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O sentido da administração municipal moderna

ARTIGO

O sentido da administração municipal moderna

Antonio Delorenzo Neto

Professor de sociologia na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e no Instituto de Artes do Planalto (campus de São Paulo); ex-diretor da Escola de Sociologia e Politica (instituição complementar da Universidade de São Paulo)

I

Na sociedade contemporânea a meta da administração se volta para a busca de eficiência. Esse é o consenso dos especialistas independentemente das divergências teóricas, em diferentes contextos políticos ou econômicos. O que é certo é que o crescimento demográfico e a concentração urbana e metropolitana exigem novos mecanismos de organização, a fim de impedirem a desintegração ou desestruturação social. O fenômeno burocrático passa a ser relevante diante do crescimento desmesurado das cidades e empresas. As técnicas administrativas tornam-se imprescindíveis diante das opções para o desenvolvimento. Como decorrência dessa indeclinável necessidade entre países avançados ou não-avançados, observa-se a adoção mais ou menos generalizada da planificação global ou parcial.

Será importante, pois, considerar-se a burocracia uma forma de organização social que apresenta certas características. E, nessa perspectiva, parece correta a abordagem de Peter Blau, que compreende a burocracia em termos de realização de objetivos, isto é, como a organização que maximiza a eficiência da administração ou um método institucionalizado de conduta social organizada no interesse da eficiência administrativa.1 1 Blau, Peter. Bureaucracy in modern society. New York, Random, 1956. p. 60. Uma burocracia realmente se afirma, positivamente, descobrindo-se se ela está ou não atingindo seus objetivos: os elementos estruturais e comportamentais exigidos para essa prova podem variar no tempo e no espaço. Bem sabemos que as características estruturais essenciais podem reduzir-se a três: hierarquia, diferenciação ou especialização e qualificação ou competência. A hierarquia é, provavelmente, a mais importante por estar tão intimamente relacionada com o esforço de conferir racionalidade às tarefas administrativas. A especialização numa organização é uma conseqüência da divisão do trabalho, que, por sua vez, é indispensável ao sucesso do esforço humano cooperativo no sentido de dominar as condições ambientais e de alcançar objetivos complexos .Aestruturada organização terá de possibilitar um relacionamento funcional desses papéis. A qualificação refere-se a essas funções ou papéis e exige que a pessoa que está desempenhando um determinado papel seja qualificada para esse desempenho e, tipicamente, nas burocracias altamente desenvolvidas, com base em preparo e em educação adequada. Esses princípios permitem que se realize, em qualquer organização, a direção, a coesão e a continuidade. A administração moderna para bem realizar, com eficiência, os seus objetivos não poderá prescindir deles. E, em particular, o serviço público para ser viável em seu desempenho necessita encerrar em si as características de uma burocracia.

As necessidades do funcionamento governamental exigem a organização em grande escala de um tipo de burocracia, com uma disposição hierárquica interna definida, com uma especialização funcional bem desenvolvida e padrões de qualificação exigidos para que se possa ser um membro dessa burocracia. Isso não quer dizer que se pressuponha a existência de uma uniformidade, mesmo dessas características estruturais: admitem-se, certamente, variações nas características operacionais das burocracias públicas em contextos políticos diferentes. Nas nações mais novas, em particular, devem-se prever a adaptação e a inovação burocráticas.

Na análise da administração moderna em termos de eficiência e ação democrática, e considerando a variedade de sistemas políticos existentes, é necessário uma resposta às seguintes questões fundamentais:

1. Quais são as características operacionais internas dominantes da burocracia que refletem sua composição, sua disposição hierárquica, seu padrão de especialização e suas tendências comportamentais?

2. Até que ponto a burocracia é multifuncional, participando da tomada das decisões políticas governamentais mais importantes, bem como de sua execução?

3. Quais são os principais meios de exercer controle sobre a burocracia a partir de fontes exteriores a ela e qual a eficácia desses controles externos?

