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A planificação regional francesa: breve notícia de seus aspectos administrativos

COMENTÁRIOS

A planificação regional francesa: breve notícia de seus aspectos administrativos

Fernando C. Prestes Motta

Professor do Departamento de Administração Geral e Relações Industriais da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

1. INTRODUÇÃO

Planificação no tempo e planificação no espaço constituem as idéias básicas da planificação regional francesa. A planificação no tempo sempre foi a base da planificação nacional francesa nesse sentido, a planificação regional não era mais do que o prolongamento ao nível regional de uma idéia que era originalmente exclusiva do nível nacional. No que diz respeito à planificação no espaço, a planificação regional corresponde à idéia de aménagement du territoire, surgida após a última guerra mundial e oficialmente aceita a partir de 1950.

As noções de planificação nó tempo e de planificação no espaço estavam originalmente relacionadas a diferentes instituições, mas a planificação regional foi responsável por Uma ligação cada vez mais íntima entre as duas. Em outras palavras, a planificação regional como um todo seguiu um movimento de relacionamento cada vez mais estreito com a planificação nacional.

Inicialmente, pretendemos apresentar ás etapas sucessivas que constituem e que dirigem esse movimento. Imaginamos ser necessário começar pela implantação, em 1955, de programas de ação regional, como resultado do decreto de 30 de junho de 1955, que deu lugar a planificação regional. Em seus primórdios, entretanto, essa planificação regional correspondia muito mais à preocupação em completar a planificação nacional, desenvolvendo as "economias regionais", do que à preocupação de planificar o espaço. O objetivo do decretei de 1955, era promover a expansão econômica e social das diferentes regiões e, principalmente, daquelas caracterizadas pelo nível muito baixo de emprego ou pele desenvolvimento econômico insuficiente. A idéia era estabelecer os programas de ação regional já citados em harmonia com o plano nacional sem, entretanto, respeitar a duração limitada deste. Bretenha, Poitou Charente, Córsega e Lorena foram as regiões que constituíram objeto dos primeiros programas. Em 1957 foram criados os planos de aménagement regional pela lei de 7 de agosto que tinha por objetivo favorecer uma repartição geográfica harmônica da população e de suas atividades e em particular, orientar a implantação dos projetos públicos e privados; enquanto os programas de ação regional correspondiam mais à idéia de planificação no tempo, os planos de aménagement regional correspondiam claramente à noção de planificação no espaço. Aliás, enquanto os primeiros foram elaborados pelo Comissariado Geral do Plano, os últimos foram estabelecidos pela Direção de aménagement du Territoire de Ministério da Construção.

Finalmente, pelo decreto de 31 de dezembro de 1958, programas e planos foram integrados em uma instituição única sob o nome de Planos Regionais de Desenvolvimento Econômico e Social e de aménagement du Territoire. Foi, portanto, nessa época que a planificação no tempo e a planificação no espaço foram estreitamente relacionadas e acionadas pelo mesmo instrumento jurídico.

Entretanto, os planos regionais de desenvolvimento econômico e social e'de aménagement du territoire não constituem a última etapa da evolução da planificação regional. Faltava ainda ligá-la mais intimamente à planificação nacional. Essa última ligação está sendo atualmente realizada através daquilo que se tem chamado de regionalização do plano nacional, da qual nos ocuparemos posteriormente. Parece-nos que antes de tratar esse aspecto é conveniente apresentar, em suas linhas gerais, o conteúdo dos planos regionais, os órgãos encarregados das tarefas relacionadas à planificação regional, para em seguida tratar da elaboração dos planos regionais e, então, voltar à regionalização do plano nacional. Finalmente, trataremos da execução da planificação regional e principalmente dos órgãos dela encarregados.

2. CONTEÚDO DOS PLANOS REGIONAIS

Do ponto de vista formal, o conteúdo dos planos regionais é comparável ao do plano nacional. Com tal afirmação queremos dizer que, como no último, nos planos regionais encontramos, de um lado, análises detalhadas do meio natural, econômico e social da região, agrupadas na sua primeira ou nas suas duas primeiras partes; de outro, os objetivos desejados, as orientações de desenvolvimento, as recomendações e os grandes investimentos regionais a serem realizados.

