando acreditam que irão se benefciar de tais relacionamentos (em outras palavras, quando os benefícios superam os custos). O que um indivíduo dá deve ser um custo; o que ele recebe deve ser um benefício (Homans, 1958). Nye (1978) destaca nove proposições da SET relacionadas às escolhas individuais. A aplicabilidade dessas proposições constitui a base de nosso artigo e, portanto, da análise e discussão dos resultados. As proposições são apresentadas no Quadro 1 a seguir:
As pessoas criam relacionamentos de acordo com a teoria das trocas sociais. Emerson (1976) apresentou a primeira abordagem, relativa aos aspectos fnanceiros, argumentando que existem relações de trocas econômi-cas, geralmente de curta duração e envolvendo trocas concretas de trabalho por recompensa fnanceira. Em uma segunda abordagem, ele menciona que existem relações de trocas sociais mais duradouras, envolvendo a troca de recursos menos tangíveis e mais emocionais ou socioemocionais, como reconhecimento e estima, os quais, para certas pessoas, podem ser mais valiosos em um contexto social e emocional do que os aspectos fnanceiros.
Para a SET, o movimento das interações entre os indivíduos pode ocorrer por meio de ideias sociais e recursos materiais (Emerson, 1976). Cropanzano et al. (2017) desenvolvem essa ideia, apontando que os indivíduos tomam suas decisões de forma racional, com o intuito de maximizar as experiências positivas e minimizar as experiências negativas por meio das interações. Os benefícios e custos de uma troca social não podem ser pensados como resultados econômicos ou materiais, mas como uma imagem dos valores e desejos de cada pessoa (Blau, 1986; Mazza, 2007).
Em termos de comportamento humano, às vezes os indivíduos parecem motivados a aumentar a ocorrência de eventos positivos em suas vidas e a reduzir a ocorrência de eventos negativos. Para isso, eles utilizam interações sociais, as quais, por sua vez, terão resultados positivos e negativos para os participantes (Weiss & Stevens, 1993). As necessidades humanas podem, portanto, ser organizadas em uma hierarquia de motivações humanas (Maslow, 1954). Assim, em ordem decrescente de complexidade, as necessidades são classifcadas em fsiológicas, de segurança, de amor/pertencimento, de autoestima e de autorrealização (Hesketh & Costa, 1980; Maslow, 1954).
Dentre esses níveis, podemos relacionar, por exemplo, os de estima e de autorrealização à SET. O nível de estima refere-se à necessidade de uma pessoa de: (a) conquistar algo a fm de ter competência, status, consideração, zelo, estima e apreciação; e (b) acreditar e “ser alguém no mundo” (Hesketh & Costa, 1980). Como certas atividades são muito complexas para as realizarmos sozinhos, precisamos de outras pessoas em quem possamos confar e por quem possamos ser reconhecidos. Para Lawler, Thye e Yoon (2000), a tarefa implícita ou explícita a ser realizada em troca é gerar benefícios para cada indivíduo, por meio da troca de bens ou comportamentos que os agentes não podem realizar sozinhos. Em relação às necessidades humanas, outro nível ligado à SET é o da autorrealização, ou metamotivação, que diz respeito à necessidade de perfeição, a necessidade de uma pessoa de desenvolver todo o seu potencial (Hesketh & Costa, 1980). A SET está relacionada a um processo social por meio do qual os indivíduos buscam trocar recursos materiais e/ou imateriais, estabelecendo uma relação de confança, para que suas necessidades humanas sejam atendidas (Emerson, 1972).
No caso das trocas sociais, pode-se aplicar a lei geral da reciprocidade, pois os indivíduos podem estar favoravelmente predispostos a outros, por acreditarem que serão tratados reciprocamente (Cropanzano & Mitchell, 2005). Uma troca mútua baseada na reciprocidade é vista como uma troca redutora do risco envolvido, e motiva a colaboração recíproca (Molm, 1994). Como uma parte fornece um benefício à outra, espera-se que aquele que recebe o benefício retribua espontaneamente com outro benefício, a fm de satisfazer a necessidade específca da outra parte (Blau, 1986).
