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Moléstias profissionais e doenças do trabalho

RESENHAS

Moléstias profissionais e doenças do trabalho

José Xavier de Oliveira

MOLÉSTIAS PROFISSIONAIS E DOENÇAS DO TRABALHO - Por MARIGILDO DE CAMARGO BRAGA, São Paulo: Editora ARIES Limitada, janeiro de 1966, 1.ª edição, 1.º Volume, 432 páginas, Cr$ 9.000.

Logo após o lançamento de "Acidentes do Trabalho - Temas, Legislação, Jurisprudência", em que o autor, no dizer de MOURA BITTENCOURT, "põe ao fácil alcance do leitor todo o resumo não só do debate e da evolução da doutrina inspiradora da proteção acidentária, como de seu acolhimento gradativo nas diversas legislações", sai do prelo, como complemento indispensável daquela obra, o primeiro volume dessa outra a que a epígrafe se refere. Nela, com a autoridade que lhe conferem sua sólida cultura e a vivência diária dos problemas sociais e trabalhistas, o Prof. MARIGILDO DE CAMARGO BRAGA trata de um tema atualíssimo e de especial interêsse para o administrador de emprêsas e demais interessados no estudo na Infortunística do Trabalho: moléstias profissionais e doenças do trabalho.

Já à primeira vista não passará despercebida a distinção proposta pelo autor entre estas e aquelas. Sob o aspecto doutrinário, é corrente distinguir entre acidentes do tra balho propriamente ditos e doenças profissionais, constitituindo ambos êsses fenômenos espécies do gênero "infortúnios do trabalho". Para o eminente jurista, contudo, faz-se mister estabelecer mais outra distinção, eis que vem a demonstrar, com o intuito de propiciar ao profissional a seleção do caso a cuja reivindicação indenizatória se proponha, a diferença entre moléstias profissionais e doenças do trabalho, com base nos mais modernos estudos e nas mais recentes pesquisas e estatísticas sobre o problema das doenças ligadas ao trabalho ou dos seus agravamentos e complicações.

Êsse primeiro volume - a obra toda se dividirá em três volumes - tem duas partes principais:

• Na primeira parte (legislação) estão catalogadas a atual Lei de Acidentes do Trabalho, a Seção II do Capítulo V da Consolidação das Leis do Trabalho, e, do Anteprojeto do Código do Trabalho ainda não aprovado, a parte correspondente aos Acidentes do Trabalho e o Capítulo da Higiene e Segurança do Trabalho, para que o leitor possa ter uma antevisão das mutações que estão por ser adotadas e, destarte, orientar-se prèviamente quanto ã melhor maneira de aplicar, desde já, o que ali reconhecer como propício.

• Na segunda parte (doutrina) o autor analisa minuciosamente a problematicidade ligada à bronquite, à tuberculose e à sinusite. (No 2.º volume cuidará da silicose, do reumatismo, das varizes e da hérnia, e no 3,º falará da cardiopatia, da traumatologia, das dermatites e das intoxicações.)

É nessa parte doutrinária que o leítcr encontra, ab irútio, a distinção entre moléstias profissionais e doenças do trabalho, que pode ser resumida nestes têrmos: a moléstia profissional seria como tal tipificada quando decorresse diretamente do tipo de trabalho executado pelo empregado ou, em outras palavras, quando a profissão do indivíduo exigisse o contato direto com o bacilo responsável pela doença ou o contágio com elementos portadores do bacilo, e daí se originasse a infecção; a doença do trabalho, pelo contrário, resultaria apenas indiretamente do exercício da profissão, não sendo êste a própria causa agente do mal, mas simples fator concorrente para a sua aparição, quando o trabalho por si só não fôsse capaz de originar a doença, sem o concurso de condições pessoais do próprio trabalhador que favorecessem a eclosão do mal. Para quem familiarizado com a terminologia filosófico-jurídica dir-se ia que na moléstia profissional o exercício da profissão, por sua própria natureza, seria não só condição necessária (cônditio sine qua non), como também condição adequada (conditio causae agentis), enquanto que na doença do trabalho êsse fator constituiria meramente uma condição necessária.

