Acessibilidade / Reportar erro

Prevenção e controle de acidentes catastróficos

NOTAS & COMENTÁRIOS

Prevenção e controle de acidentes catastróficos

Francesco M. G. A. F. de Cicco

Engenheiro civil e de segurança industrial pela Faculdade Armando Álvares Penteado (FAAP); diretor executivo do Instituto Brasileiro de Gerência de Riscos (IBGR)

1. INTRODUÇÃO

Normalmente, os dicionários definem o termo risco como sendo "a possibilidade de ocorrência de danos a pessoas e propriedades". Se engenheiros de confiabilidade escrevessem dicionários, diriam que risco é "a probabilidade de ocorrência de danos a pessoas, propriedades e meio ambiente, em um determinado intervalo de tempo".

Por motivos óbvios, os primeiros passos para a quantificação da confiabilidade11 Uma definição sucinta de confiabilidade: probabilidade de que um componente, dispositivo, equipamento ou sistema desempenhe satisfatoriamente suas funções, por um determinado período de tempo e sob um dado conjunto de condições de operação. foram dados na indústria aeronáutica, sendo consolidados posteriormente na indústria aeroespacial.

No final da década de 40, nos EUA, os esforços para incrementar a confiabilidade foram concentrados em termos de qualidade de produtos. Avanços consideráveis foram feitos no desenvolvimento de projetos, materiais, instrumentos de inspeção, todos eles buscando aumentar a vida útil do produto ou sistema.

Da mesma forma, foram alcançados notáveis progressos na área de manutenção, principalmente quanto ao planejamento de recursos e aos meios e técnicas para a manutenção preventiva.

A partir do início da década de 1950, foi dada crescente importância ao item segurança, especialmente nas áreas aeroespacial e nuclear, disseminando-se o uso da confiabilidade de componentes em termos de taxas de falha, vida útil provável e adequação de projetos.

Ainda nos EUA, já na década de 1960, vários esforços foram feitos na realização de testes funcionais de componentes e sistemas. Foram obtidos registros de falhas e analisados cada modo de falha e seus respectivos efeitos, buscando-se com isso definir as ações preventivas a serem adotadas. A análise de sistemas, utilizando diagramas de blocos de confiabilidade, foi exaustivamente usada como modelo para auxiliar a atingir os objetivos de confiabilidade e segurança previstos.

A completa avaliação de riscos de plantas de energia nuclear, patrocinada pela United States Atomic Energy Commission e concluída em 1974, marcou época.22 WASH 1400 - the reactor safety study. Atomic Energy Commission, Washington, D.C., 1974. O Prof. N. Rasmussen e sua equipe analisaram um vasto espectro de acidentes nucleares, classificando-os em função de suas respectivas probabilidades de ocorrência e avaliando suas conseqüências potenciais para o público e o meio ambiente.

Assim, várias técnicas de análise de riscos utilizadas nesse trabalho foram sendo largamente adotadas pela indústria química e outras, principalmente na Europa, Ásia e EUA.

O crescente clamor da opinião pública, no que tange aos riscos industriais, tem provocado impactos profundos. Na Europa, por exemplo, após os graves acidentes de Flixborough, na Inglaterra, e Seveso, na Itália, houve uma revisão profunda da legislação, obrigando as empresas à realização de estudos de riscos, antes da construção de novas unidades industriais.

No Brasil, somente agora está-se começando a pensar seriamente em algo nesse sentido.

2. CONFIABILIDADE, RISCO E SEGURANÇA

Há considerável sobreposição - e freqüente confusão entre os termos confiabilidade, risco e segurança.

Em geral, temos adotado o termo análise de confiabilidade para nos referirmos a falhas ou à operabilidade de processos e equipamentos.

Por sua vez, o termo análise de riscos tem sido usado de modo mais abrangente para caracterizar, além das falhas ou operabilidade de processos e equipamentos, o estudo de parâmetros de segurança, traduzidos em termos de possíveis danos (riscos) ao próprio sistema, ou a pessoas, às instalações e bens em geral da empresa, ao meio ambiente, à comunidade e a terceiros.