São proposições ou indagações que exigem uma ampla pesquisa, imprescindível à correta solução dos problemas emergentes das disfunções que freqüentemente ocorrem no processo administrativo. Podemos admitir preliminarmente que há dois fatores fundamentais gerais que podem influenciar de maneira marcante as características dos sistemas burocráticos. Um deles é um fator relativamente imediato e facilmente discernível: o padrão geral de organização formal do sistema de administração pública no qual a burocracia funciona. O outro, menos tangível e mais complexo, mas de significado muito maior, é o ambiente político, econômico e social no qual está inserida a burocracia, freqüentemente conhecido como a "ecologia da administração".2 2 Riggs, Fred W. Administration in developing countries. Boston, Houghton Miflin, 1964.

Nessa análise será conveniente conciliar uma comparação de variações estruturais com as diferenças de padrões comportamentais. As burocracias, bem como outras instituições políticas e administrativas, podem ser mais bem entendidas se as condições, influências e forças a que estão sujeitas e que as condicionam ou modificam forem identificadas e classificadas, numa aproximação possível, pela ordem de importância relativa e em função do ambiente em que atuam.

De acordo com a lição de Riggs, o ambiente que circunda uma burocracia pode ser visualizado como uma série de círculos concêntricos, com a burocracia ocupando o centro. O círculo menor exerce geralmente a influência mais decisiva, e os círculos maiores representam uma ordem decrescente de importância no que diz respeito à burocracia. Podemos visualizar o círculo maior como representando toda a sociedade ou o sistema social geral. O círculo seguinte representa o sistema econômico ou os aspectos econômicos do sistema social. O círculo interior é o sistema político, que engloba o subsistema administrativo e a burocracia como um dos seus elementos.

Para uma reavaliação das possibilidades da administração, em termos atuais, será recomendável tentar verificar os fatores ambientais que influenciam a burocracia e que são de grande valia para a solução dos respectivos problemas. Uma análise comparativa desse tipo exigiria uma classificação dos países (nações ou Estados) em que funcionam essas burocracias. A classificação usualmente adotada é a de sociedades "desenvolvidas' ' e "em desenvolvimento'' e se refere a grupos de características, basicamente de natureza social e econômica, que se identificam contrastando-se o desenvolvimento com o subdesenvolvimento ou com o desenvolvimento parcial. Essa é uma classificação baseada em círculos ambientais externos, com conseqüências para a burocracia que podem ser consideradas secundárias.

O "desenvolvimento" revela uma importante transformação da sociedade, uma mudança das condições do sistema, no continuum representado pelas organizações agrícolas e pastoris e pelas organizações industriais. A assimilação e a institucionalização da moderna tecnologia física e social são ingredientes críticos. Essas mudanças afetam os valores, o comportamento, a estrutura social, a organização econômica e o processo político.3 3 Montgomery, John D. & Siffin, William J. Approaches to development; politics, administration and change. New York, McGraw-Hill, 1966.

O termo "em desenvolvimento", referindo-se aos países que estão passando por esse processo de transformação social, parece preferível a outros tomados em sentido pejorativo ("atrasados", "pobres", "não-desenvolvidos", "subdesenvolvidos" etc.). Ora, o conceito de desenvolvimento não pretende classificar as sociedades por classes de opostos, mas apenas situá-las num continuum. Importa, pois, comparar os países que estão comumente situados na extremidade superior de uma escala de desenvolvimento com alguns países tidos como menos desenvolvidos. A maioria esmagadora dos países atuais é classificada na categoria' 'em desenvolvimento", embora isto não implique, é claro, que todos estejam no mesmo nível de desenvolvimento.

