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A metrópole e o migrante: região metropolitana de São Paulo

ARTIGOS

A metrópole e o migrante: região metropolitana de São Paulo* * Trabalho elaborado em 1974 para a Associação Nacional de Programaçã o Econômica e Social - ANPES

Cheywa R. Spindel

Mestre em sociologia pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo. Professora do Departamento de História da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

1. INTRODUÇÃO

A tendência à concentração das populações em centros urbanos é resultado de um processo progressivo de redistribuição de população no espaço geográfico brasileiro, e vem ocorrendo desde o início deste século.

Os fluxos migratórios, fator básico, embora não o único, no incremento da urbanização, vêm apresentando, principalmente nas duas últimas décadas, novas configurações, em termos de volume e direção, observando-se uma grande aceleração no processo de mobilidade espacial, orientada, sobretudo, em direção aos grandes centros. A metrópole é o resultado mais evidente desse fato, e sua análise considera a interação de dois processos fundamentais em sua constituição e evolução: o de concentração populacional e o de concentração de atividades.

A transformação das cidades em metrópoles, sobretudo, desenvolve as implicações destes processos dinâmicos, nas alterações da estrutura econômico-social das populações urbanas, e levam ao seguinte questionamento: até que ponto a metrópole representa a melhor forma de desenvolvimento econômico, o melhor aproveitamento da população ou as melhores condições de vida para essas populações?

A metrópole tem sido analiticamente enfocada como a evidência mais aguda e flagrante dos problemas decorrentes da concentração excessiva de população, em termos de disfunções, tanto para o desenvolvimento econômico como para o desenvolvimento social. O migrante, elemento central desse processo, apreendido no desempenho de suas funções básicas de produtor e consumidor, é visto ora como "vítima", ora como "agente causador", dependendo do enfoque de análise.

Por um lado, procura-se mostrar o migrante como desfavorecido por um sistema econômico, cujo centro dinâmico se concentra espacialmente nas regiões metropolitanas e setorialmente, em atividades de crescente utilização do fator capital, enfatizando-se o argumento de que as forças econômicas que agem na mobilização dos contingentes migratórios, para essas áreas, não apresentam a capacidade de incorporar, econômica e produtivamente, as populações por elas polarizadas. Segundo esse ponto de vista, os migrantes são "largados" (abandonados) na metrópole, onde sofrem um processo de pauperizaçâo crescente, mensurável das mais variadas maneiras (desemprego, subemprego, carência alimentar, doenças etc).

Por outro lado, o migrante é freqüentemente considerado como um dos responsáveis por alguns problemas que costumam ser arrolados na categoria das "deseconomias urbanas".

Os defensores dessa opinião referem-se às pressões que tais populações representam, na demanda crescente de uma infra-estrutura social, agravando os problemas de água, esgoto, escassez de moradias etc. O atendimento desta demanda desvia verbas vultosas, que poderiam ser utilizadas em investimentos mais produtivos.

Nesta linha de pensamento, a utilização de parte do capital (quase sempre considerado um bem escasso, nos países subdesenvolvidos) em investimentos, denominados "demográficos", é vista como um fator que diminui ou retarda as possibilidades de investimentos produtivos (que ampliariam o mercado de demanda de emprego).

Os raciocínios descritos desembocaram no famoso conceito de "círculo vicioso da pobreza", figura retórica largamente utilizada em alguns enfoque das teorias de marginalidade, utilizado também, anteriormente, nas teorias neomalthusianas.

De forma genérica, as argumentações subjacentes a essas teorias, atualmente classificadas como "antiurbanas", tornaram-se muito em voga na defesa de slogans normativos, tais como: "Volta do homem à terra", "São Paulo precisa parar".

Essas posições de cunho negativista, frente ao processo de urbanização acelerada, que se observa nos países de industrialização tardia, vêm recebendo sérias críticas, à medida que se aprofundam as reflexões teóricas1 1 Douglas, Graham & Buarque de Holanda Filho, Sérgio. Migration regional and urban growth and development in Brazil: a selective analysis of the historical records - 1872/1970. São Paulo, IPE/USP, 1971. v. 1. Batán, Jorge. Urbanización, migraciones internas y desarrollo regional; notas para una discusión. In: Migrações internas e desenvolvimento regional Cedeplar/ufmg, 1973. 2v. Singer, Paul. Migrações internas: considerações teóricas sobre o seu estudo. Economia politica da urbanização. São Paulo, Editora Brasiliense, Edições Cebrap, 1973.152 p. Brandão Lopez, Juarez. Desenvolvimento e mudança social. e aumentam os estudos sistematizados de campo.2 2 Balán, Jorge; Browning, Harley L. & Jelin, Elizabeth. Migración, estructura ocupacional y movilidad social (el caso de Monterrey). México, Universidad Nacional Autónoma de México, 1973. Faissol, Speridião. Migrações internas no Brasil e suas repercussões no crescimento urbano e desenvolvimento econômico. Revista Brasileira de Geografia, abr./jun. 1973. IBGE. Costa, Manoel Augusto. Força de trabalho urbano no Brasil Rio de Janeiro, IPA/INPES, apresentado no Encontro Brasileiro de Estudos Populacionais, ago. 74. Mata, Milton da; Carvalho, Eduardo Werneck R. de & Castro e Silva, Maria Thereza. Migrações Internas no Brasil: aspectos econômicos e demográficos. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1973. (Relatório de Pesquisa n. 19. )

As novas colocações, decorrentes destes estudos, não pretendem negar a existência dos sérios problemas que afetam a metrópole; pelo contrário, é o reconhecimento da sua existência que leva à procura de uma ampliação do conhecimento das variáveis explicativas, pelas quais poder-se-ia obter o instrumental analítico necessário à compreensão empírica da realidade.

O que se questiona nesta procura é a validade de alguns pressupostos, como por exemplo:

a) até que ponto pode o processo de urbanização ou metropolização ser responsável pela pauperização dos grupos migrantes, ou até que ponto ele apenas transfere dada situação do campo para a cidade (ou de cidades menores para as maiores)?

b) pergunta-se ainda se a oferta elástica de força de trabalho, decorrente destas transferências, teria desempenhado (e ainda desempenha) um papel fundamental para o bom andamento do processo, não só na redução do custo de mão-de-obra que beneficia o processo de acumulação de capital, mas também na disponibilidade de um fator de produção, nos períodos de aceleração do processo de desenvolvimento econômico?

2. METODOLOGIA

Uma reflexão macroestrutural (social e econômica) talvez possa ponderar as condicionantes do fenômeno das migrações internas, compreendido como um processo social, cuja abrangência, velocidade e sentido são determinados ao nível dos aspectos locacionais e setoriais impostos pelo modelo de desenvolvimento econômico adotado.

E nessa linha que os problemas emergentes das metrópoles são enfocados: como resultados da racionalidade do sistema econômico vigente, e não como uma "anomia" do mesmo. Conforme propõe Singer, "os mecanismos de mercado que, no capitalismo, orientam os fluxos de investimentos às cidades e, ao mesmo tempo, criam os incentivos econômicos às migrações do campo para a cidade, não fariam mais do que exprimir a racionalidade macroeconômica do progresso técnico que constitui a essência da industrialização".3 3 Singer, Paul. op. cit. p. 33.

Tentar-se-á captar o migrante no contexto metropolitano e verificar as hipóteses referidas, no sentido da sua performance - aqui entendida como nível de inserção na estrutura produtiva e em sua evolução; ou seja, será dada ênfase à trajetória econômica percorrida pelo migrante, medida através da escala de ocupações e de remunerações atingidas pelo grupo migrante, em diferentes momentos da história de sua experiência metropolitana. Consideraram-se como migrantes apenas os não-nascidos na metrópole, com tempo de residência de até 10 anos. Como parâmetro comparativo ou grupo controle, tomou-se o grupo populacional nascido na própria região e/ou os com tempo de fixação, na metrópole, superior a 10 anos.

Este critério foi estabelecido, em parte, em decorrência da estruturação e disponibilidade dos dados utilizados neste trabalho. Como base de análise, foram utilizados os dados publicados nos censos demográficos do IBGE e as tabulações especiais do Censo Demográfico de 1970 (IBGE), elaboradas para o Serfhau,4 4 Agradecemos ao Serviço Federal da Habitação e Urbanismo -Serfhau -e especialmente a Mary Garcia Castro, coordenadora do projeto Serfhau/OIT, pela utilização dos dados, sem os quais esse trabalho não poderia ter sido realizado. que subdividem os migrantes, por tempo de residência, nas categorias: até dois anos, de três a cinco anos, de seis a 10 anos e de 11 anos e mais. Diante das limitações destas agregações, consideramos viável aventar a hipótese de que, após um período de 10 anos completos de fixação na metrópole, o migrante poderá ter incorporado uma série de padrões e valores metropolitanos, nivelando-se, em termos de comportamento, aos nascidos na área. Por outro lado. as tabulações efetuadas mostraram que. em termos de estrutura setorial de emprego e de renda, o migrante com 11 anos ou mais de fixação na metrópole e o nativo apresentam uma similaridade muito alta nas distribuições de freqüência, nos setores econômicos e nos grupos de renda. Contudo deve-se ponderar com cautela, quanto a estas similaridades, pois fatores decorrentes de variações nas estruturas etárias dos dois grupos podem estar encobrindo (ou não) eventuais diferenças. Como as estatísticas disponíveis não fornecem a estrutura etária dos migrantes por tempo de residência, não foi possível checar esta hipótese. A utilização destas estatísticas, como base de análise, remete o nosso trabalho a uma avaliação do mercado de trabalho metropolitano, no que se refere apenas à oferta de mão-de-obra. A demanda não pode ser mensurada, na sua totalidade, via censo demográfico, pois não constam destas estatísticas as vagas não-preenchidas, tanto por falta de oferta adequada como por decorrência da rotatividade da mão-de-obra. Salientando as dificuldades estatísticas e considerados os propósitos deste trabalho, consideramos, para efeito de nossa análise, que a mão-de-obra empregada corresponde à demanda existente no mercado de trabalho.