Devemos, entretanto, observar que todas as atividades produtivas não constituem objeto de um mesmo tipo de tratamento no interior de um plano regional. Em primeiro lugar, parece importante distinguir as atividades agrícolas, industriais e de serviços. No que diz respeito às atividades agrícolas, encontramo-nos em um domínio especialmente favorável à planificação regional, sobretudo no que diz respeito à evolução da estrutura de propriedade e de exploração da terra. Em matéria de atividades industriais não é possível imaginar que cada região possua um parque industrial completo, mas, ao contrário, aparentemente certas vocações industriais são inerentes às diversas regiões e este aspecto constitui igualmente um campo muito favorável à planificação regional. Diferentemente, em matéria de serviços é preciso considerar que segundo essas atividades se dirijam aos consumidores ou às indústrias, tendem a instalar-se perto de aglomerações urbanas ou de zonas industriais. No caso da França não parece razoável, portanto, planificá-las a nível regional, salvo em casos específicos. Resumindo, não se trata de planificação exaustiva de atividades, mas de procurar o desenvolvimento de certas vocações industriais e a organização das estruturas agrícolas. No que se relaciona às demais atividades produtivas, são feitas previsões que devem constituir um detalhamento das previsões nacionais mais do que planos propriamente ditos.

Outro elemento do plano regional bastante problemático é o dos equipamentos. Nesse caso, ao invés do que é feito para a indústria, a região parece ser o nível natural para a planificação global, porque tais equipamentos são necessariamente localizados de acordo com as necessidades de cada região e porque, na França, a unidade econômica real é constituída cada vez mais pela região. Para tais propósitos, a região é tecnicamente superior ao nível nacional e ao nível do departamento, hoje uma coletividade ultrapassada do ponto de vista espacial e financeiro.

Depois dessas considerações, parece-nos viável passar às considerações sobre os órgãos encarregados das tarefas relativas à planificação regional.

3. OS ÓRGÃOS ENCARREGADOS DAS TAREFAS RELATIVAS A PLANIFICAÇÃO REGIONAL

3.1 Os órgãos centrais

Daremos uma idéia daqueles órgãos centrais principais encarregados da planificação regional durante a época da preparação dos últimos planos. Alguns deles modificaram-se com a substituição do Primeirr>Ministro Chaban-Delmas por Pierre Messmer. Feita essa ressalva, parece-nos necessário lembrar que, como até agora sublinhamos, a planificação regional na França nunca foi independente da planificação nacional; ao contrário, os relacionamentos entre elas são cada vez mais estreitos e a primeira é o complemento necessário da segunda. Isto explica a existência de órgãos centrais encarregados de tarefas que dizem respeito à planificação regional.

Primeiramente, devemo-nos lembrar dos órgãos de aménagement du territoire , isto é, da Delegação de Aménagement du Territoire e Ação Regional, bem como da Comissão Nacional do Aménagement du Territoire. É verdade que o aménagement du territoire não é exatamente igual à planificação regional e a distinção entre a Delegação de Aménagement du Territoire e o Comissariado Geral do Plano o demonstra bem.

Todavia, a aproximação dessas duas áreas conduziu a uma aproximação correspondente dos órgãos já mencionados. Assim, o comissário geral do plano e o delegado do aménagement du territoire passaram a responder ao primeiro-ministro por intermédio do ministro delegado, encontrando-se como presidente e vice-presidente, reciprocamente, à frente do Comitê de Regionalização do Plano. Em outras palavras, no seio do Comissariado Geral do Plano foi instituída a Comissão Nacional do Aménagement du Territoire, fazendo parte dos organismos do. plano nacional. Finalmente, ainda no interior do Comissariado Geral do Plano, foi criado por decreto de 17 de julho de 1965 o Comitê de Regionalização do Plano, que intervém tanto na elaboração dos planos regionais como das faixas regionais do plano nacional, isto é, na elaboração do catálogo de investimentos públicos a serem efetuados nas diversas regiões como incumbência do piano nacional, no transcurso de sua duração.