Levemos em conta o problema da administração nos países "em desenvolvimento", como no caso de um país federal e extenso - o Brasil - onde se reliza nossa experiência. Nesses países há um consenso generalizado quanto aos objetivos para os quais a mudança deve ser dirigida. São eles: a construlção da nação e o progresso sócio-econômico. O acordo quanto à possibilidade de tais objetivos serem desejados existe mesmo entre os líderes políticos que apresentam grande variedade de orientação política, de estratégia, de origem social e de oportunidade de sucesso na realização dos objetivos. Na medida em que estejam totalmente motivadas politicamente, as classes inferiores desses países compartilham a crença de que esses objetivos são apropriados e tenderão a fazer pressão sobre os líderes políticos que podem inclinar-se a dar preferência a objetivos mais imediatos e personalistas. Esses valores paralelos parecem explicar, de modo considerável, o compromisso ideológico dos países em desenvolvimento.

Neste século, especialmente na África e Ásia, a realização concreta da nacionalidade na maioria das áreas que estão surgindo não é tarefa fácil. Assim, a maior parte dos Estados em desenvolvimento são entidades artificiais, no sentido de que são antes o produto da atividade colonial do que de uma lealdade política preexistente. Seus limites são, da mesma forma, freqüentemente estabelecidos pelos poderes imperiais sem levar em conta os grupos étnicos, excluindo os grupos humanos que possuem fortes elos naturais e incluindo grupos minoritários que se opõem à assimilação. Reconhecem os analistas que esses problemas são especialmente agudos na África, onde existe pouco do que tem sido normalmente considerado pré-requisito da identidade nacional. De um ponto de vista sociológico, pode-se afirmar que os novos Estados aos quais se possam atribuir melhores oportunidades de sucesso político-administrativo são aqueles em que a experiência de "viver juntos" durante muitas gerações dentro de uma estrutura política contínua transmitiu ao povo um certo sentido de identidade, aqueles em que a unidade política coincide bastante com uma área cultural distinta e aqueles em que existam hábitos e instituições autóctones de pensamento político que se possam associar a formas importadas.

Quanto ao objetivo relacionado de progresso econômico e social na ideologia do desenvolvimento, pode ser igualmente difícil de ser realizado, mas é algo mais tangível e mensurável. Identifica-se à melhoria sustentada e largamente difundida do bem-estar e material. O desejo de superação da pobreza e da distribuição dos produtos da industrialização - de maneira generalizada numa sociedade - são motivações poderosas para as pessoas tornarem-se conscientes do que é possível pelo que é demonstrado pelas nações desenvolvidas, sejam democráticas ou totalitárias.

II

A ideologia do desenvolvimento prevê a orientação para a ação política e administrativa, mas não especifica a forma exata do mecanismo da política ou da administração. Geralmente, a tendência é no sentido de se favorecer a experiência e a adaptação com base na experiência bem-sucedida dos países desenvolvidos, quaisquer que possam ter sido os rumos políticos seguidos.4 4 Shils, Edward. Political development in the new States. Mouton, The Hague, 1962; Geertz, Clifford, ed. Old societies and new States. London, Free Press, 1.963.

Em essência, a qualidade particular da ideologia do desenvolvimento é o acordo quanto à conveniência de se combinar os objetivos associados da construção da nação e do progresso econômico com um sentido de movimento em direção à realização de um destino já tardio, que é permeado por uma incerteza importuna quanto à perspectivas de sucesso eventual.

De acordo com recentes estudos da experiência política das nações em desenvolvimento, podemos identificar algumas das características comuns dessa política.5 5 Ver a bibliografía específica em: Heady, Ferrei. Public administration; a comparative perspective. New Jersey, Prentice-Hall, 1978. As printipais parecem ser as seguintes:

a) uma ideologia desenvolvimentista bastante compartilhada, como fonte de objetivos políticos básicos;

b) um alto grau de confiança no setor político poara a consecução dos fins da sociedade;

c) instabilidade politica difundida, incipiente ou real;

d) liderança modernizada de elites, acompanhada de um vasto hiato político entre os governantes e os governados;

e) um desequilíbrio do crescimento das instituições políticas, pertencendo a burocracia à categoria mais amadurecida.