METODOLOGIA
Para realizar este estudo, adotamos uma abordagem de pesquisa qualitativa com um paradigma epistemológico interpretativo, uma vez que o estudo busca compreender a realidade por meio do objeto estudado, e o resultado baseia-se na interpretação dos pesquisadores (Strauss & Corbin, 1990). Utilizamos entrevistas individuais com base em um roteiro semiestruturado como principal fonte de dados do artigo. Estabelecemos os seguintes critérios, às vezes cumulativos, para selecionar nossos respondentes. Eles precisavam: (a) ser membros, em tempo integral, do corpo docente de programas de mestrado ou doutorado na área de administração de empresas; (b) ter publicado internacionalmente entre 2011 e 2016; (c) ter tido experiência em eventos científcos internacionais nos últimos anos; e (d) ter atuado como docentes, ou estar matriculados como alunos de pós-graduação em cursos no exterior.
Com base nesses critérios, realizamos 39 entrevistas com docentes de 15 programas de pós-graduação nos Estados Unidos e no Brasil. Entrevistamos acadêmicos das seguintes escolas de negócios: Universidade de Harvard, Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), Universidade Northeastern, Boston College, Merrimack College, Universidade Bentley, Universidade da Georgia, Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE), Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Uuniversidade de São Paulo (FEA-USP), Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead-UFRJ) e Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
A escolha da localização dos entrevistados foi em função das diferentes etapas de internacionalização das instituições acadêmicas, e também porque todas se encontram em contextos institucionais plurais, oferecendo assim, segundo os preceitos de Creswell (2003), um ambiente rico para o aumento do poder de generalização dos resultados e de aplicabilidade dos achados a outros contextos. Alguns de nossos entrevistados trabalham na Nova Inglaterra, um lugar conhecido por ser cosmopolita, onde estão localizadas universidades de renome mundial, como Harvard e MIT. Os demais respondentes eram acadêmicos atuando no Brasil, uma nação relativamente jovem no cenário científco internacional, onde, segundo a Elsevier (2018), menos de 40% dos docentes possuem mobilidade internacional. Os programas de mestrado e doutorado no Brasil começaram a ganhar importância a partir da década de 1960, por isso, o país ainda está dando os primeiros passos rumo a uma participação mais efetiva no diálogo internacional (Velloso, 2002).
Como critério de seleção da amostra, optamos inicialmente por instituições de ensino com alto nível de internacionalização. As instituições norte-americanas estão incluídas no ranking da Fundação Carnegie (2018) de internacionalização regional ou global; no Brasil, selecionamos instituições com algum grau de internacionalização, seguindo relatório publicado pela Capes (2017), órgão vinculado ao governo brasileiro, no âmbito do Ministério da Educação. Para a realização das entrevistas, foi utilizado um roteiro semiestruturado dividido em três dimensões: (a) a trajetória científca dos entrevistados; (b) suas percepções sobre o conceito de internacionalização; e (c) suas estratégias e escolhas para atuação internacional, com base nos preceitos da SET (Kerlinger & Lee, 2000).
A primeira etapa da coleta de dados foi realizada no Brasil, em 2016, enquanto a segunda etapa ocorreu nos Estados Unidos, em 2018, sendo a terceira realizada no Brasil, no primeiro semestre de 2019. Ao fnal da última fase do estudo, havíamos entrevistado 20 docentes atuantes no Brasil e 19 docentes atuantes nos Estados Unidos, totalizando 39 entrevistados. Do total de entrevistas, 24 foram presenciais, 14 via Skype e uma por telefone. A duração média das entrevistas foi de 50 minutos. Ao citar os entrevistados em nossa seção de resultados, utilizamos pseudônimos.
Nossa principal intenção nesta fase foi comparar pontos de convergência e divergência no tocante à internacionalização dos acadêmicos, de acordo com as percepções em relação às proposições da SET, aumentando, assim, a validade interna da pesquisa (Creswell, 2003). A partir da descrição do fenômeno da internacionalização dos acadêmicos e da SET, buscamos descobrir padrões nos dados e desenvolver categorias que contribuíssem conceitualmente. Comparamos as principais categorias que emergiram da codifcação com a teoria, para formar novas perspectivas analíticas, que serviram de base para nossa análise do conjunto de proposições que compõem a SET, e para a identifcação de possíveis fragilidades (Guba & Lincoln, 2005).