3. O MIGRANTE NA METRÓPOLE

3.1 Contribuição ao volume de recursos humanos

A polarização populacional exercida pela região metropolitana, no âmbito intra e interestadual, e a do estado, no âmbito nacional, tornam a Grande São Paulo um dos maiores centros migratórios do País, onde se concentram 4 milhões e 300 mil migrantes, sendo 51,8% do próprio estado e o restante das outras unidades da Federação e do exterior.5 5 Censo Demográfico de 1970. Fundação IBGE.

Nos últimos 10 anos, a metrópole absorveu 2 milhões de novos migrantes, que somados aos acréscimos populacionais de sua reprodução vegetativa, neste período, representam um aumento de 3 milhões e 400 mil pessoas.

Esses números que afluem à metrópole, na última década, conquanto assustadores à primeira vista, revelam o resultado do processo de concentração de investimentos e, portanto, de emprego.

Em 1940, a Grande São Paulo representava 21% da população do estado e tinha uma capacidade de oferta de emprego de 22%, em relação ao total de empregos oferecidos pela economia do estado. Em 1970, 46% da população paulista estava na metrópole, onde lhe era oferecido 49% do emprego total gerado no estado. A tabela 1 mostra a evolução desses indicadores.

A capacidade de geração de empregos na metrópole, nos últimos 20 anos, vem apresentando uma contribuição cada vez maior ao montante de empregos do estado, num ritmo superior ao da polarização populacional exercida por esta área. Este fato sugere algumas reflexões, quanto aos processos que regem a integração dos migrantes no mercado de trabalho metropolitano. A oferta de emprego por habitante, em termos de volume, é, na metrópole, superior à verificada no interior; contudo isto não significa que as reais possibilidades de integração ocupacional das populações migrantes, no mercado de trabalho metropolitano, sejam mais rápidas e melhores do que as verificadas no interior. Se, por um. lado, o volume de empregos concentrados na metrópole tem-se ampliado num ritmo mais acelerado do que a concentração de população, é também verdade que, na região metropolitana, a taxa de participação6 6 Obtém-se a taxa de participação da população na força de trabalho dividindo-se o total da população empregada mais a desempregada pela população de 10 anos e mais. da população na força de trabalho é bem maior do que a observada no interior; mesmo considerando as altas taxas de escolaridade dos habitantes da cidade grande, superiores às do interior, o que deveria significar um adiamento ou postergação na idade de entrada no mercado de trabalho.

O primeiro passo para se entender a inserção do migrante no sistema produtivo da metrópole é saber quem é esse migrante. É preciso conhecer sua estrutura como grupo social, definidas as características específicas das diferentes classes sociais que o compõem.

Uma compreensão aprofundada de suas características fica limitada, contudo, na medida em que os dados básicos da análise (dados censitários) só mostram o grupo num determinado momento e num ponto da história de sua experiência migratória. A insuficiência desses dados foi referida em trabalho recente, onde se considera: "O quadro ideal para uma análise comparativa de situações e que melhor permitisse a compreensão do que as migrações significam, para os indivíduos e seus grupos sociais de referência, deveria focalizar o migrante em uma análise transversal, situando-o em seus meios de origem e procedência e, num instantâneo atualizado, no seu lugar de destino. Mas as limitações técnicas do material utilizado obrigam a um artifício de resultados menos completos, qual seja o de recortar o indivíduo de sua história de vida, focalizando-o em um momento dado - período de recenseamento, em um lugar determinado - área-destino, ou melhor, lugar de recenseamento - e compará-lo a um outro - o nãomigrante - que de comum com o indivíduo migrante só teria, em princípio, a coexistência espacial. E o que se chama estudo dos diferenciais".7 7 Garcia Castro, Mary et alii. Migrações internas no Brasil: referentes da pesquisa e resultados preliminares. Encontro Brasileiro de Estudos Populacionais, IBGE, 1974. p. 2. mimeogr.

Um dado básico nesta caracterização é a estrutura etária do migrante por tempo de residência na metrópole, no sentido de se ponderar a idade na "performance metropolitana" do migrante.

Todavia a informação só é disponível nos seguintes grupos:

a) migrantes com até 10 anos de residência;

b) nativos, somados aos migrantes com mais de 10 anos

Uma das contribuições do migrante ao montante de recursos humanos da metrópole é resultado de um processo seletivo inerente à migração, da qual as características de idade e sexo são as mais facilmente detectáveis, por meio das estatísticas disponíveis.

O potencial de recursos humanos disponível na Grande São Paulo, isto é, o montante de população apta a participar da produção social é altamente positivo, favorecendo sua situação frente às outras regiões. A metrópole concentra, em 62% de seus habitantes, pessoas de 15 a 64 anos, enquanto a população brasileira nesta faixa é de 54,6%, conforme mostra a tabela 2. Esta estrutura etária favorável, no que se refere a idade ativa, decorre em grande parte da contribuição dos contingentes migratórios que a "engrossam".

Pela análise da tabela 3, observa-se que mais da metade dos migrantes (50,5%) conta de 15 a 34 anos, sendo que, no grupo nativo, a população desta faixa etária representa 30%.

No seu total, a migração feminina não se apresentou, nestes últimos 10 anos, em proporções maiores que a masculina, embora tenha sido comprovado por outros estudos que a migração, no sentido metropolitano, é favorável a uma proporção maior de mulheres.

Os dados para o Estado de São Paulo mostram que, do total de empregos fornecidos à população feminina, 56% são obtidos na metrópole, acreditando-se que este fator deveria pesar positivamente como atração para as mulheres. Ao analisar as migrações por estrutura etária, contudo, verifica-se que, nos grupos mais jovens (15 a 24 anos), elas superam o contingente masculino, sendo esta a causa provável de uma taxa mais elevada de ocupação feminina.

Enfocado o grupo migrante só sob o ângulo de sua estrutura etária, podemos considerá-lo como favorável, em relação aos nativos, pois trata-se de um considerável potencial de recursos humanos. Como decorrência deste fato, suas taxas de dependência8 8 Taxa de dependência foi obtida dividindo-se o total de crianças de 0 a 10 pelo total da população adulta. são muito baixas, isto é, o número de dependentes (considerados os de idade inferior a 10 anos) tem peso menor no total da população, significando um ônus mais baixo a ser despendido pelo grupo (ou transferido à sociedade), nos encargos com populações ainda inaptas ao mercado de trabalho. Embora se possa comprovar esta situação, estatisticamente, deve-se ter cautela ao aventar hipóteses a respeito; de modo empírico, tais informações são válidas somente para os migrantes no momento de entrada na área de destino, uma vez que os filhos nascidos na região de imigração serão computados como nativos, não sendo, portanto, incluídos na taxa de dependência da população migrante.

3. 2 Taxas de participação da força de trabalho migrante

As taxas de participação da população tornam claro um fato fundamental, para a compreensão da importância da migração, nas economias metropolitanas: o contingente migratório não só acresce uma parcela considerável ao montante de recursos humanos da região, como também participa positivamente na transformação deste potencial em efetivo da força de trabalho.

As taxas de ocupação da população migrante são sempre mais altas do que as dos nativos, com diferenças significativas, conforme se observa na tabela 4.

Para cada homem que trabalha efetivamente, 1,2 homens permanecem inativos no grupo migrante e 1,4 homens no grupo dos nativos, sendo que esta proporção é de um para três, no contingente feminino migratório, e elevase para quatro inativos por mulher, na população originária do local. Em parte, essas diferenças são explicadas pela estrutura etária mais jovem da população nativa e pelas diferenças de escolaridade entre os dois grupos, visto que o período mais longo de formação do nativo é um elemento que retarda sua entrada na força de trabalho.

O pressuposto básico da teoria da marginalidade (os migrantes considerados como massa marginal nãointegrada no mercado de trabalho) pode ser refutado, dentro da realidade da metrópole paulista. Embora taxas de ocupados possam ser mais baixas do que as encontradas em países de desenvolvimento industrial anterior, elas são definidas pelo modelo económico estabelecido, não sendo de forma alguma criadas ou agravadas pela população migrante.

As características de baixa qualificação, sempre aventadas na explicação de uma performance negativa do migrante na economia da região, deveriam ser melhor definidas no seu significado metropolitano.