3.2 Os órgãos regionais

Pelo que afirmamos até agora é fácil perceber que a centralização do poder de decisão é uma característica da planificação regional francesa, ao contrário do que encontramos em outros países, como na Itália, onde a planificação nacional é nada mais nada menos do que o resultado da combinação das planificações realizadas pelas regiões.

Na França, os órgãos regionais desempenham seu papel somente na preparação e na execução do plano nacional. Esses órgãos têm sido até o presente a Prefeitura Regional, criada por um decreto de 14 de março de 1964, a Conferência Administrativa Regional e a Comissão de Desenvolvimento Econômico Regional (CODER), criadas por um outro decreto da mesma data.

A expressão Prefeitura Regional pode dar a impressão de que na França existam superprefeitos, o que não corresponde à realidade; ao contrário, o prefeito de uma região é apenas um dos prefeitos de seus departamentos constituintes; mais precisamente, o prefeito do departamento onde se encontra a sede da região. Assim, os serviços administrativos desse departamento são também utilizados para a região que não possui serviços próprios. Ao prefeito de região são delegados poderes relativos à elaboração e à execução dos programas de equipamento público que se inserem no quadro da execução do plano nacional. Os problemas criados pelos investimentos públicos e por sua incidência sobre a vida econômica e social da região são do conhecimento da Conferência Administrativa Regional, que é consultada pelo prefeito por ocasião da elaboração e da execução da faixa regional do plano nacional.

Finalmente, é preciso dizer que, por um dos decretos de 14 de março de 1964, a CODER deve ser chamada a emitir seu parecer sobre as questões relativas ao desenvolvimento econômico e social e ao Aménagement du Territoire, sendo igualmente consultada sobre os aspectos regionais do plano nacional.

A reforma regional de 1972 pretende mudar um pouco o quadro administrativo da planificação regional tal como tradicionalmente funcionou. Essa reforma estabelece como novos órgãos da região o Conselho Regional, com poder de decisão sobre a utilização de recursos próprios para a realização de obras públicas ou para seu financiamento, o Comitê Econômico, Social e Cultural, dotado de atribuições consultivas, e a Prefeitura Regional, como órgão de instrução e de execução dos órgãos colegiados já mencionados.

A região parisiense é dotada de um regime particular. Ela é administrada por um prefeito que não é prefeito de departamento, mas sim o Delegado do Distrito de Paris. Esse prefeito tem a seu lado um Comitê Consultivo Econômico e Social da Região Parisiense, cujas atribuições dizem respeito a problemas de urbanismo, de construção e de aménagement da região.

4. A ELABORAÇÃO DOS PLANOS REGIONAIS

A elaboração dos planos regionais não pode ser atualmente separada da elaboração do plano nacional. De fato, a partir do quinto plano nacional, as regiões são convidadas a participar de sua elaboração. Isto quer dizer que cada prefeito apresenta um relatório que, precisando as perspectivas a longo prazo, mostra as grandes opções regionais. Em 1970, eles apresentaram igualmente as prioridades desejadas em termos de obras públicas.

4.1 A regionalização do plano nacional

A elaboração de programas regionais começou por ocasião do terceiro plano nacional, mas a participação das autoridades locais tornou-se muito mais estreita no quinto plano. Segundo Pierre Bauchet, podemos observar duas fases na regionalização do plano nacional: os grandes traços do desenvolvimento regional são estabelecidos em uma primeira fase que vai até a votação do plano nacional; já a ação regional é precisada em uma segunda fase.