ACHADOS
Recompensas individuais não tratadas pela SET
A partir das entrevistas, descobrimos que esses acadêmicos esperam diferentes tipos de recompensa de suas atividades internacionais. Aspectos como reconhecimento e reputação são os mais citados pelos entrevistados. Eles ressaltam que, quando publicam seus trabalhos internacionalmente, alcançam visibilidade e reconhecimento de outros acadêmicos, de instituições de ensino, de editoras de periódicos e também do ambiente acadêmico mais amplo, conforme as citações de Chris, Jennifer e Jacob:
A recompensa se reverte mais para o indivíduo do que para a instituição ou em termos de dinheiro. [...] é saber que estão falando de mim, que estou sendo chamado, respeitado [...]. (Chris)
Acho que a reputação é o mais importante, para quem valoriza uma reputação internacional – entrar nesses círculos – ser convidada para conferências, começar a ser considerada como alguém, e não apenas uma voz silenciosa (Jennifer)
Eles vão publicar um estudo usando meu método. Então, isso vai aumentar a visibilidade do meu trabalho. Acho que é o principal benefício para mim. (Jacob)
Além do reconhecimento e da reputação, os entrevistados destacam que o aprendizado adquirido com o ingresso no mundo acadêmico é outra forma de recompensa. Eles afrmam que publicar em nível internacional proporciona um aprendizado contínuo, pois as discussões, as pesquisas sobre novos temas e a interação com outros acadêmicos geram um nível mais elevado de aprendizado e de formação de rede. De acordo com Ethan, Miguel e Alexander:
Esse aprendizado é contínuo e vem de várias fontes. Posso até aprender participando de bancas de doutorado. (Ethan)
Acho que aprender com a internacionalização é fundamental, porque nos coloca em outro patamar de qualidade. (Miguel)
Quando você é pesquisador, as diferenças culturais são interessantes; é uma oportunidade tão maior de aprendizado. (Alexander)
Os acadêmicos destacaram também que as oportunidades profssionais são, em si mesmas, recompensas desse processo, pois, ao publicarem internacionalmente, eles percebem oportunidades de ascensão profssional e acadêmica e de participação em eventos, entre outras oportunidades profssionais internacionais. De acordo com Anthony e Sandrine:
Você tem uma chance melhor de progredir na carreira; mais chances de mudar para uma universidade de melhor qualidade; e mais chances de ser convidado para ir ao exterior, para desenvolver ainda mais suas habilidades. (Anthony)
Você pode conseguir apoio para eventos internacionais; você pode conseguir apoio para revisão e tradução, no caso de artigos para o inglês; e pode tirar licenças sabáticas. (Sandrine)
Por fm, os acadêmicos citam a satisfação pessoal como uma importante recompensa desse processo. Afrmam que este é um aspecto relacionado a recompensas pessoais, uma vez que proporciona um sentimento de realização pessoal quando eles superam desafos que este tipo de atividade impõe, e quando tomam decisões que consideram corretas, principalmente no que diz respeito a fazerem o que gostam. As citações a seguir são de Leslie, James e Noah:
Em termos de recompensas, eu acrescentaria o psicológico. Existe algo nos benefícios pessoais que você alcança ao fazer algo bom. É a realização pessoal. Esse benefício é algo que você, como pesquisador, deve buscar. (Leslie)
A recompensa para mim é conhecer outros lugares, algo que valorizo. E acabo conhecendo pessoas de muitos lugares diferentes – outra coisa que valorizo muito. A recompensa para mim se baseia em ser exposto e ver muitas culturas diferentes e muitas coisas diferentes ao redor do mundo. E eu gosto disso. Gosto de encher meu passaporte de carimbos. (James)
Na minha universidade, é isso que vai render mais pontos; eu também fco mais realizado. (Noah)
Vê-se, portanto, que as recompensas individuais advêm das atividades de pesquisa, tanto em termos pessoais quanto profssionais, e que estão relacionadas a questões objetivas e subjetivas para cada acadêmico.
