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Promova-se: não fique congelado, nem de braços cruzados, com o Plano Cruzado

ESPECIAL

Promova-se: não fique congelado, nem de braços cruzados, com o Plano Cruzado

João de Simoni Soderini Ferracciu

Diretor-presidente do Grupo De Simoni Associados - Promoções, Merchandising e Comunicações Ltda. Formado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing, SP, na qual, durante muito tempo, foi professor, e pela Fundação Brasileira de Marketing

1. INTRODUÇÃO

A era DC, isto é, era depois do cruzado, está deixando aturdida toda a nação brasileira, particularmente os empresários e seus executivos, que não sabem o que fazer diante de um sistema de economia estável e, pior do que isso, diante da repentina mudança de comportamento dos consumidores.

Estávamos todos acostumados, ao longo das últimas décadas, a conviver com um regime econômico, político e social tipicamente brasileiro e, pois, extremamente bagunçado e oscilante, continuamente sujeito a mudanças intempestivas. De repente, não mais do que de repente, vimo-nos à frente, pelo menos por ora, de um figurino econômico que é padrão da maioria dos países capitalistas desenvolvidos.

Eta choque heterodoxo! Jogou fora na manhã de um dia todo o colegiado adquirido na dura escola da vida e nas ruas da experiência da prática comercial, filha bastarda do regime inflacionário. Todos os diplomas conquistados em décadas foram para o beleléu num dia!

Que fazer? O Governo fechou nosso cassino, acabou com a especulação geral e valorizou a produtividade na tentativa de fazer da nossa desordem uma ordem econômica. Antes, o consumidor fazia compras buscando ganhar da inflação. Subitamente, seu dinheiro tomou um valor que nunca antes teve e ele não mais precisou se apressar, no que diz respeito ao preço, contando com uma tranqüilidade de compras a anular a ansiedade que convivia com ele.

2. DEMANDA CONSCIENTE

Qualquer que seja o título que se dê ao consumidor de hoje, o fato é que temos um período transitório de euforia consumista e um padrão mais amadurecido de consumidor. Embora ainda motivado com grande parcela de emoção, ele ficou muito mais reflexivo e, portanto, racional. Quando isso acontece, o consumidor analisa mais cuidadosamente todos os atributos inerentes a um produto, não se limitando apenas à principal antiga variável que era o preço. Este até continua importante, mas desceu do seu pedestal para ser apenas uma das variáveis do marketing.

Está cessando, paulatinamente, o período de compras especulativas para ingressarmos na fase da "demanda consciente". Essa fase deverá acentuar-se a curto prazo, logo após este período de demanda reprimida e em expansão, em que muitos estão adquirindo além de suas necessidades, compensando as ausências de compras nos últimos anos. Esses aspectos, a falta de disposição de investir em poupança, a sensação de segurança e maior confiança nos destinos do País, estão desenvolvendo ao brasileiro o prazer e a felicidade das compras. Todo ato de compra é um ato de auto-recompensá. Hoje é de recompensa e de compensação.

3. A ERA DC ESTÁ, PORTANTO, ESTABELECENDO RADICAIS MUDANÇAS NO HÁBITO DE CONSUMO E, POIS, NO PROCESSO DE COMPRA E VENDA

Faço estas colocações porque esta situação está umbilicalmente ligada às atividades de promoção de vendas, foco principal deste artigo. A promoção não é vanguarda, recebendo primeiro os impulsos que a sociedade lhe fornece, para só depois retribuir a ela promocionalmente o que exige. Ela mais se muda do que muda hábitos. Mais recebe influências da sociedade do que exerce sobre ela. Logo, temos que nos reciclar.

4. MARKETING À BRASILEIRA

Antes, o Brasil era o País das ofertas e dos descontos. Nessas duas palavras residia a essência e a quase-totalidade das ações promocionais brasileiras. Qualquer emperramento na rotina natural de vendas era sanado, genericamente se falando, por uma simples oferta, redução de custos, descontos etc. Dar-se alguma coisa ao consumidor ou ao canal de distribuição e vendas sempre foi a política comercial mais fácil e costumeira da maioria dos homens de marketing e vendas deste País.

Só as empresas amadurecidas e com um marketing evoluído, com produtos muitíssimo bem posicionados, dispensavam essas técnicas. Quem freqüentava um supermercado, exemplificando, podia notar a avalancha de produtos com ofertas do tipo "Leve 3, pague 2", "Compre este produto e ganhe este brinde", 20% de desconto nesta embalagem", "Dúzia de 13", "Semana de oferta", "Na compra deste você ganha aquele", promoções casadas em que ambos os produtos eram ofertas, vendas condicionadas, queima de preços, quinzena de descontos, festivais de ofertas, liquidações da primavera, verão, outono e inverno...

