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Labor and the monopoly capital

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Jose Hajj

Labor and the monopoly capital

The degradation of the work in the twentieh century. Por Harry Braverman. New York, London, The Monthly Review Press, 1974.

Desde o surgimento da revolução industrial até os presentes dias, o capitalismo passou por enormes modificações qualitativas. O sistema de mercado de concorrência perfeita, idealizado por Adam Smith no seu livro A riqueza das nações em 1776, não corresponde mais ao aparelho produtivo do capitalismo contemporâneo; neste último, os oligopólios respondem pela maior parte do PIB dos países industrializados.

Diversos autores entre os quais Baran, Sweezy e Galbraith estudaram os processos de produção e distribuição na economia oligopolista. Harry Braverman neste livro acrescenta a estes estudos uma contribuição até então inédita: como o processo de trabalho historicamente se modificou, acompanhando a transformação do capitalismo de concorrência perfeita em capitalismo oligopolista.

O ponto de partida de Braverman é a constatação de um paradoxo aparente nas indústrias dos EUA e Inglaterra. As publicações especializadas destes países reportam uma crescente insatisfação dos trabalhadores, traduzindo-se por elevados índices de absenteísmo, rotação de pessoal, má vontade, má qualidade do trabalho e crescente tensão entre os trabalhadores e a supervisão. Por outro lado, a literatura corrente de administração e economia nega a possibilidade destes conflitos no sistema industrial. Muitos teóricos convencionais sustentam que o desenvolvimento tecnológico em rápida transformação cria a necessidade de novos especialistas, ao mesmo tempo, suprindo-se através do sistema educacional cada vez mais democrático; destarte estaria garantida a mobilidade social dos trabalhadores e a correspondente satisfação no trabalho.

Para Braverman, trata-se de um falso paradoxo. Ele argumenta que as novas funções criadas pelo desenvolvimento tecnológico exigem cada vez mais trabalhadores com a média de habilidades inferior ao que era exigido pelo processo de produção mais simples. Ademais estas novas funções são isoladas, sem perspectiva de carreira para o trabalhador. Por causa disto, o desenvolvimento tecnológico da empresa capitalista degrada o processo de trabalho criando as insatisfações acima apontadas. Nesse contexto, a educação formal democratizada seria apenas um instrumento de socialização do indivíduo, adaptando o seu comportamento às exigências da moderna indústria oligopolista.

Seria o avanço tecnológico, o demiurgo da humanidade, que ao invés de servir o homem, impõe-lhe um ritmo de trabalho repetitivo, cadenciado, exasperante e sem alternativa de escolha? Braverman nega a fatalidade trágica da tecnologia em si. Esta não é ideologicamente neutra como muitos supõem; ao contrário, ela é dependente das relações de produção vigentes na sociedade. A medida que a maior parte do PIB é atribuído aos oligopólios, o desenvolvimento tecnológico deve responder ao interesse de expansão destes últimos e não à satisfação intrínseca do trabalhador no seu trabalho.

Em defesa de sua tese, o autor pesquisa a história da industrialização e relê criticamente, entre outras, as obras de Frederick Taylor, Charles Babbage e as declarações atribuídas a empresários como Henry Ford. Braverman reconstitui as relações de trabalho, na fábrica, no escritório, terminando por fazer uma análise sobre o papel da educação e a natureza da especialização do trabalho.

No início da revolução industrial, os trabalhadores foram espoliados dos meios de produção que passaram a ser controlados pelos capitalistas. No entanto, naquele estágio, os trabalhadores controlavam individualmente todo o processo produtivo, ou seja, um único trabalhador começava e terminava o artigo manufaturado. Não havia sido introduzida a divisão do trabalho a nível de tarefa.