Os fins desenvolvimentistas e a urgência com que são buscados significam, inevitavelmente, que a atividade do Estado é o principal veículo de sua realização. Não existem nem tempo nem meios para o gradualismo ou para a confiança básica na iniciativa privada, como era possível nos países ocidentais que se desenvolveram há muito tempo. O elemento político assume, quase automaticamente, uma importância central na sociedade em desenvolvimento.

III

A importância da modernização - ao lado do elemento político - é quase universalmente reconhecida entre os analistas dos problemas do desenvolvimento. Normalmente, uma burocracia efetiva está ligada a uma vigorosa elite modernizante, como pré-requisito para o progresso. Em geral a administração tem sido um fator negligenciado do desenvolvimento e, em muitos países, a máquina existente é bastante inadequada para a execução dos respectivos programas.

Alguns analistas, como o Prof. Heady, da Universidade de Michigan, assinalam cinco pontos que indicam os padrões gerais de administração, atualmente existentes nos países em desenvolvimento.6 6 Heady, Ferrei, op. cit. p. 117-23. Resumamos essas características:

1. O padrão básico da administração pública é antes imitativo do que autóctone, todos os países, inclusive os que escaparam à colonização ocidental, tentaram conscientemente introduzir alguma versão da administração burocrática ocidental moderna. Normalmente, a administração é padronizada com base num modelo nacional particular de administração, talvez com características ocidentais copiadas de algum outro sistema. Um país que era, inicialmente, uma colônia quase certamente se assemelhará à antiga metrópole, administrativamente, mesmo que a independência tenha sido obtida pela força e que se tenham eliminado os resquícios do vínculo político. Isto ocorreu com Inglaterra, França e EUA. A herança administrativa colonial inclui uma característica ocidental com efeitos duradouros. Os remanescentes desses traços burocráticos transmitiram-se, , inevitavelmente, às burocracias que se sucederam nos novos países.

2. As burocracias são deficientes em força de trabalho qualificada necessária aos programas de desenvolvimento. O desemprego e o subemprego são crônicos na economia rural e em muitas áreas urbanas entre a mãode-obra não-qualificada. Os serviços públicos são quase universalmente tidos como abarrotados de assistentes, mensageiros, empregados de menor importância e extranumerarios nos níveis inferiores. A carência é de administradores treinados com capacidade administrativa, habilidades para as técnicas de desenvolvimento e competência especializada. Embora isso se reflita, normalmente, num sistema educacional inadequado, não é necessariamente equivalente a um déficit de elementos formados em universidades. Esse hiato entre a oferta e a demanda de postos administrativos de responsabilidade em países novos (de autonomia política recente) é, provavelmente, inevitável, podendo somente ser remediado por esforços vigorosos de treinamento, que exigem tempo. Quase sempre a independêcia política foi acompanhada da dependência administrativa. Dada a disparidade entre as necessidades mínimas e as possibilidades máximas de satisfazê-las, não existe qualquer solução de pequeno alcance para o problema da capacidade administrativa da maioria dos países.

3. Uma terceira tendência é a de essas burocracias acentuarem orientações outras que as para a produção. Quer dizer, grande parte da atividade produtiva se dirige para a realização de objetivos diversos da realização das metas do programa. As mais dominantes dessas práticas evidenciam a conservação de valores bastante arraigados de um passado mais tradicional, que não foram modificados ou abandonados, a despeito da adoção de estruturas sociais não-tradicionais. O valor atribuído ao status baseado na condição social herdada e não nas realizações pessoais explica grande parte desse comportamento . As relações de status são os fatores primordiais de motivação do sistema, e não as necessidades de realizar os objetivos do programa. Observa-se ainda que a corrupção - que vai desde os pagamentos aos funcionários inferiores para apressarem uma transação de menor importância até os subornos de impressionantes dimensões para servirços igualmente consideráveis - é um fenômeno tão dominante que se pode quase esperar que de fato ocorra. Sancionada pelos costumes sociais, a corrupção semi-institucionalizada torna-se maneira mais insegura de executar os programas governamentais. Outra prática incorreta é a de utilizar o serviço público como uma maneira de minorar o problema do desemprego: essa a razão para se conservar um excesso de empregados de níveis inferiores na folha de pagamento do governo. Essa forma de empreguismo se avoluma nos países sem tradição administrativa.