Benefícios para outras partes interessadas não previstos pela SET
A segunda categoria de análise refere-se aos benefícios que acompanham a internacionalização. A partir das falas dos entrevistados, percebe-se que existem benefícios não apenas individuais, mas também coletivos decorrentes desse processo. Ao realizar atividades internacionais, os acadêmicos afrmam que buscam contribuir com outros públicos, como seus alunos e orientandos, com a formação de outros acadêmicos, com instituições e organizações de ensino, com sua área de atuação e com o país.
O principal aspecto desta categoria é o benefício obtido pelos alunos e orientandos. Muitos entrevistados acreditam que, ao realizar atividades internacionais, ajudarão a formar melhor seus alunos, imbuindo-os de uma perspectiva global. Eles também acreditam que ajudam a direcioná-los para o cenário internacional, como destacam Benjamin, Alice e Ethan:
Preparar melhor nossos alunos para programas no exterior. (Benjamin)
Esse caminho de desenvolvimento para os docentes da universidade obviamente tem um impacto positivo sobre os alunos que você orienta – as portas que você pode abrir para esses alunos. Esses contatos internacionais que eu tenho, já coloquei à disposição dos alunos de doutorado para fns de pesquisa. (Alice)
A cada ano, uma proporção maior dos meus alunos vem do exterior. E assim, na medida em que os ensino e os envolvo em minha pesquisa, estou necessariamente pensando na formação de uma maneira global. (Ethan)
Outro benefício destacado nas entrevistas refere-se à contribuição para a área de especialização dos aca-dêmicos. Isso porque, por meio das publicações internacionais, é possível ampliar o diálogo e o debate sobre um determinado tema, o que também ajuda a escola a avançar internacionalmente. As falas de Noah e Jayden são pertinentes nesse sentido:
Poder participar de um debate em nível mundial na sua área, e ser um dos atores que fazem a sua arte progredir, ao invés de fcar à margem. Claro, várias modalidades consideradas como internacionalização advêm daí, mas você só poderá ter essa atuação se for capaz de falar de forma persuasiva e fazer avançar sua área internacionalmente. (Noah)
Contribuir para a escola faz parte de mim. (Jayden)
Além dos benefícios para alunos e orientandos e para o campo de atuação, os entrevistados destacaram os benefícios para: (a) a formação de outros acadêmicos (quando as publicações têm impacto local, por exemplo); (b) instituições e organizações educacionais (quando o trabalho benefcia a instituição e/ou organização à qual o entrevistado está vinculado); e (c) o país (quando a pesquisa é sufcientemente abrangente, gerando impactos na prática). Trish, Helena e Alexander se pronunciaram nesse sentido:
Para mim existe a questão de você pensar no projeto da instituição, da organização na qual você está inserido. (Trish)
A internacionalização ajuda a instituição de ensino em termos de avaliação interna e aumenta o acesso a fnanciamento. (Helena)
Faz parte do meu trabalho investir no futuro de novos pesquisadores; é um benefício para mim e um benefício para a universidade. (Alexander)
Assim, além dos benefícios individuais para os acadêmicos, os dados indicam que há benefícios também para outras partes interessadas trazidos pela atividade de internacionalização, sendo que tais partes interessadas compreendem desde alunos e orientandos até a própria instituição de ensino, e até mesmo o país de atuação do acadêmico. Esta visão é mais abrangente do que a proposta inicialmente pela SET.
