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Aspectos da política tecnológica nos países da América Latina

ARTIGO

Aspectos da política tecnológica nos países da América Latina

Henrique Rattner

Professor do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração, da EAESP/FGV

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo é parte integrante de um trabalho mais amplo, denominado Gestão tecnológica na indústria de alimentação na América Latina: um estudo comparativo,1 1 Relatório de Pesquisa apresentado ao IDRC - International Development Research Center (IDRC), do Canadá, por Henrique Rattner, Carlos O. Bertero e Claude Machline, EAESP/FGV, São Paulo, 1980. mimeogr. baseado em pesquisa realizada nos anos 1976/77, simultaneamente, em quatro países da América Latina - Colômbia, México, Peru e Brasil. Participaram do projeto, sob a coordenação do A., sete Escolas de Administração desses países, num total de aproximadamente 30 pesquisadores.

Dos quatro países escolhidos, dois - México e Brasil - apresentam-se num estágio relativamente avançado do processo de industrialização por substituição das importações, enquanto Colômbia e Peru, seja pelo tamanho de seus respectivos mercados, seja pelas dimensões de seus estabelecimentos produtivos, representam uma categoria intermediária no ranking das nações em desenvolvimento. Definido o ramo da industria alimentícia como locus do estudo sobre "gestão tecnológica", foram selecionados os sub-ramos - óleos vegetais, massas e biscoitos, carne e enlatados, etc. - de tal forma que os resultados da pesquisa permitissem comparações inter e intra-setoriais, tendo em conta diferenças de escala e do meio-ambiente em que as empresas desenvolvem suas atividades. Entre as variáveis analisadas, consideradas relevantes para a compreensão do comportamento tecnológico das empresas, figuram entre outras, como hipótese de trabalho, a política tecnológica dos respectivos governos. Os resultados da pesquisa, todavia, evidenciaram, além de certas semelhanças estruturais, o papel subordinado dessa variável, superada em seu impacto nas decisões das empresas por fatores tais como: a estrutura da produção e do mercado dos respectivos ramos; a presença de empresas oligopolísticas; e as decorrentes imperfeições no regime de concorrência e, sobretudo, as políticas econômicas determinadas pelos governos, referentes a de investimentos, preços, salário, exportações, etc. Situando a problemática da inovação tecnológica ao nível das estruturas de mercado, com as empresas sujeitas às diretrizes mutantes das políticas econômica e industrial dos governos, representava não somente um avanço teórico com relação à visão vigente nos anos 60, mas também prometeu esclarecer o enigma da aparente "irracionalidade" nas decisões tecnológicas dos empresários latino-americanos. Assim, a análise do processo dc industrialização por substituição das importações, destacando suas características de concentrador de rendas, que determina um perfil de demanda por bens de consumo sofisticados, permite inferir sobre as preferências dos produtores nacionais por marcas estrangeiras obtidas mediante contratos de licença e contra pagamentos de royalties, em vez de pesquisas em finanças o desenvolvimento de uma tecnologia própria. Nessas condições, o impacto da política tecnológica do Estado é limitado, dependendo, para sua maior eficácia, de uma série de diretrizes da política econômica, conforme tentamos inferir do estudo em pauta.

2. POLÍTICA TECNOLÓGICA EXPLÍCITA E IMPLÍCITA

Partindo da premissa segundo a qual o objetivo da política tecnológica dos países em desenvolvimento seria, por um lado, obter o mais eficaz controle sobre as importações indiscriminadas de tecnologia, e por outro, o fortalecimento da capacidade de decisão autônoma sobre o technology mix, ou seja, a composição do mesmo em termos de tecnologia doméstica e importada, somos levados a analisar alguns aspectos da política tecnológica e seus principais instrumentos elaborados e aplicados nas últimas décadas. Para este objetivo, é conveniente adotar-se a distinção entre a política tecnológica explícita e implícita, sendo que a primeira abrange todas as medidas, leis e diretrizes adotadas pelo governo com o intuito de exercer um impacto sobre a produção de conhecimentos científicos e tecnológicos no país. A segunda categoria refere-se àquelas medidas, planos e diretrizes, decorrentes da política de desenvolvimento econômico e industrial, com efeitos profundos - positivos ou negativos - sobre o desenvolvimento da capacidade tecnológica autônoma do país.

Em cada etapa do crescimento económico-industrial das últimas décadas, é possível identificar necessidades e demandas tecnológicas diferentes, atendidas seja pela importação de tecnologia, seja pela geração e difusão de conhecimento técnico de origem nacional.

Na primeira etapa de industrialização, a demanda por tecnologia não é explícita, mas está implícita na demanda por bens de capital e pessoal técnico de certa qualificação, prontamente atendida pela importação de bens de capital e pela incorporação de mão-de-obra imigrante mais qualificada. Para empreendimentos de tecnologia mais sofisticada, na falta de recursos internos para sua execução, recorre-se ao exterior, em busca de recursos financeiros, de bens de capital e de mão-de-obra qualificada. Posteriormente, para substituir os bens de capital importados por nacionais, as empresas recorrem a contratos com firmas estrangeiras, procurando obter projetos e serviços de engenharia, para solucionar problemas específicos e para proporcionar assistência técnica às unidades produtivas. Ademais, para utilizar produtos patenteados, toma-se necessário conseguir os direitos de uso contratuais (licenças), ponto inicial para a formulação posterior de uma demanda explícita.

Na segunda fase de industrialização, a política de resposta leva a incrementar o fluxo de tecnologia estrangeira, mediante contratos de todos os tipos com empresas estrangeiras, contrariamente a uma política de maior autonomia, que exige a promoção da produção doméstica dos conhecimentos técnicos e sua incorporação e assimilação ao sistema produtivo.

A hipótese levantada nesta parte do trabalho afirma a inconsistência entre a política tecnológica explícita e a implícita, nos países latino-americanos. Ou, em outras palavras, o poder e a influência dos grupos de interesse, que influem e decidem sobre os planos de política econômica e industrial, teriam prevalecido sobre os esforços e aspirações daqueles que tentaram imprimir uma orientação de maior autonomia, não somente à política tecnológica, mas também ao processo de desenvolvimento em geral.

Os motivos deste fracasso e desencontro de políticas governamentais não devem ser procurados em falhas de planejamento (no sentido técnico) ou dos recursos humanos, mas são decorrentes de um conjunto de fatores estruturais, que limitam e condicionam as alternativas tecnológicas, tanto ao nível das empresas quanto ao da política governamental.