4. Outra característica é a discrepância entre a forma e a realidade. É o fenômeno denominado "formalismo" por Riggs. Reflete uma necessidade urgente de fazer as coisas parecerem mais com o que devem presumivelmente ser, e não com o que realmente são. O hiato entre as expectativas e a realidade pode ser parcialmente disfarçado, criando-se leis cujo cumprimento não pode ser obrigado e pela adoção de regulamentos de pessoal que são tacitamente desobedecidos. Há constante contradição entre o programa democrático da descentralização administrativa "formalmente" adotado e a prática real do autoritarismo com centralização da tomada de decisões.

5. Finalmente, a burocracia num país em desenvolvimento tem condições de possuir uma grande dose de autonomia operacional, que pode ser explicada pela convergência de várias forças normalmente atuantes numa nação nova e que se esteja modernizando. A burocracia passa a ter um monopólio dos elementos tecnicamente especializados, beneficiando-se do prestígio atribuído aos técnicos e profissionais especializados numa sociedde que aspira à industrialização e ao crescimento econômico.

Este comentário revela as dificuldades e complexidades de um sistema administrativo, considerado nos países em desenvolvimento.

As variáveis políticas também são fatores de importância em relação ao desempenho da burocracia, conforme as diversas categorias do sistema político, desde os tipos autocráticos tradicionais até os sistemas democráticos civis.

IV

Podemos tranpor ao âmbito restrito da administração local a linha de reflexão teórica que estamos expondo.

Excetuadas as grandes cidades, dotadas de maiores recursos técnicos e científicos, suporte financeiro e de infra-estrutura disponível, as cidades menores têm grandes dificuldades para alcançar a eficiência e lograr êxito na execução de seus programas administrativos, pela ausência sistemática desses elementos.

Como enfrentar esses desafios para, em termos democráticos, conseguir-se a eficiência e a justiça social?

De acordo com os analistas da situação sócio-econômica dos países do "Terceiro Mundo",7 7 Goldthorpe, J .E. The sociology of the Third World; disparity and involvement. London, Cambridge University Press, 1975. Cap. 5 e 12; Worsley, Peter. The Third World. London, Weindenfeld & Nicolson, 1975; e, ainda o texto monumental de Rene Gendarme: La pauvreté des nations. Paris, Cujas, 1973. podemos aceitar como fatores permanentes de desorganização estrutural os seguintes:

- urbanização;

- concentração metropolitana;

- desemprego;

- falta de correlação entre urbanização e industrialização;

- empirismo administrativo;

- instituições inadaptadas ao progresso social e tecnológico no contexto da época contemporânea.

Que providências devem ser tomadas para possibilitar metas sociais, para a rearticulação progressiva do desenvolvimento?

Não há outra solução senão recorrermos às estratégias da planificação a fim de reduzirem-se os "desperdícios em homens e cousas", conforme a expressão de Perroux.

Numa perspectiva avançada de planificação regional e local (especialmente em países federais), as medidas equacionadas de acordo com a urgência das necessidades setoriais devem levar em conta as seguintes decisões, universalmente reconhecidas:

- correção das migrações;

- desconcentração dos grandes centros urbanos e metropolitanos, pela regionalização das atividades;

- descentralização funcional;

- reorganização tributária, ampliando-se a competência municipal.

