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Ombusdman: uma instituição administrativa em exportação

COMENTÁRIOS

Ombusdman: uma instituição administrativa em exportação

Fernando C. Prestes Motta

Professor do Departamento de Administração Geral e Relações Industriais da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

A palavra ombudsman, em sueco, significa mediador ou intermediário. Trata-se de uma instituição inseparável da democracia como entendida na Escandinávia e, ultimamente, vários países da Europa e, de modo especial a França, procuram adaptá-la a seus próprios, quadros institucionais. Na verdade, o que mais parece interessar a esses países 6 o fato de o ombudsman poder vir a constituir- se em um intermediário entre as empresas, o governo e a sociedade, de maneira geral. O ombudsman assim concebido procure evitar abusos e manter a ordem democrática ao interesse da população. Na França, especialmente, o ombudsman pareceu um moio interessante para o trato com a ctescente alta de preços que aparentemente provocava uma ampla reação social.

1. O OMBUDSMAN SUECO

Inicialmente, os suecos concebiam o ombudsman como uma figura única e de competência global, ou seja, o mesmo homem que trataria da proteção dos consumidores através de vários instrumentos, inclusive o do controle da propaganda nociva, desonesta ou criadora de necessidades supérfluas, seria também responsável pela ação do controle fiscal, militar e policial. De acordo com tal concepção, o ombudsman deveria ser um defensor do povo em todos os sentidos. Evidentemente tal concepção não poderia fazer face a uma sociedade moderna complexa e altamente diferenciada e, com efeito, ela evoluiu para uma concepção onde, com uma divisão do trabalho respeitada, 40 juristas protegem os suecos dos diversos abusos de que poderiam ser vitimas.

A regra básica que está por trás da instituição do ombudsman é a de que os oito milhões de suecos devem ser cidadãos felizes, protegidos das armadilhas da vida cotidiana. Assim, todo e qualquer cidadão que se sinta moral ou fisicamente lesado pode apelar ao ombudsman competente, cujos poderes e prestígio são indiscutíveis na sociedade sueca.

Tal sistema não é novo em seu país de origem, onde foi criado no ano de 1809, quando a Constituição previu a nomeação de um árbitro cuja tarefa básica seria o controle dos magistrados, dos funcionários públicos em geral, não deixando mesmo sem citação os próprios ministérios. Talvez um dos elementos que tenha tornado possível a sedimentação da instituição tenha sido o fato de o primeiro ombudsman ter sido um dos juristas que redigiu a própria Constituição. Atualmente, com 164 anos de existência, tal instrumento parece indubitavelmente eficaz, não só no que se refere à atividade pública propriamente dita como no que diz respeito à intervenção no domínio econômtco.

É preciso considerar que tal eficácia é inseparável da própria evolução da sociedade sueca visto que o ombudsman único do século passado foi substituído por um grupo de quatro unidades, com competências bem determinadas, sendo que a uma dessas unidades cabe basicamente a defesa dos interesses dos consumidores. Hoje tal instituição já funciona regularmente, sob formas evidentemente um pouco diferentes, na Dinamarca, na Noruega, na Finlândia e na Alemanha, sendo que a França e a Grã-Bretanha procuram Incorporá-la definitivamente em seus quadros institucionais.

2. O OMBUDSMAN ENTRE AS EMPRESAS, O GOVERNO E OS CONSUMIDORES

O ombudsman dos consumidores é relativamente novo, mesmo na Suécia, mas como ação parece bastante eficaz. Evidentemente tal eficácia está diretamente relacionada com os poderes que tem em mãos, derivados efetivamente de duas leis em vigor desde sua posse. A primeira delas refere-se basicamente às atividades de marketing das empresas, e a segunda às suas condições contratuais. A lei que diz respeito à atividade de marketing visa proteger o público das agressões de uma publicidade que pode assumir um caráter abusivo e pouco honesto. A base de tal lei pode, de certa forma, ser sintetizada na idéia de que se alguém adota uma medida de promoção comercial, este alguém deve ser capaz de poder provar os fundamentos concretos daquilo que promete ou afirma. Já a lei que diz respeito às condições contratuais procura defender o comprador daquelas cláusulas freqüentemente encontradas em contratos comerciais que favorecem o vendedor, em detrimento do comprador. Tal lei chega mesmo a proporcionar ao comprador a possibilidade de denunciar um contrato já assinado, se, dentro de uma semana, perceber que, de alguma forma, foi lesado.