Esta situação perdurou até o início do século XX quando Taylor começou os seus estudos de Tempos e Movimentos na Bethlehem Steel com o operário Schmidt, relatados "candidamente" no seu livro Administração científica, cujos trechos Braverman reproduz no seu livro. Basicamente Taylor visava aumentar a produtividade, dividindo cada atividade em tarefas elementares e cadenciando de tal forma o movimento e o repouso do trabalhador, a ponto de alcançar a produtividade máxima. Este ato da administração, de usurpar do trabalhador a maneira de executar o trabalho, Taylor reuniu-o num conjunto de "princípios" que set/out. 1976 logo se propagaram às demais indústrias atingindo o apogeu com a linha de montagem idealizada por Henry Ford. Essa, quando inicialmente implantada na fábrica de automóveis, teve como conseqüência um elevado índice de descontentamento e rotação de mão-de-obra.

Tornava-se, portanto, necessário legitimar a transferência do controle do processo de produção, do operário para a administração. Nada mais natural que recorrer à expressão ideológica do homo economicus. Pagava-se mais por hora de trabalho aos trabalhadores controlados pela administração científica. Porém, sintomaticamente, os manuais de administração esquecem-se de comentar o desdobramento deste processo de legitimação: quando todos os trabalhadores são aliciados pela administração científica, os salários voltam a baixar, ao nível inicial, ou até mesmo inferior.

Mas, por que dividir a atividade em tarefas elementares?

Charles Babbage, um século antes de Taylor, dera a resposta. Ao se dividir o trabalho em tarefas elementares, além de se ganhar o tempo ocioso entre um movimento e o outro, esta divisão permite distribuir as tarefas menos especializadas a trabalhadores com remuneração inferior.

Não foi por acaso que a Bethlehem Steel incentivou Taylor nas suas pesquisas. O próprio imperativo de expansão do capital da fase de concorrência perfeita para a oligopolista impele as empresas a recorrer a todos os meios, mesmo que seja a alienações do trabalho para aumentar a mais-valia.

Hoje, a apropriação da maneira de produção pela empresa é subliminarmente difundida e aceita com naturalidade, constituindo-se numa passagem já legitimada. Ninguém contesta mais o direito da empresa oligopolista de aumentar a sua produtividade impondo ao trabalhador o método de produção e controlando seu trabalho.

Mas, a maior indignação de Braverman ocorre contra o falseamento da ciência para atender a expansão do capitalismo. Taylor estudou a forma de organizar o trabalho para aumentar a produtividade. As diversas escolas de administração posteriores a ele, estudaram as condições em que o trabalhador poderá produzir mais sob o esquema de trabalho da engenharia industrial. Para os psicólogos e sociólogos do establishment, as tensões sociais do trabalho não são conseqüência da degradação do trabalho, mas sim das dificuldades surgidas pela reação consciente ou inconsciente contra a própria degradação do trabalho. Outros cientistas mais ortodoxos diriam que não pretendem estudar as condições objetivas do trabalho, mas sim o fenômeno subjetivo que dá lugar à satisfação e à insatisfação apontadas nos questionários. Em todo caso, ambas as categorias de cientistas colocam a psicologia e a sociologia a serviço do comércio e da indústria e não da satisfação do trabalho.

A expansão dos oligopólios, por outro lado, aumentou desmesuradamente uma função até então restrita na empresa, o trabalho burocrático.

A necessidade de mensuração e controle do lucro, que Marx denominou de trabalho improdutivo na empresa, é atendida por um exército de colarinhos brancos. Os apologistas do sistema valem-se deste fato para apontar o enobrecimento do trabalho que estaria exigindo um número cada vez maior de colarinhos brancos com grau de instrução mais ampla. O erro destes apologistas reside em comparar papéis distintos: confundem o papel exercido pelos escriturários de um século atrás, com o papel dos mesmos da era do capitalismo monopolista. Para Braverman, os primeiros seriam os antecessores dos administradores profissionais de hoje - pois a função exercida por aqueles escriturários tem muito em comum com os administradores do capitalismo monopolista - enquanto que últimos não passam de operários de escritório, completamente proletarizados.

Na empresa de concorrência perfeita, o trabalho de contabilidade e cobrança era feito manualmente por meia dúzia de pessoas, geralmente pertencentes ao mesmo círculo social do proprietário. Num ritmo artesanal, o guarda-livros da época fazia de tudo, desde a escrituração até a análise contábil.