A industrialização nos países latino-americanos realizou-se tardiamente, numa época de acumulação de capital em escala mundial, com profundos impactos na divisão internacional de trabalho e na configuração interna dos respectivos mercados, de produção e de consumo, que se tomam predominantemente oligopólicos e oligopsônicos. Em conseqüência, a entrada nesses mercados mediante inovações tecnológicas torna-se, além de empreendimento de custos iniciais elevados, atividade de grande incerteza e de risco quanto aos objetivos pretendidos, ensejando aos seus protagonistas a adoção de um comportamento tecnológico imitativo ou tradicional, não conduzindo à maior autonomia tecnológica nacional.

Um dos problemas mais destacados em estudos e debates sobre política tecnológica refere-se ao fato de as empresas nos países latino-americanos - tanto as nacionais, privadas e estatais, quanto às estrangeiras - recorrerem a soluções técnicas intensivas em capital, perpetuando e agravando destarte o problema-crônico de subemprego.

Entretanto, o argumento a ser desenvolvido a seguir procura explicar essa falha ou comportamento anti-social dessas empresas, a partir de uma série de condições estruturais dos respectivos mercados, determinantes das escolhas tecnológicas contrárias ao que seria desejável de um ponto de vista de política social, ou seja, maximização do nível de emprego, melhor distribuição da renda e maior bem-estar social.

Esses objetivos não serão conseguidos, obviamente, por apelos ou sermões dirigidos aos empresários e administradores, exigindo deles decisões tecnológicas mais racionais. Dentro do marco jurídico-legal do sistema capitalista, os empresários não têm a liberdade de optar por soluções tecnológicas racionais, do ponto de vista social, porém irracionais, do ponto de vista econômico, por levarem provavelmente à falência da empresa.

Para ter êxito, uma política tecnológica deve estar 'estreitamente vinculada e integrada à política econômica, e somente à medida que esta assegure aos empresários vantagens e benefícios compensadores, seria possível induzi-los a optarem por um comportamento tecnológico mais racional, do ponto de vista da sociedade.

Caberiam, aqui, algumas observações sumárias sobre o papel do Estado, neste processo específico, e no conjunto das controvérsias a respeito do desenvolvimento. À luz da realidade histórica atual e no passado, seria ingênua ou mistificadora a definição do poder estatal como representante dos interesses coletivos da nação. Da mesma forma, sua caracterização como comitê executivo da classe dominante peca pela simplificação excessiva. A situação concreta é bem mais complexa, dado o fato de mesmo entre as camadas dominantes haver vários grupos disputando o poder, cada um com sua visão peculiar da situação e com projetos diferentes, que levam a atitudes e ações políticas diferentes. Governai ou exercer o poder, nessas circunstâncias, significa estabelecer prioridades, compor e distribuir vantagens e privilégios, conseguindo, todavia, legitimar as decisões aos olhos da maioria. Dir-se-ia que o poder é legítimo quando seus detentores forem capazes de mobilizar, em função de seus ideais e propostas, outros grupos e camadas sociais.-Este tem sido aparentemente o caso da ideologia e da política de desenvolvimento econômico, difundidas nessas últimas décadas nos países latino-americanos.

De fato, o sucesso da política desenvolvimentista, avaliado em função de parâmetros econométricos e estatísticos pouco fidedignos, constitui-se em critério básico, não somente para a organização da própria economia, como também para a subordinação das outras atividades e das esferas política e cultural àquela.

Ao discutir e analisar as políticas tecnológicas seguidas por alguns países da América Latina, faremos a distinção entre:

a) política tecnológica explícita, tal como manifesta em documentos e pronunciamentos oficiais, implicando certo grau de normalização do comportamento tecnológico das empresas e dos órgãos do poder público. A política tecnológica explícita é manifesta pela criação de uma infra-estrutura visando à geração e/ou à adaptação de tecnologias. A nível institucional, surgem órgãos como o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, Ministérios e Secretarias Estaduais, Centros de Pesquisa é Desenvolvimento, etc. Ademais, as atividades desses órgãos são caracterizadas pela elaboração de planos e programas setoriais e regionais de desenvolvimento científico e tecnológico, acompanhados por esquemas elaborados de alocação e distribuição de recursos financeiros;

b) a política tecnológica implícita refere-se aos efeitos produzidos por planos, programas e diretrizes que não pertencem às atividades e funções científico-tecnológicas. São, geralmente, conseqüência de diretrizes e decisões tomadas em outras esferas da vida sócio-política (na economia, nas áreas de educação e cultura, relações e comércio exteriores, etc), porém, com profundo impacto sobre o comportamento tecnológico das empresas.

3. POLÍTICA ECONÔMICA E POLÍTICA TECNOLÓGICA

A intervenção do Estado na orientação do processo de desenvolvimento industrial, por um lado, e na formulação da política científico-tecnológica, por outro, não se tem caracterizado pela coerência e convergência de objetivos e de mecanismos operacionais.

Quanto à orientação do processo de industrialização e à formulação de diretrizes que influem na configuração da estrutura industrial, no Brasil, México e Colômbia, o Estado proporcionou amplo apoio à indústria, sem definir, todavia, a direção deste crescimento mediante o estabelecimento de prioridades. A livre atuação das forças do mercado não foi permitida no Peru, sobretudo a partir de 1968, adotando este país um conjunto de leis e normas, definindo claramente certas áreas prioritárias. No Brasil e no México, em virtude do grau de complexidade e diversificação de suas indústrias, têm-se notado esforços de estimular certos ramos, tais como o de bens de capital e o de petroquímica, nesta última década.

Uma outra dimensão da política-tecnológica do Estado se refere a medidas de promoção ou de controle da atividade industrial, visando ao fortalecimento da capacidade tecnológica autônoma. Nota-se que sobretudo Brasil e México empregam medidas promocionais, visando a incentivar, de maneira indiscriminada, todas as empresas industriais, inclusive as estrangeiras, enquanto no Peru e na Colômbia foram aplicadas, predominantemente, medidas de controle e restrições, a fim de orientar e regulamentar o crescimento industrial. Nos quatro países, certas medidas de controle foram implantadas, embora com graus de rigor e formalismo variados, nas áreas de registro dos investimentos estrangeiros; de controle de remessa de divisas; e de registro de contratos para a transferência de tecnologia. Entretanto, essas medidas de controle tiveram pouco ou nenhum impacto, face à política de promoções e incentivos indiscriminados, abrindo as portas ao capital estrangeiro, de forma ampla e sem restrições.