Com esses dois Instrumentos em mãos e com todo o apoio da esfera governamental, o ombudsman dos consumidores, que conta com um staff de 27 pessoas parece ter os meios adequados para transformar o consumidor-objeto em consumldorcidadão - principal preocupação de Sven Heurgren, considerado relativamente jovem quando assumiu seu posto com cerca de 41 anos. Sua intervenção vem ocorrendo nos casos em que o problema assume o aspecto de interesse geral. No ano de 1971, por exemplo, cerca de dois mil casos foram submetidos a este ombudsman. Desses dois mil casos, 400 pareceram realmente relevantes e, enquanto alguns deles puderam ser tratados através de negociações amigáveis, para 16 casos básicos não houve outra solução que não a de submetê-los a uma jurisdição especial, chamada "Tribunal do Mercado" - que é composto de magistrados, representantes da indústria, do comércio e dos consumidores - para cujas sentenças não há apelo e seus efeitos são imediatos, sob pena das punições previstas por lei. Há pouco tempo, um caso difícil foi tratado através da utilização de todos esses recursos: um frigorífico vendia salsichas empacotadas, utilizando uma embalagem que parecia dar ao produto um tamanho muito superior ao real. Denunciado tal fato ao ombudsman dos consumidores, este entrou em contato com o frigorífico que se recusou a atendê-lo, justificando sua recusa em função do estoque considerável de embalagem que possuía. Esgotadas todas as possibilidades de negociações amigáveis, o ombudsman levou o caso ao "Tribunal do Mercado". O referido tribunal concordou com a constatação de que se tratava de um caso de abuso na utilização de embalagens. Ameaçado de uma multa de 100 mil coroas, cerca de Cr$ 200 mil, o frigorífico preferiu modificar seus métodos de venda.

O trabalho do ombudsman dos consumidores e seus colaboradores é permanente. A unidade é continuamente solicitada a intervir nos mais diversos casos, sendo que tais solicitações são feitas através de cartas ou simplesmente por telefone. Toda a documentação e correspondência da unidade é considerada pública e a imprensa não só tem acesso a qualquer um dos Inúmeros processos tratados, como também tem com a unidade um contato estreito, o que não impede, mas, pelo contrário, auxilia a intervenção da unidade nos próprios jornais, quando estes passam a publicar anúncios considerados abusivos ou desonestos com relação aos consumidores.

O papel moralizador da instituição administrativa em pauta parece publicamente reconhecido e, na maior parte das vezes, sua simples existência parece tolher algumas tentativas de abuso. Assim, por exemplo, os fabricantes de cigarro aceitaram sem dificuldades as restrições que foram impostas à propaganda de seu produto. Não se vêem mais em Estocolmo cartazes coloridos onde galãs ou estrelas mostram as maravilhas de uma ou outra marca de cigarro, em uma época em que o governo consagra fundos consideráveis à informação da juventude no que diz respeito aos perigos da nicotina. Além disso, uma série de "medicamentos" desapareceram do mercado sueco, simplesmente porque a unidade dispõe de um laboratório de análises e testes capaz de verificar sua real utilidade, bem como de identificar a diferença de uma sobremesa empacotada, feita à base de gelatina e perfume sintético, de uma verdadeiramente fabricada com frutas selecionadas. Se o produto é feito com gelatina e substância sintética inócua à saúde, ele pode ser comercializado e divulgado, mas nenhuma referência a frutas é permitida, seja por escrito, por fotografia ou por qualquer outra forma de comunicação. Evidentemente, estes são apenas alguns casos possíveis de intervenção pois a gama de problemas é infinitamente ampla, abrangendo desde as vendas a domicílio até mesmo os grandes contratos na compra de bens de produção.

Até agora estivemos tratando basicamente dos ombudsman dos consumidores. Todavia, parece evidente que a proteção destes não pode ser garantida sem que se considere a questão da liberdade econômica. A Suécia é um país dotado de um sistema econômico baseado, em princípio, na livre empresa e na livre concorrência, sendo seu exercício regido por uma lei antitruste cuja aplicação é supervisionada pelo ombudsman da liberdade econômica.