Escolhas não racionais não previstas pela SET
Além das escolhas racionais pela internacionalização, outro fator apontado como responsável pela internacionalização dos acadêmicos é a coerção que sofrem das instituições de ensino em que atuam, motivada pelo interesse de tais instituições em obter notas elevadas para seus programas de mestrado e doutorado. Apesar da coerção a que são submetidos, os entrevistados percebem que esse processo é necessário para a evolução do programa em que atuam. Essa situação aparece com mais frequência entre os acadêmicos brasileiros. Os relatos a seguir são de Alexander, Arthur e Eliah:
Meu reitor conversou comigo sobre a internacionalização; ele disse que, embora seja uma meta da universidade, não é vinculante para cada um. Cada pessoa escolhe se quer ou não, e o grau de internacionalização que deseja alcançar. (Alexander)
A internacionalização é cada vez mais relevante; está se tornando cada vez mais importante. Então, é natural que haja pressão, um impulso para ser publicado, no sentido de olhar para os rankings estrangeiros. (Arthur)
Existe uma pressão para publicar muito. (Eliah)
Outros fatores identifcados como escolhas não racionais são a sorte e a oportunidade. Os entrevistados afrmam que a sorte contribui para serem aceitos em publicações internacionais sem a orientação de alguém mais experiente, e terem a carreira alavancada em meio a um cenário não muito favorável. Eles também relatam que, além de serem alunos dedicados, tiveram a oportunidade de aprender e crescer em aspectos culturais, pessoais e profssionais, de acordo com falas de Robert, Aiden e Alexander:
Pensei que precisava crescer, e tive sorte. (Robert)
Minha primeira atuação internacional foi como aluna. [...] para a minha dissertação de mestrado, tive de fazer trabalho de campo. (Aiden)
Eu diria que a escolha é de oportunidade. (Alexander)
A infuência da família e as escolhas feitas por impulso também são fatores determinantes nesse processo, mostrando que nem sempre são estritamente racionais. Alguns acadêmicos interrompem seu trabalho no exterior para atuar como acadêmicos em seu país de origem e estar geografcamente mais próximos de suas famílias. As escolhas por impulso também representam outro aspecto da internacionalização, por exemplo, porque os acadêmicos se envolvem em questões que consideram pessoal e profssionalmente atraentes, mas que tornam sua escolha irracional e não planejada. As declarações de Ethan e Leslie ilustram essa realidade:
Quando saí do programa de doutorado, tive a opção de fcar nos EUA ou no mercado internacional. Até meu orientador queria que eu fcasse. Mas minha esposa queria muito voltar, queria voltar para o Brasil; então saí em busca de escolas que tivessem uma orientação forte de pesquisa. (Ethan)
[...] tenho um irmão mais velho que é missionário; e quando eu tinha 18 anos, fui visitá-lo. Ele estava morando na Romênia. E essa foi minha primeira viagem internacional. (Leslie)
Outro aspecto mencionado nas entrevistas diz respeito à curiosidade dos acadêmicos. Na verdade, os acadêmicos às vezes crêem que sair das fronteiras de seu país de origem e se internacionalizar constituem um desafo encantador, que lhes proporcionará o conhecimento de novos países e culturas. Os entrevistados Aiden, William e Rafael ilustram este ponto:
O foco na internacionalização se tornou uma prática na área, e então nos perguntamos, bom, o que isso signifca? Por que estamos fazendo isso? [...] então, o que me movia era muito mais a curiosidade do que qualquer outra coisa. (Aiden)
Interesse: sempre tive interesse em entender melhor outros países. (William)
Há um grande ganho cultural, pois, na verdade, já visitei muitos países. [...] viajar por vários motivos – por parcerias de pesquisa – especialmente congressos, workshops – coisas assim. [...] em termos de ganho cultural, é uma experiência muito positiva. (Rafael)
As evidências deixam claro que as principais justifcativas apresentadas pelos entrevistados para suas escolhas de internacionalização não são necessariamente racionais e planejadas, uma vez que, em várias situações, a internacionalização parece ocorrer extrinsecamente e, em muitos casos, não de acordo com a intenção do acadêmico. Este é mais um ponto que precisa ser desenvolvido pela SET.
A equivalência entre recompensas e custos prevista pela SET tem suas fragilidades
Para os entrevistados, muitas atividades parecem gerar percepções de custo-benefício claramente diferentes. O tempo investido em escrever para publicações internacionais e periódicos de alto impacto, por exemplo, é maior do que para publicações locais. Assim, projetos que demandam mais tempo, dedicação e esforço estão correlacionados a expectativas elevadas de recompensa. Um exemplo de tais expectativas pode ser o custo pessoal que o afastamento da família causa para o indivíduo. Portanto, para alguns dos entrevistados, quando uma publicação nesse nível é rejeitada, a recompensa esperada pode não compensar o custo incorrido.
