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A rebeldia do trabalho (o confronto operário no ABC Paulista: as greves de 1978/80)

RESENHAS

Afrânio Mendes Catani

Professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

A REBELDIA DO TRABALHO (O CONFRONTO OPERÁRIO NO ABC PAULISTA: AS GREVES DE 1978/80)

RICARDO ANTUNES

São Paulo/Campinas, Editora Ensaio/Editora da UNICAMP, 1988, 220 páginas.

O objetivo do livro de Ricardo Antunes, professor de Sociologia do Trabalho na Universidade Estadual de Campinas e Diretor do Arquivo Edgard Leuenroth (Centro de Pesquisa e Documentação Social) da mesma Universidade, é o de apreender o significado das greves metalúrgicas desencadeadas pelo ABC Pau lista entre 1978 e 1980, momento mareado pela realização de expressivo confronto operário.

Com a finalidade de estudar as greves metalúrgicas do período, Antunes analisa, na primeira parte, a greve em si, em sua efetividade, processualidade e concretude, tentando captar o sentido imanente dessas greves, suas causalidades e seus componentes teleológicos. Através do estudo das greves nas fábricas em maio de 1978 às greves gerais das Assembléias Plebiscitárias em 1979 e 1980, buscou-se apreender este fenômeno em seu ir-sendo, em seu fazer-se, em seu movimento, apontando seus avanços, positividades e limitações (p.8).

Para Antunes, essas greves metalúrgicas encontraram sua causalidade básica na luta contra a superexploração do trabalho. "Ainda que diversas reivindicações estívessem presentes, o que centralmente motivou a eclosão da ação grevista foi a necessidade de cantrapor-se ao arrocho salarial. E, assim, comportando uma pauta reivindicatória de natureza, predominantemente econômica, as greves metalúrgicas assumiram, desde seu desencadear, nítida dimensão política, expressa no confronto que efetivaram contra a base material e a superestrutura jurídico-política da autocracia burguesa" (p. 167; grifos do original).

As paralisações metalúrgicas foram o resultado da ação espontânea dos trabalhadores, sendo que a presença do sindicato operário (em especial em São Bernardo) foi relevante ao longo de toda a atuação do proletariado metalúrgico vinculado à indústria automobilística. Entretanto, "as três greves foram marcadas por singularidades que, por vezes, a diferenciavam quanto a aspectos de sua efetividade (preparação, desencadeamento, ação teleológica, resultado e desdobramentos)" (p. 167). No entender de Antunes, "enquanto as Greves de Mato de 1978 assumiram a forma de paralisações parciais, por fábricas, corri os trabalhadores de 'braços cruzados, máquinas paradas' dentro das empresas, desencadeando uma ação que oscilou entre a herança de uma fase de resistência, defensiva, e um ressurgir com sinais de ofensividade" (p. 167-168), a Greve de Massas de 1979 "assumiu s feição de uma greve geral metalúrgica do ramo automobilístico, cujo cotidiano foi marcado pela realização de assembléias gerais plebiscitárias, comportando um conteúdo acentuadamente ofensivo" (p. 168). A greve geral metalúrgica de 1979, apesar de caracterizar-se pela espontaneidade, contou também com a presença atuante do sindicato operário e, da mesma forma que a greve de 1978, foi vitoriosa para os trabalhadores, "Em contrapartida foram duas significativas derrotas para o capital e o seu Estado político, confrontos que repudiavam diretamente a dimensão salarial de sua política econômica - o arrocho - e desnudavam o verdadeiro conteúdo do processo de autoreforma do poder" (p. 168).

Todavia, em 1980, houve uma alteração significativa. Assumindo também a forma de greve geral desde o seu desencadeamento, com os operários realizando praticamente todos os dias assembléias gerais plebiscitárias, "a ação metalúrgica foi perdendo, ao longo dos seus quarenta e um dias, a sua pujança inicial (...) Econômica na sua causação mais imediata, política na sua significação mais profunda, a Greve Geral Metalúrgica de 1980 não conseguiu, entretanto, converter-se em vitoria para os trabalhadores, O Estado bonapartísta ; já havia detectado, nesta Ma social, seu mais difícil contendor" (p. 168-169), E Antunes detecta com precisão a ação política do Estado nesse momento, ao perceber que caberia a ele, em sua lógica ditatorial, "desesírutumr este pão propulsionador das ações reivindicatórias das massas. E, lamentavelmente, o movimento desencadeado pelo operariado metalúrgico não foi capaz de romper com essa lógica do poder político do capital". Além disso, acrescenta, "a ausência de uma direção política consciente, dotada de independência teórica e ideológica, impossibilitou a visualização plena da contextualização social e política vigente, levando o movimento à derrota" (p. 169; grifos do original).

Na segunda parte de A Rebeldia do Trabalho, o autor faz uma caracterização do proletariado metalúrgico do ABC paulista, avançando também "na tematízação dos elementos causais que possibilitaram o ressurgimento grevista a partir do pólo metalúrgico vinculado ao ramo automobilístico" (p.8). A irrupção da crise econômica, cujos sintomas transpareceram já no final de 1973 (com o esgotamento do chamado "milagre brasileiro"), "ao aflorar a necessidade de reordenar e recompor os diversos interesses das frações dominantes que se articulavam em torno do tripé, capital monopolista externo, capital monopolista privado nacional e setor produtivo estatal", atingiu diretamente a forma pela qual o aparato estatal se estruturava. Competia ao aparato estatal - através de um rearranjo do bloco no poder - "forjar alternativas que não trouxessem ônus em demasia para as frações monopolistas dominantes". Nesse sentido, a crise assumia uma dimensão política explicita (p.112). Aproveitando-se das metamorfoses do poder político bonapartista e das dissenções que afloravam no bloco no poder, deu-se "o ressurgimento do movimento operário, desmistificando o projeto 'aberturista desnudando seu caráter de transição 'pelo alto'; por dentro do poder ditatorial. Por isto, constitui-se em obstáculo que forçou o prolongamento da estratégia política de auto-reforrm do poder político e da dominação autocrática" (p. 126).

Nas conclusões, Ricardo Antunes desenvolve as categorias fundamentais presentes no fenômeno social da greve, apontando os nexos existentes entre os processos eletivos de greves e suas manifestações ao nível da consciência operária nas greves de 1978 e 79 e, também, mostra as limitações presentes na greve de 1980. Encerra com uma reflexão teórica acerca das conexões existentes entre os processos efetivos de greve e o desenvolvimento da consciência do ser social que trabalha.

Nas palavras de Florestan Fernandes, autor da "Apresentação", o livro de Ricardo Antunes retoma, em conjunto, "uma vasta documentação sobre as Greves do ABC e lança um desafio. De um lado, os operários, ao negar a empresa e o capital, negam o governo ditatorial e sua política econômica (...), De outro lado. estão desafio. Os operários chegaram até aí (...). A fronteira agora é mais ampla (...), é preciso derrotar simultaneamente o arrocho dos salários e o solapamento dos padrões de solidariedade de classe. Esses fatos são cruciais. Eles colocam a Brasil no limiar de uma nova era."

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Set 1989
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