Um terceiro aspecto refere-se à forma da intervenção estatal na execução das políticas de industrialização, variando desde uma atitude relativamente passiva, com orientação indicativa às empresas privadas (no caso da Colômbia), até a participação direta do Estado em atividades produtivas em setores-chave, substituindo ou complementando a iniciativa privada. No Brasil e no México, o Estado assumia a produção de insumos industriais básicos (aço, petróleo, energia, etc.) bem como de outros serviços indispensáveis para o êxito dos programas de industrialização. No Peru, esse tipo de intervenção estatal tem sido mais destacado nos anos 70, quando o Estado se torna a fonte principal da formação do capital bruto, em praticamente todos os ramos de atividade industrial. Outra forma de intervenção é caracterizada por um certo grau de planejamento, geralmente mais indicativo de metas e intenções do que de caráter impositivo. Assim, por exemplo, os planos de desenvolvimento brasileiros representam mais a compilação de projetos de investimentos dos diversos ministérios e empresas estatais do que um plano integrado de desenvolvimento. Embora no Peru e, até certo ponto, no Brasil, o Estado intervenha na regulamentação das atividades industriais, mediante medidas legislativas e controles executados por órgãos governamentais, as principais iniciativas se originam nas empresas privadas, que gozam, além de incentivos fiscais-tributários, de financiamentos e créditos de uma rede de bancos de desenvolvimento oficiais. Todavia, a falta de critérios seletivos para determinar prioridades enfraquece a atuação dos organismos estatais, abrindo espaço inclusive para prática de corrupção e desperdício de recursos públicos. Finalmente, quanto à coerência entre as políticas industriais e de ciência e tecnología, verifica-se nos países latino-americanos urna discrepancia acentuada. À medida que se analisam os planos de desenvolvimento e a parte correspondente às políticas científico-tecnológicas, verificam-se oscilações repetidas entre diretrizes de resposta às necessidades surgidas do crescimento industrial, e diretrizes de reorientação que procuram introduzir modificações nos padrões de expansão industrial, em consonância com os objetivos de um desenvolvimento social e político mais harmonioso.

A primeira orientação é caracterizada por medidas e diretrizes que visam a atender os requisitos tecnológicos da indústria, mediante a aceleração da incorporação e a difusão de tecnologias, sem preocupação maior com a origem da mesma. A política de reorientação, por outro lado, abrange medidas que visam à redução do uso de tecnologias importadas e o fomento e estímulos à expansão da capacidade local, com objetivo de criar, adaptar e assimilar conhecimentos técnicos.

A falta de seletividade na aplicação de medidas promocionais e os conseqüentes benefícios proporcionados, sobretudo às grandes empresas - inclusive estrangeiras - levam claramente à inferência de que as duas políticas, tanto na formulação quanto na execução, foram incoerentes e, aparentemente, incompatíveis.

Apresentamos, a seguir, num quadro sinótico, algumas das características da política tecnológica de quatro países - Brasil, Colômbia, México e Peru - latino-americanos.

4. A ESTRUTURA ECONÔMICA E SEUS IMPACTOS TECNOLÓGICOS

Embora o planejamento econômico e, particularmente, o industrial tenham se tornado institucionalizados, a partir do Plano de Metas do Governo J. K. (1956/60), o crescimento da indústria foi guiado mais pelas vantagens de mercado protegidos do que pela ação planejadora do Estado.

No período de 1950-70 fortaleceu-se o argumento da "proteção às indústrias nascentes", independentemente do grau de desenvolvimento das empresas e dos produtos, com profundas conseqüências, no sentido de:

a) reduzir ou eliminar os estímulos à atividade inovadora, tanto na área de produtos quanto na de processos mais racionais de produção. Em mercados protegidos, os custos mais elevados são transferidos ao consumidor e absorvidos por ele;

b) utilizarem-se tecnologias mais intensivas de capital, sobretudo nos ramos tecnicamente mais avançados;

c) aumentar a dependência de tecnologias importadas. Pouca ou nenhuma demanda por tecnologias geradas internamente;

d) concentração econômica nos ramos onde a produção em grande escala ou a complexidade tecnológica são fatores importantes.

Com o esgotamento do processo de substituição das importações de bens de consumo, no fim da década de 60, inicia-se, lentamente, o processo de substituição de bens intermediários necessários à produção daqueles.

Os efeitos esperados dessa nova fase de industrialização, em termos de redução do desequilíbrio do balanço de pagamentos e de aumento do nível de emprego, na estrutura industrial, mediante sua integração horizontal e vertical, não se concretizaram.

Os recursos necessários para os investimentos, em grande parte vindos do exterior, e as importações de insumos revelaram-se muito elevados, pesando excessivamente sobre o balanço de pagamentos. Ademais, dada sua característica capital-intensivo, o custo da criação de um novo emprego situou-se em níveis elevadíssimos, reduzindo assim a possibilidade de absorção da mão-de-obra por parte do setor industrial, de maior dinamismo, nas economias latino-americanas.

Com o aumento da participação do capital estrangeiro na estrutura industrial e a conseqüente elevação de remessas de divisas, ao exterior, seja a título de lucros ou de royalties, surgem, no início da década de 70, leis e instituições cuja função precípua é orientar e fiscalizar os investimentos estrangeiros e a transferência de tecnologia.2 2 No Brasil, foi criado o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) (Lei n.º 5.648, de 11.12.70), e, um ano depois, uma nova lei (n.º 5.772, de 21.12.71) instituiu o Código de Propriedade Industrial, ambos de profundos efeitos sobre a sistemática de registro de contratos de transferência de tecnologia. Na Colômbia e no Peru, na mesma época, entraram em vigor as decisões a nº 24, 37, 37.ª e 70 da Comissão do Acordo de Cartagena, instaurando um regime comum nos países do Pacto Andino, quanto ao tratamento a ser conferido ao capital estrangeiro e aos contratos de marcas, patentes, licenças e royalties, bem como estipulando normas sobre a propriedade industrial (Decisão n.º 85). No México, foi promulgada a lei de 9.3.73, para promover os investimentos nacionais e regular os estrangeiros, precedida peia Lei do Registro Nacional de Transferência de Tecnologia e de uso e exploração de marcas e patentes (Diário Oficiai, 30. dez. 1972).