Nesta análise, a qualificação do trabalhador será considerada (por dificuldades estatísticas) utilizando-se o seu nível de escolaridade, não sendo computadas, portanto, as especializações e as experiências de trabalho, fatores tão importantes quanto os de educação formal na definição de "qualificado".

É certo que os migrantes apresentam, frente às populações nativas da metrópole, um handicap, em termos de escolaridade. Esta é uma desvantagem que deverá provavelmente refletir-se em sua trajetória ocupacional, embora os desníveis existentes não cheguem a caracterizá-lo como um grupo de peso negativo para a economia da área.

Trata-se de um grupo em que 87% da população ocupada (acima de 10 anos) é alfabetizada (ver tabela 5) e, destes, 61% possuem algum curso completo, enquanto que para a população nativa da região a percentagem correspondente é de 93% alfabetizados, dos quais 76% com grau de escolaridade completo.

De qualquer forma, permanecem, na área metropolitana da Grande São Paulo, perto de 140.000 migrantes analfabetos, desempenhando funções econômicas (13.2% do total), dos quais 97.637 são homens.

É interessante notar que o mercado de trabalho metropolitano cria um volume de oportunidades de trabalho para esta mão-de-obra, igualmente repartido entre nativos e migrantes.9 9 Os nativos analfabetos representam 5,3% do total da população.

As diferenças observadas no grau de alfabetização se acentuam, quando se coloca a análise dos níveis de escolaridade. Quase a metade da população migrante inserida no mercado de trabalho não completou qualquer curso, sendo que. para os nativos, esta proporção é de 30%. Além desta desvantagem inicial, a distribuição da população nos diferentes graus de instrução apresenta uma estrutura que desfavorece o migrante.

Um ponto a salientar, contudo, dentro do grupo de população com algum grau de escolaridade, é a verificação de que o migrante, embora apresentando níveis algo mais baixos do que os dos nativos, apresenta uma estrutura educacional cuja representação em pirâmide não foge muito ao que se observa para a população nativa da metrópole, configurando um grupo socialmente estratificado, representativo de uma sociedade de classes, conforme modelo observado no País (ver tabela 6).

3. 3 Distribuição da população migrante na estrutura de emprego da Grande São Paulo

A estrutura de emprego, neste trabalho, foi agrupada por setores e subsetores de atividade, obedecendo a metodologia proposta por Paul Singer.10 10 Esta metodologia foi primeiramente utilizada pelo autor, no trabalho Recursos humanos da Grande São Paulo, SEP/Gegran, 1971.

Basicamente, esses agrupamentos são os seguintes:

a) secundário, dividido em dois grupos:

• secundário I. que agrupa a indústria de transformação (atividades industriais e construção civil):

• secundário II. onde são englobadas as atividades de manutenção e reparação dos produtos oriundos do secundário I, considerando os serviços de reparação de máquinas e veículos, de habitações e locais de trabalho, de artigos de uso pessoal;

b) terciário, dividido em três grupos:

• serviços de produção, que desenvolvem atividades chamadas de "intermediação"', comerciais, financeiras e de transportes e comunicações, diretamente vinculadas aos setores primário e secundário;

• serviços de consumo coletivo - governo, defesa, educação, saúde e previdência social;

• serviços de consumo individual - serviços pessoais, atividades domésticas remuneradas e profissionais liberais.

Uma análise da estrutura ocupacional das populações migrantes e nativas mostra a seguinte situação:

1. A proporção de empregos oferecidos ao migrante, nas atividades englobadas no setor secundário, é maior do que a dos oferecidos aos nativos. Esta diferença é mais acentuada quando se analisa separadamente o contingente masculino: neste setor, concentram-se 58,7% da sua força de trabalho e 49,6% da dos nativos (ver tabela 7).

Surpreende, num primeiro momento, a verificação de que o contingente de força de trabalho migrante, quando comparado ao grupo nativo, participa, proporcionalmente, com parcelas maiores de mão-de-obra nas atividades do setor secundário. Este fato se deve sobretudo à sua participação relativa maior na área de construção civil, na qual se inserem 15,6% do montante de migrantes masculinos trabalhadores, enquanto que no grupo nativo esta proporção é de 8,3%.

De qualquer forma, controlada a variável emprego na construção civil e considerando-se apenas a mão-de-obra empregada na indústria de transformação (setor de mais alta taxa de produtividade) verifica-se que tanto migrantes como nativos são arregimentados e incorporados em proporções praticamente iguais (dos seus contingentes de força de trabalho) para o desempenho de atividades econômicas nesta área.

Estas verificações nos levam a ponderar quanto à pertinência das afirmações que consideram o universo de oportunidades de trabalho disponível ao migrante restrito aos setores menos produtivos da economia, aos mais tradicionais ou aos menos formais (aí incluída a construção civil).

Com base nos dados obtidos para a região metropolitana de São Paulo, não se pode admitir estas hipóteses.

No caso da construção civil a sua importância no mercado de trabalho migrante não parece ser tão grande, e além do mais, não parece ser um mercado de trabalho exclusivo do migrante, pois os 240 mil empregos deste tipo, oferecidos na metrópole, são igualmente ocupados, em números absolutos, por migrantes e nativos.

2. As possibilidades de trabalho para as mulheres, na metrópole, concentram-se nas atividades denominadas "prestação de serviços", onde cerca de 400 mil desempenham funções econômicas. A concentração de empregos de baixa produtividade, característica do setor, deve-se ao elevado número, aí existente, de "domésticas remuneradas".

De fato, esta parece ser a grande oportunidade de inserção da população migrante (45,2% dos empregos femininos), embora não exclua a participação das mulheres nativas, em cujo grupo representa 22% do total.

As demais ocupações femininas distribuem-se pelos setores de atividades industriais - 21,9% e 27,9%, respectivamente, migrantes e nativas - e em serviços de consumo coletivo - 10,3% das ocupações femininas migrantes e 16,9% das nativas.

Como se pode observar, a evolução da metrópole parece oferecer possibilidades de inserção nos setores capitalistas de produção, a par com a criação de empregos em outras áreas.

A esse nível de análise, embora de maneira ainda preliminar, indaga-se até que ponto o aumento do contingente ativo urbano na metrópole se realiza, conforme se tem afirmado, principalmente no âmbito das atividades mais tradicionais (consideradas o comércio, a prestação de serviços e a construção civil), uma vez que a indústria e o setor terciário, mais ligado à produção, vêm mostrando uma capacidade crescente de absorção de mão-de-obra, concentrada sobretudo na metrópole.

Trabalho recente, publicado pela Organização Internacional do Trabalho,11 11 Schaefer, Kalman & Spindel, Cheywa. Urban development and employment, WEP, International Labour Office, Geneve. mostra que ocorreu aumento na proporção de empregos de "domésticas remuneradas", de 6,6% do montante total de empregos, em 1950, para 8%, em 1970. Este fato não deveria ser utilizado para deduções simplistas quanto à incapacidade do sistema em criar empregos produtivos, como tem sido freqüentemente alegado, pois no mesmo período, e ainda no setor terciário, os empregos em serviços de produção (cuja organização é definida na categoria de "'moderna") ampliaram sua participação no emprego total, de 20,4% para 25,6%.

Isto significa uma ampliação das oportunidades de trabalho em quase 500 mil empregos produtivos (228.726 empregos, em 1950, e 708.460, em 1970), além do que a indústria de transformação criou, no período, um volume de 870 mil empregos novos, elevando sua participação percentual na estrutura de emprego global de 18,3%, em 1950, para 24%, em 1970.

Praticamente, a problemática tem sido sempre referida a uma construção, de tipo ideal positivo, "o setor moderno", e contraposto a ela um outro tipo ideal negativo, geralmente denominado "setor tradicional".

"Esses tipos ideais são bastante precários como instrumental analítico, já que uma grande parte da realidade não se enquadra em nenhum dos dois."12 12 Alves Brito, Fausto & Merrick, Thomas. Migração, absorção de mão-de-obra e distribuição de renda. Comunicação ao I Encontro Anual sobre Emprego e Distribuição de Renda, Universidade de São Paulo (IPE), de 8/10 nov. 1973. p. 22. mimeogr. Os autores fazem parte do Cedeplar/UFMG. Merrick e Brito mostram-nos, ainda, citando Francisco de Oliveira: "estas visões dualísticas indicam uma ruptura, a nível do sistema social, que a realidade não comprova, assim como apresentam uma caráter estático, ou seja, não revelam a interação setorial na dinâmica do processo de acumulação". A tese do terciário "inchado", que tem acompanhado muitas das reflexões sobre a marginalidade, é uma conseqüência desta visão dualística: "o incremento do terciário, na forma em que se dá, absorvendo crescentemente força de trabalho, tanto em termos absolutos como relativos, faz parte do modo de acumulação urbano, adequado à expansão do sistema capitalista no Brasil; não se está em presença de uma "inchação", nem de um segmento marginal da economia".13 13 Id.ibid.p. 22.

Sem negar a existência desses setores mais tradicionais, o que se pode ponderar é que a sua ampliação, no processo de integração ocupacional, não parece inibir a evolução do crescimento econômico na metrópole, cujos setores mais dinâmicos vêm ampliando suas atividades com crescente absorção de mão-de-obra.

