Acessibilidade / Reportar erro

Desenvolvimento da civilização material no Brasil

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Desenvolvimento da civilização material no Brasil

Edgard Carone

DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO MATERIAL NO BRASIL

Por Afonso Arinos de Melo Franco. 2. ed., Conselho Federal de Cultura, 1971. 168 p. II.

A primeira edição do livro de Afonso Arinos é de 1944 e foi editada pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; a reedição transcreve o original. Apesar de não ter pretendido atualizá-lo, continua a ser indispensável para o estudo de algumas características da civilização brasileira.

O autor não pensou em fazer estudo exaustivo sôbre os temas que aborda, porém, a obra permanece como introdução a questões pouco abordadas da nossa historiografia. Como esta desenvolveu mais os estudos de história política, pouco sabemos de nossa evolução material. É assim que as conferências apresentam interêsse particular, pois tratam cronologicamente dos problemas da população, da urbanização, do povoamento, da administração, da comunicação, etc, fato que nos permite ter uma visão geral e conjunta dêstes fenômenos. Por razões particulares, estuda êstes fatores por etapas: com exceção da primeira parte, que é um apanhado genérico - fatores primitivos, o português, o negro, o índio - os outros capítulos referem-se aos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX.

Para caracterizar o problema da ocupação portuguesa na época Colonial, Afonso Arinos acentua traços que representam a continuidade ou descontinuidade da permanência lusa no Brasil: "a preocupação primordial dessa política de reprodução dos modelos reinóis foi, naturalmente, a fundação de povoações fixas, que viessem substituir com vantagem os pousos móveis e precários das feitorias. Portugal queria, pois, transplantar para cá as suas próprias povoações. E o fêz com tal vigor que ainda hoje êstes elementos fundamentais da nossa civilização material, as cidades do interior, guardam, em linhas gerais, a marca poderosa dos primitivos povoadores."

Por sua vez, as estradas - ou caminhos, como são denominadas comumente - deixam de ser cuidadas, simplesmente por razões táticas: "por vários motivos, o português não cuidou particularmente do sistema de comunicação terrestre. A princípio principalmente porque, sendo a civilização localizada na fímbria litorânea, mais fáceis e mais seguras eram as comunicações marítimas... Depois, o latifúndio e a monocultura, na era açucareira, a falta de trocas internas e o insulamento econômico dos engenhos em nada contribuíram para melhorar os caminhos... Em seguida à era da cana, o século do ouro ainda menos contribuiu para a melhoria delas. Caminhos, então, só os indispensáveis, pois quanto mais caminhos houvesse mais se facilitariam os descaminhos do metal e das pedras, em prejuízo do fisco vigilante".

No entanto, além da problemática comum das cidades e caminhos, temos a existência de outros fatores, como o gosto português pela ostentação exterior e sua medíocre preocupação pelo conforto interno de moradia.

O século XVI é aquêle em que o povoador ocupa grande parte da faixa litorânea; o reconhecimento das costas, as feitorias, as capitanias hereditárias e o Govêrno-geral são medidas diversas, com objetivos únicos, isto é, povoamento das regiões ameaçadas pelos estrangeiros. E as inúmeras cidades fundadas nesta centúria mostram também a preocupação em fixar o homem em pontos estratégicos: é Tomé de Sousa quem abre a "nova fase para a civilização brasileira", pois êle tem os "recursos mais amplos da Coroa". Assim, de maneira genérica, temos as fundações das cidades de Salvador (1549), São Paulo (1554), São Vicente (1532), Rio de Janeiro (1565), Olinda (1536), Santos (1546), etc.

O século XVII foi o "mais importante da nossa história Colonial, pois nele se deu a consolidação do domínio luso no litoral, com a expulsão dos invasores, e, no interior, a parte decisiva da conquista do sertão". Assim é que, dentro dêste contexto, dá-se a transformação do Recife, sob Maurício de Nassau; por outro lado, a Bahia, centro da ação de Portugal, torna-se a "cabeça da Colônia".

A defesa costeira explica, em parte, o desenvolvimento urbano litorâneo. No interior, o fenômeno é diferente: "o ciclo da caça ao índio é essencialmente móvel. O bandeirante não se fixa, não funda estabelecimentos duráveis. Penetra, luta, encurrala o seu rebanho humano e regressa com êle para o litoral". Porém, só certos núcleos ou pousadas dos bandeirantes, ligados a caminhos mais permanentes, é que irão transformar-se em cidades: Mogi das Cruzes (1611), Taubaté (1650), Jacareí (1653) e Guaratinguetá (1657) "comandavam o avanço para as Gerais; Parnaíba (1625) e Itu (1657) foram os trampolins do salto a Mato Grosso; Jundiaí e Sorocaba (1661) apontavam respectivamente os caminhos de Goiás e Paraná".

O século XVIII é aquêle em que se completa o povoamento do litoral e o reconhecimento do interior aprofunda-se. O gado no Rio Grande do Sul e no vale do São Francisco; o ouro e diamantes em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso; a ocupação militar e religiosa do vale do Amazonas, etc. são alguns momentos da maior fixação interiorana. Nesse período, a civilização - arte, moradia, urbanização, luxo - toma aspectos nôvos. E o desenvolvimento particularista vai consolidar-se, numa afirmação de regionalismo, que marcará a nossa história.

"Nos primeiros anos do século passado (XIX) dá-se um fato de capital importância para o desenvolvimento da civilização brasileira. O Brasil, de administração secundária, passa a ser sede do Governo; de colônia se transforma em metrópole, entrando de chofre, sem luta, no estado de independência política. Qualquer crítica pessoal que se pretender fazer ao príncipe e rei D. João perde o interêsse diante da realidade poderosa do movimento progressista que a sua função governativa produziu, se não mesmo promoveu. A estada da corte no Rio de Janeiro foi a origem de uma transformação profunda da civilização do Brasil".

O reflexo maior aparece, inicialmente, na transformação material do Rio de Janeiro: sua população, no têrmo do século XVIII, pouco excedia de 40.000 habitantes; em 1821 atinge 110.000 almas. "Não sòmente cresce a cidade como também foi provida de edifícios públicos e particulares, dotados de estilo arquitetônico mais apurado, graças à presença do arquiteto Grandjean de Montigny, elemento integrante da missão artística francesa aqui chegada em 1816".

As outras capitais - Porto Alegre, Salvador, Recife, São Paulo - sofrem também grandes vicissitudes nesse século. Porém, é o café que intensifica o comércio, a urbanização e a abertura de estradas de ferro no sul. No Nordeste, o açúcar ainda representa o elo econômico fundamental e, conseqüentemente, é a partir dele que se explica uma série de transformações materiais.

Assim, o breve apanhado de Afonso Arinos permite-nos seguir o nascimento e desenvolvimento de uma série de problemas materiais da nossa civilização. E, o seu livro pioneiro, torna-se grandemente útil como introdução à problemática da história brasileira.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1972
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br