Um exemplo de análise de confiabilidade seria o estudo da freqüência em que um reator químico poderia superaquecer-se dado o mau funcionamento de bombas,. trocadores de calor, operadores, sistemas de controle e outros equipamentos e utilidades. Se esse estudo incluísse uma avaliação de quão freqüentemente um surto de temperatura resulta em uma explosão, estaríamos, então, tratando também dos aspectos de segurança (análise de riscos). Para concluir o estudo, precisaríamos igualmente considerar o conjunto de conseqüências (danos humanos, materiais e financeiros) e suas respectivas freqüências.

É por essa razão que, de maneira geral, risco (risk, em inglês) é definido pela expressão:

Clique para ampliar

Assim, se dissermos que, no Brasil, o risco de um acidente fatal com trabalhadores da indústria química é da ordem de 0,09 x 10-6 por pessoa e hora de exposição,33 De Cicco, Francesco M. G. A. F. Brasil, 1980: estatísticas de acidentes do trabalho. São Paulo, Fundacentro, 1982. 53 p. queremos afirmar que esse número corresponde a uma média de nove vítimas por ano para cada grupo de 10.000 trabalhadores na indústria química.

Obviamente, a parte mais importante de uma análise de riscos é a definição das medidas preventivas e corretivas a serem adotadas para o controle dos riscos, o que será melhor detalhado no tópico a seguir.

3. METODOLOGIA DE ANÁLISE

A realização de um estudo completo de confiabilidade e riscos em uma empresa (normalmente desenvolvido por uma equipe de engenheiros e técnicos de várias modalidades) compreende, basicamente, as seguintes fases:

• Fase I: definição do sistema a ser analisado e identificação dos riscos potenciais (revisão geral).

• Fase II: estudo qualitativo e quantitativo da seqüência de acidentes e falhas.

• Fase III: cálculo do volume de material tóxico ou da energia liberada por um determinado tipo de acidente ou falha; definição da trajetória de toxinas letais, ondas de choque ou radiações térmicas; avaliação dos possíveis efeitos à saúde, e danos materiais e ao meio ambiente.

É importante ressaltar que, com a aplicação das técnicas de análise de riscos, já a partir da fase I, é possível definir as estratégias a serem adotadas para a administração dos riscos detectados, quer em termos de adoção de medidas preventivas e corretivas, quer em termos, por exemplo, de transferência de parte desses riscos para o mercado de seguros.

Por outro lado, a tendência moderna, decorrente de exigências crescentes da opinião pública e da legislação dos países desenvolvidos, é levar a efeito uma quantificação dos riscos, com base em sua freqüência e gravidade, e não simplesmente de uma forma subjetiva e empírica.

Um dos critérios adotados é comparar os riscos industriais com outros a que, voluntariamente ou não, estamos expostos. É comumente aceito, nesses países desenvolvidos, que o risco inerente às atividades industriais deve ser mil vezes menor que o risco cotidiano de morte por doença ou acidente, que é da ordem de 9 x 10-3 mortes/ano, conforme mostra o quadro 1.


A divulgação, pelos veículos de comunicação, de catástrofes a nível mundial tem provocado grande impacto junto ao público, criando assim a noção de risco perceptível, que se superpõe à de risco real e leva geralmente a se subestimarem os pequenos acidentes do cotidiano.

As estatísticas mundiais têm mostrado que um dos maiores perigos a que estamos sujeitos s2o os acidentes rodoviários, o que não nos impede, todavia, de diariamente circular pelas estradas... Consideramos então esse risco como aceitável.

De fato, o conceito de risco aceitável permite substituir o conceito subjetivo de segurança por outro, objetivo e dominável, que possibilita a administração científica dos riscos inerentes a determinada atividade.

Felizmente, os acidentes com elevada severidade ocorrem com baixa freqüência. Uma catástrofe é, efetivamente, um evento raro, com probabilidade de ocorrência inferior a 10-5 (outra vez, nos referimos a critérios e estatísticas de países desenvolvidos, porque aqui no Brasil são poucas as atividades com registros históricos, confiáveis e representativos). Todavia, sua elevada gravidade atrai muito mais a atenção do público que os pequenos e freqüentes acidentes.