3.4 Remuneração do trabalho migrante

Se entendermos o conceito de marginalidade como "pobreza", poderemos dizer que o migrante na metrópole de São Paulo é um marginal. Perto de 64% da população migrante auferia, em 1970, pelo seu desempenho econômico, uma renda de até Cr$ 300,00. A distribuição da renda, para os nativos, também se situa a níveis baixos, mas a distribuição é menos desfavorável, conforme pode ser observado na tabela 8.

Não acreditamos que a estrutura econômico-social do grupo migrante possa explicar totalmente esta desvantagem. Se tomarmos a estrutura ocupacional como variável explicativa, verificaremos que, aos mesmos níveis de inserção nas atividades econômicas, o migrante representa "fator trabalho" de menor custo. Isto é válido, tanto para os setores modernos como para os tradicionais.

Os níveis mais baixos observados na indústria de transformação, onde uma parcela bastante significativa da mão-de-obra migrante encontra trabalho, podem ser atribuídos, em parte, aos diferenciais de escolaridade da população,- enquadrando-se o migrante nas ocupações de mão-de-obra não-qualificada das atividades desse setor. Mesmo nas atividades consideradas menos produtivas, como as de domésticas remuneradas, construção civil, comércio de mercadorias, onde os diferenciais de escolaridade têm peso menor, são sistematicamente verificadas, em todas as classes de renda, as desvantagens do grupo migrante (ver tabelas 9 e 10).

Os rendimentos mensais dos migrantes e nativos, mesmo quando controlada a variável escolaridade (grau de curso completo), refletem uma escala de remuneração favorável aos nativos. Aos mesmos níveis de instrução, as populações nativas representam um fator trabalho de custo mais alto.

Tomando-se a população empregada, com curso elementar completo, para os dois grupos, verifica-se que uma proporção de 40,44% dos migrantes desta categoria vivem de uma renda mensal de até Cr$ 200,00 (o grupo nativo correspondente é de 30,9%). No extremo mais alto dos rendimentos mensais (mais de Cr$ 1.000,00), ainda se mantêm as diferenças de-freqüência entre a população migrante (2,4%) e os nativos (5,2%).

Ao nivel de curso médio, também é observada essa discriminação, embora os hiatos sejam algo menores, com exceção para o grupo de renda acima de Cr$ 1.000,00. Mais de 26% da população nativa, com grau de escolarização média, alcança esses níveis de renda, enquanto dentre os migrantes este acesso é aberto para apenas 18% de sua população.

Tanto migrantes como nativos com nível universitário auferem rendas bem mais altas, concentrando-se praticamente nos grupos acima de Cr$ 1.000,00.

Aplicando-se mais uma vez a análise comparativa entre os dois grupos populacionais em estudo, verifica-se que, mesmo trabalhando com categorias homogêneas, altamente seletivas, como a de nível universitário, evidenciam-se pequenas diferenças (que favorecem os nativos), na proporção dos que, incluídos neste grupo, são arrolados nas categorias de remuneração superior a Cr$ 1.000,00. Dentre os migrantes universitários, 71% são incluídos nesta faixa e, dentre os nativos, a percentagem é de 77%.

Segundo Merrick e Brito,14 14 Id.ibid. a variável independente explicativa deve ser procurada no status ocupacional e na posição ocupada no mercado (empregado, empregador, autônomo etc), enquanto as variáveis de educação, idade e sexo seriam apenas intervenientes e não determinantes na definição do salário pago ao trabalho.

Tabela 11

As estatísticas utilizadas não possibilitam a verificação do status ocupacional da população empregada e nem permitem uma abordagem indireta através da variável interveniente idade, necessárias à ampliação do conhecimento sobre os processos subjacentes que regem a remuneração do trabalho.

De qualquer forma, ficam constatados alguns bloqueios ao migrante, em sua escalada econômico-social, na metrópole, que não podem ser configurados apenas dentro do contexto específico de trabalho ou de educação desses dois contingentes do grupo populacional. Fica também evidente sua concentração muito alta nos níveis de baixa renda, não explicada pelo conceito de marginalidade, uma vez que ela atinge a toda a população, em todos os setores de atividade.

As baixas rendas da população metropolitana, sobretudo a baixa remuneração do trabalho, em alguns setores menos organizados formalmente, retratam os estrangulamentos do processo capitalista em marcha, que transfere para a metrópole contingentes de mão-de-obra não-qualificada, dos setores de subsistência, juntamente com toda a problemática inerente às populações pobres desse tipo de organização. A "pobreza metropolitana" não é criação de metrópole, pois é anterior ao seu surgimento.

Como diz Jorge Balán: "(... ) es cierto que la concentración trae una mayor visibilidad y viabilidad de expresiones sobre la estructura social y económica y el sistema político; el subempleo y el hacinamiento y falta de servicios básicos, la deserción escolar, desnutrición infantil etc., son mas obvios y políticamente relevantes en las ciudades grandes. En palabras mas sencillas, la pobreza urbana es mas evidente y incómoda a las estructuras de poder que la pobreza en villas y áreas rurales."15 15 Balán, Jorge. Urbanización, migraciones... op. cit. p. 81.

Por outro lado, argumenta-se que a metrópole, no seu processo de evolução, tem apresentado mecanismos de superação dos problemas emergentes. Considera-se também que os setores econômicos de absorção de mão-deobra de baixa qualificação e remuneração não seriam redundantes, mas funcionariam como um destes mecanismos, "área-tampão",16 16 Merrick, Thomas & Alves Brito, Fausto, op. cit. no processo de transferência da força de trabalho da agricultura para a indústria.

4 . MOBILIDADE DO MIGRANTE NO MERCADO DE TRABALHO METROPOLITANO

4.1 Evolução na estrutura setorial

Todaro17 17 Todaro, Michael P. A model of labor migration and urban unemployment in less developed countries. American Economic Review, n. 49, Mar. 1969. caracteriza a migração da força de trabalho como um processo de dois estágios, nos quais o trabalhador rural não-qualificado migra para uma área urbana, permanece por um certo período no setor tradicional urbano e transfere-se, eventualmente, para um emprego mais estável no setor moderno, o que significaria também uma evolução na escala socioeconómica.

Com base em dados empíricos, tentaremos verificar se esta mobilidade ou trajeto evolutivo ocorre, e quais os setores de transferências mais intensas.

A determinação do trajeto econômico dos migrantes, na metrópole, conseguida dos dados censitários de tempo de residência, pressupõe que as diferenças encontradas, por setor de trabalho, nos diversos momentos da década, traduzem estágios de transição, no caminho percorrido pelo migrante à procura de inserção em setores de produtividade e/ou rentabilidade maior.

A esta altura da análise, cumpre uma ressalva quanto às implicações dos dados estatísticos, cujos problemas, embora não contornados, merecem citação. Em primeiro lugar, deve ficar claro que trabalhamos com coortes de migrantes remanescentes: na realidade, não conhecemos o montante nem a estrutura dos fluxos migratórios que buscaram a metrópole, mas apenas os grupos que permaneceram, num certo sentido, os que "venceram", conseguindo fixar-se. Por outro lado, trabalhamos com grupos de migrantes recenseados num mesmo momento, mas cujo trajeto migratório, fixação na metrópole e inserção no mercado de trabalho metropolitano ocorreram em intervalos de tempo diferentes, portanto submetidos a diferentes pressões, seja na área de origem, seja na de destino. Esses fatos devem refletir-se tanto na composição estrutural dos fluxos migratórios como nas formas de inserção ocupacional de cada grupo migrante.

Sabe-se que, para ps processos dinâmicos desta evolução, convergem tanto as mudanças das características psicossocioculturais do migrante (adaptação, qualificação, idade) como a conjuntura econômica do período de entrada na metrópole. A caracterização desses fatores seria desejável, do ponto de vista analítico, mas operacionalmente foge às possibilidades do momento.

Os dados analisados permitem identificar claramente certas uniformidades de seqüência na trajetória ocupacional do migrante masculino, à medida que se amplia o seu período de vivência metropolitana: a) decresce, marcada e sistematicamente, a participação do migrante nos setores da construção civil e serviços domésticos remunerados;

b) aumenta gradualmente a inserção do migrante nas atividades da indústria de transformação, onde as oportunidades se ampliam, tanto para os homens como para as mulheres.

Destas observações, pode-se aventar a hipótese de que a concentração de migrantes no setor de construção civil, nos primeiros anos de vida metropolitana, sua gradual e sistemática diminuição posterior, e a correlação inversa observada, relativamente às atividades industriais, devam significar, para grande parte dos migrantes masculinos, um processo de transição, onde a construção civil desempenha o papel de estágio preparatório para ingresso nas atividades industriais, embora estas, muito provavelmente, de início, devam corresponder aos níveis mais baixos de qualificação.

Pouco mais de 20% dos recém-migrados atua no setor de construção civil, permanecendo ali apenas 12%, à medida que seu tempo de fixação atinge mais de seis e até 10 anos.

A proporção de migrantes que se insere em atividades do setor de indústria de transformação, logo nos primeiros dois anos de metrópole, é de 36% do total empregado. O grau de participação do migrante, nestas atividades econômicas da metrópole, eleva-se para 39% e 41%, quando analisadas as populações residentes na região de dois a cinco, e de seis a 10 anos, respectivamente.