A era DC só não acabou, ainda por ora, com uma atitude tipicamente brasileira. Como há um desencontro sobre o que fazer nesta nova situação, o executivo brasileiro não abriu mão da prerrogativa de ser brasileiro e, como tal, "deixar tudo como está para ver como é que fica". Afinal, na nossa cartilha do aprendizado do marketing promocional não figura menção às técnicas e ações ideais a serem utilizadas num regime de economia estável. E depois, como o Governo congelou tudo com o cruzado, é cômodo nos congelarmos também, cruzar os braços e esperar para ver o que vai acontecer. Bem à moda brasileira.

5. HORA DE AGIR

Muitas empresas pecam hoje não pelo que estão fazendo, mas pelo que estão deixando de fazer. Pecam por não se estarem aproveitando da oportunidade de capitalizar em torno de sua marca è produto as vantagens que as circunstâncias oferecem. Incluo nesta assertiva também aquelas empresas cujas vendas estão caminhando para o patamar em que a escassez de seus produtos já é ou será inevitável.

De um lado temos as empresas que, encontrando dificuldades de vendas, estão deixando tudo como está para ver como é que fica, e de outro as que estão vendendo como nunca, entendendo que vale a pena dispensar seus investimentos no campo da comunicação de marketing. Em ambos os casos houve congelamento e braços cruzados com o Plano Cruzado, do ponto de vista promocional. Numa situação como esta, o que deve mudar é a ação e não o investimento. E é este exatamente o momento que mais exige descruzarmos os braços.

Vai haver naturalmente uma reciclagem nas técnicas e ações promocionais. Recessão e retração pedem remédios fortes. Reaquecimento, recuperação, retomada de compras e clima de reanimação, geral pedem outras ações. Um sistema econômico estável estabelece, necessariamente, maior competitividade entre produtos e empresas e isso é, a meu ver, o que mais marcará nossas ações de marketing e vendas num futuro próximo.

Devemos ter em mente que, quanto menor a diferença entre os produtos, maior a necessidade de uso de técnicas promocionais para se agregar a ele um diferencial. O que se colocar em cima do produto vai fazer a diferença. Compramos muito mais a imagem global, a rotulagem e a atmosfera total que envolve um produto do que ele mesmo. Mais sua imagem do que ele.

Esse agregado diferencial deve ser construído principalmente pela publicidade e promoção. O grande diferencial até hoje ficava por conta dos preços e das ofertas. Não dispondo mais desses diferenciais, deveremos agregar outros não só aos produtos, como, e principalmente, à marca que os fabrica ou que os revende. Cada produto, marca ou revendedor deve "construir" mais fortemente seu diferencial, recorrendo à publicidade temática e à atividade promocional esquemática.

Nessa futura fase, deveremos todos, indistintamente, "saltar o balcão", isto é, ir atrás dos consumidores, ao invés de esperá-los em nossas lojas. É imperioso ampla reciclagem e treinamento dos vendedores e pessoal que mantém direto contato com os clientes, pois estes serão mais exigentes e conscientes do peso que representam na nova sociedade. Antes eram vítimas. O cruzado deu-lhes sentimentos e direitos de cidadania num movimento maior do que o da cruzada das "Diretas Já". Dotou-o de uma sensação de poder sem precedentes em toda a história do Brasil, e só isso já é motivo para melhorarmos o padrão de prestação de serviços e o nível de atendimento personalizado a cada um deles.

6. TENDÊNCIA

Por outro lado, o consumidor brasileiro está-se europeizando e se americanizando, tendência esta que se acentuará quanto mais o País mantiver a estabilidade monetária, até a fase do descongelamento e da livre economia de mercado, em que irá preponderar o capitalismo selvagem da competição do mais forte e do mais competente.

Quem acompanha de perto as atividades promocionais desses países, facilmente vai deduzir que ingressaremos em campanhas de cuponagens e do tipo "rebates e refunds", tão comuns nesses países de economia desenvolvida, onde o sistema é extremamente valorizado porque o consumidor dá muito valor ao seu dinheiro. O dinheiro tem valor (não é isso que está acontecendo aqui?). "Junte e troque", isto é, junte embalagens, rótulos, cintas, envoltórios etc., e troque por algum brinde/prêmio é uma operação a ser implementada com maior intensidade. A área de promoções do tipo concursos, sorteios, vales-brindes (achouganhou) e operações semelhantes igualmente será mais acionada, exatamente porque essas ações se conitituem num grande diferencial adicional, valorizando o produto que estiver lançando mão destas técnicas em detrimento do seu concorrente.