No quinto plano nacional, o desenvolvimento regional e urbano foi objeto de um de seus capítulos, graças aos relatórios pedidos aos prefeitos de região. As especificações sobre as obras públicas eram ainda dadas por categorias. Assim, os investimentos da categoria A relacionavam-se às universidades, aos centros hospitalares universitários e às rodovias; a categoria B compreendia os estabelecimentos de ensino mais baixo, os hospitais, etc, os quais constituem investimentos individualizados em nível regional; finalmente, a categoria C compreendia os investimentos individualizados em nível departamental, tais como os referentes às escolas primárias e à adução de água. Pode-se observar uma regionalização ainda mais forte nessa primeira fase no que diz respeito ao sexto plano nacional. Cada região elaborou um relatório regional, submetido à CODER respectiva, indicando as orientações desejáveis para o desenvolvimento. Depois da síntese dos relatórios realizada no Comissariado Geral, a Comissão Nacional de Aménagement du Territoire indicou os objetivos a serem buscados, com o auxílio de estudos inter-regionais das zonas que apresentam os maiores problemas.

No que diz respeito ao sexto plano nacional, a segunda fase, ou seja, aquela que precisa as ações regionais, caracterizou-se pela definição dos programas de desenvolvimento pelos ministérios interessados em colaboração com as coletividades locais! Parece importante acrescentar que, a partir do quinto plano nacional, o conjunto dos trabalhos regionais e urbanos recebe uma atenção considerável, percebendo-se uma concepção mais urbana do desenvolvimento regional, uma coerência das diversas ações em termos de perspectiva de desenvolvimento a longo prazo e uma avaliação realista em termos de financiamento nacional e local dos investimentos propostos.

Todavia, parece que a França está ainda longe de uma verdadeira regionalização do plano nacional. Um dos motivos que costumam ser apresentados como explicação desse fato está nas disponibilidades em termos de meios e de tempo das instâncias locais, que sendo muito limitadas impediram-nas de desempenhar um papel mais ativo. Entretanto, não seria difícil encontrar explicações históricas e talvez até mesmo culturais para tal dificuldade no atingimento de uma regionalização real e total.

A essa regionalização do plano nacional estão ligadas tentativas de descentralização, cujos traços principais já foram sublinhados. A criação de instituições regionais, bem como a criação das próprias regiões, a associação mais estreita dos escalões regionais e locais na preparação do plano nacional, bem como a instalação de organismos locais voltados para o estabelecimento de esquemas de aménagement das cidades representam, talvez, as principais dessas tentativas. Entretanto, elas estão ainda muito longe de representar uma descentralização efetiva. Parece-nos. importante, inclusive, lembrar que muitos dos especialistas na matéria estimam que as consultas feitas às regiões antes da votação do plano nacional ou de suas opções não têm mais que uma importância muito pequena sobre seu conteúdo.

5. A EXECUÇÃO DA PLANIFICAÇÃO REGIONAL

De qualquer forma, porém, é indiscutível que depois do decreto de 14 de março de 1964, o prefeito de região tem um poder ativo no que diz respeito à execução das faixas regionais do plano nacional, muito embora tal poder possa ser ainda bem maior.

A reforma dé 1964 foi especialmente econômica, mas deu aos novos prefeitos de região funções importantes. O prefeito de região é o controlador e coordenador da execução da faixa regional do plano nacional de desenvolvimento econômico e social. Assim, o prefeito de região tornou-se depositário dos poderes dos chefes de serviços regionais. De acordo com o art. 2.º do decreto mencionado, "no domínio do desenvolvimento econômico e do aménagement du territoire, (.. ) o prefeito de região anima e controla a atividade dos prefeitos dos departamentos da região, bem como dos chefes de serviços, dos presidentes ou diretores de estabelecimentos públicos ou sociedades de economia mista cuja ação se estenda a vários departamentos da circunscrição e que não tenham um caráter nacional". O art. 10 do mesmo decreto afirma que "os poderes de decisão dos chefes dos serviços regionais das administrações civis do Estado, relativos à elaboração e à implementação de programas de obras públicas resultantes da execução do plano nacional, são transferidos ao prefeito da região".

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Ago 1974
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