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Tapirapé: tribo tupi no Brasil Central

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Tapirapé: tribo tupi no Brasil Central

Por Herbert Baldus. São Paulo, Companhia Editôra Nacional, 1970. 511 p., il. (Brasiliana Editôra Nacional, 1970. 511 p., il. (Brasiliana Gigante, 17).

Herbert Baldus, etnólogo de formação européia, radicado no Brasil desde o começo da década de 30, é autor de uma série de livros sobre os indígenas brasileiros. Seus trabalhos anteriores foram publicados na Revista do Museu Paulista, na Coleção Brasiliana, e alguns deles saíram publicados, também, nos Estados Unidos e Europa. Dentre eles, podemos citar: Ensaios de etnologia brasileira, Manual bibliográfico de estudos brasileiros e Dicionário de etnologia e sociologia.

Tapirapé: tribo tupi no Brasil central é uma obra que descreve minuciosamente a cultura tapirapé, comparada, nos seus distintivos, com as culturas das tribos vizinhas e outras tribos tupis. O material básico para sua elaboração foi colhido pelo próprio autor nas duas visitas que fêz aos tapirapés, a primeira em 1935 e a segunda em 1947.

Afirma Baldus que eles são o povo mais alegre que já conheceu. Assustam-se com facilidade, mas com a mesma facilidade voltam a sorrir. Embora não dêem muita importância aos instrumentos musicais, gostam do canto. Amam muito seus filhos, sendo bastante afetuosos para com eles. A infância, entretanto, é curta. As crianças já ajudam os pais no trabalho, não havendo muito tempo para jogos e brincadeiras infantis. Há, entretanto, um fenômeno curioso: a instituição da criança preferida. Esta seria uma espécie de mascote da tribo. Diferencia-se das outras crianças por não ter que ajudar no trabalho, estar sempre bem arrumada e viver na companhia dos homens mais importantes da tribo. É seu dever ser amável com todos.

Quanto à religião, revelam originalidade em relação às outras tribos. Acreditam que as forças sobrenaturais estão localizadas horizontalmente nas extremidades da terra habitada pelos homens e não por cima ou por baixo deles. Acreditam, também, num mundo subterrâneo, tendo os antepassados saído do centro da terra.

O universo tapirapé é dualista: esta concepção surge da idéia da existência de dois casais dando origem à tribo, como na sua divisão em metades cerimoniais, ou seja, a existência de fenômenos duais nas festas e ritos. Como exemplo, temos os tata-upaua, ou grupos de comer: em festas especiais, a tribo se divide em dois grandes grupos, para o consumo de alimentos. Cada uma dessas metades possui chefes distintos, que teoricamente se igualam em poder.

A questão da existência ou não de uma forte autoridade central entre os tapirapés é muito discutida. Baldus acha que ela fica demonstrada, entre outras coisas, pela força de integração que o chefe exerce sobre a população da aldeia, não permitindo a separação de seus membros. Kamairahó, o chefe tapirapé, por ocasião da primeira visita de Baldus, estabelecera o padrão de comportamento (behaviour pattern) da tribo, através das suas atitudes e presidindo a vida cotidiana da aldeia. Os chefes estão parcialmente isentos das abstenções alimentares, tarefas e trabalhos. São os únicos que andam vestidos.

Por sua vez, a base da vida material dos tapirapés é a pesca e a lavoura, embora também colham frutos selvagens e cacem. Estas atividades estão ligadas a uma rígida divisão sexual do trabalho: o homem vai à busca do sustento, e a mulher se ocupa das tarefas caseiras, do fabrico das panelas de barro e de tudo que é feito com o pilão ou por fiação. Devido à exclusividade das atribuições de cada sexo, há uma grande interdependência entre ambos, fazendo com que os homens solteiros sejam marginalizados socialmente. Sem mulher, não têm o que comer, rede para dormir etc., enfim, não têm acesso a nada que seja atribuição exclusiva da mulher, vivendo de caridade.

Os tapirapés são geralmente monogâmicos. Admitem, normalmente, o divórcio. Há grande liberdade nos costumes, nas relações pessoais. As relações sexuais anteriores ao casamento são permitidas.

Quanto à organização social, foi difícil para Baldus compreender sua estrutura. Isso se deveu aos problemas com a língua, à exiguidade de tempo, mas, principalmente, às conseqüências das epidemias despovoantes que afetaram o sistema de parentesco. Por isso, certos problemas de importância, como os relativos à endogamia e à exogamia, não puderam ser esclarecidos. Outros pontos, entretanto, da estrutura social ficaram claros: a descendência tapirapé e a existência de uma organização tripartida da tribo. Quanto à primeira, os filhos sucedem por linha paterna, e as filhas, por linha materna. Quanto à segunda, manifesta-se na divisão dos homens em três grupos, que visam a contribuir para a aquisição do sustento, por atividades acompanhadas de danças e banquetes.

O principal problema levantado na obra é a decadência física e cultural dos tapirapés, devida, principalmente, ao contato com os brancos. Se bem que a extinção física seja causada, em grande parte, pelo modo de vida dos tapirapés, isto é, pelos seus hábitos alimentares, de sono, de tratamento de doenças etc, a disseminação das doenças trazidas pelos brancos é seu principal agente. Por sua vez, o contato com a cultura ocidental desencadeia o processo das perdas culturais, isto é, a perda dos valores e costumes próprios aos tapirapés, que não resistem ao impacto de uma cultura superior. Frente a essa força desintegradora, eles não transformaram ou substituíram seus valores e costumes por outros, que pudessem constituir a base de uma nova configuração cultural. A cultura tapirapé vai desaparecendo lentamente, à medida que se acelera o seu processo de aculturação.

Baldus descreve muito bem a coexistência de valores e costumes: ".. . Colheres de metal ao lado de conchas e cuias; miçangas ao lado de sementes; uma peça de nossa roupa junto à pintura do corpo; cachimbo de fornilho ereto à moda dos brancos, ao lado dos simples tubo de fumar; Jesus Cristo identificado com o personagem que, na mitologia, aparece como dono de grandes corpos e objetos de ferro, como capitão, esposo e pai". Confirmando esta situação, encontramos outros exemplos, no comportamento que os membros da tribo passaram a ter: em 1947, muitas mulheres, que em 1935 andavam completamente nuas, passaram a se vestir na presença de brancos. Perdeu-se, também, o sentimento de hospitalidade, que fora muito acentuado. Em 1953, ninguém mais dizia ser pagé; as abstenções alimentares, antes rigorosamente observadas, foram suspensas; desapareceram os Xamãs, protagonistas da religião tapirapé, protetores da tribo contra perigos sobrenaturais e sem os quais não havia esperança de sobrevivência. Poucos estavam dispostos a aprender o trançado de cestos, técnica bem desenvolvida pelos antecessores. E, o que é mais importante, conforme se acelera este processo, os tapirapés tornam-se acessíveis a novas doutrinas, principalmente à catequese.

O livro é fartamente ilustrado, com fotografias e desenhos de objetos, instrumentos, pessoas, danças, festas e cenas da vida cotidiana, o que ajuda a dar uma imagem mais completa desta tribo do Brasil Central. O trabalho é um documento precioso para o conhecimento etnológico do indígena brasileiro, servindo como achegas aos estudos das ciências humanas.

A obra traz, em apêndice, um estudo do professor Emílio Willens, Características antropométricas dos tapirapés.

MARISA SAENZ LIME

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Jun 1971
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