Neste contexto, cabe também analisar criticamente. a política tecnológica do próprio Estado, quando atua como empresário em ramos dinâmicos da indústria de transformação. Ao proceder à escolha de tecnologia "apropriada", cria-se um conflito potencial entre os objetivos da política econômica mais geral, visando a altas taxas de crescimento do PNB, versus a maximização do emprego; ou, ainda, a maximização do retorno sobre o investimento versus a maximização do bem-estar social. As empresas estatais nos ramos de siderurugia, petroquímica, transporte, energia, telecomunicações, etc, dificilmente escolherão uma tecnologia "ineficiente", ou seja, uma combinação de fatores que, por unidade de capital investido, leve a um nível de produção inferior, embora atenda a necessidade de criar mais empregos. Ademais, para as grandes unidades produtivas nos ramos dinâmicos, as escalas ótimas de produção são calcadas em experiências e situações de mercado de países desenvolvidos, pesquisadas e implantadas pelas empresas líderes. Da mesma forma pela qual no mercado interno as empresas menores são obrigadas a seguir os padrões tecnológicos dos oligopólios líderes do ramo, assim também no mercado internacional os conglomerados transnacionais dominam e controlam o progresso técnico de seus respectivos ramos. Dentro dessa estrutura oligopólica dos mercados, reforçada pelos mecanismos de crédito e financiamento internacionais, e pelas normas de licitações e concorrências públicas impostas, torna-se praticamente impossível à empresa individual escolher tecnologia nova, pouco ou não experimentada, portanto, de alto risco para os resultados econômico-financeiros e a própria sobrevivência da empresa.

Quadro 1


Seguem, a título de ilustração, algumas características do sistema e das políticas econômicas nos países latino-americanos, e seu provável impacto no sistema científico-tecnológico.3 3 Adaptado de Science and tecnotogy policy implementation in less developed countries - IDRC - 067e, Ottawa, 1976.

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5. INSTRUMENTOS DE POLÍTICA TECNOLÓGICA

Na análise das políticas tecnológicas adotadas nos países da América Latina, distinguimos entre a explícita e a implícita, sendo a primeira expressa por documentos, decretos, leis e pronunciamentos oficiais, que implicam certo grau de normalização do comportamento tecnológico dos empresários. A criação de organismos burocráticos, secretarias ministeriais, conselhos, etc, e a elaboração de planos de desenvolvimento de C & T, bem como a constituição de órgãos específicos para o financiamento de atividades de P & D (por exemplo: Finep, Funtec, etc), caracterizam o esforço de implantar uma política científico-tecnológica, embora de poucos resultados concretos, na maioria dos países latino-americanos.

O conceito de política tecnológica "implícita" refere-se aos efeitos produzidos por medidas, diretrizes e planos que não fazem parte das atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológicos, porém resultam de decisões e políticas adotadas em outras esferas da vida social - a economia, a educação e cultura, as relações exteriores, etc. Examinaremos a seguir, a título de ilustração, as políticas referentes a: a) regulamentação e registro das importações de tecnologia; b) controle das importações; c) regulamentação dos investimentos estrangeiros; d) política de desenvolvimento e financiamento industrial; e) compras de empresas estatais; f) promoção de exportações, sem contudo pretender esgotar o elenco de medidas, de impacto tecnológico indireto.

a) Regulamentação e controle das importações de tecnologia. O objetivo precípuo das medidas de controle não é a eliminação das importações de tecnologia - impossível na configuração do sistema econômico atual - e sim a regulamentação do fluxo de importações que determinam em boa parte a estrutura tecnológica da indústria e as possibilidades de desenvolvimento de um potencial nacional de C & T. Como todas as medidas em política econômica também a aplicação dos instrumentos de controle sobre importações de tecnologia cria conflitos e contradições, com os objetivos e metas explícitos dos planos de desenvolvimento. A curto e médio prazos, os controles estritos tendem a afetar a taxa de crescimento do PNB (impedindo ou adiando a introdução de novos processos e/ou produtos). Os preços tenderão a aumentar, dado que, no início, a produção local estará provavelmente menos eficiente e seus custos mais elevados que os similares produzidos com tecnologia estrangeira. O mesmo raciocínio pode ser aplicado à qualidade dos produtos, em conseqüência da falta de experiência das empresas manufatureiras nacionais.

Relativa escassez da oferta, por insuficiência da produção local e desistência dos fornecedores estrangeiros por causa das restrições e controles impostos, constitui outro aspecto negativo de uma política de controle das importações de tecnologia, e que pode levar diferentes grupos de pressão - empresários nacionais e empresas estrangeiras - a protestar ou resistir às mesmas.

Por outro lado, a regulamentação da importação de tecnologia pode proteger as indústrias incipientes, estimulando seu desenvolvimento e expansão; conduzir a um melhor equilíbrio do balanço de pagamentos; gerar mais empregos e promover o desenvolvimento do potencial científico-tecnológico nacional.

De fato, as novas indústrias podem aproveitar a oportunidade de tomarem-se mais eficientes antes de enfrentar . a concorrência dos produtos importados. Ademais, o aparecimento de problemas técnicos, sempre presentes, exigindo soluções por parte dos engenheiros e técnicos nacionais, resultará, quase inevitavelmente, em aumento da capacidade científico-técnica nacional.

Dentro do elenco de medidas adotadas, com o objetivo de fiscalizar e regulamentar a importação de tecnologia, destaca-se o registro de contratos de licença, os quais se referem principalmente às importações de tecnologias desincorporadas, assumindo estas a forma de conhecimentos, especificações, procedimentos fabris, desenhos e planos, assistência técnica e experiência administrativa, proporcionados pelo proprietário da tecnologia, mediante licença.

A tecnologia desincorporada resulta da realização sistemática de atividade de P & D, bem como da experiência acumulada através do aperfeiçoamento e experimentação do processo manufatureiro. Em conseqüência, a importação de tecnologia mediante contratos de licença constitui um canal importante para a aquisição de tecnologia estrangeira.