Se recorrermos à variável política, podemos admitir que haja um contexto próprio para estimular o desenvolvimento, quando nos referimos a países grandes, como o Brasil. Neste caso a estrutura mais adequada seria o Estado federal descentralizado.8 8 Delorenzo Neto, Antonio. Compreensão da estrutura social e política. Digesto Econômico, São Paulo, n. 293, junho de 1982. Num governo concentrado ou centralizado, as decisões políticas terão repercussões discretas nos extremos do país, e as decisões administrativas apenas aproveitam ao centro, em prejuízo das populações mais distanciadas. No caso dos países de tipo federal, o ritmo do desenvolvimento será facilitado pela possibilidade das coletividades descentralizadas (estados-membros e municípios) promoverem suas próprias iniciativas em função de um regime de real autonomia político-administrativa.9 9 Sobre as contradições do federalismo, consultar nossa comunicação apresentada ao IX Congresso Mundial de Sociologia, Diversification cultúrale et féderalisme, realizado na Universidade de Upp-sala, em junho de 1978. In: Sociologia (Revista de Escola de Sociologia e Política), Universidade de São Paulo, 1980.

Para elucidar os impasses desse intrincado problema, podemos recorrer, entre outras, à análise do Prof. Edward Shils, da Universidade de Chicago. Em sua brilhante análise incorpora elementos sócio-psicológicos relacionados com o processo de comunicação. Explicita ele que o caos social de um país subdesenvolvido é o reflexo da distância "centro-periferia", ou seja quando as relações ou comunicações são meramente radiais, e não intersetoriais.10 10 Shils, Edward. Center andperiphery; essays in macrosociology. University of Chicago Press, 1975. cap.1. Acreditamos que esta teoria explica suficientemente as disparidades sociais, urbanas e regionais, estimuladas por um centro superpolarizado que absorve todas as decisões, constituindo um poderoso processo de comunicação radial, a uma distância desigual dos autênticos centros vitais. Dessa forma, se corrigiriam as disparidades setoriais, aumentando-se o grau de difusão das técnicas de modernização e do espírito de inovação por todo o sistema social.

Nesta linha de argumentos, podemos destacar, como fatores inegáveis de desenvolvimento, a descentralização industrial e o incremento das cidades médias.11 11 Lajugie, Joseph. Les villes moyennes. Paris, Cujas, 1974. Este procedimento, reajustando o aproveitamento do espaço, poderá determinar a fixação de novos pólos de desenvolvimento no interior. As experiências internacionais plenamente vitoriosas, como a de Chandigarh, na índia, e de Islamabad, no Paquistão, poderão inspirar medidas semelhantes, independentemente de qualquer crise econômica. Nesta perspectiva se insere o projeto para o interior, da capital do estado de São Paulo, o maior centro urbano e metropolitano do Brasil e da América Latina (com 13 milhões de habitantes). A desativação da "Grande São Paulo" promoveria uma revisão da atual rede urbana, com a implantação de uma "cidade nova" no centro do território a fim de irradiar os mecanismos de inovação, em novos pólos de desenvolvimento, por todo o território do estado. Neste caso, atenuaria também o ímpeto das correntes migratórias sem controle, que aumentam a taxa de marginalidade, sendo da ordem de 30% no estado de São Paulo. Confirmando a teoria de Shils, a região mais distante do centro metropolitano (Presidente Prudente) apresenta uma taxa de 54%, ao passo que a região metropolitana, 31,8%.12 12 Ler a discussão pormenorizada do problema, na monografia de A. Delorenzo Neto: A Grande São Paulo e a mudança da capital; descentralização e regionalização. São Paulo, Atlas, 1979.

Em situações tais, a estratégia governamental descentralizada é a opção correta para acelerar o desenvolvimento social, incrementando maior participação no bem-estar social. Assim, em vez de falarmos em desenvolvimento econômico stricto sensu, será conveniente o conceito de desenvolvimento social, que, assim, engloba todas as variáveis de uma cultura. Num contexto de totalidade cultural, passam a ser significativas as variáveis psicossociológicas ligadas ao processo de inovação e modernização das estruturas.

Em conclusão, todos os objetivos do desenvolvimento de uma sociedade só poderão realizar-se - em termos de uma rigorosa administração moderna - no âmbito de uma poderosa e eficiente estrutura organizacional. Aqui o esforço de organização se confunde com o próprio processo de planificação.