Além das publicações internacionais, outras atividades realizadas em um contexto internacional que envolvam a família do acadêmico tornam-se um custo emocional e fnanceiro que deve ser avaliado. Este aspecto é mencionado por Ethan, Alexander e Lucas:
Eu ganho mais pontos se publicar em um periódico A1, no estrato A1. Mas o tempo que você gasta para publicar, para publicar em um periódico de grande importância, é muito mais – sejamos honestos – do que em qualquer periódico nacional. Os periódicos nacionais (brasileiros) evoluíram muito em qualidade, mas o tempo necessário é muito maior se você fzer o cálculo de forma racional. Quer dizer, o que você consegue aí [...] acho que não vale a pena, sinceramente. Não vale a pena. (Ethan)
Se eu quisesse passar um ano em qualquer país, eles me pagariam para realocar minha família por um ano, para que eu pudesse trabalhar lá. Então, é um incentivo nesse sentido. (Alexander)
A vantagem é que meu trabalho é bem conhecido no exterior, e para o departamento isso é importante. [...] E eu vendo mais livros também; então eu tenho de deixar minha esposa para trás (ela às vezes vem comigo, mas geralmente ela não pode). E nós também temos cachorros, então sinto falta deles. (Lucas)
Além dos custos pessoais envolvendo seus familiares, existem os custos fnanceiros e mentais. A resili-ência se torna uma habilidade importante para os acadêmicos, para que eles não desanimem e se concentrem em lidar com esses custos, muitas vezes tendo em mente as recompensas que virão de cada atividade. Como já apontaram Peseta, Barrie e Mclean (2017), “a vida acadêmica é um tipo peculiar de trabalho difícil” (p. 453), que exige resiliência por parte dos acadêmicos, às vezes devido às elevadas demandas intelectuais de suas profs-sões, e às vezes devido à desvalorização de seu trabalho em determinados contextos. Para outros acadêmicos, a rejeição de seus trabalhos no nível internacional mais elevado é uma forma de aprender a evoluir em suas pesquisas. Lucas e Sandrine fzeram uma observação semelhante:
Um periódico importante em nível internacional, qualquer que seja a área, terá um índice de rejeição de 90% ou 95%. Portanto, se você quiser fcar entre os 5% ou 10% aceitos, terá de trabalhar muito. Todos os meus artigos iniciais foram rejeitados; todos eles, e com comentários realmente negativos. Mas isso não foi o fm, porque eu trabalhei, trabalhei e trabalhei. Continuei tentando, e acabei sendo aceito. (Lucas)
Em uma submissão a um periódico internacional, se você receber um “desk-reject” (o que é rápido – cerca de 15 dias ou um mês), você tem sua resposta: seu artigo não é adequado para aquele periódico. Daí, você pode trabalhar nele e enviá-lo a outro, e ele então pode ser encaminhado para uma longa revisão. (Sandrine)
Os custos e recompensas, portanto, podem variar de acordo com o tempo e a dedicação investidos em cada projeto. Cada acadêmico também escolherá e avaliará de forma diferente, conforme suas atividades estejam ou não alcançando a recompensa esperada e desejada. Assim como os custos envolvidos não são apenas fnanceiros, mas também emocionais, físicos e mentais, as recompensas também o são.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
O objetivo deste artigo foi descrever e analisar a internacionalização das escolas de negócios com base na atuação dos acadêmicos e nas proposições defendidas pela Teoria da Troca Social (SET). Identifcamos que existem pressupostos teóricos que podem ser adaptados e/ou complementados pela SET para explicar o fenômeno da internacionalização, e esta foi a principal contribuição do nosso artigo.
Em nossa primeira categoria de análise, ou seja, recompensas individuais, a SET destaca o aspecto fnanceiro como uma recompensa relevante (Blau, 1986; Emerson, 1976; Nye, 1978). Ampliamos essa premissa, mostrando que, com base nos resultados das entrevistas, algumas recompensas individuais não são contempladas pela SET. Os entrevistados buscam recompensas não meramente fnanceiras, como aprendizado, reconhecimento, reputação, formação de redes, oportunidades profssionais e satisfação pessoal.
Os estudos de Homans (1958) e Mazza (2007) apontam para essa evidência, observando que: (a) os benefícios e custos são pensados em termos de uma imagem dos valores e desejos de cada pessoa; e (b) algumas trocas sociais implicam obrigações que não podem ser explicadas e negociadas de forma exata. As recompensas podem incluir prazer, realização, gratifcação e a satisfação de necessidades. Assim, ao buscar a internacionalização, os acadêmicos fazem concessões de modo a serem recompensados com benefícios materiais e valores sociais e não monetários.