Nos países da América Latina, as instituições para registro de contratos de licença foram estabelecidas para controlar a entrada de tecnologias estrangeiras, focalizando inicialmente problemas de custos e procurando diminuir a evasão de divisas, como pagamento de royalties. Posteriormente, sua competência foi ampliada para tratar de assuntos de natureza tecnológica e avaliar os contratos de licença por uma perspectiva mais ampla, de "interesses nacionais".

Dado que a concorrência entre as empresas locais se realiza com base em seu acesso diferencial à tecnologia estrangeira, obtida mediante os contratos de licença, essas empresas se empenham a fundo para celebrar tais acordos, sem prestar muita atenção às suas cláusulas e condições. Isto tem permitido um sem-número de abusos por parte das licenciadoras, condicionando a concessão à compra de bens de capital e/ou intermediários, restringindo as vendas e exportações das empresas concessionárias, e estabelecendo uma série de outros controles que permitirão a posterior aquisição da empresa local.

A exigência de registro dos contratos encontra resistência, tanto das empresas locais quanto das estrangeiras que operam no país, bem como dos fornecedores de tecnologia e dos seus advogados, especialistas em propriedade industrial, alegando todos que ao Estado não competiria intervir no processo de negociação entre vendedores e compradores de tecnologia. Entretanto, um dos resultados mais importantes da criação de registros de contratos foi a revelação de uma série de problemas relacionados com a transferência de tecnologia, tais como:

- o volume e a base de cálculo dos royalties pagos em diversas circunstâncias;

- a seleção de fornecedores de tecnologia;

- a preocupação do fornecedor de manter em dia e aperfeiçoar a tecnologia licenciada;

- o problema das cláusulas restritivas ou condicionantes nos contratos;

- a qualificação e experiência dos técnicos estrangeiros;

- a proliferação dos contratos de licença para um mesmo tipo de produto.

Cada um desses pontos implica opções complexas nas esferas econômica, tecnológica e política, antes ignoradas ou pouco conhecidas. Essa revelação, através dos registros de contratos de licença, deve ser considerada como um resultado positivo dos mesmos, com profundas implicações na política tecnológica.

b) Controle das importações. Todos os países em desenvolvimento procuram empregar uma série de políticas visando a controlar as importações de bens de outros países, seja para proteger a indústria local, seja para equilibrar seu balanço de pagamentos. O elenco de instrumentos utilizados é amplo: taxas e/ou isenções alfandegárias; listas, quotas, licenças de divisas; monopólios estatais de importação, etc, todos com o objetivo de desencorajar ou restringir certos tipos de importações.

O controle das importações exerce efeitos indiretos e implícitos sobre a estrutura tecnológica da indústria, ao determinar os tipos de bens de capital e produtos intermediários - ambos com tecnologia incorporada que podem entrar no país, para serem incorporados em suas atividades produtivas.

Ademais, a restrição de importação de certos produtos, enquanto se encoraja sua produção local, que exigirá aquisição de tecnologia para sua fabricação, pode influir sobre a configuração da estrutura tecnológica do setor industrial.

Os diversos instrumentos de controle das importações foram aplicados, via de regra, no contexto das políticas de substituição das importações, adotadas nos países da América Latina, nestas últimas décadas. Sua aplicação se fez, sobretudo, no setor de bens de consumo e, em medida muito menor, no de bens de capital e de insumos para a indústria de transformação. Esta política, embora criasse sérias distorções na estrutura industrial, não chegou a proporcionar incentivos suficientes para o desenvolvimento de indústrias de bens de capital.

O controle das importações parece constituir uma faca de dois gumes: enquanto estimula a industrialização a curto prazo, introduz fatores de distorção da estrutura industrial, em virtude de um protecionismo excessivo.

c) Regulamentação dos investimentos estrangeiros. A polêmica a respeito do assunto é extensa e tem sido analisada em outro trabalho.4 4 Veja Rattner, H. Comércio internacional e desenvolvimento. In: A Crise da ordem mundial. São Paulo, Símbolo, 1977. Mencionamos aqui apenas o fato da concentração elevada dos investimentos, condições de causas diretamente sobre o potencial tecnológico do país. As empresas maiores e mais avançadas em diversos ramos da produção industrial são de propriedade estrangeira, e seu impacto sobre o perfil tecnológico da indústria é muito acentuado. Em geral, os investimentos estrangeiros tendem a concentrar-se em ramos tecnologicamente mais avançados da indústria de transformação (petroquímica, automobilística, eletroeletrônica, etc), cujos efeitos indiretos sobre a estrutura industrial, através das relações interindustriais "para frente" e "para trás", são mais intensos do que os dos ramos mais "tradicionais".

Dado o fato de, em certos ramos, o investimento inicial exigir recursos volumosos, fora do alcance das empresas nacionais e, inclusive, dos governos, parece inevitável recorrer-se a fontes de financiamento externas. Isto não implica, todavia, que a empresa estrangeira forneça todos os recursos necessários para o empreendimento, sendo que estes são freqüentemente proporcionados por bancos comerciais, entidades financeiras internacionais e/ou mercado de capitais local.

Além disso, em certas áreas tecnológicas, as empresas estrangeiras se recusam a fornecer recursos produtivos e tecnologia, a menos que lhes seja dada a oportunidade de investimento direto, com o controle total das operações.

A exigência de joint-venture formulada por diversos governos latino-americanos para setores-chave da economia (minicomputadores, equipamentos de telecomunicações, petroquímica, etc) permite a participação acionária de empresas estrangeiras, em troca de suprimento da tecnologia necessária.

d) Política industrial. A programação do desenvolvimento industrial e o estabelecimento de projetos prioritários, mediante medidas legais, administrativas e institucionais, constituem um instrumentario fundamental para determinar e orientar a estrutura da indústria. Na prática, resultam em um sistema de incentivos, ou proibições e outros mecanismos intervencionistas, visando a traçar a trajetória da estrutura industrial.

Nos países latino-americanos, é possível identificar quatro tipos de instrumentos utilizados na programação industrial.

O primeiro compreende um sistema de incentivos, sem qualquer obrigação a eles vinculada, visando a orientar o comportamento das empresas em determinada direção, especialmente em termos de investimentos.

O segundo instrumento combina um sistema de incentivos com certos controles estatais, condicionando de alguma forma a concessão de incentivos e benefícios ao preenchimento de certos requisitos econômicos, locacionais, etc.

A ineficiência dos controles governamentais leva freqüentemente ao afrouxamento das normas estabelecidas, assemelhando a política industrial à do primeiro tipo descrito anteriormente.