Quando a empresa cresce, passando da fase de concorrência perfeita para a fase monopolista, cresce sua necessidade de controle administrativo. Ela se vê ameaçada pelo agigantamento dos escritórios, onde o ritmo de trabalho artesanal sufoca seus lucros.

Torna-se imperativo racionalizar os escritórios; a figura do analista de tempos e movimentos, iniciada por Taylor na fábrica, transpõe as portas do escritório e aplica o princípio de Babbage para aumentar a mais-valia decrescente. Mais uma vez a administração apropria-se da maneira de trabalhar. Neste sentido, diversas medidas são postas em execução. São criados escritórios racionais com os banheiros e bebedouros perto do recinto de trabalho para evitar movimentos desnecessários. A escrituração contábil permanece para o escriturário, enquanto a análise é desempenhada pelo gerente. Datilografia, expedição e arquivamento são realizados por diferentes indivíduos para aumentar a produtividade através da especialização.

Uma parafernália de máquinas de escritório são introduzidas para poupar trabalho, desde a máquina de lançamento contábil até o sofisticado computador. A administração impõe a produtividade ótima dos trabalhadores nas máquinas: tantos lançamentos contábeis ou tantos cartões perfurados por unidade de tempo. Os operadores destas máquinas devem render a média determinada pelos fabricantes delas. Nesse sentido Braverman sustenta não haver diferença no trabalho da linha de montagem e o trabalho de escritório, qualquer que seja - de datilógrafas, arquivistas, telefonistas, mensageiros, perfuradores de cartões ou dos operadores de máquinas de contabilidade. Todos executam tarefas fracionadas, monótonas, mal remuneradas, não aplicam o conhecimento educacional adquirido, não têm perspectiva de carreira e, portanto, são tarefas degradantes.

Finalmente Braverman desmascara o mito corrente que o avanço tecnológico exige trabalhadores com um nível médio de educação cada vez mais elevado. Em duas semanas aprende-se a perfurar cartões ou operar numa linha de montagem, em um mês aprende-se datilografia. Nos escritórios modernos, toda a correspondência usual é gravada sob forma de clichê e é acionada por meio de computador quando necessário; as secretárias de nível superior tornam-se obsoletas.

Certamente, para desenvolver a tecnologia e gerenciar o processo de produção precisa-se cada vez mais de pessoas mais educadas, mas para operar estas máquinas tecnologicamente sofisticadas e poupadoras de mão-de-obra, pelo contrário, exige-se pessoas de nível educacional cada vez menor. Incorrer no mito seria fazer como o estatístico que com a metade do corpo na geladeira e a outra metade no forno afirma que, na média, ele está sob uma temperatura agradável.

Para o capitalismo oligopolista, o trabalho especializado e não-especializado são valores relativos, variando de acordo com a conveniência e necessidade de sua expansão. Procura-se transformar o trabalhador agrícola dito não-especializado em operário "especializado" de linha de montagem, motorista ou condutor de bondes etc, supondo que o trabalho da terra não exige conhecimentos específicos de fertilidade e irrigações. Quando os bondes são desativados, o condutor torna-se um operário não-especializado.

Braverman não é hostil ao avanço tecnológico em si. Ele procura distinguir o papel da tecnologia como subproduto da expansão do capitalismo oligopolista e não como é escamoteado atualmente - variável independente do progresso da humanidade. Sob o capitalismo oligopolista, o avanço tecnológico é utilizado a fim de acelerar a acumulação de capital pela substituição da mão-de-obra especializada e portanto mais cara, pela mão-de-obra menos especializada e, portanto, mais barata. Este processo não encontra barreiras éticas pela sua frente; no seu bojo leva consigo a transformação qualitativa e degradante do trabalho.

Finalmente, cumpre acrescentar a advertência feita por Braverman ao escrever o seu livro. Ao condenar o processo de trabalho sob o capitalismo monopolista, ele não está absolvendo as condições de trabalho na Rússia socialista. Lá também, Lenin já recomendava o emprego, nas fábricas soviéticas, dos princípios da Administração Científica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Out 1976
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