Sem os pressupostos de uma ordem lógica, elegendo as prioridades indispensáveis, não poderemos compreender e realizar as etapas do progresso social. E somente a planificação poderá constituir-se em ação para o desenvolvimento, numa articulação entre os seus três níveis - federal, estadual e municipal.

Para que não ocorram distorções, a infra-estrutura burocrática terá de ser considerada à luz da sociologia e da ciência da administração.13 13 Delorenzo Neto, Antonio. Sociologia aplicada à administração. São Paulo, Atlas, 1983. A sociologia tem hoje um lugar importante no preparo dos que se dedicam a questões sociais e está sendo reconhecida como elemento indispensável no preparo e treinamento de planejadores, administradores, industriais, professores e autoridades públicas responsáveis pelos serviços de bem-estar social. Por várias formas, a atitude sociológica se manifesta na exata descrição dos problemas e situações sociais, na busca de causas e soluções, no treinamento de sociólogos e administradores, na orientação da opinião pública, na revelação de carências e desajustamentos.

O que é certo é que a administração local moderna inscreve entre suas metas a democracia, a eficiência e a justiça social. Diversificam-se os programas e os modernos nem sempre satisfatórios diante desse ideal ou utopia.

As reflexões aqui enunciadas revelam a inquietação dos especialistas. Mas as soluções válidas para a ascensão das comunidades (rurais, urbanas ou metropolitanas) de todas as partes do mundo aos mais altos níveis de progresso e civilização decorrerão em grande parte da comparação de experiências e da mais ampla difusão de informações. E a convergência das contribuições científicas e técnicas levará, por certo, à possibilidade da participação de todos os homens - em suas comunidades - no controle de suas condições sociais de vida.14 14 Uma importante análise dos aspectos técnicos da administração municipal moderna na França é a de Jean-François Auby: Les Services publics locaux. Paris, Presses Universitaires de France, 1982. (Que Sais Je?, n. 2.023.): quanto à experiência municipal no Brasil, consultar a obra fundamental do Prof. Célson Ferrari: Curso de planejamento municipal integrado. São Paulo, Pioneira, 1977. Para uma interpretação aprofundada, bastante original, dos efeitos econômicos das decisões político-administrativas, em nível federal, ler o texto de RobertHaveman: The economics of the public sector. New York, Wiley, 1970.

NOTAS

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  • 1 Blau, Peter. Bureaucracy in modern society. New York, Random, 1956. p. 60.
  • 2 Riggs, Fred W. Administration in developing countries. Boston, Houghton Miflin, 1964.
  • 3 Montgomery, John D. & Siffin, William J. Approaches to development; politics, administration and change. New York, McGraw-Hill, 1966.
  • 4 Shils, Edward. Political development in the new States. Mouton, The Hague, 1962;
  • Geertz, Clifford, ed. Old societies and new States. London, Free Press, 1.963.
  • 5 Ver a bibliografía específica em: Heady, Ferrei. Public administration; a comparative perspective. New Jersey, Prentice-Hall, 1978.
  • 7 Goldthorpe, J .E. The sociology of the Third World; disparity and involvement. London, Cambridge University Press, 1975. Cap. 5 e 12;
  • Worsley, Peter. The Third World. London, Weindenfeld & Nicolson, 1975;
  • e, ainda o texto monumental de Rene Gendarme: La pauvreté des nations. Paris, Cujas, 1973.
  • 8 Delorenzo Neto, Antonio. Compreensão da estrutura social e política. Digesto Econômico, São Paulo, n. 293, junho de 1982.
  • 9 Sobre as contradições do federalismo, consultar nossa comunicação apresentada ao IX Congresso Mundial de Sociologia, Diversification cultúrale et féderalisme, realizado na Universidade de Upp-sala, em junho de 1978.
  • In: Sociologia (Revista de Escola de Sociologia e Política), Universidade de São Paulo, 1980.
  • 10 Shils, Edward. Center andperiphery; essays in macrosociology. University of Chicago Press, 1975. cap.1.
  • 11 Lajugie, Joseph. Les villes moyennes. Paris, Cujas, 1974.
  • 12 Ler a discussão pormenorizada do problema, na monografia de A. Delorenzo Neto: A Grande São Paulo e a mudança da capital; descentralização e regionalização. São Paulo, Atlas, 1979.
  • 13 Delorenzo Neto, Antonio. Sociologia aplicada à administração. São Paulo, Atlas, 1983.
  • 14 Uma importante análise dos aspectos técnicos da administração municipal moderna na França é a de Jean-François Auby: Les Services publics locaux. Paris, Presses Universitaires de France, 1982.
  • (Que Sais Je?, n. 2.023.): quanto à experiência municipal no Brasil, consultar a obra fundamental do Prof. Célson Ferrari: Curso de planejamento municipal integrado. São Paulo, Pioneira, 1977.
  • Para uma interpretação aprofundada, bastante original, dos efeitos econômicos das decisões político-administrativas, em nível federal, ler o texto de RobertHaveman: The economics of the public sector. New York, Wiley, 1970.