O emprego industrial deve representar, para parte do grupo migrante, uma meta a ser alcançada, dadas as vantagens ocupacionais, as médias salariais mais elevadas, a cobertura das leis trabalhistas e mesmo a continuidade e segurança no trabalho.

Uma parte dessa mão-de-obra masculina se insere na indústria, e outra na manutenção de produtos oriundos do setor industrial, isto é, confecções, conservação de edifícios, máquinas etc. É também ascendente o fluxo de migrantes nos setores de comércio de mercadorias e serviços pessoais, à medida que aumenta seu tempo de fixação na metrópole.

Pergunta-se, do ponto de vista econômico, se o deslocamento dessas pessoas do setor de construção civil para as atividades de serviços representa, para a produtividade do sistema, fato positivo ou negativo; e se po<le ser entendido como ascensão, do ponto de vista do migrante.

Enfocado pela teoria marginalista, esse comportamento seria utilizado como indicador comprobatório da "anomia metropolitana", reclamando-se contra a pauperização da população e os entraves ao desenvolvimento do sistema, uma vez que esses setores da economia são vistos também como marginais.

Propõe-se, em novas formulações sobre o problema, não utilizar as conceituações dicotômicas: moderno-tradicional, dinâmico-marginal etc., mas analisar as transformações da estrutura produtiva, onde "diversas formas de organização da atividade econômica coexistem integradas e se modificam, num processo de adaptação às mudanças nos focos dinâmicos da economia (.. .)".18 18 Jelin, Elizabeth. Formas de organização da atividade econômica e estrutura ocupacional: o caso de Salvador, p. 54. 1974. (Estudos Cebrap n. 9)

Manter e criar uma série de serviços, dentro de uma organização simples de produção de mercadorias, vincula-se à abrangência da produção capitalista, que incorpora paulatinamente as atividades ao seu sistema, à medida que a racionalidade do capital o exigir.

Estas novas atividades são de dois tipos: "surgem os serviços de reparação dos novos bens de consumo industrializados (automóveis, artefatos elétricos etc), serviços que ampliam as atividades artesanais para o consumo preexistente. Sabe-se que esses serviços são realizados com mais eficiência, quando organizados em pequenas unidades produtivas ou utilizando trabalhadores autônomos, que têm a flexibilidade necessária para solucionar problemas não-rotineiros".19 19 Jelin, Elizabeth. op. cit, p. 53. "Por outro lado, surge, nas empresas, a produção de bens e serviços (produção de componentes industriais, serviços de instalação e manutenção da maquinaria etc), para clientes que não são consumidores finais. Dado o caráter heterogêneo e não-padronizado dessas novas atividades, apesar de serem criadas diretamente pelo desenvolvimento capitalista e integradas nos processos de produção organizados dessa forma, e dado o grau relativamente baixo de capitalização, é adotada a forma organizativa de produção simples, ao invés da forma empresarial."20 20 Id, ibid, p. 70.

Analisando-se separadamente a participação do contingente migrante feminino, verifica-se que o aproveitamento dessa mão-de-obra (45,2%) está praticamente concentrado na atividade de doméstica remunerada, que, no sentido econômico clássico, não constitui um trabalho produtivo, propriamente dito, pois não se acha integrado na divisão social do trabalho nem contribui para o produto social;"(. ..) encarado o produto social como o resultado do esforço coletivo, organizado pela divisão social do trabalho, para satisfazer a certas necessidades da socií dade e dos seus membros, o trabalho dos empregados domésticos em nada contribui para ele, sendo uma atividade individual, do mesmo modo como o trabalho da dona-de-casa (...)"21 21 Madeira, Felicia. Cadernos Cebrap n. 13. p. 46. .

E neste setor, contudo, que a grande parcela da população migrante feminina consegue mercado para vender sua força de trabalho, garantindo a sobrevivência e, em grande parte, a permanência na metrópole.

A migrante feminina se insere, marcadamente, nos primeiros anos de vivência metropolitana, declinando sua importância à medida que aumenta o tempo de estada na cidade; Mais da metade (54%) das oportunidades de trabalho para as mulheres recém-migradas (com até dois anos de tempo de fixação) está nesse tipo de trabalho, o que equivale a um montante de 66.681 empregos. Nos anos subseqüentes, a importância dessa atividade econômica para a migrante declina, embora permaneça num plateau elevado, mesmo para as migrantes mais antigas. Pouco mais de 40 mil mulheres de um total de 110 mil, que procuraram a metrópole e trabalharam, entre 1960 e 1965, mantêm ainda sua atividade ligada a esse setor em 1970, conforme evidenciado nas estatísticas compiladas na tabela 12.

No processo de evolução do desenvolvimento econômico, as mudanças organizacionais da produção são lentas, admitindo a coexistência de diversas formas. No caso de São Paulo, as transferências do setor rural (de subsistência ou assalariado) para o urbano não completaram seu ciclo de evolução, isto é, o processo de penetração do capital no setor rural da economia está ainda em marcha, no Estado de São Paulo. Nestes períodos de transição, libera-se mão-de-obra das atividades rurais, que se converte em fluxos contínuos para os centros urbanos. Disto resulta que a oferta abundante de mão-de-obra, não-qualificada e a baixo custo, mantenha-se constante ou mesmo se amplie, retardando, em parte, os processos de transferência de certas atividades de organização simples para as de estrutura capitalista. Mantendo-se baixos os custos, mantém-se a demanda deste serviço, conservadas as mesmas formas de organização existentes.

Grande parte das mulheres consegue, depois de um certo período de adaptação, transferir-se para a indústria de transformação, aumentando a proporção de migrantes empregados no setor. As variações são de 18% para 21,6% e 28,5%, respectivamente, nos três períodos analisados dentro da década, conforme a tabela 13.

Os outros setores de absorção crescente de mão-deobra feminina (embora o volume de empregos seja pequeno) são os das atividades de manutenção dos produtos oriundos da indústria de transformação, conservação de edifícios e máquinas. Grande parte destas atividades estão inseridas na forma de organização simples de produção de mercadorias, não exigindo pessoal qualificado.

Geralmente, quando se analisa como evolui a participação da mulher na estrutura ocupacional dos grandes centros urbanos, percebem-se claramente variações na sua intensidade, segundo, a faixa etária. A representação gráfica desse comportamento evidencia uma curva bimodal, onde o primeiro ponto de inflexão coincide com as saídas para o casamento, voltando a curva a crescer quando as tarefas familiares deixam de exigir a presença permanente da mulher.

A análise da migração, no período de uma década, pode estar captando apenas o primeiro movimento da curva, considerando a alta concentração dos fluxos femininos nas idades mais jovens. À falta de dados sobre a estrutura etária de cada grupo, não se pode inferir a interveniência destas variáveis no comportamento econômico da mulher migrante.

Ainda sobre a participação do migrante na estrutura de emprego da metrópole, podemos ressaltar alguns pontos que merecem reflexão e aprofundamento analítico maior, à luz de um empírico espacial e setorial mais detalhado:

a) as atividades econômicas do trabalhador migrante distribuem-se igualmente pelos setores secundário e terciário: 49,5% e 47,9%, respectivamente. A constatação desta situação deve contribuir para que seja repensada a tese da "terciarização" ou "inchação" da economia metropolitana, causada pela migração;

b) as estatísticas sobre transferências de migrantes, dos setores considerados menos produtivos, onde se inserem, no início de sua carreira metropolitana, para os considerados mais produtivos, corroboram a hipótese de que a metrópole representa para eles, uma possibilidade de ascensão;

c) as evidências estatísticas obtidas neste trabalho são relevantes a uma argumentação que pretenda contrapor-se às teses de "marginalização" do migrante, no centro metropolitano de São Paulo, sobretudo quando se utilizam como fatores explicativos dessa discriminação as dificuldades de acesso da mão-de-obra migrante aos empregos do setor secundário e os obstáculos à mobilidade intersetorial.

Verificada a capacidade do sistema econômico capitalista da metrópole de incorporar produtivamente parcelas crescentes da população migrante (embora mantenha parte dela em níveis muito baixos de produtividade), pretende-se verificar se a evolução ocupacional observada traduz uma ascensão econômica.

4.2 Evolução da estrutura de renda

As estatísticas compiladas, na tabela 13, sugerem que parcelas crescentes de população migrante transferem-se de grupos de renda menor para os de renda mais alta, à medida que se prolonga sua permanência na metrópole.

A inserção do migrante ocorre nos diversos níveis de remuneração, embora altamente concentrada nas classes inferiores.

No grupo dos recém-migrados, a população feminina que trabalha situa-se quase que totalmente (85%), nos níveis de renda de até Cr$ 300,00 (73,3% até Cr$ 200,00); para o grupo masculino, essa proporção é de 60%.

A evolução é bem marcada na faixa de renda de até Cr$ 200,00, que aumenta proporcionalmente ao tempo de permanência. Mantêm-se nessas categorias, entretanto, quase 60% das mulheres e 26% dos homens, cujo período de fixação ocorre no primeiro qüinqüênio de 1960.

No grupo de nativos (lembrando que este trabalho considera esse grupo como o formado pelos nascidos na metrópole e migrantes com 11 anos e mais de residência), permanece ainda a alta concentração nas classes de renda mais baixa, embora com uma proporção algo menor (47,1% de mulheres e 20,8% para os homens).