3. OMBUDSMAN E LIBERDADE ECONÔMICA

O ombudsman da liberdade econômica é bem menos recente do que aquele dos consumidores. A instituição já conta com 20 anos de vida, estando atualmente em mãos de Olof Tranell, que conta com 20 colaboradores entre os quais estão juristas e economistas que procuram acompanhar o sistema produtivo e diagnosticar os eventuais casos de infração da lei antitruste. Este ombudsman econômico utiliza amplamente a negociação, buscando sempre intervir onde a liberdade de ação de alguém está entravada pela tentativa de estabelecimento de monopólios, oligopólios ou ainda procedimentos mais sutis de controle de mercado. Todavia, alguns poucos casos não-solucionados através da negociação, como o do ombudsman dos consumidores, o são no tribunal competente. Na Suécia, pode-se dizer que apenas cerca de três para 300 casos vão à justiça. Geralmente, os casos mais visados são os de imposição de preços, bem como aqueles de acordo de preços. Todavia, existem casos, embora raros, em que tais práticas podem ser benéficas para o consumidor; evidentemente, nessas situações, não cabe a intervenção do ombudsman econômico.

Um caso típico de ação do ombudsman econômico, tratado há cerca de três anos, foi o de um construtor especializado que cortou seu, fornecimento a uma importante empresa varejista porque constatou que essa empresa, sob o pretexto de uma política de preços baixos, não oferecia a seus clientes um serviço técnico adequado. A denúncia, evidentemente, partiu da empresa prejudicada e o caso foi analisado em todos os seus aspectos pela unidade chefiada pelo ombudsman econômico. Após investigação cuidadosa, chegou-se à conclusão de que o construtor especializado estava apenas evitando que o consumidor fosse impedido de escolher diferentes preços e diferentes serviços, o que fez com que o argumento básico da denúncia caísse por terra.

4. OMBUDSMAN E LIBERDADE INDIVIDUAL

Paralelamente a todos os esforços de proteção do indivíduo contra todo e qualquer abuso de poder, existe na Suécia uma preocupação muito grande com respeito à vida particular. Tal respeito está patente na preocupação que levou uma imprensa, que desfruta de uma liberdade muito ampla, a criar o seu ombudsman encarregado de controlar a atividade jornalística no sentido de evitar toda e qualquer violação da ética profissional. Tal ombudsman, até há pouco tempo, era Lennart Groll, tendo como staff uma comissão composta de seis membros, dos quais dois externos ao mundo jornalístico, representando o grande público. Eventualmente, essa comissão condena publicamente atos que considera antiéticos e os jornais obrigam-se a publicar tais condenações. Para exemplificar a atuação desse ombudsman particular, é interessante o caso de um assunto tratado pelo jornal L'Ex-pressen. Tal publicação dizia respeito ao assassinato de uma prostituta suíça; várias fotografias da vítima foram publicadas, mas tais fotos nada tinham a ver com os fatos e constituíam uma intrusão na sua vida particular, bem como na de seus familiares. O jornal não só foi obrigado a publicar a reprimenda do próprio ombudsman, bem como a pagar uma multa de 3 mil coroas, isto é, mais de Cr$ 3 mil.

Evidentemente, a instituição do ombudsman, seja qual for seu campo específico de atuação, não é aplicável a qualquer país. é certo que ela pressupõe uma série de condições prévias, entre as quais, certamente, a do respeito à dignidade humana o que, por sua vez, não está necessariamente associado ao nível econômico de um país.

BIBLIOGRAFIA

Andren, Nils. Modern Swedish government. Stockholm, Almgvist et Wiksell, 1968.

Gellhorn, W. Ombudsman and others: citizen's protectors in nine countries. Harvard University Press, 1966.

Homgren, K. La protection des administres en droit suédois et la charge de l'ombudsman. Droit Sociale, 1959. p. 69.

Jornais Le Figaro e Le Monde, artigos de 1972 a 1974.

Langrod, G. La jurisprudence de l'ombudsman britanique. Revue de Administration, Paris, 1969.

Legrand, A. L'ombudsman Scandinave: études comparées sur le contrôle de l'administration. Paris, LGDJ, 1969.

Napione, G. L'ombudsman. Milano, Giuffre, 1969.

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  • Jornais Le Figaro e Le Monde,
  • artigos de 1972 a 1974.
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  • Napione, G. L'ombudsman. Milano, Giuffre, 1969.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Out 1974
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