A tuberculose, por exemplo, quando inerente ou peculiar a determinado ramo de atividade, seria considerada moléstia profissional (notando-se que a lei distingue entre "inerente" e "peculiar"; inerente, se o risco fôr permanente; peculiar, se a doença ou a infecção puder advir da possibilidade do contágio): como doença do trabalho, porém, haveria de ser entendida, desde que resultasse das condições especiais ou excecionais em que o trabalho fôsse realizado.

Aliás, ao tratar das condições especiais e das condições excecionais, o trabalho do Prof. DE CAMARGO BRAGA suscita polêmicas. Porque S.Sa. é de opinião que condição especial do trabalho seja a exigida para a consecução da tarefa (assim, por exemplo, a condição especial de um pedreiro seria 3 de assentar tijolos), não sendo admissível para execução dessa tarefa outra maneira ou forma: o operário teria de sujeitar-se à execução de sua tarefa como o exigisse o tipo de trabalho que lhe está afeto. E as condições excecionais - que às condições especiais viriam juntar-se, mas cuja incidência não seria necessária, e sim apenas contingente - seriam aquelas às quais o trabalhador não deveria ficar sujeito em virtude da sua condição de trabalho.

Trata-se de distinção sutil e só aparentemente inofensiva, porque, pela diversidade dos efeitos jurídicos que implica, é de se pressentir o advento de uma atmosfera carregada de controvérsias doutrinárias, que certamente não tardará a desabar em nosso meio, para gáudio de quantos acompanhem tais tertúlias ou delas participem.

Outro capítulo deveras interessante pela singularidade do tratamento que o autor lhe dedica é o relativo ao horário de trabalho e sua influência na saúde, máxime no tocante às escalas de revezamento e à importância do repouso durante as horas fora do trabalho. (É comuníssimo, a propósito, que por falta de aviso ou por desconhecimento dessa necessidade, o operário muitas vêzes abuse de sua higidez, empregando parte do tempo de descanso em jogar futebol no próprio campo de recreação mantido pela emprêsa!)

Em suma, o acervo de temas trazidos à baila nesse volume é satisfatoriamente amplo e dêle convém destacar mais alguns tópicos: tuberculose e interpretação da lei, casuística médico-legal, prevalência da bronquite sobre outras doenças, a palavra autorizada de peritos médicos sobre a influência do trabalho na saúde, além de vasta citação bibliográfica e jurisprudencial sobre as moléstias estudada,

Dois senões, todavia, o resenhista notou, ligados muito menos ao conteúdo teórico da obra do que à estrutura de sua apresentação: um é que na primeira parte (legislação) o autor se limita a transcrever ipsis litteris o texto legal, sem tecer a seu respeito comentário algum, e não padece dúvida que o texto comentado enriqueceria o seu valor doutrinário; outro pequeno inconveniente é o de as referências bibliográficas, embora copiosas, serem feitas grosso modo, no final de cada capítulo, quando seriam de mais fácil consulta se adotado o sistema (menos cômodo para o autor, é claro) das notas de rodapé, sem prejuízo da apresentação, no final do volume, do rol completo das obras consultadas ou aconselhadas.

O que importa, em verdade, é o valor intrínseco da obra, e êste se depreende de sua cuidadosa elaboração e da originalidade das contribuições que o autor oferece ao estudo dos problemas que analisa. Pois, ao dobrar a última página, o leitor está convencido da sinceridade de MARI-GILDO DE CAMARGO BRAGA quando explica no prefácio: "Não é a nossa palavra que se traduz nas considerações médicas, abeberadas nos ensinamentos de insignes mestres e transcritas simplesmente. Nossa opinião se faz presente quando essas opiniões são confrontadas em face da exegese, da interpretação legal e das mutações trazidas pelos abrandamentos da jurisprudência a conceitos científicos".

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1966
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