O que se ressalta de início são as acentuadas diferenças de remuneração paga ao trabalho feminino em relação ao masculino. Tem sido freqüentemente abordado e discutido o assunto dos salários femininos, bem como as causas de sua remuneração mais baixa. Ocupações específicas de menor remuneração, desempenho de atividades em tempo parcial, salário menor para tarefas iguais às do homem são variáveis que se somam, na explicação dessas diferenciais.

No caso da população estudada, acreditamos que o peso maior deve ser atribuído às elevadas proporções de empregos domésticos remunerados, que costumam situar-se nas escalas inferiores da "folha de pagamentos" do trabalhador.

O processo, de integração ocupacional da migrante e os níveis setoriais e de renda em que se insere na economia metropolitana são, em grande parte, função de sua estrutura de classe. A tradição rural ou de vivência urbana incipiente limita seu acesso aos setores econômicos de mercado da metrópole; além disso, contando com a venda de sua força de trabalho como única forma de subsistência, submete-se a baixos níveis salariais, resultantes da própria pressão da oferta abundante que representa.

Embora esse mesmo processo comande a inserção de força de trabalho masculina, fica em parte neutralizado pelo número maior de oportunidades ocupacionais abertas ao homem.

Considerando a importância numérica do contingente feminino inserido na força de trabalho (cerca de 30%, em todos os grupos migrados na década de 60), pode-se ponderar a influência que provavelmente exerce essa mãode-obra sobre o nível das remunerações, sobretudo quando pode substituir a masculina.

As diferenças entre os sexos se mantêm favoráveis aos homens também no grupo de nativos, embora com uma defasagem um pouco menor. No grupo nativo, em números relativos, há 26,8% mais mulheres na classe de renda de até Cr$ 200,00, enquanto essa diferença é de 33,5% no contingente migrante que participa do mercado de trabalho metropolitano há menos de dois anos.

As diferenciais tendem a diminuir, à medida que se amplia o tempo de permanência do migrante nesse mercado: a proporção nas faixas de renda mais alta aumenta, quando se considera o grupo com seis a 10 anos de residência na metrópole.

Se somarmos os figurantes nas faixas de renda de Cr$ 300,00 a Cr$ 500,00, podemos verificar a evolução do quadro 1.


Este quadro mostra que as mulheres, além de iniciarem sua participação econômica na metrópole a níveis mais baixos, apresentam um ritmo de evolução mais lento; enquanto o grupo masculino, neste nível de remuneração, aumenta sua participação relativa em 13%, no período de 10 anos, as mulheres só conseguem ampliar sua importância em 7%.

Considerando-se separadamente a população migrante, com 11 anos e mais de permanência na metrópole, e os naturais da região, verificou-se, no cotejo da divisão dos salários, que a estrutura de distribuição de renda se apresenta bastante similar. Contudo, algumas diferenças podem ser referidas, quando analisamos separadamente a mão-de-obra masculina e feminina.

São pequenas variações, basicamente detectadas no grupo feminino: das nativas, 81,6% concentra-se no grupo de renda de até Cr$ 500,00; no grupo de migrantes em questão, a proporção é maior (85,9%), enquanto que nos níveis de renda mais altos (de Cr$ 500,00 a Cr$ 1.000,(0) concentram-se em 10,7% das migrantes e 11,4% das nativas. Em termos de estrutura de renda, as diferenciais salientadas não são muito marcantes; mas devemos, mais uma vez, ponderar que os salários revertidos em benefício da mão-de-obra natural da região remuneram, muito provavelmente, uma força de trabalho mais Jovem, menos experiente, mas que por outro lado pode apresentar níveis de escolaridade mais altos.

São reflexões deste tipo que devem orientar novos estudos, na procura de melhor compreensão da problemática apresentada.

Sintetizando, com base nas estatísticas disponíveis podemos salientar alguns pontos:

a) a taxa de participação da mulher migrante na força de trabalho é superior à da população nativa, mas os salários auferidos por essa participação econômica são sempre mais altos para a segunda;

b) apesar do processo de ascensão dos migrantes a níveis de renda mais altos, à medida que se amplia o período de fixação na metrópole, grandes proporções deles mantêm-se, no período de uma década, nos níveis mais baixos (60% das mulheres e 26% dos homens, no grupo de seis até 10 anos de residência, auferem pelo seu trabalho uma remuneração inferior ou igual a Cr$ 200,00);

c) o sistema de produção capitalista, na metrópole, não elimina e talvez contribua para aumentar o contingente de força de trabalho inserida nos níveis mais baixos de renda, apesar da ampliação do número de empregos, nos setores mais produtivos. Perto de 50% da população nativa feminina (47,6% das migrantes de 11 anos e mais, e 46,8% das nascidas na área) recebe, pelo desempenho econômico de suas atividades, uma renda não superior a Cr$ 200,00. Para os homens, esta proporção fica em cerca de 20,8%, ou seja, menos do que a metade observada no contingente feminino;

d) considerando que a variável explicativa dos baixos rendimentos da população feminina migrante pode ser procurada na sua concentração em atividades de doméstica remunerada, deve-se ponderar, antes de situá-la nos níveis mais baixos de "pobreza", algumas vantagens não-contabilizadas no seu salário, como alojamento e alimentação. Quando esses são computados, passam a traduzir níveis de vida mais elevados do que os da população que se insere em níveis de renda pouco mais altos, em outras ocupações. É claro que, por outro lado, pesam também os fatores negativos de uma força de trabalho não-coberta pela legislação trabalhista, sem garantias de continuidade, sem o cumprimento de horário de trabalho de oito horas etc;

e) o migrante metropolitano recebe, comparativamente ao nativo, uma remuneração menor, qualquer que seja seu nível de escolaridade e setor de atividade. Somente quando se considera o grupo de migrantes com mais de 11 anos de residência na metrópole é que o hiato entre migrante e nativo diminui.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As verificações empíricas, nesta análise, permitem indicar algumas mudanças, contradições e/ou adequações que ocorrem no processo de desenvolvimento, as quais definem, em última instância, as novas estruturas emergentes.

Com base nos dados levantados, podfi-se argumentar:

1. Considerando, que a distância percorrida por uma economia para alcançar o seu desenvolvimento está em relação inversa ao montante de população que permanece no setor de subsistência22 22 Singer, Paul. Migraciones internas, consideraciones teóricas sobre su estudo, migración y desarollo. Buenos Aires, Consejo Latino americano de Ciencias Sociales, 1972. fica evidente que a penetração do capitalismo na agricultura paulista é um elemento dinâmico, no processo mais geral da evolução do sistema, na medida em que acelera o processo de transferência das populações do setor primário para as economias organizadas, que visam a produção, regidas pelo capital.

Os mecanismos que comandam essas mudanças, na economia do Estado de São Paulo, evoluem constantemente e, apesar das grandes alterações já observadas na organização da produção e da diminuição sensível dos montantes do contingente rural, acredita-se que esse processo ainda deverá continuar por algum tempo, até que se completem as transformações exigidas por esta etapa de desenvolvimento econômico.

Os fluxos de migração rumo à metrópole, que se acumulam nesses períodos de transição, conforme vem ocorrendo há duas décadas, acentuadamente no último decênio, deverão manter-se. Poderão transferir-se para a metrópole tanto as populações direta e imediatamente atingidas pelas mudanças, como também as anteriormente atingidas e que, num processo de migração em "esteira rolante", alcançam a cidade grande, depois de um certo período. Isto significa que, apesar do alto nível de evolução tecnológica na produção rural, novas formas de produção, novos incentivos ou produtos podem vir a criar processos de liberação da mão-de-obra rural; por outro lado, as estratégias espaciais e tecnológicas do desenvolvimento industrial, programadas pela política do Governo, poderão acelerar os processos de migração no estado, não apenas do rural para o urbano, mas também na continuidade dos fluxos urbano-urbano.

Como os fatores de êxodo da zona rural decorrem, geralmente, de um processo de mudança e não de estagnação23 23 Singer, Paul. op. cit. da economia desta área, e como tais mudanças se traduzem no aparecimento de novas técnicas de produção e, portanto, de maquinaria e implementos, verifica-se aumento na demanda destes produtos, dinamizando-se, desta forma, o setor da indústria de transformação que, por sua vez, amplia o mercado de oferta de empregos.

Embora esses efeitos ocorram, não se traduzem, obviamente, em ajustes perfeitos entre os mercados de oferta e demanda de força de trabalho: em primeiro lugar, porque as decisões econômicas são tomadas em função dos setores mais dinâmicos e mais produtivos; e em segundo, porque a evolução do processo econômico não percorre um caminho de traçado reto e suave. Pelo contrário, ela ocorre de forma acelerada, em ciclos que, embora evolutivos, são sucessões de altos e baixos, criando-se nestes movimentos conjunturais situações que concorrem para definir ou acentuar os estrangulamentos estruturais existentes. No mercado de trabalho da Grande São Paulo, refletem-se os efeitos desses processos, acumulados há vários anos, conduzindo a uma situação de desemprego estrutural, isto é, demanda de mão-de-obra não-suprida em alguns setores da economia e oferta nãoatendida (ou precariamente atendida) em outros.