Anexo 1 - Clique para ampliar

  • 1
    Blau, Peter.
    Bureaucracy in modern society. New York, Random, 1956. p. 60.
  • 2
    Riggs, Fred W.
    Administration in developing countries. Boston, Houghton Miflin, 1964.
  • 3
    Montgomery, John D. & Siffin, William J.
    Approaches to development; politics, administration and change. New York, McGraw-Hill, 1966.
  • 4
    Shils, Edward.
    Political development in the new States. Mouton, The Hague, 1962; Geertz, Clifford, ed.
    Old societies and new States. London, Free Press, 1.963.
  • 5
    Ver a bibliografía específica em: Heady, Ferrei.
    Public administration; a comparative perspective. New Jersey, Prentice-Hall, 1978.
  • 6
    Heady, Ferrei, op. cit. p. 117-23.
  • 7
    Goldthorpe, J .E.
    The sociology of the Third World; disparity and involvement. London, Cambridge University Press, 1975. Cap. 5 e 12; Worsley, Peter.
    The Third World. London, Weindenfeld & Nicolson, 1975; e, ainda o texto monumental de Rene Gendarme:
    La pauvreté des nations. Paris, Cujas, 1973.
  • 8
    Delorenzo Neto, Antonio. Compreensão da estrutura social e política.
    Digesto Econômico, São Paulo, n. 293, junho de 1982.
  • 9
    Sobre as contradições do federalismo, consultar nossa comunicação apresentada ao IX Congresso Mundial de Sociologia,
    Diversification cultúrale et féderalisme, realizado na Universidade de Upp-sala, em junho de 1978. In:
    Sociologia (Revista de Escola de Sociologia e Política), Universidade de São Paulo, 1980.
  • 10
    Shils, Edward.
    Center andperiphery; essays in macrosociology. University of Chicago Press, 1975. cap.1.
  • 11
    Lajugie, Joseph.
    Les villes moyennes. Paris, Cujas, 1974.
  • 12
    Ler a discussão pormenorizada do problema, na monografia de A. Delorenzo Neto:
    A Grande São Paulo e a mudança da capital; descentralização e regionalização. São Paulo, Atlas, 1979.
  • 13
    Delorenzo Neto, Antonio.
    Sociologia aplicada à administração. São Paulo, Atlas, 1983.
  • 14
    Uma importante análise dos aspectos técnicos da administração municipal moderna na França é a de Jean-François Auby:
    Les Services publics locaux. Paris, Presses Universitaires de France, 1982. (Que Sais Je?, n. 2.023.): quanto à experiência municipal no Brasil, consultar a obra fundamental do Prof. Célson Ferrari:
    Curso de planejamento municipal integrado. São Paulo, Pioneira, 1977. Para uma interpretação aprofundada, bastante original, dos efeitos econômicos das decisões político-administrativas, em nível federal, ler o texto de RobertHaveman:
    The economics of the public sector. New York, Wiley, 1970.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1986
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