O terceiro tipo de instrumento de programação industrial consiste em um conjunto de normas e restrições de caráter compulsório, ao qual as empresas devem sujeitar-se para poder operar. Embora possa incluir também alguns incentivos, seu peso relativo será menor, comparado às medidas compulsórias, pelas quais o Estado.procura influenciar a estrutura industrial mais diretamente, sem contudo envolver-se, efetivamente, em atividades produtivas.

Finalmente, o Estado poderá aplicar medidas de programação industrial, através de intervenção direta nas atividades produtivas, reservando certos ramos da indústria para empresas estatais ou sociedade de economia mista.

Outro instrumento da política industrial, com impacto potencial na estrutura e funcionamento das empresas, é representado pelos mecanismos de financiamento industrial.

Nos países da América Latina, dada a debilidade relativa das empresas nacionais e as dificuldades que enfrentam para financiar sua própria expansão, as entidades financeiras estatais tornaram-se fonte principal de recursos para suprir capital a longo prazo e, geralmente, a taxas negativas para a indústria. Este fato poderia servir para orientar o comportamento tecnológico das empresas mediante a formulação de normas e requisitos à seleção de tecnologia; importação de tecnologias mediante contratos de licenças; e realização de atividades de P & D. As entidades financeiras estatais podem, também, criar linhas de crédito especiais para empresas de engenharia, para o desenvolvimento e experimentação de novos produtos e processos, bem como para financiar diretamente as atividades de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico.

A variedade e amplitude de critérios tecnológicos possíveis de serem introduzidos no processo de avaliação de projetos e seu financiamento indicam que os mecanismos de financiamento industrial podem converter-se em um dos instrumentos mais eficazes para a. promoção da demanda por conhecimento de C & T locais.

e) Compras estatais. O uso do poder de compra estatal pode ser considerado como um dos instrumentos mais eficazes - junto com a programação e o financiamento industrial - para a promoção de demanda por atividades dde P & D locais.

Em todos os países latino-americanos, os orçamentos públicos, da administração direta e das empresas estatais, constituem uma parcela muito significativa dó consumo e dos investimentos totais, mormente nos setores em que o Estado atua como agente-produtor, tal como nas indústrias de base.

Em conseqüência, as políticas governamentais podem estabelecer diretrizes que favoreçam o desenvolvimento do potencial nacional de C & T. Ao adquirirem bens e serviços, as empresas e repartições públicas podem dar preferência a produtos que incorporem parcelas maiores de tecnologia e de insumos locais, exigindo também o aperfeiçoamento contínuo da qualidade dos produtos e serviços comprados no país.

Tal política implicaria que empresas e entidades estatais estivessem dispostas a incorrer, possivelmente, em custos mais elevados; a tolerar prazos mais longos de entrega e, eventualmente, níveis de qualidade mais baixos, pelo menos na fase de "aprendizagem" dos fornecedores locais.

Embora tal orientação e conduta por parte das empresas e entidades públicas sejam teoricamente possíveis, na prática são raros os casos de utilização do poder de compra estatal para o fomento de C & T nacionais.

f) Promoção de exportações. Alguns países da América Latina, ao alcançarem certos graus de industrialização, por substituição das importações, enfrentaram problemas causados pelas dimensões estreitas de seus respectivos mercados internos e procuraram superar esta limitação, incentivando e subsidiando as exportações.

Os instrumentos de promoção das exportações consistem em diversas medidas visando a proporcionar apoio e assistência àquelas empresas e indústrias, que têm melhores condições de penetração no mercado mundial. Além de medidas de incentivo direto (isenção de impostos, etc), é possível proporcionar apoio sob forma de assistência técnica, controle de qualidade, informações sobre os mercados, etc.

Entretanto, a longo prazo, as medidas de promoção das exportações serão eficazes somente se as empresas forem razoavelmente eficientes, ou seja, produzirem bens melhores e mais baratos, inclusive para o mercado local, que se tornam competitivos com relação aos produtos similares importados.

Os efeitos produzidos pela promoção das exportações sobre o sistema- científico-tecnológico nacional podem assumir a forma de pressões para aumentar a produtividade, melhorar a qualidade, ou reduzir os preços, com base nos incentivos concedidos às empresas exportadoras, o que levaria, por sua vez, ao incremento da demanda por P & D locais.

6. INSTRUMENTOS DA POLÍTICA TECNOLÓGICA EXPLÍCITA

O conjunto de instrumentos da política tecnológica explícita visa a induzir as empresas industriais à realização de atividades de P & D, a fim de assegurar a absorção adequada de tecnologia, de origem nacional ou estrangeira, pelo setor industrial Em última análise, as inovações na tecnologia industrial repercutem na economia mediante o aumento da produtividade, ao nível das empresas.

Entretanto, se a tecnologia estrangeira estiver facilmente acessível, e as importações de tecnologia dominando a oferta tecnológica, será pouco provável que as empresas locais imobilizem seus parcos recursos técnicos e financeiros em atividades de P & D, a não ser aquelas de caráter rotineiro - manutenção, controle de qualidade, etc. Qualquer inovação que implique riscos econômico-financeiros será evitada ou postergada até oferecer maiores garantias de rentabilidade.

Nas fases iniciais da formação da estrutura industrial, as empresas locais não atribuem importância às atividades de P & D, que não são necessárias para permanecerem no mercado e competirem efetivamente, dadas as barreiras protecionistas criadas pela política econômica. Ademais, as filiais das companhias transnacionais recorrem à transferência de tecnologia de suas matrizes, tomando limitados e insignificantes seus esforços de P & D nos países em desenvolvimento.

Entre as medidas adotadas pelo poder público para fomentar e estimular atividades de P & D, distinguimos, basicamente, duas categorias: a) criação de linhas de crédito especiais para atividades de P&D; b)emprego de' incentivos tributários para estimular as empresas a pesquisarem e se desenvolverem.

Esses instrumentos são complementados por uma série de medidas administrativas, facilitando a importação de equipamentos e outros insumos para a realização de atividades internas de P & D, pelas empresas industriais. Via de regra, todavia, as linhas especiais de crédito para P& D não têm sido muito efetivas. Q Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), criado no Brasil, representa um instrumento financeiro complexo, que proporciona recursos a universidades, laboratórios de pesquisa e, também, às empresas. O veículo principal para a canalização de fundos para as empresas industriais interessadas em desenvolver atividades de P & D é constituído pelo Programa de Desenvolvimento tecnológico-industrial, administrado pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Não existem, até o presente, informações suficientes para avaliar os resultados dos esforços despendidos pela Finep. As poucas evidências empíricas disponíveis, todavia, parecem revelar impactos de reduzida importância na estrutura industrial.