2. Apesar do quadro configurado, a metrópole representa uma forma importante de ascensão social para uma grande parcela da população migrante. Essa afirmação tem por base a verificação da trajetória do migrante, desde o momento em que se insere na estrutura ocupacional da economia metropolitana, até completar seu ciclo de adaptação (considerado como um período de 10 anos).

Esta ascensão tanto ocorre em termos setoriais, isto é, mudança de setor de atividade, dos menos produtivos para os mais produtivos, como em termos de passagem dos grupos de renda mais baixa para os de mais alta.

Ao se colocar esta hipótese, deve-se ter em mente, conforme já salientado, tratar-se de uma análise diacrônica: trabalha-se com grupos migrantes, cuja inserção na estrutura ocupacional da metrópole ocorre em momentos diversos e, portanto, submetidos a situações econômicas e/ou problemas conjunturais diferentes. Reflexões quanto a este fato não devem obrigatoriamente levar a uma negação total das hipóteses construídas, mas advertem que, em alguns casos, pode-se estar introduzindo um desvio na análise. Neste trabalho, contudo, por falta de estatísticas que informem quanto ao acompanhamento da trajetória ocupacional de um mesmo grupo de migrantes, e com base nas significativas flutuações interclasses de renda, observadas dos dados disponíveis, inclinamo-nos, para efeito de análise, a pressupor situações conjunturais e estruturais semelhantes, no período em estudo; consideramos tais estatísticas como indicadores, na avaliação do processo de ascensão do migrante na metrópole, embora em estudos posteriores essa situação deva ser mais bem equacionada.

As estatísticas referentes à inserção do migrante na economia metropolitana mostram que, ao chegar à metrópole, ele se insere em todos os níveis de atividade e remuneração; a mobilidade ascensional existe tanto para os que se inseriram nos patamares mais altos da escala econômica, como para os que iniciam a níveis mais baixos.

Configurando o grupo social migrante dentro da estratificação socioeconómica que representa, podem-se compreender as altas taxas de inserção do migrante, nas escalas inferiores do sistema econômico da metrópole, não como processo de "marginalização" de uma população em função da "anomia" do sistema, mas como mecanismo de adaptação, para uma grande parcela desse contingente, que não apresenta a "prontidão" social, cultural ou econômica necessária à sua integração ocupacional a níveis de atividade e remuneração gratificantes.

Os aumentos dos níveis de renda do migrante, no seu processo de metropolização, decorrem tanto das alterações na estrutura ocupacional do contingente migratório, isto é, de sua ascensão setorial, como da melhoria dos níveis de remuneração, dentro do mesmo setor de atividade.

Introduzindo-se a variável "tempo de residência na metrópole", observou-se em todos os setores da economia, uma tendência à diminuição numérica dos estratos mais baixos de renda e aumento sistemático nas proporções de migrantes inseridos em níveis de renda mais alta, à medida que se consideram os grupos de migrantes mais recentes e mais antigos (os chegados no final e no início da década de 60).

3. Esses processos evolutivos de adaptação não atingem toda a população migrante que aflui à metrópole; parcelas bastante consideráveis do contingente migratório continuam desempenhando suas atividades econômicas a níveis baixíssimos de remuneração, mesmo possuindo períodos de vivência metropolitana mais prolongados.

Este, contudo, não é um "privilégio" do migrante; entre os nativos, pode-se também observar a manutenção de parcelas de força de trabalho remuneradas a nível de subsistência.

Baixos níveis de remuneração não devem também ser associados apenas às oportunidades de emprego, oferecidas pelos setores menos produtivos, ou de organização não-capitalista.

A recompensa econômica do desempenho de atividades produtivas não parece corresponder a uma relação linear simples, conforme a estabelecida, entre setores residuais e marginais da economia e a utilização da mão-deobra migrante (conceito de "terciarização", "inchação" etc.). Migrantes e nativos percebem salários baixos, em ocupações de setores modernos, dinâmicos ou marginais, residuais.

O ramo da indústria de transformação, o mais dinâmico da economia, mantinha em 1970, na Grande São Paulo, 37% dos migrantes nele ocupados, por remuneração que não superava Cr$ 200,00, o mesmo ocorrendo com 28,2% da mão-de-obra nativa alocada naquela atividade. Além do mais, é pequena a parcela que alcança os níveis mais altos de salários: 7,4% dos migrantes e 11,1% dos nativos, ocupados no referido ramo, estão no grupo de renda de mais de Cr$ 1.000,00.

Nas atividades de construção civil e domésticas remuneradas, a situação econômica dos empregados é marcadamente inferior. Tomando-se, por exemplo, comércio de mercadorias e serviços pessoais - ramos do setor terciário definidos como residuais, na economia metropolitana - verifica-se uma estrutura de renda que, comparada à de indústria de transformação, invalida os conceitos intersetoriais dicotômicos, cujo indicador básico seja a remuneração do trabalho.

A distribuição dos grupos de renda inferior e superior, nas atividades em questão, é apresentada no quadro 2.


Embora os novos elementos surgidos desta análise ainda se situem a um nível muito global, para permitir inferências mais aprofundadas, pode-se perceber a necessidade de novas conceituações que expliquem melhor a realidade empírica.

Sugere-se uma abordagem dos setores ainda não integrados no tipo de organização da produção (principalmente nas atividades de serviços de produção, comércio de mercadorias e serviços pessoais) como subsidiários e/ou dependentes do sistema central e cuja integração ou absorção pela estrutura capitalista depende, em grande parte, da expansão e do dinamismo da economia.

A esse mecanismo, assim se refere Elizabeth Jelin: "Parte da expansão da economia capitalista ocorre pela incorporação de atividades que se realizavam anteriormente como produção simples; isto não significa o desaparecimento da produção simples como forma de organização econômica, mas sua especialização em atividades econômicas específicas para as quais é mais adequada, como os serviços de reparação e serviços pessoais (...); e a própria expansão da organização capitalista traduz, como conseqüência, o desaparecimento de novas atividades de produção simples, diretamente ligadas à produção capitalista."24 24 Jelin, Elizabeth. Formas de organização... op. cit. p. 70.

As altas taxas de emprego de domésticas remuneradas devem ser enfocadas como uma das únicas possibilidades de integração da economia doméstica à economia urbana de mercado, enquanto seus baixos níveis de renda podem ser referidos à pressão de uma oferta abundante e elástica, que se mantém constante nos períodos de evolução e expansão do sistema econômico.

4. Já se argumentou que o processo de desenvolvimento econômico vigente determina os níveis e o volume da inserção produtiva da força de trabalho, segundo as necessidades do sistema, sem discriminação do grupo migrante ou nativo. Contudo, os dados elaborados mostram que, embora nativos e migrantes sejam observados nos diversos setores de produção e nos diversos níveis de renda, esses últimos sempre apresentam uma situação econômica mais precária.

Qualquer que seja o setor de atividade ou ramo em que atua, mesmo computada a sua evolução e ascensão na metrópole, após alguns anos de residência, e mesmo controlada a variável escolaridade, o migrante representa sempre mão-de-obra de custo mais baixo.

A interpretação desse fato tem sido discutida dentro do conceito de exército industrial de reserva, intrínseco ao processo de acumulação de capital, cuja dinâmica se acentua nos países em processo de desenvolvimento acelerado.

Nossas informações não foram suficientes para confirmar ou negar esta colocação, mas diante do fato de essa mão-de-obra de baixo custo se inserir em todos os setores de atividade, fica claro não se tratar de "setores marginalizantes" da economia, mas de um contingente populacional que desempenha um papel, dentro do sistema em evolução: permitir acumulação e concentração do capital, fatores básicos na concretização do modelo econômico escolhido, pois "possibilita a compra de força de trabalho por um preço inferior ao seu custo de reposição".25 25 Faria, Wilmar. Pobreza urbana, sistema urbano e marginalidade. p. 134. Edições Cebrap, 1974. (Estudos Cebrap n. 9).

5. Os processos de adaptação e adequação não ocorrem simultaneamente ao surgimento das problemáticas decorrentes da evolução e expansão do sistema capitalista. Criam-se e acumulam-se, desta forma, pontos de estrangulamento no mercado de trabalho metropolitano.

Dois fatos fazem prever um período de agravamento da situação:

Em primeiro lugar, os setores que mais se expandiram em termos de ampliação das oportunidades de trabalho foram aqueles onde se exigem maior escolarização e qualificação. No setor industrial, os ramos mais modernos ofereceram as maiores oportunidades de emprego na década.

No setor terciário, a ampliação na taxa de absorção de mão-de-obra, entre 1960 e 1970, ocorre sobretudo nos serviços de produção, cujo aumento é de mais de 100%, seguindo-se os serviços de consumo coletivo, com 78% de crescimento. O aumento de pessoal ocupado, nesses dois ramos, foi superior à média observada no setor terciário, como decorrência do fato de terem os empregos em consumo individual apresentado uma variação de apenas 46% de aumento na década em questão (ver tabela 14).

É importante salientar as exigências mais elevadas de escolarização, nestes ramos do setor terciário de maior capacidade de dinamização, em termos de oferta de emprego. As estatísticas consultadas mostraram que, nestas atividades, incidem os índices mais altos de escolarização da força de trabalho.