Com relação à segunda categoria, isto é, a existência de benefícios para outras partes interessadas não previstos pela SET, Nye (1978) afrma que a SET preocupa-se principalmente com o interesse próprio, e que os indivíduos apresentam uma combinação de necessidades econômicas e psicológicas. Homans (1958) e Emerson (1972) também enfatizam essa proposição quando afrmam que as pessoas formam e mantêm relacionamentos quando acreditam que irão se benefciar deles. Cropanzano e Mitchell (2005) apontam que SET é uma busca por reciprocidade, e que as relações são regidas pelo ganho coletivo. As entrevistas reforçam esse argumento, pois os benefícios não são apenas para o acadêmico internacional em nível individual. Na verdade, os acadêmicos também trabalham de maneira colaborativa para o benefício de alunos, orientandos, outros acadêmicos, instituições educacionais, organizações, países e áreas de atividade. Os acadêmicos, portanto, não buscam a internacionalização apenas para benefício próprio.
Além disso, os dados revelam que há escolhas de caráter não racional que não são previstas pela SET, resultado que diverge, em certa medida, das afrmações de Nye (1978) e Cropanzano e Mitchell (2005), que acreditam que as escolhas que os acadêmicos fazem para se internacionalizar são substancialmente racionais. De acordo com as críticas de Zafrovski (2005) em relação à teoria, e também a partir das entrevistas, constatamos que vários outros fatores impulsionam os acadêmicos em direção à internacionalização, como sorte, curiosidade, impulso, questões familiares e pressões institucionais, sendo este um resultado que converge com o estudo de Majee e Ress (2018).
Finalmente, Nye (1978) utiliza a SET para abordar a possibilidade de frequente equivalência entre as recompensas e os custos de certas atividades. No entanto – e reforçando nosso fenômeno –, os entrevistados afrmaram que as atividades internacionais resultam em custos e recompensas consideravelmente diferentes. Conforme apontam Agnew (2013) e Leask (2013), a área de estudo do docente também infuenciará na relação custo-benefício de seu processo de internacionalização. No caso das escolas de negócios, por exemplo, é mais comum que docentes da área de internacionalização de empresas busquem a internacionalização da própria carreira do que docentes de outras disciplinas. Outro exemplo é a submissão de artigos aos principais periódicos internacionais, o que gera um feedback crítico e rigoroso por parte dos editores e revisores desses periódicos, e contribui para o processo de aprendizado dos acadêmicos envolvidos, principalmente quando o artigo é rejeitado. O Quadro 2 apresenta um resumo das características da SET e suas oportunidades:
Este artigo também apresenta algumas limitações, dentre as quais destacamos a necessidade de investigar a aplicação da SET em outras áreas do conhecimento, haja vista a escassez de sua utilização em pesquisas especifcamente sobre o contexto da educação. Mas esta é também uma oportunidade para estudos futuros, e destacamos a necessidade de pesquisas interdisciplinares sobre a aplicabilidade da Teoria da Troca Social, por se tratar de uma teoria clássica, embora atual, no campo das ciências sociais aplicadas. De forma mais ampla, identifcamos, durante nosso estudo, a necessidade de mais pesquisas teóricas sobre o grande tema da internacionalização da educação superior. Esses estudos poderiam, por exemplo, prosseguir com nosso esforço para entender as percepções de acadêmicos de diferentes países.
Para nosso estudo, selecionamos uma amostra de acadêmicos intensamente envolvidos em atividades de internacionalização. Sugerimos que estudos futuros analisem as percepções de acadêmicos que estejam no início dessa trajetória internacional e daqueles que não buscam se internacionalizar. Tais investigações resultariam em diferentes pontos de vista, que seriam úteis para um melhor entendimento desse fenômeno.
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Este artigo tem coautoria de membro do Corpo Editorial da RAE, foi avaliado em double-blind review, com isenção e independência. Editor científco convidado: Douglas Proctor
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Dez 2021 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
10 Jun 2020 -
Aceito
02 Mar 2021