De certa forma, é um mecanismo idêntico ao que se passa nas empresas, em que pequenos e freqüentes acidentes não conseguem despertar o interesse dos executivos, em comparação com os acidentes de maior vulto e de freqüência extremamente baixa.

Ciclicamente, a comunidade mundial é sacudida por acontecimentos catastróficos: uns, de caráter natural (inundações, terremotos, furacões), outros, conseqüência da atividade do homem (explosões, liberação de substâncias tóxicas ou radioativas). Quanto aos primeiros, pouco se poderá esperar em termos de intervenção humana para dominar seus efeitos, enquanto que, em relação aos segundos, fica a impressão no público de não se ter feito o suficiente para evitá-los. Nomes que ficam gravados na memória coletiva como Three Mile Island, Bophal, Vila Socó, Goiânia...

Antes de concluir a metodologia dos estudos de confiabilidade e riscos, convém ainda falar sobre alguns critérios de aceitabilidade de riscos que vêm sendo adotados, especialmente pela indústria nuclear.

As autoridades britânicas, por exemplo, responsáveis pela construção e operação de centrais nucleares, estabeleceram uma curva (chamada Curva de Farmer) para distinguir liberações de radioatividade permissíveis das níopermissíveis, em função de seu impacto no meio ambiente.

Já nos EUA, as autoridades dessa área preferiram contabilizar o risco em dólares, exigindo que as plantas nucleares provem, através de uma análise de custo/benefício, que uma redução da dose de radioatividade que atinge a população existente num raio de 50 milhas não pode ser obtida com um investimento inferior a US$ mil por homem-rem.

Na Europa, mais especificamente na Holanda, é exigido que as plantas de processo químico demonstrem ter suas instalações adequadas a um nível de risco (não-confiabilidade) inferior a 10-7/ano, para falhas ou eventos que possam pôr em perigo vidas, bens ou meio ambiente.

Dessa forma, a abordagem baseada em análises de confiabilidade e riscos permite separar os riscos aceitáveis daqueles que não o são. Para estes, toma-se imprescindível os preceitos da engenharia de segurança, de modo a reduzi-los a níveis considerados aceitáveis.

Tal objetivo será atingido pela adoção criteriosa de medidas de prevenção e proteção, tanto as destinadas a reduzir a probabilidade de ocorrência de sinistros, como as destinadas a limitar a extensão de suas conseqüências.

Em resumo, a gestão fundamentada em análises de confiabilidade e riscos irá permitir definir as estratégias a serem seguidas para uma administração dos riscos eficaz, estabelecendo-se assim:

• quais os riscos aceitáveis;

• qual a gravidade de um eventual acidente;

• quanto deverá ser investido em prevenção e proteção;

• como poderão ser reduzidos os riscos inaceitáveis, e quais as soluções que otimizam a relação custo/benefício;

• quais os riscos que devem ser transferidos para o mercado de seguros, e quais os que deverão ser absorvidos pela própria empresa.

O fluxograma da figura 1 é uma síntese da abordagem que procuramos mostrar no presente texto.

123

  • 2 WASH 1400 - the reactor safety study. Atomic Energy Commission, Washington, D.C., 1974.
  • 3 De Cicco, Francesco M. G. A. F. Brasil, 1980: estatísticas de acidentes do trabalho. São Paulo, Fundacentro, 1982. 53 p.
  • 1
    Uma definição sucinta de confiabilidade: probabilidade de que um componente, dispositivo, equipamento ou sistema desempenhe satisfatoriamente suas funções, por um determinado período de tempo e sob um dado conjunto de condições de operação.
  • 2
    WASH 1400 - the reactor safety study. Atomic Energy Commission, Washington, D.C., 1974.
  • 3
    De Cicco, Francesco M. G. A. F.
    Brasil, 1980: estatísticas de acidentes do trabalho. São Paulo, Fundacentro, 1982. 53 p.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1988
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br