Deste modo, podem-se prever problemas para a absorção de mão-de-obra, no setor terciário, uma vez que suas oportunidades de trabalho exigem níveis de escolaridade mais altos, que implica utilização cada vez maior de um "fator raro" na força de trabalho disponível.

Estas colocações mostram uma problemática emergente, diversa da que tem sido apregoada - o setor terciário não é um repositório de mão-de-obra não-qualificada; pelo contrário, suas atividades estão a exigir cada vez mais um processo de seleção para integrar a força de trabalho.

Em segundo lugar, a iminência de uma agudização do processo integrativo da população metropolitana, no mercado de trabalho, pode ser aventada, diante da perspectiva de uma recessão econômica. Em períodos de retração, a economia libera uma parcela do contingente de recursos humanos já incorporados ao sistema de organização de produção capitalista, que volta a se incorporar em atividades periféricas do sistema central. Historicamente, este tem sido o processo adaptativo da população, nas evoluções cíclicas da economia.

À medida que uma economia capitalista se desenvolve, contudo, incorpora atividades anteriormente desempenhadas fora do circuito do capital, como, por exemplo, as formas de organização de produção familiar ou autônoma. Num certo estágio do processo de desenvolvimento econômico, a quase-totalidade de atividade depende do centro dinâmico da economia, dificultando alternativas de emprego fora da estrutura formal, organizada dentro do processo de produção capitalista. Este fato merece uma reflexão, pois significa a futura supressão das válvulas de escape, historicamente utilizadas no desenrolar cíclico de nossa economia.

  • 1 Douglas, Graham & Buarque de Holanda Filho, Sérgio. Migration regional and urban growth and development in Brazil: a selective analysis of the historical records - 1872/1970. São Paulo, IPE/USP, 1971. v. 1.
  • Singer, Paul. Migrações internas: considerações teóricas sobre o seu estudo. Economia politica da urbanização. São Paulo, Editora Brasiliense, Edições Cebrap, 1973.152 p.
  • Brandão Lopez, Juarez. Desenvolvimento e mudança social.
  • 2 Balán, Jorge; Browning, Harley L. & Jelin, Elizabeth. Migración, estructura ocupacional y movilidad social (el caso de Monterrey). México, Universidad Nacional Autónoma de México, 1973.
  • Faissol, Speridião. Migrações internas no Brasil e suas repercussões no crescimento urbano e desenvolvimento econômico. Revista Brasileira de Geografia, abr./jun. 1973. IBGE.
  • Costa, Manoel Augusto. Força de trabalho urbano no Brasil Rio de Janeiro, IPA/INPES, apresentado no Encontro Brasileiro de Estudos Populacionais, ago. 74.
  • Mata, Milton da; Carvalho, Eduardo Werneck R. de & Castro e Silva, Maria Thereza. Migrações Internas no Brasil: aspectos econômicos e demográficos. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1973. (Relatório de Pesquisa n. 19.
  • 5 Censo Demográfico de 1970. Fundação IBGE.
  • 7 Garcia Castro, Mary et alii. Migrações internas no Brasil: referentes da pesquisa e resultados preliminares. Encontro Brasileiro de Estudos Populacionais, IBGE, 1974. p. 2. mimeogr.
  • 11 Schaefer, Kalman & Spindel, Cheywa. Urban development and employment, WEP, International Labour Office, Geneve.
  • 12 Alves Brito, Fausto & Merrick, Thomas. Migração, absorção de mão-de-obra e distribuição de renda. Comunicação ao I Encontro Anual sobre Emprego e Distribuição de Renda, Universidade de São Paulo (IPE), de 8/10 nov. 1973. p. 22. mimeogr. Os autores fazem parte do Cedeplar/UFMG.
  • 17 Todaro, Michael P. A model of labor migration and urban unemployment in less developed countries. American Economic Review, n. 49, Mar. 1969.
  • 18 Jelin, Elizabeth. Formas de organização da atividade econômica e estrutura ocupacional: o caso de Salvador, p. 54. 1974. (Estudos Cebrap n. 9)
  • 21 Madeira, Felicia. Cadernos Cebrap n. 13. p. 46.
  • 22 Singer, Paul. Migraciones internas, consideraciones teóricas sobre su estudo, migración y desarollo. Buenos Aires, Consejo Latino americano de Ciencias Sociales, 1972.
  • 25 Faria, Wilmar. Pobreza urbana, sistema urbano e marginalidade. p. 134. Edições Cebrap, 1974. (Estudos Cebrap n. 9).
  • *
    Trabalho elaborado em 1974 para a Associação Nacional de Programaçã o Econômica e Social - ANPES
  • 1
    Douglas, Graham & Buarque de Holanda Filho, Sérgio.
    Migration regional and urban growth and development in Brazil: a selective analysis of the historical records - 1872/1970. São Paulo, IPE/USP, 1971. v. 1.
    Batán, Jorge. Urbanización, migraciones internas y desarrollo regional; notas para una discusión. In:
    Migrações internas e desenvolvimento regional Cedeplar/ufmg, 1973. 2v.
    Singer, Paul. Migrações internas: considerações teóricas sobre o seu estudo.
    Economia politica da urbanização. São Paulo, Editora Brasiliense, Edições Cebrap, 1973.152 p.
    Brandão Lopez, Juarez. Desenvolvimento e mudança social.
  • 2
    Balán, Jorge; Browning, Harley L. & Jelin, Elizabeth.
    Migración, estructura ocupacional y movilidad social (el caso de Monterrey). México, Universidad Nacional Autónoma de México, 1973.
    Faissol, Speridião. Migrações internas no Brasil e suas repercussões no crescimento urbano e desenvolvimento econômico.
    Revista Brasileira de Geografia, abr./jun. 1973. IBGE.
    Costa, Manoel Augusto. Força de trabalho urbano no Brasil Rio de Janeiro, IPA/INPES, apresentado no Encontro Brasileiro de Estudos Populacionais, ago. 74.
    Mata, Milton da; Carvalho, Eduardo Werneck R. de & Castro e Silva, Maria Thereza.
    Migrações Internas no Brasil: aspectos econômicos e demográficos. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1973. (Relatório de Pesquisa n. 19. )
  • 3
    Singer, Paul. op. cit. p. 33.
  • 4
    Agradecemos ao Serviço Federal da Habitação e Urbanismo -Serfhau -e especialmente a Mary Garcia Castro, coordenadora do projeto Serfhau/OIT, pela utilização dos dados, sem os quais esse trabalho não poderia ter sido realizado.
  • 5
    Censo Demográfico de 1970. Fundação IBGE.
  • 6
    Obtém-se a taxa de participação da população na força de trabalho dividindo-se o total da população empregada mais a desempregada pela população de 10 anos e mais.
  • 7
    Garcia Castro, Mary et alii.
    Migrações internas no Brasil: referentes da pesquisa e resultados preliminares. Encontro Brasileiro de Estudos Populacionais, IBGE, 1974. p. 2. mimeogr.
  • 8
    Taxa de dependência foi obtida dividindo-se o total de crianças de 0 a 10 pelo total da população adulta.
  • 9
    Os nativos analfabetos representam 5,3% do total da população.
  • 10
    Esta metodologia foi primeiramente utilizada pelo autor, no trabalho Recursos humanos da Grande São Paulo, SEP/Gegran, 1971.
  • 11
    Schaefer, Kalman & Spindel, Cheywa. Urban development and employment, WEP, International Labour Office, Geneve.
  • 12
    Alves Brito, Fausto & Merrick, Thomas.
    Migração, absorção de mão-de-obra e distribuição de renda. Comunicação ao I Encontro Anual sobre Emprego e Distribuição de Renda, Universidade de São Paulo (IPE), de 8/10 nov. 1973. p. 22. mimeogr. Os autores fazem parte do Cedeplar/UFMG.
  • 13
    Id.ibid.p. 22.
  • 14
    Id.ibid.
  • 15
    Balán, Jorge. Urbanización, migraciones... op. cit. p. 81.
  • 16
    Merrick, Thomas & Alves Brito, Fausto, op. cit.
  • 17
    Todaro, Michael P. A model of labor migration and urban unemployment in less developed countries.
    American Economic Review, n. 49, Mar. 1969.
  • 18
    Jelin, Elizabeth.
    Formas de organização da atividade econômica e estrutura ocupacional: o caso de Salvador, p. 54. 1974. (Estudos Cebrap n. 9)
  • 19
    Jelin, Elizabeth. op. cit, p. 53.
  • 20
    Id, ibid, p. 70.
  • 21
    Madeira, Felicia. Cadernos Cebrap n. 13. p. 46.
  • 22
    Singer, Paul.
    Migraciones internas, consideraciones teóricas sobre su estudo, migración y desarollo. Buenos Aires, Consejo Latino americano de Ciencias Sociales, 1972.
  • 23
    Singer, Paul. op. cit.
  • 24
    Jelin, Elizabeth.
    Formas de organização... op. cit. p. 70.
  • 25
    Faria, Wilmar.
    Pobreza urbana, sistema urbano e marginalidade. p. 134. Edições Cebrap, 1974. (Estudos Cebrap n. 9).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 1976
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