Poucos serão os produtos que poderão promover-se à base de dar um premium ou brinde de grande valor na sua comercialização (nos meios de marketing comumente chamados de gift-pack, on-pack, bandedpack, in-pack), porque as margens de lucratividade ficaram espremidas, inviabilizando estas estratégias. "Leve 3, pague 2", grandes ofertas e grandes descontos, nem pensar. Evidentemente, ocorrerão ainda algumas promoções desse tipo, mas serão raras. Antes, elas representavam mais de 959b das ações promocionais no Brasil. Serão substituídas pelas cuponagens e pelos esquemas de concursos, sorteios e vale-brindes, que demandam investimentos menores e nem por isso deixam de apelar fortemente ao consumidor, eliminando eventual impasse de julgamento de um produto, comparativamente ao seu concorrente que não incluir qualquer item promocional. O consumidor optará por aquele que estiver dando a ele a oportunidade de concorrer a ganhar algo adicionalmente, e este algo será o item diferencial de compras colocado em cima de todas as variáveis do produto. Este diferencial gratifica o consumidor, ou então dá-lhe a compensação psicológica em preferir o produto A, preterindo o B, que nada lhe oferece, embora também seja um bom produto.

A mala direta crescerá muito no País, por falar mais diretamente com o consumidor, e por todos os inúmeros outros aspectos que a caracterizam. Vaise profissionalizar. Igualmente a área de eventos terá grande impulso. E aqui poderíamos incluir todos e quaisquer tipos de eventos, desde esportivos, culturais, recreativos etc.

Quando uma empresa cria seu próprio evento ou simplesmente participa de um acontecimento, cria não apenas uma sensação, como também desperta com isso a curiosidade natural em favor da sua marca, diminuindo o caminho para que ela seja comprada. Nessa linha de raciocínio, aumentarão, e muito, os eventos do tipo feiras, exposições, shows, festejos, desfiles, festivais, gincanas, demonstrações, convenções, simpósios, congressos, seminários, concursos, efemérides, jubileus, comemorações, patrocínios, copas, campeonatos, torneios etc.

O marketing promocional institucional será muito valorizado, porque as empresas precisarão criar seus próprios eventos ou patrocinar os disponíveis, com vistas à valorização da sua "institucionalidade", isto é, fazendo com que a força da sua marca seja o grande diferencial do seu produto.

Na área de eventos, haverá maior aproveitamento dos festejos, acontecimentos e ocorrências sazonais e regionais, havendo necessidade de trabalhar com o calendário promocional, planejando promoções com antecedência. Todos os dias envolvem um acontecimento, além dos convencionais (Dia do Lavrador, Agricultor, Dentista, Médico etc), cujas datas são altamente promovíveis no direcionamento de apelos àqueles que comemoram.

A atividade de demonstração de produtos será exigida pelos revendedores, sem o que muitas vendas não se realizarão. O maior argumento de vendas de produto será ele mesmo, e isso somente será absorvido pelo consumidor se o revendedor intermediário cuidar de fazer uma demonstração profissional daquilo que revende.

As liquidações só serão bem sucedidas quando forem liquidações. O excesso de liquidações acabou por liquidar com sua ação, e o novo consumidor, filho do cruzado, não aceitará passivamente qualquer engodo.

O sistema de marketing direto e o sistema de vendas dirigidas vão explodir no País, com muitos produtos sendo comercializados por este processo, que dispensa a figura do vendedor, cujos custos de visitas são sabidamente elevados, e cujo profissionalismo no Brasil ainda deixa muito a desejar.

Os homens de vendas, meros tiradores de pedidos, serão obrigados a se profissionalizar nas técnicas de persuasão e motivação, levando realmente o convencimento ao âmago de seus clientes. A melhoria do ponto de venda, isto é, da loja que revende os produtos, será imperiosa e fundamental, com serviços profissionais de vitrinismo, decoração, exibição, lojismo, exposição e toda a exibitécnica, como a arte de bem expor, dispor e exibir produtos.

Todos esses instrumentos promocionais de marketing serão mais acionados porque essa é a regra existente nos mercados de economia estável, onde a produtividade é a palavra-chave, principalmente para quem a entende como sinônimo de competência e eficiência. Todos teremos que produzir mais, e não apenas alguns. O trabalho estará ganhando do capital.

Para finalizar, acho importante um registro. Todos nós, homens de vendas e marketing, sentimo-nos extremamente valorizados com as mudanças do pacote, já que nossas funções ganharam relevância, na medida em que a ênfase agora é orientada para o mercado, ao invés de simplesmente para o produto, e a qualidade dos produtos e serviços, antes relativamente negligenciada a um segundo plano, é hoje altamente necessária.

O que, entretanto, temos que entender é que não somos nós, os homens, que ficamos mais importantes e valorizados, mas sim as funções de marketing e . vendas. E nós, os homens que as executamos, precisamos estar à altura das exigências, necessitando de profunda reciclagem em face das novas condições de mercado. O Brasil de hoje não mais permite congelamento das ações de marketing e cruzamento de braços nas promoções com o cruzado. Caberá a nós, homens de vendas, marketing e promoção, sermos os primeiros a descruzar os braços. E as pernas também.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1987
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