Finalmente, em praticamente todos os países latino-americanos, foram criados, embora em grau e extensão diferentes, diversos instrumentos de apoio às atividades científico-tecnológicas, tais como sistemas de normas e padrões técnicos, centros de informação e de documentação, organização de consultoria e engenharia de desenho, centros de capacitação e treinamento de pessoal, etc. Sua eficiência, porém, permanece muito abaixo de níveis desejáveis e possíveis, pelos motivos estruturais apontados acima.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao verificar-se a profunda dependência tecnológica dos países latino-americanos, surgiram esforços e propostas para reduzirem-na através de uma política de autonomia relativa, cujos objetivos seriam: a) reduzir a dependência das fontes externas de oferta de tecnologia; b) implementar medidas visando a aumentar a capacidade nacional de criação, adaptação ou incorporação de conhecimentos técnicos.

Na realidade, foi posta em prática uma política de "resposta" às exigências do aparelho de produção, a qual levou à aceleração da absorção e difusão de inovações técnicas por parte do sistema produtivo, sem maiores preocupações com a origem externa ou interna dos conhecimentos técnicos. À medida que progrediu o processo de substituição das importações, foram também redefinidos os padrões de transferência de tecnologia do exterior: reduziu-se a importância do aporte externo de tecnologia incorporada, enquanto se intensificava o fluxo de tecnologia não incorporada, mediante os contratos de assistência técnica, de elaboração de projetos de engenharia, e de cessão de direitos de uso de marcas e de processos protegidos por patentes.

Estes contratos têm sido celebrados sobretudo com subsidiárias ou associadas de empresas transnacionais, principais fontes de inovações tecnológicas surgidas nos países desenvolvidos. A presença e o contínuo aumento dos investimentos estrangeiros, mediante a participação do capital transnacional no sistema produtivo, tiveram efeitos marcantes sobre o potencial tecnológico local. Se a implantação de empresas estrangeiras, por um lado, desencadeava uma demanda de bens de capital locais, por outro, gerava maior necessidade e dependência de tecnologia mais complexa e sofisticada. As próprias empresas estrangeiras iriam procurar o know-how necessário em suas respectivas matrizes, constituindo-se sua entrada em obstáculo praticamente intransponível para a pesquisa tecnológica nacional, dotada de recursos inferiores, e sofrendo de problemas organizacionais e institucionais, tais como a falta de apoio sistemático do poder público e a inexistência de uma infra-estrutura, de um sistema de informações, etc., para o desenvolvimento tecnológico nacional.

A redução, de forma concreta, da dependência de oferta externa de tecnologia não chegou a constituir-se, em nenhum momento, em objetivo prioritário dos governos do Brasil, México e Colômbia (o Peru representa uma linha de ação mais nacionalista, no curto período de 1968-77), que estavam e continuam empenhados na inserção de suas respectivas economias no mercado internacional.

Portanto, não é possível equacionar e discutir os problemas de política tecnológica separadamente dos de desenvolvimento econômico, social e político, dos países latino-americanos.

Na realidade, ao analisarmos a evolução da política .tecnológica, no período recente, verificamos a existência de discrepâncias e incompatibilidades muito sérias entre as diretrizes desta e aquelas das autoridades formuladoras e executadoras da política econômica geral.

Os órgãos encarregados da execução dos planos e da aplicação das normas e regulamentos da política tecnológica são geralmente lotados em ministérios de pouco poder decisório-político, mas em momentos de tensão e contradição abertas prevalecem os ditames da política econômica, representada e defendida pelos grupos de interesses mais poderosos do sistema. Por outro lado, a construção de um sistema nacional de P & D exige investimentos a longo prazo, sem retorno imediato, enquanto a política econômica adotada, em virtude da situação internacional, da dependência econômica externa e da instabilidade política interna, se orienta para objetivos de curto-médio prazo.

A consecução de altas taxas de crescimento do PNB, de industrialização é urbanização, apregoadas e enaltecidas como evidências ou sinônimo de desenvolvimento, é pouco propícia ao desenvolvimento de uma capacidade tecnológica autônoma, condição sine qua non da soberania nacional, porém irrealizável à medida que se alarga a participação do capital estrangeiro na estrutura industrial.

O predomínio do capital estrangeiro, de forma oligopolista, nos principais ramos e atividades da economia nacional, leva a que os empresários das PME nacionais encarem a "inovação tecnológica" não somente como algo caro e de resultado incerto, mas também disfuncional, dada a estrutura de seus respectivos mercados. Nas condições de concorrência imperfeita dos mercados de bens de consumo durável, por exemplo, é muito mais conveniente e seguro para os empresários nacionais adotarem uma estratégia "imitadora" ou "oportunista" (Freeman, 1974), copiando produtos e processos via licenciamento, ou comprando equipamentos, embora a compra possa implicar aquisição de um pacote tecnológico, do que arriscar seus parcos recursos na criação e manutenção de um centro de P & D.

Não é de admirar-se, portanto, que em todos os países latino-americanos, os parcos progressos realizados em matéria de P & D, visando maior autonomia tecnológica nacional, foram-no com o apoio e o engajamento do poder estatal, ou seja, com os recursos do tesouro nacional, mediados pelas instituições financeiras oficiais.

Devem-se esclarecer, contudo, as limitações de uma política de maior autonomia tecnológica no contexto econômico e político em que estão inseridas as economias latino-americanas. Os programas de desenvolvimento oficiais não mencionam a busca de tecnologias alternativas como objetivo específico da política de maior autonomia, deixando implícita a inferência de que bastaria as empresas nacionais, nos países latino-americanos, criarem sua "própria" tecnologia, similar ou idêntica à das empresas transnacionais, para resolver os nossos problemas de dependência, balanço de pagamentos, etc. Ao persistir a diferença fundamental de condições sócio-econômicas, nas quais são produzidas as respectivas tecnologias, poder-se-ia falar de "alternativas" somente à medida que estas implicassem o aproveitamento de fatores de produção e matérias-primas diferentes, a fim de atenderem às necessidades básicas da população, mediante bens de consumo, também diferentes. Este tipo de orientação da política científico-tecnológica só pode ser concretizado com base no desenvolvimento intenso de P & D nacionais, em função das condições e possibilidades da economia e sociedade nacionais.

Todavia, a estratificação social vigente nos países latino-americanos, caracterizada por uma distribuição da renda extremamente desigual, condiciona a adoção de padrões de consumo conspícuo por parte das minorias mais afluentes, copiados das classes de rendas altas nos países mais desenvolvidos. O consumo dos mesmos produtos exigirá inicialmente a livre importação destes e, após o "sucesso" do processo de substituição das importações, a sua reprodução, baseada em licenças e patentes alienígenas no país. Daí é fácil inferir que a substituição das importações não é condição suficiente para o êxito de uma política de autonomia tecnológica, sobretudo quando aquela vem acompanhada de uma política protecionista, procurando assegurar a "reserva de mercado", mediante elevadas tarifas alfandegárias, taxas cambiais irreais, licenças de importação, etc. A estrutura oligopolística da maioria dos mercados no setor manufatureiro, controlados por empresas estrangeiras, filiais de transnacionais, supõe um comportamento tecnológico diferente do que seria em mercados de concorrência perfeita, dos empresários nacionais, com reflexos profundos na política tecnológica dos governos.

Uma análise, mesmo sumária, das políticas tecnológicas implantadas e executadas nos países da América Latina, em conseqüência do nível de substituição de importações, parece revelar não somente a escassez de reais inovações tecnológicas autônomas, produzidas nos diversos ramos do setor manufatureiro, e visando, entre outros, ao emprego mais intensivo de mão-de-obra e/ou de matérias-primas nacionais. Fica patente, também, a ausência de uma política tecnológica explícita, complementar e perfeitamente coordenada com a política econômica geral, a qual poderia gerar e sustentar um amplo esforço de pesquisa e desenvolvimento, objetivando a criação de uma capacidade tecnológica autônoma. Em conseqüência, sem querer negar os esforços persistentes dos respectivos governos latino-americanos em promover e operar políticas tecnológicas, mediante planos e programas, durante as últimas duas décadas, são escassos e precários os resultados em termos de uma integração dinâmica entre as universidades, os institutos e os centros de P & D e os setores produtivos, capazes de constituir, com o apoio decidido e eficaz do governo, um sistema nacional de ciência e tecnologia. Por outro lado, uma análise, mesmo sumária, dos planos de desenvolvimento revela a incoerência entre as metas da política econômica, com suas políticas tecnológicas implícitas, e as dos planos e programas de desenvolvimento científico-tecnológico explícitos.

Assim, a proposição formulada, em certo momento do processo de desenvolvimento, de criar um mercado de consumo de massa, como causa e efeito da absorção de mão-de-obra em larga escala, mediante processos produtivos (tecnologias) mais "apropriadas", não encontra apoio decidido em diretrizes concretas da política econômica.

No caso brasileiro, o 1.º PBDCT (Primeiro Plano Básico de Desenvolvimento Científico-Tecnológico) formula intenções de reduzir a dependência externa, mediante a criação e adaptação de tecnologias, ou seja, uma autonomia tecnológica relativa. Por outro lado, exige também o fortalecimento da capacidade competitiva da indústria nacional, a ser conseguida através de recursos externos e da participação do capital estrangeiro. Em conseqüência, o fortalecimento de pequenas e médias empresas nacionais, embora mencionado em todos os planos de desenvolvimento, nunca chega a constituir-se em meta principal, por colidir com o objetivo prioritário de maximização das taxas de crescimento do PNB, o qual enseja uma política de transferência de tecnologia e de "resposta" às necessidades criadas e persistentemente ampliadas pela industrialização por substituição das importações. As escassas medidas criando incentivos e estímulos às pequenas e médias empresas, geralmente sustentadas por recursos insuficientes, foram mais do que contrabalançadas por um dinamismo maior das grandes empresas estrangeiras, as quais, embora contando com recursos infinitamente maiores, também se beneficiaram dos subsídios e incentivos oferecidos às empresas nacionais.

Em suma, pode-se postular que a formulação e mesmo a execução de uma política científico-tecnológica governamental sejam condições necessárias, porém não suficientes no marco de referência jurídico-legal do modelo de crescimento adotado, para permitir a consecução de uma autonomia tecnológica progressiva. As evidências parecem indicar que a atuação do governo nas áreas de ciência e tecnologia em si não é decisiva. Sua eficácia dependerá do grau de convergência com a política econômica em vigor, bem como do apoio recebido de outras diretrizes, programas e planos, nas diferentes esferas da vida social e cultural da nação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • STPI. Ciencia y tecnología para el desarrollo. IDRC-109s, Ottawa, 1978.
  • 1
    Relatório de Pesquisa apresentado ao IDRC - International Development Research Center (IDRC), do Canadá, por Henrique Rattner, Carlos O. Bertero e Claude Machline, EAESP/FGV, São Paulo, 1980. mimeogr.
  • 2
    No Brasil, foi criado o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) (Lei n.º 5.648, de 11.12.70), e, um ano depois, uma nova lei (n.º 5.772, de 21.12.71) instituiu o Código de Propriedade Industrial, ambos de profundos efeitos sobre a sistemática de registro de contratos de transferência de tecnologia.
    Na Colômbia e no Peru, na mesma época, entraram em vigor as decisões a nº 24, 37, 37.ª e 70 da Comissão do Acordo de Cartagena, instaurando um regime comum nos países do Pacto Andino, quanto ao tratamento a ser conferido ao capital estrangeiro e aos contratos de marcas, patentes, licenças e
    royalties, bem como estipulando normas sobre a propriedade industrial (Decisão n.º 85).
    No México, foi promulgada a lei de 9.3.73, para promover os investimentos nacionais e regular os estrangeiros, precedida peia Lei do Registro Nacional de Transferência de Tecnologia e de uso e exploração de marcas e patentes
    (Diário Oficiai, 30. dez. 1972).
  • 3
    Adaptado de
    Science and tecnotogy policy implementation in less developed countries - IDRC - 067e, Ottawa, 1976.
  • 4
    Veja Rattner, H. Comércio internacional e desenvolvimento. In:
    A Crise da ordem mundial. São Paulo, Símbolo, 1977.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Set 1981
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